Marcola, o estado paralelo e a falta de credibilidade dos nossos homens públicos

Nas sociedades, devo redizer, sempre foi assim: quando o Estado oficial se omite, o Estado paralelo se fortalece. Fortalecido, com poder de fogo induvidoso, os líderes do Estado não-oficial externam a sua força, sem limites, sem parcimônia, corrompendo policiais, juizes, promotores, agentes penitenciários, etc.

juiz  José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Cuida-se de crônica na qual reflito sobre a falta de credibilidade de nossos homens públicos.

Em determinado excerto anotei:


  1. Os nossos homens públicos, a quem delegamos o poder para enfrentar essas questões, são os únicos responsáveis pelo caos que se verifica em São Paulo. È que esses homens públicos, no poder, só se preocupam com as próximas eleições, só defendem os seus próprios interesses ou das organizações que representam. Falta aos nossos representantes legais, nos Poderes Executivo e Legislativo, ademais, credibilidade para enfrentarem o problema. Essa falta de credibilidade e moral dos nossos homens públicos vi se externar, intensamente, nas palavras do líder criminoso Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, o qual, defronte dos membros da CPI do Tráfico de Armas, afirmou, sem enleio:
  2. E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Que moral tem algum deputado para vir gritar na minha cara? Nenhuma.”
A seguir a crônica por inteiro.
Todos assistimos, estarrecidos, estupefatos, o poder de fogo do crime organizado no Estado de São Paulo. Muitos estudiosos procuram perscrutar as razões pelas quais esse quadro se estabeleceu. Com a experiência e a vivência que tenho, em face dos quase vinte anos que milito na área criminal, como magistrado e promotor de justiça, afirmo, sem mede de estar equivocado, que essa situação decorre exclusivamente da omissão e da falta de credibilidade dos nossos homens públicos, os quais nunca, em tempo algum, elegeram o combate à criminalidade como uma prioridade, os quais, diante de uma oferta de caráter pessoal, costumam agir sinuosamente. As medidas, nessa área, sempre foram muito tímidas. Imaginam os nossos representantes legais que basta a edição de uma lei para, num passe de mágica, combater-se a criminalidade. Foi assim com a famigerada lei dos crimes hediondos, para ficar apenas no exemplo mais flagrante. Enquanto fazem leis e mais leis, exacerbando a resposta penal, multiplicando as hipóteses de encarceramento, esquecem os nossos homens públicos de enfrentar as verdadeiras causas da violência, dentre elas a multiplicação da pobreza, a ignominiosa e flagrante concentração de rendas, as desigualdades sociais, etc. Enquanto fazem novas leis, com a preconização de penas mais severas, apresentando-as à sociedade como uma panacéia, esquecem os nossos políticos de investir, decisivamente, em segurança pública, em novas unidades penitenciárias, no cidadão, no jovem, na criança, na educação, nos órgãos de segurança, no recrutamento e na capacitação dos agentes públicos. Enquanto editam mais e mais leis, vendendo-as como remédio para todos os males, esquecem de investir no treinamento de policiais e em inteligência. Enquanto o Estado oficial se esfacela, por pura falta de boa vontade dos nossos homens públicos, o Estado oficioso se fortalece e se organiza.
Omissos os nossos homens públicos , nessas e outras questões, – tratando os encarcerados como se fossem um excremento, humilhando-os, mantendo-os nas condições mais adversas e inumanas, fomentando e estimulando, com sua omissão, as desigualdades sociais – estimulam o surgimento das organizações criminosas, as quais, nessas condições, têm poder de fogo para recrutar os nossos jovens, os quais, descrentes de tudo, excluídos da sociedade de consumo, sem perspectiva de ascender socialmente, tendem a crer nos líderes criminosos; líderes que, diferentemente dos nossos homens públicos, costumam honrar os seus compromissos com a comunidade que “representa”.
Nas sociedades, devo redizer, sempre foi assim: quando o Estado oficial se omite, o Estado paralelo se fortalece. Fortalecido, com poder de fogo induvidoso, os líderes do Estado não-oficial externam a sua força, sem limites, sem parcimônia, corrompendo policiais, juizes, promotores, agentes penitenciários, etc. 

Não vislumbro, no momento, solução para o problema que aflige os brasileiros do Estado de São Paulo. Sou até pessimista nessa questão. Acho que o que ocorre hoje em São Paulo, logo, logo, ocorrerá em outras unidades da Federação. È só questão tempo.

Os nossos homens públicos, a quem delegamos o poder para enfrentar essas questões, são os únicos responsáveis pelo caos que se verifica em São Paulo. È que esses homens públicos, no poder, só se preocupam com as próximas eleições, só defendem os seus próprios interesses ou das organizações que representam. Falta aos nossos representantes legais, nos Poderes Executivo e Legislativo, ademais, credibilidade para enfrentarem o problema. Essa falta de credibilidade e moral dos nossos homens públicos vi se externar, intensamente, nas palavras do líder criminoso Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, o qual, defronte dos membros da CPI do Tráfico de Armas, afirmou, sem enleio:

E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Que moral tem algum deputado para vir gritar na minha cara? Nenhuma.”

Abstraindo o que há de exagero nessa afirmação, porque parte da falsa premissa de que todo político é corrupto, a verdade é que o pito de Marcola nos Deputados traduz, à toda evidência, o que pensa o povo brasileiro nos nossos políticos. A falta de credibilidade dos nossos homens públicos, nos âmbito dos Três Poderes, torna muito mais difícil a solução do impasse. Num país em que um líder de uma organização criminosa tem mais credibilidade junto aos seus liderados que um deputado, por exemplo, é fácil entrever que a tendência é a exacerbação do quadro.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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