O charlatanismo constitucional deve ser evitado

legalistaEm todas as oportunidades nas quais trato de interpretação de lei nos meus votos, sobretudo no Pleno do Tribunal de Justiça, tenho consignado, com ênfase, que toda interpretação é produto de uma época, de uma conjuntura na qual destacam-se, além dos fatos, as circunstâncias do intérprete. Diante desse quadro, é mais que natural que haja interpretações diferentes para a mesma quadra fática. Pena que ainda exista quem não consiga compreender que a interpretação, além ser um ato de conhecimento e inteligência, é, também, um ato de vontade, daí a constatação, já de há muito consolidada pela dogmática jurídica, de que as leis não podem ter sentido unívoco, razão pela qual  dela não se extrai uma única solução para cada conflito. Os que assim não compreendem, não conseguem entender e aceitar pontos de vista contrários às suas teses. Continuam pensando, despoticamente, que todos devem seguir a sua linha de pensamento. E quando se defrontam com uma posição contrária, imaginam que é pessoal, por faltar-lhes, por óbvio, o necessário  espírito público.

Do exposto, posso reafirmar, forte na melhor doutrina, que a interpretação não é um fenômeno atemporal e absoluto. Ela retrata, sempre, como dito acima, a realidade de uma determinada época, além, claro, das crenças e valores do intérprete, razão pela qual haverá sempre, no resultado da interpretação, um dose acentuada de subjetividade do aplicador da lei, a quem cabe, como também tenho reafirmado, humanizar a norma (deve ser) para que ele se compatibilize com a realidade (ser).

Mas tenho ido além. Tenho destacado que a lei, uma vez editada, se desprende de quem a criou, daí a compreensão de que, uma vez editada, não prevalece a vontade do legislador, mas, sim, a vontade objetiva do comando legal, do que se infere que o intérprete deve buscar não o que o legislador quis, mas aquilo que na lei se manifesta objetivamente.

Tenho reafirmado, como o faço agora, de outra banda, que o intérprete não teve negar a importância da lei. Mas, no mesmo passo, deve interpretá-la à luz de determinados valores morais, dentre os quais avulta, com singular relevância, a dignidade da pessoa humana, que, já se sabe, não é apenas um patrimônio pessoal, mas um patrimônio social.

É de rigor que se reafirme, como tenho feito neste mesmo espaço, que o intérprete não pode perder de vista que há uma moldura, definida pelo Direito Constitucional, dentro da qual deve analisar as questões postas à sua intelecção, sem recorrer a aventuras interpretativas e/ou ao charlatanismo constitucional, para modular as suas decisões de acordo com as suas conveniências pessoais ou dos grupos políticos dominantes, ignorando princípios e limites impostos pelo ordenamento jurídico.

É assim que penso! É assim que tenho decidido!

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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