Nossas crenças

Há coisas que, nas nossas relações sociais, nós revelamos, sem nenhuma dificuldade. Revelamos o  filme favorito, o carro da nossa predileção, as lojas da nossa preferência, os ambientes que gostamos de frequentar, o whisky ou a cerveja que tomamos. Tudo isso o fazemos sem o menor constrangimento, sem nenhuma restrição, tudo muito natural.

Noutras oportunidades, revelamos, ademais, as nossas crenças. Digo melhor, algumas das nossas crenças. Muitas vezes afirmamos, por exemplo, acreditar que chuvisco faz mal à saúde, que não se deve comer manga com febre ou que, depois de uma cirurgia, não devemos comer comida reimosa: pato, carne de porco, surubim, camarão, etc.

Essas são algumas das crenças que ousamos revelar: sem receio, sem constrangimento, em qualquer lugar ou circunstância. Nós cremos e não nos envergonhamos de crer, mesmo naquilo que a ciência descrê.

Fazer o quê?

São crenças e ponto, afinal, ninguém  pode viver ser crer em algo. Acredita-se até em pastor que tira o diabo do coro das pecadoras fazendo sexo elas.

É que, repito, é preciso acreditar, ter fé, caso contrário a vida se tornaria um inferno.

A nossa crença é tamanha que, muitas vezes, acreditamos até em promessas de campanha política; como se fôssemos tolos, babacas, otários. Eu mesmo já acreditei!

Essas são algumas crenças que revelamos  até com certa naturalidade, porque estão, afinal, incorporadas ao nosso dia a dia. Não há, pois, como negá-las, pois as confessamos, repito, sem pudor.

A nós não nos causa nenhum constrangimento admitir, por exemplo, que jogamos um lençol sobre o espelho para não atrair raios ou que só levantamos com o pé direito, para começar bem o dia, desde que um gato preto, numa sexta-feira, não cruze o nosso caminho.

Mas ao lado das crenças reveláveis, as ditas costumeiras, muitas deles racionais  (onde há fumaça, há fogo ou quem bebe tende a se embriagar), outras, nem tanto, há o que chamo de  falsas crenças; aquelas que, por prudência ou medo, muitas vezes não saem da nossa subjetividade mas que, iludidos, as temos como verdadeiras.

Nesse sentido, cremos, por exemplo, que a nossa vontade é livre, que mandamos em nós mesmos, que sabemos escolher entre o bem e o mal, que sabemos discernir o bom do ruim, que não cometemos deslizes graves, que os nossos pecados são apenas veniais, que apenas os pecados dos outros merece expiação ou que as doenças graves só alcançam o vizinho etc.

Nessa senda, cremos, ademais, que um dia a corrupção deixará de existir, que o homem e a mulher serão tratados com igualdade (na medidas de suas desigualdades), que o Poder Judiciário um dia será célere, que as pessoas que amamos nos amam com reciprocidade, que os filhos do vizinho levam os nossos à perdição, que erramos induzidos pelos outros, etc.

E assim vamos vivendo: enganando-nos aqui, nos iludindo acolá, pouco importando se são falsas ou verdadeiras as nossas crenças, pois, afinal, o que importa mesmo é ser feliz, ter paz de espírito, ter força para enfrentar as dificuldades do dia a dia; e, para ser feliz, para ter o mínimo de conforto espiritual, é preciso crer.

Por tudo isso, eu creio sim…

Conciliação pode ser a solução

Justiça Federal atinge 97% de acordos em mutirão no RS

20/05/2013 – 13h14

O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon) de Porto Alegre finalizou na sexta-feira (17/5) mais uma semana de conciliação previdenciária. Até o terceiro dia do mutirão, foram fechados 358 acordos, atingindo o índice de 97% de sucesso. O valor dos benefícios concedidos já ultrapassa R$ 2,3 milhões. Nesse mutirão, iniciado na última terça-feira (14/5), foram agendadas 490 audiências.

Foram analisados casos do Sistema de Perícias Médicas e de Conciliações Pré-Processuais das Varas e Juizados Previdenciários (Sicoprev). A iniciativa começou a funcionar na Justiça Federal de Porto Alegre em agosto de 2012 e tem como objetivo encerrar, por meio de acordos, as ações de concessão de benefícios em um prazo médio de dois meses. Apenas neste ano, o sistema já realizou mais de 5 mil perícias médicas e promoveu cerca de 1,8 mil audiências de conciliação.

Os processos negociados no Sicoprev são relativos a pedidos de auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez. Uma das pessoas atendidas no mutirão, a dona de casa Elza Andrade, de 55 anos, teve que abandonar a profissão de cozinheira devido a problemas de saúde. “Eu não tinha mais condições de trabalhar, tinha calos nas solas dos pés e sentia muita dor. Daí, passei por perícia. Hoje foi legal, a audiência foi rápida e fui atendida no que preciso: o benefício deve ser pago em mais ou menos 30 dias”, comemorou.

As rodadas de negociação ocorrem uma vez por mês no espaço do Cejuscon, no andar térreo do prédio-sede da Justiça Federal de Porto Alegre. A próxima edição será entre os dias 11 e 14 de junho.

Fonte: JFRS

 

Bela iniciativa

fernandomendonçaConvênio firmado entre a 2ª Vara de Execuções Penais, Penas e Medidas Alternativas (VEP) e a Secretaria de Educação de São Luís permitirá a quem tiver penas convertidas em prestação de serviços à comunidade trabalhar, gratuitamente, em escolas da rede de ensino de São Luís. Atualmente, 338 pessoas cumprem penas alternativas em 47 instituições parceiras do Judiciário. A medida só será aplicada nos casos de crimes de menor gravidade.

Para preparar os gestores escolares que farão o acolhimento e acompanhamento dos apenados, a 2ª VEP iniciou, na sexta-feira (17), oficina de sensibilização com 51 diretores sobre procedimentos que serão observados durante o cumprimento da pena nessas instituições.

A oficina de sensibilização foi dirigida pelo juiz Fernando Mendonça, que falou sobre o tema “Execução penal e alternativas penais: construindo uma cultura da paz”. “Queremos fazer uma construção coletiva que favoreça a escola, a comunidade e o apenado, a quem está sendo oferecida a oportunidade de reparar o dano cometido e se ressocializar”, disse o magistrado. O trabalho também será desenvolvido com representantes da Secretaria Municipal de Saúde, outra parceira do programa.

Durante o encontro, os participantes esclareceram dúvidas e fizeram questionamentos sobre aspectos jurídicos e institucionais que envolvem a prestação de serviços à comunidade. Os gestores receberam cartilha de orientação na qual constam missão, visão e valores da 2ª VEP, além de conceitos importantes em relação às penas alternativas e ao papel das entidades no seu efetivo cumprimento.

Para Lana Dolores Cruz, diretora da UEB Bandeira Tribuzi, a iniciativa tem um caráter educativo e estimula a socialização do apenado. “Será uma experiência valiosa para todos os envolvidos”, disse.

DEMANDAS – Por meio de formulários, os parceiros informaram à vara os tipos de demandas existentes nas escolas. As pessoas trabalharão sem custos para o poder público em serviços de manutenção, limpeza, jardinagem, pintura e outras atividades correlatas. Os reeducandos devem cumprir 365 horas, sendo oito horas de trabalho por semana.

O encaminhamento considera os dados apresentados pelos conveniados, perfil, local de residência, habilidades e disponibilidade de horário de quem deve cumprir a pena. Segundo a lei, o cumprimento não deve atrapalhar a vida produtiva e intelectual do apenado, impedindo-o de trabalhar ou estudar.

O juiz explicou que horários e frequência devem ser rigorosamente registrados pelos gestores. “Faltas não justificadas pelo reeducando implicam em penalidades mais severas, pois é uma sentença judicial que está sendo descumprida”, explica.

Quem estiver interessado em firmar convênios com a 2ª VEP deve se dirigir à rua das Sucupiras, quadra 47, casa 31, Jardim Renascença I, em São Luís. Os telefones para contato são 3227 4014 e 3227 7395.

LEI – A Lei de Execução Penal (LEP) prevê que o cumprimento de sentenças pode ser revertido em penas alternativas em casos de crimes de menor e médio potenciais ofensivos, desde que não tenha sido empregada violência, e a pena seja inferior a quatro anos.

Para conseguir o benefício, o réu precisa ser primário e ter bons antecedentes. Estes requisitos são analisados por um juiz criminal, que decidirá se a pena pode ser revertida ou não em prestação de serviços.

Lesão corporal no trânsito, pequenos furtos, dirigir sem habilitação e venda de CDs ou DVDs piratas são exemplos de crimes de menor potencial ofensivo.

Irma Helenn

Assessoria de Comunicação do TJMA

asscom@tjma.jus.br

(98) 3198.4370

A vitória da esperteza

maradona_gol_de_mao_legoTem sido assim, desde sempre: o que importa é vencer, independentemente dos meios.

A sociedade, de tanto testemunhar a vitória da esperteza, termina por concluir que tem que ser assim mesmo.

O cidadão comum, diante de tantos exemplos negativos, fica com a clara sensação que ser correto é bobagem.

Há muitos exemplos, na história, da vitória – e comemoração – da esperteza. Os bobos que se danem, que paguem o preço por insistirem em ser corretos.

Mas os exemplos não precisam ser buscados na história. Todos os dias testemunhamos a vitória da esperteza; muitas vezes como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Faço essas afirmações, em face de várias vezes ter testemunhado a vitória da malandragem, e a vibração dos que torcem pela malandragem, dos que apoiam a malandragem,  o que, desde minha avaliação, é muito grave, pois fica-se com a impressão de que o oportunismo, no que ele tem de mais nefasto, só depende mesmo das circunstâncias.

Para recordar. Maradona fez um gol com a mão, contra a Inglaterra, em 1986, e por essa esperteza é elogiado até  os dias presentes. Dizem os torcedores argentinos,que não foi a mão de Maradona que tocou na bola; foi – pasmem! –  a mão de Deus.

Não se ouviu, vindo da nação Argentina, nenhuma crítica, muito menos condenação por essa malandragem. O toque malandro serviu, argumentam, para calar a boca dos otários, dos que, bobos, fazem e são flagrados. É como se dissessem: para tripudiar, para sobrepujar a ética, com atos de esperteza e malandragem, tem que ser vivaz e inteligente; inteligência que poucos têm comparável à de Maradona e de outros que, como ele, usam da esperteza para alcançarem as suas conquistas.

“Feio mesmo é perder”, dizem os que fazem coro à malandragem.

Na quarta-feira passada, o Corinthians foi desclassificado da Taça Libertadores, dentre outros motivos, em face de o árbitro não ter marcado um pênalti decorrente de uma jogada de mão de um jogador argentino.

Os corintianos, porque perderam, criticaram a esperteza; o torcedores do Boca, porque ganharam, enalteceram a “habilidade” do zagueiro. Para os torcedores do Boca, não há nada de mais em “roubar” o adversário, afinal, eles também fazem coro ao apotegma: feio mesmo é perder. Críticas eles mereceriam, pensam os torcedores do Boca,  é se não tivessem alcançado a classificação, ainda que pela via da malandragem.

Nesse sentido, eu já ouvi, de cronistas esportivos, incontáveis vezes, que o que importa mesmo – no futebol, pelo menos – é vencer,  ainda que seja fora do tempo normal, com um gol de mão, afinal, depois do resultado alcançado, sabe-se, nada mais pode ser feito.

Tivesse sido o Corinthians a vencer , beneficiado pelos erros da arbitragem, os argumentos dos torcedores brasileiros seriam os mesmos de que se valem hoje os torcedores do Boca: feio mesmo é perder e/ou tudo isso é choro de perdedor.

E assim vamos: acolhendo ou rejeitando a esperteza, dependendo da posição em que nos encontramos. Tudo muito espertamente, malandramente, como, afinal, tem sido, desde sempre.

Belo exemplo nos dão os que, convenientemente, aplaudem esse tipo de atitude.

São esses mesmos que não perdem uma oportunidade de condenar um político, quando, por exemplo, condiciona a aprovação de uma lei à liberação dos valores referentes às emendas parlamentares; aqueles valores que ninguém sabe – ou, pelo menos, não somos informados –  onde são empregados.

É isso.

Mau exemplo

‘Eis que a MP dos Portos é aprovada, como era de se esperar, quando prevalece a barganha toma lá-dá-cá. Enfim, os deputados estariam exauridos, pois ´trabalharam até às 5 horas e voltaram às 11 horas do mesmo dia. No plenário, alguns dormiam sem sapatos. Que imagem! No Senado, a votação foi a toque de caixa, com o maestro Renan e sua batuta. Nada analisado, a Casa se apequenou. A mídia ressalta “ter sido a mais longa sessão da Câmara” ultrapassando discussões importantes, como as da Diretas Já e da Constituição de 1988. Penso: A MP deve está aprimorada, após tanta tramitação, embates, emendas. Eis a questão: emendas parlamentares liberadas. Viva! Enfim, mais um exemplo – a não ser seguido – do parlamento que possuímos. Ainda assim, é melhor a democracia”. José Luiz Villas-Bôas.Rio.

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“O que se viu na mídia é a falência do Congresso Nacional. Deputados dormindo de boca aberta, sem pudor, para no final aprovarem uma medida duvidosa, pois focaram somente os portos. E as estradas, e os silos para armazenagem da produção? São uns galhofeiros, preocupados apenas com o toma lá dá cá, buscando suas conveniências. E o Senado? Virou apenas Casa homologatória do Executivo. Estamos caminhando para lugares cada vez mais sombrios. Deus nos ajude”. Augusto Maciel Coelho. Rio

Da Folha de São Paulo

ALEXANDRE PADILHA

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil precisa de médicos estrangeiros?

SIM

Mais médicos: o cidadão não pode esperar

Atrair médicos estrangeiros para o Brasil não pode ser um tabu. Abordagens desse tema, por vezes preconceituosas, não podem mascarar uma constatação: o Brasil precisa de mais médicos com qualidade e mais perto da população.

Temos 1,8 médico para cada 1.000 brasileiros, índice abaixo de países desenvolvidos como Reino Unido (2,7), Portugal (4) e Espanha (4) e de outros latino-americanos como Argentina (3,2) e México (2).

Se do ponto de vista nacional, a escassez desses profissionais já é latente, os desníveis regionais tornam o quadro ainda mais dramático: 22 Estados têm média inferior à nacional, como Maranhão (0,58), Amapá (0,76) e Pará (0,77). Mesmo em São Paulo, apenas cinco regiões estão acima do índice nacional, deixando o Estado com 2,49 médicos por 1.000 habitantes.

Desse modo, não surpreende que quase 60% da população, segundo o Ipea, aponte a falta de médicos como maior problema do SUS. A população, assim como os gestores, sabe que não se faz saúde sem médico.

De 2003 a 2011, surgiram 147 mil vagas de primeiro emprego formal para médicos, mas só 93 mil se formaram. Além desse deficit, os investimentos do Ministério da Saúde em novos hospitais, UPAs (unidades de pronto atendimento) e unidades básicas demandarão a contratação de mais 26 mil médicos até 2014.

Nas áreas mais carentes, seja nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, seja na periferia da Grande São Paulo, a dificuldade de por médicos à disposição da população é crônica: em alguns casos, salários acima dos pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal e planos de carreira regionais não bastam.

Foi esse nó crítico que levou prefeitos de todo o país a pressionarem o governo federal por medidas para levar mais médicos para perto da população. Para enfrentar essa realidade, os ministérios da Saúde e da Educação estão analisando modelos exitosos adotados em outros países com dificuldades semelhantes.

Em primeiro lugar, estamos trabalhando para estimular os jovens brasileiros que abraçam a missão de salvar vidas como profissão, com ações como o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), que oferece bolsa de R$ 8.000 mensais e bônus de 10% nas provas de residência a quem atua em áreas carentes, e a expansão das vagas em cursos de medicina e de residência para formar especialistas.

Mas oito anos de formação é tempo demais para quem sofre à espera de atendimento.

A experiência internacional tem apontado para duas estratégias complementares entre si: uma em que o médico se submete a exame de validação do diploma e obtém o direito de exercer a medicina em qualquer região; e outra específica para as zonas mais carentes, em que se concede autorização especial para atuação restrita àquela área, na atenção básica, por um período fixo.

Adotadas em países desenvolvidos, essas ações representaram decisivo ganho da capacidade de atendimento. Na Inglaterra, por exemplo, quase 40% dos médicos em atuação se graduaram em outros países –índice que é de 25% nos Estados Unidos, de 22% no Canadá e de 17% na Austrália–, enquanto, no Brasil, apenas 1% dos profissionais se formaram no exterior.

O debate tem sido conduzido com responsabilidade. Ainda não há uma proposta definida, mas alguns pontos já foram descartados: não haverá validação automática de diploma; não admitiremos profissionais vindos de países com menos médicos que o Brasil; e só atrairemos profissionais formados em instituições de ensino autorizadas e reconhecidas em seus países de origem.

Com isso, atrair profissionais qualificados será mais uma das medidas para levar mais médicos para onde os brasileiros mais precisam.

ALEXANDRE PADILHA, 41, é ministro da Saúde

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Da Folha de São Paulo

ROBERTO LUIZ D’AVILA

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil precisa de médicos estrangeiros?

NÃO

Não se faz boa saúde com falácias

A “importação” de médicos estrangeiros e de brasileiros portadores de diplomas de medicina obtidos no exterior esconde os reais motivos da falta de assistência nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades. Aliás, ouso dizer que interessa a setores do governo colocar toda sua energia nesse embate, como se estivesse em jogo a solução final dos problemas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Querem fazer crer que tudo seria resolvido num passe de mágica. Mas nem o grandeHoudini –o maior ilusionista de todos os tempos– daria conta do que quer o governo. A lógica é simples: instalam-se médicos (estrangeiros ou nativos) em áreas de difícil provimento e –abracadabra!– a população passa a ter a assistência dos seus sonhos.

No entanto, é fácil prever o fracasso desse estratagema. A assistência de qualidade não se faz apenas com médicos com um estetoscópio no pescoço. É preciso investimentoem infraestrutura, insumos, apoio de equipes multidisciplinares e profissionais estimulados por políticas que reconheçam seu valor e sua essencialidade dentro de um modelo de atenção, que míngua devido à incompetência gerencial.

Os defensores da importação dos médicos adoram comparar a razão brasileira de médicos por habitante (atualmente na casa de 2/1.000) com os números de outros países. Dizem que precisamos atingir os indicadores da Suécia (3,73), França (3,28), Alemanha (3,64), Espanha (3,71), Reino Unido (2,64) e Argentina (3,16), segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

É estratégico esquecerem-se de mencionar que o governo dessas nações (com sistemas de saúde semelhantes ao SUS) investem mais do que o Brasil. Na Inglaterra, a participação do Estado no gasto nacional em saúde chega a 84%. Na Suécia, França, Alemanha e Espanha, oscila de 74% a 81%. Na Argentina, é de 66%. No Brasil, é de 44%. Os números falam por si.

Outro ponto que o governo distorce em sua argumentação diz respeito à forma de acesso de médicos estrangeiros ao mercado de trabalho. É verdade que eles representam segmento importante dentre os profissionais do Canadá e da Inglaterra, por exemplo. No entanto, ao contrário do que o Ministério da Saúde diz, ninguém desembarca e sai atendendo pacientes logo de cara.

Nesses países, e na maioria das nações sérias, os médicos com diplomas obtidos no exterior só podem clinicar após passarem por criteriosos processos para avaliar suas competências. Enquanto não é aprovado, ninguém vai para hospitais treinar sua falta de conhecimentos na pele e nos ossos dos nativos de plantão. No Brasil, espera-se a mesma cautela.

Diferentemente do que tem sido dito, a grita das entidades médicas não tem nada de corporativista ou xenófoba. Serão bem-vindos todos os médicos e brasileiros formados em outros países, desde que provem em exames do nível do atual Revalida (criado pelo próprio governo, em 2010) que dão conta do recado.

No Brasil, não há meio médico. Quem faz medicina tem que resolver os desafios em todos os níveis de complexidade: de uma diarreia a um procedimento de emergência. Trazer médicos que vão apenas fazer consultas em postos de saúde é, no mínimo, um paliativo. E o que acontece se num desses rincões o Seu João tiver uma crise aguda de apendicite? O prefeito e o médico do posto o colocarão numa ambulância rumo ao município vizinho?

Esse embuste tem nome: pseudoassistência. E quem concorda em fazer parte dessa armação é um pseudomédico. Não enxergo uma nesga de arrogância nessa constatação. Aliás, me parecem portar o gene desse sentimento aqueles que tentam ludibriar os incautos transformando falácias em saúde de qualidade.

ROBERTO LUIZ D’AVILA, 60, cardiologista, é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Só teatro

DE SÃO PAULO

Barbara Gancia

Parece que Joaquim Barbosa anda irrequieto. Alega que um carro preto cheio de ho­mens deu para rondar sua casa. Hmmmm. Na minha modestíssima opinião, podem ser asseclas do Pinguim ou, quem sabe, do Coringa. Mas eu não descartaria algum estratagema terrível da Mulher Gato –nunca se sabe, daquela felina pode-se esperar qualquer coisa.

Quinzão não anda vendo espectros gratuitamente. Teme a hipótese de que o plenário do STF decida em favor de recursos que favoreçam os réus do mensalão que tiveram quatro votos a favor.

Joaquim Barbosa, super-herói da nação, salvador da pátria varonil, azul e anil, não admite hipótese que assegure os direitos dos 37 réus que ele reuniu em um só corpo e julgou simultaneamente. Batman quer jogar todos na cadeia já. Caso contrário estaríamos incorrendo em privilégio de poucos, estaríamos entrando no terreno da “impunidade”.

Mas, vem cá: foram quatro os juízes que levantaram dúvidas razoáveis acerca da culpabilidade dos réus, não foram? E, que se saiba, há mais de 800 anos a possibilidade de recurso vem sendo assegurada por lei, certo? Não será a entrada desenhada de luva de Barbosa em campo na disputadíssima contenda do Fla-Flu que irá satisfazer a sede de punibilidade a qualquer custo por parte da torcida, não?

Em 20 ou 30 anos, quando o contexto político for outro; a composição do STF for outra e, quem sabe, a temperatura for mais baixa nas áreas da banca em que ficam empilhadas as revistas semanais, as pessoas quem sabe se darão conta de que o acórdão, a sentença final do mensalão, é um documento sem pé nem cabeça, sem sustentação alguma, sem lógica interna, e que não foi a “impunidade” que o fez naufragar, mas sua falta de coerência.

QUEM SABE.

Desde o dia 1º venho martelando que a peça é capenga. Não, não entendo xongas de direito. Eu mais os milhões de fãs de Barbosa que ficaram meses com o nariz grudado na TV vendo o juiz em ação –sem revide da defesa, diga-se. Mas muito especialista que examinou a papelada reconhece que existe ali mais populismo jurídico do que competência de fato –foram 37 réus julgados de uma vez só por crimes diversos, onde já se viu uma coisa dessas?

Ora, ora, por que será que vários ministros retiraram suas considerações da versão final da sentença, não é mesmo, juiz Fux? O caro leitor já tentou ler o documento? Também não li. Mas quem teve de se debruçar sobre a obra atesta que ela não diz lé com cré.

Em sua sentença, um juiz precisa deixar claro para a sociedade os motivos que o levaram a chegar às suas conclusões. No processo do mensalão, Joaquim Barbosa fabricou um teatrinho que criou na sociedade brasileira uma série de falsas expectativas. Havia ali o papel do bandido, do mocinho, tinha a pecha de “maior julgamento da história” e havia até a certeza indiscutível de que viríamos um final feliz.

Agora, quem criou todas essas esperanças, quem usou de fígado em vez de ciência, quem deu um chute no traseiro da oportunidade histórica e será o responsável pela frustração de um país inteiro, além de reforçar uma perigosa polarização entre correntes de esquerda e direita, é o mesmo homem capaz de se dizer tão desencantado com o sistema a ponto de abandonar a toga e se candidatar a presidente. Duvida? Bem, depois não diga que não foi avisado…

Barbara Gancia

Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal. É colunista do caderno “Cotidiano” e da revista “sãopaulo”.