A ANGÚSTIA DA ACELERAÇÃO DA VIDA – PARTE II


Aqui e agora, a continuação das minhas reflexões em face do meu aniversário, no último dia 02, quando completei 70 anos; parcialmente bem vividos, admito, na medida em que somente parte das minhas idiossincrasias administrei com alguma competência, de modo a preservar a minha sanidade e dos que estão no meu entorno.

A barba e os cabelos encanecidos, a pela flácida, as marcas no rosto, a saudade candente e lancinante, em face do que vivi e do pouco que usufrui da vida que me foi ofertada, pelos mais diversos motivos, dão a exata dimensão da relevância do tempo vivido; tempo que, em mim, consolidou a certeza de que, mais importante que ter razão, é ser feliz, e que, ademais, um dia a mais na minha provecta existência me dá a sensação de viver uma bênção que não se concede a muitos.
O tempo passou, claro – e passou sem fazer concessões, como sói ocorrer. Devo a ele a eterna gratidão de me permitir viver o suficiente para poder compreender que devemos olhar muito mais a alma do ser humano que a sua aparência e modo de ser, para não ser levado a preconceitos e prejulgamentos.
O tempo me ensinou, dentre outras coisas, ser uma insensatez desperdiçar o melhor da vida complicando as coisas simples, descurando da importância de cada momento vivido, para só entendê-lo, muitas vezes, quando ele já se transformou em recordações. É que, como diz o sábio, o tempo passa, a vida passa, permanecendo em nós apenas as memórias, exceto, claro, as que não fomos capazes de guardar, quiçá em face de sua irrelevância.
Consciente de ter envelhecido, quero, agora, conduzir a minha vida em paz, até onde o tempo me premiar com sua generosidade, pois há algum tempo me dei conta que um dia mais é, na verdade, um dia a menos.
Velhinho capeta, mal-humorado, criador de caso, não sou – não quero ser.
Não sei ser assim, afinal.
Velhinho simpático?
Também não sou.

Se não fui simpático na juventude, é muito pouco provável que o seja na velhice.
Mas eu tenho arroubos de simpatia, sim – espasmos de simpatia, alguns dizem.
O que fica de lição, depois de tudo, é que, se não podemos parar o tempo, devemos, ao menos, com o tempo vivido e com o tempo que nos resta, amar o próximo, respeitar as diferenças, afagar quem precisa de afago, ajudar a minimizar a dor de quem sente dor, dar carinho a quem dele necessidade, ser solidário com o sofrimento alheio; e, se possível, viver sem drama, sem conflito e sem estresse – em paz com a vida e com fé no que virá.
Olho, mais uma vez, para o meu corpo e vejo que não cuidei de mim como deveria.
Não cuidei da matéria – e nem cuidei da alma.
Sei que é impossível, mas queria, sim, voltar no tempo, para poder reparar os erros que, podendo, não deixei cometer.

Queria, sim, voltar no tempo para pedir perdão as pessoas que magoei e que não podem mais me perdoar.

Queria, sim, fazer muita coisa diferente do que fiz, porque, reavaliando a minha trajetória, sei que poderia ter sido melhor do que fui – e sou.
Se voltasse no tempo, faria muitas coisas diferentes, sim.
Diferente dos arrogantes, eu admito, sim, que não faria tudo outra vez.
Eu faria só parcialmente o que fiz.

Eu, no mínimo, faria a mim as concessões que não fiz e seria mais tolerante com os erros dos outros – e com meus próprios erros, em razão dos quais me impus desnecessário sofrimento.
Eu, muitas vezes, fui rude comigo mesmo, por birra e insensatez, admito.
Exigi de mim muito mais do que deveria.
Nessa questão estive próximo da irracionalidade.
Eu sou, sim, esse ser contraditório e complexo que as palavras desnudam.

É isso.

A ANGÚSTIA DA ACELRAÇÃO DA VIDA-PARTE I

Se me perguntarem hoje, 2 de julho, dia do meu natalício, quantos anos tenho, respondo que tenho os anos que me restam; os que vivi já não os tenho mais.
A certeza que tenho é que envelheci.
Há muito tenho a idade dos que têm prioridade nas filas de atendimento.
Daí a inevitável conclusão: a juventude de mim se distanciou; e, confesso, nem me dei conta, tamanha a rapidez.
Sobre a questão tenho agido de forma pendular: há momentos que sinto estar velho; há outros que me vejo fagueiro, altivo, projetando realizações para o futuro junto às pessoas que amo.
Tudo, porém, são confusões da minha mente, porque , afinal, envelhecer termina sendo um privilégio, daí que tento encarar a velhice com naturalidade.
Ou não?
Não sei.
Pode ser que sim; pode ser que não.
Compreendo que só em estar refletindo sobre a questão já evidencia que não encaro a velhice com a naturalidade que gostaria; e, se tento, não consigo.
Aquela história de que o tempo parece que não passou, para mim não cola.
O tempo passou, sim.
E como passou.
E como foi rápido.
E como deixou marcas em mim.
Vejo-as por toda parte: no rosto, nos braços, nas pernas…

Agora, vejo, também, as consequências da aceleração da vida na mente: minha memória, que nunca foi boa, está mais seletiva que nunca.
Não me desespero, porém, diante dessa realidade.

Será?
Nessa questão sou bem resolvido.
Será?
Nem eu mesmo sei por que faço essas afirmações ao tempo em que me questiono em face delas, pois quem me conhece sabe dos meus conflitos com a passagem inclemente do tempo.
Eu não sou bem resolvido nessa questão; preciso admitir.
Como não posso voltar no tempo, só quero mesmo é viver bem o tempo que me resta. E, numa perspectiva realista, não é muito, mas o suficiente, talvez, para desfrutar da companhia das pessoas que são revelantes da minha vida.
A verdade, e é fácil concluir em face dessas reflexões, é que eu só queria viver sem conflito com o tempo; conflito inevitável em face dos planos que ainda teimo em fazer para o futuro.
Vivo em conflito com o tempo, admito.
Mas não esqueço, entrementes, que foi o tempo que me fez realizar o que realizei. Foi o tempo quem me fez encontrar e conviver com pessoas especiais que dão sentido a minha vida.
Valeu então ter vivido tanto.
Importa indagar agora: fiz por merecer tantos anos vividos?
Creio que sim.
Mas admito que fiz menos do que podia ter feito.
Todavia, ainda assim, realizei alguma coisa.
Irrelevante a minha história?
Para mim, não.
Mas admito que devia ter sido mais audacioso.
Tempo é tempo e nada se pode fazer para impedir o seu curso.
Eu não posso, ninguém pode domar o tempo.
Quisera poder domar o tempo. Dizer: espera um pouco. Eu ainda tenho muito coisa importante para fazer.
Mas, contraditoriamente, penso comigo: pra quê parar o tempo se as coisas são como são, se o destino está traçado?

Destino?

Bem, essa é outra questão.

Não dá pra misturar as coisas.
O melhor mesmo é aceitar que o tempo flua e entender que é assim mesmo que tem que ser.
E que cada um saiba viver o seu tempo, o seu momento, a sua história, afinal somos os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos.
O natural mesmo é viver e ver o tempo passar.
O hoje será, inevitavelmente , o ontem e o amanhã, a Deus pertence.
E eu, se possível, viverei mais algum tempo para testemunhar o que virá.
Apesar da idade, eu vivo a perspectiva do que virá, sim, ainda que saiba que existe uma grande possibilidade de não viver o porvir.
Até quando posso esperar para viver o que espero que um dia virá ?
Não sei.
Só sei que não tenho muito tempo de espera; e isso me aflige.

É isso.

UM PAIS DIVIDIDO

Principio essas reflexões com uma obviedade: somos um país dividido,
fruto do ódio/radicalismo que tem permeado as discussões/ações políticas, nos mais diversos ambientes – familiar, inclusive -, a contaminar as relações sociais.

Já tendo vivido muito, testemunhei – como eleitor, como advogado,
professor, promotor de justiça e magistrado – muitas disputas políticas, sobretudo depois da redemocratização; testemunhei, portanto, de tudo um pouco.

Ainda assim, me surpreendo com o que tenho assistido nos dias de
hoje, vendo o radicalismo político tomar conta do debate, tornando-o incivilizado, agressivo e, consequentemente, improdutivo.

O que tenho testemunhado, lamentável dizer, é a disseminação do
ódio, sobretudo nas redes sociais, campo fértil no qual vicejam as incompreensões, as desinteligências e a intolerância.

Chegamos a uma situação de tamanha insensatez que, tenho
constatado, estamos autorizados, nos ambientes familiares – pasmem! – assacar críticas contra os próprios pais que elas ainda assim serão toleradas.

O que não é permitido, triste reconhecer, é dirigir críticas a
determinadas lideranças políticas, ungidas à condição de intocáveis, de semideuses até.

A situação aqui descrita, importa reafirmar, é grave.
O cenário sob os nossos olhos, e dos que ainda guardam alguma lucidez, é constrangedor e preocupante, a exigir detida reflexão.

Como não estou impedido de pensar, fico imaginando que, para que o
nosso país volte à civilidade e à união, só mesmo uma situação de ameaça externa, conquanto ainda tenho dúvidas sofre a sua eficácia, tamanhas as paixões, tamanhas as dissenções, considerando que a radicalização nos levou ao paroxismo, a revelar uma triste realidade: quem assume posição no espectro político se transforma, no mesmo passo, em inimigo de quem está no espectro político oposto, em face da preponderância da máxime do “nós contra eles” que tem norteado o debate político.

Para ilustrar, cito uma passagem da nossa história que, outrora, uniu o
país; penso que ela servirá para justificar a linha de pensamento acima adotada.
Pois bem. Na famigerada Guerra do Paraguai, os brasileiros de cor
branca lutaram ao lado de escravos, negros, mulatos, índios e mestiços; ribeirinhos da Amazônia e sertanejos do Nordeste encontraram-se e se uniram, pela primeira vez, aos gaúchos, catarinenses e paulistas.

A guerra em comento, portanto, produziu um sentimento de unidade
nacional que o Brasil jamais havia testemunhado, mesmo no tempo de sua
independência, cumprindo anotar que até o imperador se deslocou para a frente de batalha, enfrentando o frio e a intempérie numa barraca de campanha.

Essa passagem da história me leva a conclusão de que talvez uma
causa nacional nos unisse, ainda que se admita uma certa dúvida, visto que, no
caso da pandemia de Covid, por exemplo, testemunhei, estupefato, a sociedade
dividida entre os que apostavam na ciência e os negacionistas, para os quais a
vacina só traria malefícios a quem se dispusesse a entregar o braço para a sua
infusão.

O que espero, cá do meu canto, é que, nesse cenário desalentador que
hoje se apresenta, surja uma liderança que tenha o bom senso e pregue a
concórdia, para, no mesmo passo, refutar a beligerância.

Lembro, a propósito do bom senso e do equilíbrio que deveriam
presidir as ações das nossas lideranças, da reação de Benjamim Constant, quando o alfares Joaquim Inácio, radicalizando, propôs o fuzilamento de D. Pedro II, por ocasião das tratativas para a Proclamação da República. Na oportunidade, ante a desabrida proposta de execução do imperador, o militar brasileiro reagiu nos seguintes termos: “O senhor é sanguinário! Ao contrário, devemos rodeá-lo de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício muito digno”.

Não é essa sensatez, entrementes, que tenho visto nos dias atuais, lamento concluir.
É isso.

A VIDA É UMA ESCOLA, MAS SO APRENDE QUEM QUER

Se é verdade que a vida é uma escola, não é verdade, no entanto, que as pessoas estejam dispostas a aprender as lições que ela ministra.

Em face dos fatos da vida, a realidade mostra, fácil ver, que não são poucos os que, mesmo tendo levado bordoadas da vida, persistem cometendo os mesmos erros, infringindo as mesmas normas de conduta.

A constatação, nessa linha de compreensão, fruto da minha experiência de vida, é que as pessoas, como regra, aprendem apenas aquilo que lhes convém, daí que cometem erros, apanham da vida, lamentam o leite derramado, sucumbem em face dos erros, têm dificuldades de se erguer em face deles, sofrem as reprimendas que a sociedade impõe em face dos desvios de conduta, todavia, ainda assim, persistem errando, às vezes sob o pueril argumento de que errar é humano, como se estivéssemos autorizados a cometer sucessivos erros apenas e tão somente em face da nossa condição de seres humanos.

Fosse verdade que as lições que a vida ministra resultassem em mudança de comportamento, muitos não repetiriam os mesmos equívocos em face dos quais testemunharam o mundo se transformar em um moinho, triturando sonhos e reduzindo as ilusões a pó, como advertia o inesquecível Cartola.

A convicção de que a vida ensina, mas que nem sempre aprendemos as lições, está à vista de todos, bastando, para constatar a veracidade do que digo, olhar em volta, ou, indo além, revisitar a história, de onde vem as lições mais estupefacientes de que, com a escola da vida, nem sempre estamos dispostos a aprender, daí a reiteração de erros e de condutas equivocadas.

Para ilustrar, um exemplo que vem da escravidão, uma das páginas mais vexaminosas das muitas protagonizadas pelo ser humano em detrimento do semelhante.

Pois bem. O escravo José Francisco dos Santos conquistou a liberdade, depois de anos de trabalho forçado na Bahia, vendo-se livre da escravidão comprando, ao que tudo indica, a sua própria carta de alforria. É dizer, depois do inaudito sofrimento a que foi submetido pela sua condição de escravo – foi tirado de sua terra natal, jogado num navio e trazido amarrado para uma terra estranha -, finalmente “Zá Alfaiate”, como ficou conhecido, em face de sua profissão, estava livre.

Livre das agruras próprias da escravidão, esperava-se que “Zé Alfaiate” engrossasse as fileiras dos que lutavam contra o comércio de escravos.

O que fez, no entanto? Passou a operar o mesmo comércio do qual fora vítima, tendo, nesse afã, voltado à sua terra e se tornado um traficante de escravos, especulando-se se o fez por um desejo de vingança, na tentativa de repetir com outras pessoas o que ele próprio sofreu, ou se o fez, o que é mais provável, porque viu no comércio de escravos uma chance de ganhar dinheiro.

O certo é que, por um viés ou por outro, o que importa mesmo para essas reflexões, como o exemplo acima, é que de nada adiantou o sofrimento infligido a si e aos seus irmãos africanos, pois, livre, passou a agir em defesa dos seus interesses, a revelar o lado mais perverso do ser humano, para quem o que importa mesmo é seu bem-estar.

“Zé Alfaiate”, como muitos de nós, fez pouco caso das lições que a vida ministrou, a reafirmar o que eu disse no início dessas reflexões, ou seja, de que cada um aprende com a vida apenas as lições que convém aos seus interesses.

Não é por outra razão que não são poucos os que – examinando a questão, agora, sob a perspectiva do Direito Penal -, tendo cometido crimes e suportado as mazelas da prisão, voltaram a delinquir, o que me remete a Beto Guedes, segundo o qual “A lição sabemos de cor. Só nos falta aprender.”

É isso.

EMPATIA

Empatia não pode ser apenas um conceito.

Empatia, ou seja, a capacidade de sentir o que a outra pessoa sente, de compreender emocionalmente o ponto de vista e as ações das outras pessoas, só têm relevância se for além do seu conceito.

Mas a verdade é que, para muitos, empatia não tem relevância, na medida em que há muitos entre nós que se importam apenas com seus interesses pessoais, pouco importando se, em face deles, possa infligir sofrimento ao semelhante, à luz de uma lógica de vida daninha: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Compreendo, no entanto, que os empáticos fazem a diferença numa sociedade marcadamente competitiva, na qual vale mais o ter que o ser.

É preciso experimentar, pelo menos compreender, de forma objetiva e racional, o que sente o semelhante.

É necessário, sim, perscrutar, emocionalmente, o sentimento de quem de quem pensa diferente.

É de rigor, sim, tentar, pelo menos, ser racional com as atitudes das outras pessoas.

Compreendo que somente assim podemos construir uma sociedade movida por conexões comportamentais edificantes.

A empatia não pode ser pontual, circunstancial, conveniente; deve ser uma prática de vida.

As manifestações empáticas não devem ocorrer apenas diante das tragédias.

Posso dizer, por tudo que tenho testemunhado, que, nada obstante, os comportamentos empáticos têm sido uma exceção, bastando, para compreender a minha inquietação, voltar um pouco aos momentos mais tenebrosas da pandemia decorrentes da Covid, durante a qual vivenciamos, com estupor e revolta, situações que revelaram a face mais perversa alguns seres humanos, que vão do negacionismo nefando ao desvio de verbas públicas destinadas a combatê-la.

Tenho convicção, por essas e outras condutas de igual jaez, que, nos momentos mais desafiadores, muitos se revelam, desnudando o pior de sua alma.

Nesse sentido, é sempre estarrecedor testemunhar que há, sim, quem, despudoradamente, aproveite os momentos de dor proporcionados pelas tragédias para delas tirarem proveito.

Definitivamente, não foi pra isso que Jesus Cristo veio à terra; não foi essa a mensagem que deixou.

Me predisponho a refletir sobre o tema porque sou, sim, excessivamente empático, do tipo que assume as dores do semelhante, que se coloca no lugar de quem sofre em face de um infortúnio.

Sou do tipo que, em face de eventos magnos – terremotos, tsunamis, deslizamentos, fome etc – sou tomado de intensa aflição e sofrimento em face da dor infligida ao semelhante.

Nesse sentido, por força da empatia, eu crio, sem perceber, conexões emocionais muitos fortes com as outras pessoas, o que me faz concluir que somente a pessoa empática é capaz de fortalecer as relações interpessoais, na medida em que, sendo assim, tem mais capacidade de compreender o semelhante, diferente do que ocorre com as pessoas que consideram o ser humano é descartável.

As reações, as atitudes, o modo de encarar os conflitos, tudo, enfim, é diferente se o protagonista for uma pessoa emática.

O diálogo entre pessoas empáticas é, também, mais edificante, na medida em que o empático ouve com mais atenção e procura compreender, com mais sensibilidade, o que o outro tem a dizer

Sei, no entanto, que não é assim que a banda toca.

Há pessoas frias e insensíveis. E é em face da frieza e da insensibilidade de muitos de nos que chegamos onde chegamos, ou seja, num cenário em que as pessoas, em face de paixões desmedidas, torcem pelo insucesso e pelo sofrimento dos que elegem adversários/inimigos, revelando, assim, o lado mais perverso do ser humano.

Aliás, o sentimento que as pessoas nutrem pelos que elegem inimigos é tão forte que basta que ouse pensar diferente para que a falta de empatia se revele, na sua face mais perversa.

É isso.

A FELICIDADE NÃO É UMA OPÇÃO

Você sabia que a zebra, quando acorda, já o faz sabendo que tem que correr mais que o leão se quiser se manter viva, e que, de outro lado, o leão, todas as manhãs, acorda sabendo que deve correr mais que a zebra se não quiser morrer de fome?

Pois é. Todos os animais gastam energia com as suas necessidades.

Com o homem, portanto, não podia ser diferente.

De nossa parte, parcela relevante das nossas energias gastamos na busca da felicidade; felicidade, nada obstante, nem sempre alcançada, pelos mais variados motivos, me levando a conclusão de que a felicidade, definitivamente, não é uma opção, inobstante reconheça que há pessoas que, com suas ações, concorram para a sua própria desdita.

À vista da constatação supra, é de rigor a conclusão de ser um equívoco, uma singular falta de sensatez imaginar que alguém acorde pela manhã e decida que será, ou não, feliz, simplesmente porque não temos controle sobre o que pode acontecer em nosso entorno.

Na vida, é forçoso admitir, as circunstâncias se impõem, daí que, em face delas e a partir delas, podemos, ou não, alcançar momentos de plenitude espiritual, de consciência plenamente satisfeita, pelo que, a meu sentir, se equivoca quem afirma que a felicidade está ao alcance de qualquer um e que basta trabalhar em favor dela que tudo se resolve.

Numa visão, tanto quanto possível, racional da realidade, ninguém é infeliz porque almeje ser infeliz e ninguém é feliz apenas porque deseja sê-lo, a considerar que a realidade se impõe, em face da qual, muitas vezes, pouco ou quase nada podemos fazer.

Fosse possível escolher entre ser feliz ou infeliz, a vida não seria tão amarga para alguns, já que a cada um seria dada a opção de escolher o que melhor lhe aprouvesse; e o melhor que apraz a cada um de nós é ser feliz, estado de conforto mental cada dia mais difícil para uma expressiva parcela da população que despende grande parte de sua energia na tentativa de ao menos sobreviver.

A verdade é que vivemos num mundo tão complexo e tão impregnado de armadilhas que, não raro, ainda que não seja a nossa vontade, não temos escolhas diante das adversidades que a vida nos impõe.

Os fatos se sucedem e sobre eles a maioria de nós não tem controle, pelo que é de rigor a compreensão de que, na vida, nenhuma sensação de prazer é duradoura, nenhum bem-estar se perpetua, os momentos de contentamento são efêmeros e, nesse alvitre, nem sempre é possível a satisfação das nossas aspirações.

As relações que construímos, mesmo as que decorram de um sentimento verdadeiro, podem, sim, ser bombardeadas pelos acontecimentos, disso resultando que, o que nos proporciona felicidade nos dias presentes, pode nos levar a uma inaudita infelicidade nos dias vindouros, não deixando margem para outra solução que não seja seguir a correnteza.

Nessa perspectiva, importa concluir que, se a vida é uma sucessão contínua de fatos em razão dos quais não temos nenhum controle, nas relações interpessoais não é diferente, daí que não são poucos os que, mesmo vivendo em permanente conflito, são obrigados, pelas circunstâncias, a manter a relação pactuada, da mesma forma que há os que, conquanto movidos por um sentimento convergente, sublime e verdadeiro são compelidos a seguir por caminhos diversos, simplesmente porque, como dito acima, ser feliz não é, como muitos pensam, uma questão de escolha.

É isso.

NEM TUDO QUE PARECE É O QUE PARECE SER

A frase que tomo de empréstimo para título dessa crônica é de todos conhecida.

Ela encerra um ensinamento para a vida, pois tendemos, sim, ante uma circunstância que dimana das relações sociais, imaginar estar diante do que aparenta ser o quê, na verdade, não é.

Ressabiado, diante de tantas decepções vividas, lembro que, determinada época, tive, no corpo de funcionários sob o meu comando, um(a) funcionário(a) que, de tão eficiente, de tão atencioso(a), despertava em mim uma inquietação.

Pensava, com meus botões, a propósito, que ele(a) – o(a) funcionário(a)- devia ter algum defeito grave que eu ainda não havia percebido, já que, pela minha experiência de vida, não existia no mundo alguém que fosse tão certinho(a) como ele(a) aparentava ser, ou seja, que tivesse tantas qualidades quanto as que eu via nele(a).

Com o tempo, lamentavelmente, confirmei o que mais temia, ou seja, ele(a) não era mesmo o que aparentava ser. Como todo ser humano, tinha defeitos – alguns graves e insuperáveis – os quais impuseram o seu afastamento do corpo de servidores.

Esse é um fato que, em face do ambiente em que foi gerado, não teve maiores repercussões, pois que dele resultou apenas a minha decepção com o ser humano; mais uma, apenas.

Numa outra perspectiva de reflexão – mas dentro do contexto das relações humanas -, é de rigor a constatação, ademais, que, muitas vezes, o que aos nossos olhos se revela, à primeira vista, como uma boa intenção, uma ação magnânima, pode trazer embutida uma armadilha, uma maldade, a partir da qual reafirma-se, a toda evidência, uma face tenebrosa – dentre tantas – do ser humano.

Uma passagem da nossa história para ilustrar a minha constatação.

Evaristo da Veiga, autor da letra do Hino Nacional, fundador da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, propunha o fim do tráfico negreiro, o que, em princípio, se mostrava uma benemérita atitude. Mas, lamentável dizer, todavia, não era uma manifestação humanitária. Visava, na verdade, segundo sua ótica, estancar de imediato a infusão de sangue africano – tido por ele como raça estúpida e rude – na população brasileira, esquecido que rudeza e estupidez são apanágios de quem escraviza e não em face de quem é escravizado.

José Bonifácio de Andrada e Silva, de seu lado, tinha ideia semelhante, que, do mesmo modo, não decorria de uma visão humanitária, mas para proteger os brasileiros, segundo ele, da imoralidade, dos vícios, da falta de honradez dos “infames negros escravizados”, indignos de liberdade, desconsiderando que o que os tornava indignos não era a sua natureza, mas a natureza dos que, sem escrúpulos, os escravizava.

Diante de situações que tais – e tantas outras que permeiam as nossas relações – é que devemos estar sempre atentos, para nos proteger, desse duplo padrão comportamental, donde se vê que não são poucos os que, infelizmente, mediante desfaçatez, fingem ser o que não são, na medida em que suas ações revelam, definitivamente, a alma que têm e em razão da qual agem sem escrúpulos e sem controles.

Importa concluir, com essas reflexões, que o homem – e sua infinita capacidade de dissimular, de mentir, de fraudar e escamotear as suas verdadeiras intenções – encontra campo fértil para as suas mais perversas maquinações na incapacidade que muitos de nós temos de perceber a realidade, ou mesmo em face de uma deficiência cognitiva conveniente que nos impossibilita de ver – e querer ver – as perversas intenções que subjazem quando a realidade não convém aos nossos interesses.

É isso.

A CULTURA DA DISCRIMINAÇÃO

É comum falar em preconceito quando julgamos uma pessoa pelos mais variados motivos.

Na verdade, ao pé da letra, não é bem preconceito, na medida em que preconceito nada mais é do que um conceito formado antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos.

Mas, reconheço, do preconceito pode vir a discriminação, que ocorre quando destacamos uma pessoa em face de uma condição especial ou quando pretendemos – ou tentamos, pelos menos – estabelecer uma separação, uma apartação ou segregação dessa mesma pessoa, nas mais variadas circunstâncias e pelos mais diversos motivos.

A recente discriminação, na busca de apartação, de algumas jovens universitárias da Bauru, São Paulo, em face de uma aluna “velha”, de 45 anos, que causou furor e indignação nacional, levou-me a essa reflexão.

Entendo, examinando os fatos numa outra dimensão, que é preciso analisar o comportamento dessas jovens para além da situação fática subjacente.

A maioria, claro, justificadamente, criticou, com veemência, o comportamento das jovens.

E acho que deve mesmo ser criticado, face à intolerância nele contido, a contribuir para a situação conflituosa na qual estamos todos inseridos nos dias atuais, potencializada pela internet (rectius: redes sociais), que, como diz Umberto Eco, celebrado autor de “O nome da rosa”, deu voz a um legado de imbecis.

O que quase ninguém atentou – que é o que importa mesmo para essas reflexões – é que, na verdade, essas jovens são produto de uma cultura discriminatória há muito sedimentada na sociedade.

A verdade, translúcida e insofismável, é que a nossa sociedade foi construída com base em preconceitos que nos levaram às situações discriminatórias como a que me reportei acima, tornando a vida em sociedade mais conflituosa.

Essa cultura, nos dias de hoje, apenas se potencializou no mundo sem controle da internet, que tem abrigado, como sói ocorrer, os mais condenáveis comportamentos.

O que testemunhamos hoje, com as redes sociais, é o que todos fazem intramuros, nas rodas seletas de amigos, cuja repercussão e consequente condenação moral só corre quando a discriminação ultrapassa o umbral da privacidade.

A verdade é que todos, de certa forma, em determinado momento da vida, em determinadas circunstâncias, discriminamos o semelhante.

Essas jovens, portanto, são o resultado de um caldo de cultura nefando, do que se pode inferir que, de rigor, elas apenas externalizaram, nas redes sociais, o pior da nossa formação cultural.

É bem de concluir-se, pois, que elas não agiram em face do nada.

Elas não inventaram a discriminação.

Elas são, tanto quanto nós outros, produto de uma cultura que se sedimentou com o tempo, convindo lembrar, à guisa de ilustração, que, por muito tempo, o branco considerou o negro como um ramo à parte da espécie humana (Laurentino Gomes, Escrivão III).

Elas agiram, portanto, em face do que aprenderam nos ambientes que vivem ou frequentam, nos quais o preconceito e a discriminação são algo natural, na medida em que, em face deles, podem-se dar boas risadas escarnecendo o semelhante.

Elas só não entenderam que os tempos são outros.

Elas não se deram conta que o preconceito e a discriminação, tolerados intramuros, recebem, nos dias de hoje, veemente condenação moral, sobretudo quando veiculados em redes sociais.

A verdade é que discriminamos em face de quase tudo; isso é fato.

Eu mesmo sofri várias discriminações na minha vida.

Fui discriminado até pelos defeitos que nunca tive.

A vida em sociedade tem sido assim.

Discrimina-se pela estatura, pela cor, pela origem, pela falta de cultura, pelo excesso de cultura, pelo peso, pela opção sexual, pela posição assumida, pela posição não assumida etc.

Em face desse cenário, a mudança depende de cada um de nós.

É isso.