A realização de interrogatório por videoconferência

“Imaginar, noutro giro, que a utilização do avanço tecnológico em benefício da celeridade processual é um mal é não saber enxergar a realidade que se descortina sob os nossos olhos.

Mais ou cedo ou mais tarde haveremos de adotar esse tipo de procedimento e, tenho certeza, aqueles que, hoje, se colocam contra a utilização da tecnologia em benefício do processo, perceberão quão retrógrados e positivistas foram na análise da questão, que, para mim, só atormenta quem não tem a exata noção de como funcionam os interrogatórios nos dias atuais.”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Uma aluna da UFMA, cujo nome não estou autorizado a mencionar, me pediu, a toque de caixa, algumas reflexões sobre o interrogatório por videoconferência, para sua monografia. 

Sem dispor de muito tempo para lhe atender, sentei no computador e fiz, sem revisão e sem profundidade, algumas reflexões, as quais estou publicando neste blog apenas para fomentar o debate e novas reflexões.

Antecipo, a seguir, alguns excertos.

 

  1. A experiência tem demonstrado que o acusado, conversando, com antecedência, com o seu representante legal (defesa técnica), quase nunca presta um depoimento que venha de encontra da tese que pretendam abraçar. Não seria, pois, o uso da tecnologia que o levaria a, por exemplo, se auto-cusar. Quem pensa assim desconhece a realidade da Justiça Criminal.
  2. Imaginar, noutro giro, que a utilização do avanço tecnológico em benefício da celeridade processual é um mal é não saber enxergar a realidade que se descortina sob os nossos olhos.
  3. Mais ou cedo ou mais tarde haveremos de adotar esse tipo de procedimento e, tenho certeza, aqueles que, hoje, se colocam contra a utilização da tecnologia em benefício do processo, perceberão quão retrógrados e positivistas foram na análise da questão, que, para mim, só atormenta quem não tem a exata noção de como funcionam os interrogatórios nos dias atuais.
  4. No exame desapaixonado dessa questão há uma vertente que não pode ser perdida de vista, qual seja, a possibilidade de, a qualquer tempo, o magistrado realizar novo interrogatório.

 

 

A seguir, o artigo, por inteiro.

Continue lendo “A realização de interrogatório por videoconferência”

As emoções que decorrem das mortes de João Hélio e Isabella

“Nos últimos dias tenho vivido emoções arrebatadoras, desmedidas, incontidas e sem disfarce, em face dos crimes que vitimaram João Helio e Isabella. João Hélio, todos sabem, foi esquartejado, pendurado no cinto de segurança de um carro tomado de assalto; Isabella, mais grave ainda, foi jogada, ao que tudo indica, pelo próprio pai, como se um ponta de cigarro fosse, do sexto andar de um prédio de apartamentos.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Depois das mortes brutais de Isabella e João Hélio, publiquei uma crônica no Jornal Pequeno, na qual externei toda a minha estupefação em face desses crimes.

Em determinados excertos anotei:

 

  1. Como é estranho e contraditório o ser humano! Enquanto uns dão a vida pelos filhos, há outros, como o pai de Isabella – tudo está a indicar – , que roubam a vida dos filhos. Enquanto há pais que sentem as dores dos filhos, há os que os fazem sentir dor. Embora haja pais capazes de matar ou morrer pelos filhos, há pais que são capazes de matar o próprio filho. Conquanto existam pais que sonham em preservar a pureza de suas filhas, há pais capazes de se satisfazer sexualmente em detrimento da candidez delas. Nada obstante existam pais capazes de abandonar o mundo exterior para viver intensamente a sua relação com os filhos, há pais que os abandonam para viver uma aventura, seduzidos pelos prazeres que o mundo exterior possam lhes proporcionar.
  2. Eu sempre fui um pai extremado. Os defeitos – poucos – que meus filhos têm eu debito na conta do amor excessivo que dedico a eles. Eu é que, por amor, cometi alguns erros na criação dos meus filhos. E, por amor, sabe-se, a gente também peca. Por isso, por amar demais os meus filhos, é que me custa aceitar que alguém tenha coragem de matar o próprio filho. máxime se se trata de uma criança indefesa.
  3. Crianças como João Hélio e Isabella, reflito, em face de suas fotografias, parecia que tinham nascido para brilhar. Mas elas não podiam imaginar, ninguém podia imaginar que o seu brilho, a sua luz fosse apagada no limiar de sua vida, vida que, no caso de Isabella, parece ter sido roubada pelo mesmo responsável pela sua vinda ao mundo.

 

A seguir, a crônica, por inteiro.

Continue lendo “As emoções que decorrem das mortes de João Hélio e Isabella”

O mp4 que quase desce de goela abaixo.

Quando eu penso que já vi de tudo, acontecem coisas na minha vida profissional que jamais imaginei testemunhar. Hoje, pela manhã, realizando audiências gravadas, pedi a testemunha que colocasse o mp4 perto da boca, para que eu pudesse gravar a sua voz com nitidez. Continue lendo “O mp4 que quase desce de goela abaixo.”

A produtividade que almejo

Quem trabalha nas varas criminais sabe que não é fácil concluir uma instrução. Pelos mais diversos motivos, podemos deixar de realizar uma audiência. Há dias que não se realizam as audiências porque o advogado não foi intimado. Há dias que elas não se realizam porque o advogado, intimado, deixou de comparecer. Continue lendo “A produtividade que almejo”

Reflexões sobre o crime de roubo.

Em diversas oportunidades tenho refletido sobre o crime de roubo, essa praga que tem assolado a comunidade em que vivemos.

Ainda recentemente, revendo algumas decisões minhas e alguns artigos que publiquei neste blog, deparei-me com uma série de reflexões sobre esse verdadeiro câncer social que inferniza a nossa vida.

Abaixo, algumas dessas reflexões:
1ª reflexão


  1. “A comunidade em que vivem o acusado e a vítima, sobreleva refletir, não entenderia como é que se afronta, de forma acerba, a ordem pública, e, em seguida, o meliante é colocado em liberdade, recebendo um “passaporte”, chancelado pelos agentes públicos, para, outra vez, macular, afrontar a ordem pública.Essa situação, esse quadro, essa sensação, não tenho dúvidas, trazem descrença à nossas instituições – PODER JUDICIÁRIO, MINISTERIO PÚBLICO e POLÍCIA – e, mais grave ainda, estimula o exercício arbitrário das próprias razões.A sociedade tem que acreditar, precisa acreditar que nós, agentes públicos, estamos vigilantes, atentos para, sendo o caso, tirar de circulação aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, como se vivessem em terra sem dono e sem ordem.Por essas e por outras razões é que tenho indeferido, sem hesitação, os pedidos formulados nesse sentido, em homenagem à ordem pública.A perigosidade do autor de crimes desse jaez desautoriza a restituição de sua liberdade. A ordem pública não pode ficar à mercê das ações criminosas desse matiz, ainda que o acusado seja primário e possuidor de bons antecedentes.É lamentável que muitos só se sensibilizem com a violência quando têm um membro de sua família vitimado por ela.Ante situações que tais, não faço concessões, não tergiverso, não faço graça. A liberdade de um meliante vem sempre em detrimento das pessoas de bem. Dá-se liberdade a eles e nós outros somos compelidos a renunciar à nossa. A ordem pública, por isso, reclama a manutenção da prisão do acusado, em sua homenagem.Reconheço os efeitos deletérios da prisão, máxime a não decorrente de um título executivo definitivo. Essa é uma questão que a todos preocupa, mas que não pode ser invocada como razão para colocar em liberdade quem demonstra não ter qualquer preocupação com a ordem estabelecida.Anoto que em torno dessa questão não estou isolado. Com efeito, a jurisprudência sedimentada tem proclamado, à exaustão, que ‘a gravidade do delito, com sua inegável repercussão no meio social, justifica, por si só, a custódia antecipada do seu autor, ainda que primário, de bons antecedentes e outros fatores favoráveis'(RSTJ 104/474)”.

 

2ª reflexão

 

  1. “…Os assaltantes não escolhem cor, credo, raça, idade ou posição social. Assaltam o pobre, o preto, o branco, o rico, o alto, o baixo, o bonito, o feio, o desembargador, o juiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal, o Ministro da Fazenda, o filho do ministro, o amigo do ministro, o promotor de justiça, o filho do promotor, o delegado, o policial, o defensor público, a criança, o adulto, o velho, o novo, o sadio e o doente. E qualquer um pode sucumbir diante da arma de um assaltante, bastando, para tanto, que se tente tão-somente frustrar-lhes a expectativa. Nesse contexto deve-se, sim, punir o meliante, exemplarmente, para preservar o pouco de liberdade que ainda nos resta e para desestimular a prática de crimes. Nós, julgadores, não podemos nos aliar à arrogância e ao descaso de nossas elites e governantes, para os quais essas questões só são levadas à ribalta no período eleitoral…”

 

3ª reflexão

 

  1. “…Não é admissível que a violência se espraia sobre a sociedade sob os nossos olhos. Não é aceitável que sejamos magnânimos com o roubador. A nossa magnanimidade pode ser confundida com covardia, fraqueza, falta de sensibilidade. Nós não precisamos esperar que se sacrifique outro JOÃO HÉLIO, para, só depois, clamar aos céus pedindo Justiça…”

 

4ª reflexão

  1. “…O agente público, desde o meu olhar, deve, ao deparar-se com acusado da prática de roubo, qualificado ou não, envidar esforços para segregá-lo, como garantia da ordem pública, ou mantê-lo segregado, se preso já estiver, sob o mesmo fundamento. Não deve, portanto, entre uma e outra situação, agir com parcimônia…”

 

5ª reflexão

 

“…Sobreleva gizar, nessa mesma linha de argumentação, que o que se pretende, ademais, com uma medida de força, é prevenir a sociedade das ações deletérias dos meliantes, sem que isso implique julgamento ante tempus. É que a crônica policial já registrou inúmeros, incontáveis episódios em que as vítimas de um assalto, ao esboçarem a mais mínima reação – ou apenas um gesto interpretado como uma reação – sucumbiram diante da arma de um meliante, o que me faz crer que, no caso sob análise, só por muita sorte a vítima está viva para contar a história…”

A prisão da mãe de um inocente

Normalmente só saio de meu gabinete para ir ao banheiro do Fórum. Não tenho o hábito de sair para conversar. Mas isso me faz falta. O serviço, no entanto, não me dá folga. Eu sou obstinado mesmo. A mais não poder. Até desnecessariamente.

No exercício da judicatura, procuro fazer o que posso. Não sou do tipo “deixa- estar-pra-ver-como-é-que-fica”. Eu vou à luta mesmo. Sinto-me bem produzindo. Este ano estou mais feliz. Tenho, até aqui, 100% de produtividade. Os dados estão na minha Secretaria para quem quiser ver. Não é fácil, mas é possível.

Mas eu dizia que quase nunca deixo o meu gabinete. Quando o deixo, para ir ao banheiro, como o faço regularmente, sempre me deparo com situações inusitadas. Num dia vi o parente de uma vítima quebrar os dentes de um acusado com um murro no rosto; noutro, vi advogados aconselhando mal os seus clientes. Noutras tantas, vi mães abraçando os filhos presos – sorrindo, chorando, gritando, sofrendo, apelando, clamando, lamentando, beijando, abraçando, fazendo, enfim, o que é possível fazer diante uma situação de absoluto desconforto e, às vezes, de impotência.

Ontem pela manhã assisti a uma cena que me deixou assombrado, entorpecido. Uma criança, de seis anos, no máximo, vibrava, correndo e pulando nos corredores do Fórum, abraçando os parentes, gritando, alto e bom som: ” ei, ei, minha mãe vai sair da cadeia!”

O brilho nos olhos, a felicidade dessa criança ficaram gravados na minha retina. Jamais esquecerei! É algo que me fará relembrar, sempre, do quão difícil é a tarefa de julgar um semelhante. Manter a mãe dessa criança presa não deve ter sido fácil para o meu colega. Aliás, nunca é fácil prender ou manter a prisão de alguém. Só o fazemos porque somos obrigados. Não fazemos por deleite pessoal, para satisfazer nossas idiossincrasias.

O inusitado dessa cena me fez perquirir: por que permitir que uma criança vá ao Fórum ver a mãe presa? O que leva um pai, um tio, uma avó ou avô, a levar uma criança para ver a mãe algemada, passando por todas as humilhações pelas quais passam os detentos? Será que as pessoas perderam, definitivamente, a sensibilidade?

Uma criança não pode e não deve conviver com esse tipo de situação. Essa criança que, ontem, pulava de alegria, ao saber que sua mãe ia deixar a cadeia, poderá, no futuro, chorar de vergonha pela cena que, involuntariamente, foi obrigada a protagonizar.

 

Por que concedi liberdade provisória ao policial Vancardem

“Posso afirmar, sem receio de estar equivocado, que não há em nenhuma comarca deste pais, nenhum acusado que, tendo cometido o crime de posse ilegal de arma, sendo primário, tendo boa conduta social e seja possuidor de bons antecedentes, que esteja preso provisoriamente.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular  da 7ª Vara Criminal

 

Vou, a seguir, transcrever a decisão que proferi concedendo liberdade provisória a Vancarden Moreira Nunes, policial militar preso sob a suspeita de ser um dos fornecedores de armas de fogo a quadrilhas de assaltantes.

Apesar do estrépito da prisão do acusado, o Ministério Público só vislumbrou a prática do crime de posse ilegal de armas, denunciando-o em face dessa incidência penal.

A seguir, antecipo alguns excertos.

 

  1. Entendo que o magistrado tem que ser coerente em suas posições. Não pode, desde meu olhar, decidir aos sabor das circunstâncias, ao sabor das conveniências. Não posso, diante do mesmo fato, sob as mesmas condições, decidir de forma diferente.
  2. Não posso adotar dois pesos e duas medidas. Se a regra é a concessão de liberdade provisória aos réus não recalcitrantes e que não tenham praticado crimes violentos contra a pessoa, então ela vale para todos, independentemente de raça, de credo, de cor, de profissão, de posição social, etc.
  3. Cuidando-se de acusado com os predicados do requerente, concedo, sempre, sem exceção, liberdade provisória, o que não significa dizer que não posso, ao depois, voltar a decretar a sua prisão preventiva, desde que ela se mostre necessária.

 

A  seguir a decisão por inteiro.

Continue lendo “Por que concedi liberdade provisória ao policial Vancardem”

Combatendo o crime violento, sem tréguas

Há muito anos tenho entendido que o autor de crime violento contra a pessoa não merece ser colocado em liberdade. Tenho entendido, pois, que tudo deve ser feito para que se mantenha o acusado de um roubo, por exemplo, segregado.  

Anteontem fiz uma audiência na sexta vara criminal e ouvi das vítimas, as violências que lhes foram infligidas pelos assaltantes, desnecessariamente, só por maldade.É claro, pois, que a esses acusados eu não concedo liberdade provisória.
 

Tenho sido muito criticado por pensar e agir assim.

Mas é bom que se diga que eu não estou isolado nesse entendimento. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, referência nacional, também tem decidido no mesmo diapasão, como se confere nas decisões abaixo transcritas, verbis: