O dia-a-dia de um magistrado

CAPÍTULO XI

As pessoas precisam amar o que fazem. Aquilo que se faz com amor dá muito mais prazer. Assim é na vida cotidiana; assim o é na vida profissional.
Já disse, reiteradas vezes, que tenho o sentimento de Justiça muito forte dentro de mim. Eu não puno e nem castigo um filho, sem lhe dar a possibilidade de defender-se. Quando os puno, o faço na medida de sua necessidade. Não seu ultrapassar os limites. A minha vida tem sido assim. O meu norte, o meu rumo é o equilíbrio. Da mesma forma que não passo da medida nas minhas relações familiares, não ultrapasso as medidas nas minhas atividades profissionais.
Na minha luta diária para fazer justiça enfrento toda sorte de intempérie. Não preciso aqui enumerá-las. Posso vir a fazê-las, depois, se julgar oportuno.
Pois bem.
No afã de fazer Justiça, sempre que tenho a oportunidade de punir, de tirar um meliante de circulação, encho-me de júbilo, fico feliz, deverás feliz. Nessa hora, vejo que vale a pena enfrentar tantas dificuldades.
No último dia 02/06, meu último dia de trabalho antes de entrar de férias, recebi, pela manhã, dois processos para julgar, contra dois assaltantes perigosos – condenei os dois. Fi-lo logo à tarde, porque não queria deixá-los para que o meu substituto o fizesse, uma vez que a ele, com a sua sobrecarga de trabalho, deve faltar tempo para cuidar dos processos de outra vara.
Num dos processos que julguei, condenei um réu que, por várias vezes, assaltou a mesma vítima. Esse mesmo acusado declarou que já tinha sido preso dez vezes e que, ainda assim, estava em liberdade. À sua carreira de crimes, no entanto, dei um basta aqui na 7ª Vara criminal.
É ou não é um motivo de orgulho ter sido o único que o tirou de circulação?
Se você, caro leitor, não for capaz de entender a razão de tanta satisfação, leia, a seguir, o depoimento da ofendida, é saberás por que me ufano de agir com tenacidade.
Antes da leitura do depoimento da ofendida, donde emerge, com todas as letras, a ousadia do acusado, lembro que a vítima teve um crise de choro e tremor na sala de audiência, só de imaginar que pudesse se defrontar com o acusado.
Mas o depoimento da ofendida, cujo nome  omitirei , por razões óbvias, fala por si só. Leia e veja se não és capaz de não se indignar. Leia e saiba a razão de minha satisfação em condenar o acusado a oito anos de reclusão, em regime fechado.

que no último dia 06 de março, por volta das 10:40 horas, estando a declarante na mencionada banca, foi surpreendida pelo acusado, armado de revólver, o qual, pela terceira vez, assaltou a declarante; que a declarante, ao ver o acusado, de logo o reconhecendo, em face dos assaltos anteriores, ainda tentou deixar a banca, tendo este reagido, chamando-a de sacana e indagando se ela não sabia que se tratava de um assalto; que o acusado subtraiu da banca da declarante, em espécie, cerca de cento e noventa e três reais; que a declarante foi esculhambada pelo acusado, que a chamou de égua e sacana, por achar que o saco em que se encontravam as moedas estava rasgado; que o acusado determinou, em seguida, que a declarante colocasse num saco de moedas o relógio e pulseira de prata; que, depois, o acusado olhou a bolsa tiracolo da declarante, tendo determinado que a colocasse em cima do balcão; que o acusado disse á declarante: “abre a bolsa sua égua e tira o dinheiro da bolsa, porque tu é que sabe onde esconde o dinheiro; que, nessa hora, o acusado subtraiu mais trinta reais e o aparelho celular que se encontravam dentro da bolsa, marca Nokia; que o acusado, todo tempo, permaneceu com a arma apontada na direção da declarante; que o acusado indagou da declarante, sempre chamando-a de égua, se ali tinha banheiro, ao que a declarante respondeu que não; que o acusado determinou que a declarante ficasse de joelhos, apontando a arma na direção de sua boca e dizendo que se gritasse morreria e que, se corresse, do lado de fora tinha duas pessoas para lhe matar e que se chamasse a polícia já sabia o que ia acontecer quando se chama a polícia; que a declarante ficou sabendo, depois, que arma utilizada era uma garruncha; que o acusado não praticou nenhum violência na declarante; que a declarante foi assaltada pelo mesmo acusado, em novembro do ano passado; que, nesse dia, o acusado usava uma faca, tendo levado o dinheiro da arrecadação da banca, cerca de oitenta reais; que nesse assalto, como no acima narrado, o acusado não praticou violência; que o mencionado assalto aconteceu, também, na parte da manhã, num domingo; que o acusado, a exemplo do assalto de seis de março, estava só; que o acusado, no dia 30 de janeiro e não treze de janeiro como consta na denúncia, o acusado praticou outro assalto contra a declarante; que o acusado utilizou arma de fogo nesse assalto, tendo subtraído cerca de cento e oitenta reais; que praticou o crime sozinho; que o acusado não usou violência; que, no dia 13 de março do ano corrente, o acusado, outra vez, assaltou a declarante, sendo que, desta feita, como a declarante estava atendendo os clientes e reconheceu o acusado, tratou de deixar a banca o acusado lá permanecido subtraindo a importância de cento e cinqüenta e três reais; que, desta feita, o acusado sequer exibiu arma, em face da reação da declarante que resolveu deixar a banca nas suas mãos; que declarante, em face da presença do acusado, se sentiu ameaçada, não esboçando, assim, qualquer reação; que desta feita o acusado praticou o crime na presença de outras pessoas, sem a menor cerimônia, saindo com o dinheiro na mão; que a declarante nunca conseguiu reaver os valores subtraídos.

Reflita, agora, sobre o que leu e entenda por que me ufano de lutar tanto para fazer justiça.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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