O magistrado, o meliante a nossa crise moral

Do servidor público em geral se exige transparência e retidão. Do magistrado exige-se muito mais que transparência e retidão. Do magistrado exige-se, sem duvidança, sem espaço para dissimulação, além de transparência e retidão, prova inequívoca de que não uso o seu gabinete para fins inconfessáveis, de que não amealhou bens materiais incompatíveis com os seus rendimentos.
Do servidor público se deve exigir postura ética. Do magistrado se exige muito mais. O magistrado não tem o direito de negociar com outros poderes a troca de favores e de cargos para abrigar os seus apaniguados, os seus nepotes e seguazes.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Exige-se de um magistrado postura moral e vida pessoal ilibada. Ao magistrado não basta ser honesto. Exige-se de um magistrado muito mais. É necessário que seja e pareça honesto aos olhos dos seus jurisdicionados.
Nessa linha de entendimento, pode ser honesto, mas não parece honesto, quem teima na praga do nepotismo. Pode ser honesto, mas não parece, quem concede liminar sem competência para fazê-lo, para atender aos apelos dos amigos. Pode ser honesto, mas não parece, quem ostenta poder econômico incompatível com os seus rendimentos. Pode ser honesto, mas não parece ser, quem promove festas megalônomas, para impressionar os seus parecentes. Pode ser honesto, mais não parece, o magistrado que, sem fonte de renda alternativa, ostenta vida social incompatível com os seus rendimentos.


Do servidor público em geral se exige transparência e retidão. Do magistrado exige-se muito mais que transparência e retidão. Do magistrado exige-se, sem duvidança, sem espaço para dissimulação, além de transparência e retidão, prova inequívoca de que não uso o seu gabinete para fins inconfessáveis, de que não amealhou bens materiais incompatíveis com os seus rendimentos.
Do servidor público se deve exigir postura ética. Do magistrado se exige muito mais. O magistrado não tem o direito de negociar com outros poderes a troca de favores e de cargos para abrigar os seus apaniguados, os seus nepotes e seguazes. O magistrado não tem o direito de usar os cargos do seu gabinete como moeda de troca. O magistrado que usa de sua influência para trocar cargos com os amigos de outros poderes, pode até pensar que é honesto, mas não tem moral para cobrar dos seus jurisdicionados, não tem postura para infligir uma pena ao mais vil dos meliantes.
Do servidor público se exige retidão de caráter. Do magistrado se exige muito mais. O magistrado tem o dever impostergável, indeclinável, de agir e demonstrar, a olhos vistos, que age com retitude. Não é reto e afronta toda uma classe o magistrado que utiliza o poder como moeda de troca, para amealhar vantagens de ordem pessoal ou familiar.
A praga do nepotismo, o transnepotismo, as sinecuras, o uso do poder em benefício pessoal ou familiar, não são bons conselheiros. Um dia a casa cai e a coisa muda.
Acalanto a esperança de que, um dia, não muito distante, as prisões que ocorreram em Rondônia esta semana, se esparramem por outras unidades da Federação. É só querer! É só investigar!. É só escutar!
A cada prisão, a cada desmoralização pública dos que usam o poder em benefício pessoal, confesso que me fortaleço ainda mais. É que, como muitos, ainda tenho esperança de que, um dia, a honestidade volte a ser a máquina propulsora das nossas ações.
Lembro, só para ilustrar, o que disse Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, defronte dos membros da CPI do Tráfico de Armas, sem vacilação, traduzindo, em poucas palavras, a nenhuma credibilidade da classe política:

“E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Que moral tem algum deputado para vir gritar na minha cara?

A persistir a nossa crise moral, não se espantem se um meliante mais destemido, um batedor de carteira qualquer, defronte de um juiz, em audiência, à vista de todos, afirmar, sem acovardamento:

“Meritíssimo, que moral o senhor tem para chamar a minha atenção, que moral o senhor tem para me prender, que moral o senhor tem para me condenar, se Vossa Excelência usa o seu cargo para dele tirar vantagens de ordem pessoal, como moeda de troca, para beneficiar os seus amigos?”

Meritíssimo, que moral o senhor tem para me repreender publicamente, se o senhor ostenta mais do que pode, se o senhor negocia cargos com outros poderes, se o senhor utiliza o seu gabinete para fins inconfessáveis?

Meritíssimo, como o senhor se atreve a chamar a minha atenção, se o senhor, a despeito da proibição do nepotismo, ainda mantém pessoas de sua família empregadas, de favor, no serviço público?

Anoto que, quando isso ocorrer, quando o meliante desafiar publicamente um magistrado, por conta da sua falta de credibilidade estar-se-á afirmando, às escâncaras, apenas o que já se fala às escondidas.

Esse artigo foi publicado no Jornal Pequeno, edição de nº 21.973, de 06 de agosto de 2006.


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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