CNJ não pode promover remoção de juiz

POR CESAR DE OLIVEIRA

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para anular a remoção do juiz titular da 1ª Vara Cível da Comarca de São João Del Rei, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça. Segundo o ministro, esse tipo de decisão cabe ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e não ao CNJ. Até a decisão final no Mandado de Segurança, o juiz permanece no cargo.

O pedido da liminar foi feito pela Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis).

Para justificar a decisão, o ministro disse que quando se trata de processos disciplinares de juízes e membros de tribunais é preciso esgotar a atuação de origem, porque conforme o inciso VIII do artigo 93 da Carta da República, “cabe ao tribunal, de início, o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, observado o voto da maioria absoluta”.

Marco Aurélio alega que houve “queima de etapas incompatível”. O CNJ afastou o juiz, a partir de um requerimento do Ministério Púiblico do Estado de Minas Gerais, sob a alegação de prática de conduta incompatível com os deveres funcionais, após a Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais ter aplicado pena de advertência ao juiz. De acordo com o conselho, o juiz foi punido por colocar arma de fogo em cima da mesa, na sala de audiências do foro da Comarca de São João Del Rei, após ser ofendido verbalmente pelo promotor de Justiça eleitoral.

“Os demais temas, ligados ao mérito da decisão do Conselho Nacional de Justiça, hão de ser examinados caso ultrapassado o vício de procedimento, a óptica segundo a qual deu-se, na espécie, verdadeiro atropelo, substituindo-se o Conselho ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Registro concorrer o risco de manter-se com plena eficácia o quadro ante o implemento da providência determinada pelo citado Conselho – a remoção do magistrado, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de São João Del Rei”, concluiu o ministro Marco Aurélio.

Leia o voto no Consultor Jurídico

Mistérios da toga

O artigo que publico a seguir foi veiculado na edição de hoje, do Jornal Pequeno. Leia:

“Eu tenho tentado entender o ser humano. Essa tem sido a minha obsessão. O primeiro ser humano que tentei entender foi o meu pai, sem conseguir, entrementes. Depois, na condição de advogado, de promotor de justiça e de magistrado, tentei, com sofreguidão, conhecer o ser humano que se esconde sob a toga. São mais de 30(trinta) anos e ainda não consegui desvendar os ministérios da toga. Não consigo compreender, por exemplo, por que um homem, igualzinho a nós outros, quando coloca uma toga sobre os ombros, se transforma – às vezes, radicalmente.

A metamorfose de alguns sob a toga me impressiona muito! Basta, por exemplo, assistir a uma audiência e ver-se-á um homem comum se transformar, abruptamente, num semideus – na imaginação dele, claro – , ao colocar a toga sobre os ombros. Basta ir a uma sessão de um Tribunal – qualquer Tribunal, de qualquer lugar, de qualquer estatura – para, da mesma forma, ver-se a transformação se operando, de forma inclemente e assustadora.

O homem comum, de súbito, como num passe de mágica, sob a toga, se transforma diante dos olhos estupefatos dos circunstantes. O ser humano, antes cordato, afável, tratável, humilde, se põe a toga sobre os ombros, pronto!, não é mais o mesmo. Para lidar com ele, pacificamente, sem receber uma reprimenda, uma descompostura pública, tem que medir as palavras, pois que já se transformou no mais intratável dos mortais.

Desses togados há os que não suportam a diversidade de opiniões. Todos têm que pensar como ele pensa. Num colegiado, então, a coisa é mais séria ainda. Quem ousa discordar dele, ganha a sua antipatia, que, não raro, resvala para grosseria, tendo a antecipá-la o indefectível Vossa Excelência, para dar um ar solene a incivilidade.

Esse tipo de togado, inebriado, arrebatado, exaltado pela toga, deseja, tenazmente, que todos sigam a sua linha de raciocínio, como se num colegiado todos fossem obrigados a pensar de forma linear, ou melhor, como ele pensa. Como se um colegiado não fosse o lugar apropriado para a diversidade de opiniões, para o exercício da dialética.

Esse tipo esquisito, sob a toga, se julga proprietário da verdade. Divergir? Ele pode; os outros, não. Você pode até ousar discordar das teses dele, mas saiba que a prevalente, a mais apropriada, a que mais se amolda ao tema é a dele. A tese que mais se ajusta ao caso sob análise é, enfim, propriedade dele e de mais ninguém. Ele não admite partilhar a verdade. A verdade é domínio dele. Domínio absoluto, registre-se. E não ouse dissentir, porque ele vai entender a dissensão como uma afronta.

Inteligente? Só ele. Trabalhador? Ninguém faz tanto quanto ele. Estudioso? Só ele abri livros. Decisões esmeradas? Só ele as elabora. Discernimento? Só ele tem. A palavra final? Tem que ser a dele. A posição prevalecente? Se não for a dele, faz muxoxo, faz beicinho, deixa o ambiente, divaga, pragueja, deixa o interlocutor falando sozinho, sai de cena, se isola, para, no isolamento, diante do espelho, na tentativa vã de se convencer de que é o melhor, indagar: espelho, espelho meu, tem algum togado mais inteligente do que eu?

É triste, mas é verdade. Eu já tinha visto esse filme nas últimas fileiras de uma sessão; hoje, vejo esse filme de uma posição privilegiada.

Claro que não me refiro a todos os togados. Há, sim, os que não mudam. Conheço muitos que professam a humildade, sem vacilo. Esses não mudam. São sempre os mesmos homens – com toga ou sem toga. São exemplo de humildade, de sensatez e tolerância. Mas esses, por óbvias razões, não estão a merecer de mim nenhuma reflexão, nenhuma menção.

Tenho dito, em incontáveis escritos, que o exercício do poder, ou de qualquer parcela de poder, exige de todos humildade, como, de resto, está a exigir a nossa convivência com o semelhante.

O homem que tem sob as suas mãos uma parcela relevante de poder, tem que ser mais humilde que qualquer outra pessoa; não pode, definitivamente, ser arrogante, pois essa arrogância o levará, inexoravelmente, ao desatino.

O arrogante, o que pensa que sabe tudo, o que se julga dono da verdade, o vaidoso ao extremo, o irritadiço, o descortês, o excessivamente sensível, o narcisista, enfim, pode ser qualquer coisa, mas não está preparado para o exercício do poder, máxime se o naco de poder que tem lhe autoriza julgar o semelhante.

O exercício da judicatura, por exemplo, deve ser concomitante com o exercício da humildade. E ser humilde, tratar bem os jurisdicionados, receber a todos com presteza, ter paciência de ouvir um colega, compreender que num colegiado deve haver discordância, não arrefece a autoridade de ninguém. Muito ao contrário. Quem exerce o poder sem prepotência, se eleva, se fortalece como pessoa e como julgador.

Para julgar o semelhante, para conviver com os congêneres, tem que se despir da vaidade. Tem que praticar a sensatez. Tem que ser humilde, sem que isso signifique tibieza, frouxidão, subserviência, submissão, falta de autoridade, pois a única autoridade que nos dá sustentação, que nos empresta realce, que nos diferencia dos demais, é a autoridade moral.

O homem não é frouxo porque é humilde. O que nos torna menores do que somos, o que nos enfraquece diante do nosso semelhante, o que nos diminui diante do jurisdicionado, é a arrogância e não a humildade.

O homem prepotente – e excessivamente vaidoso – nunca será respeitado pelos méritos que eventualmente tenha. Ele pode até ser temido, pois nunca se sabe o que um prepotente, com a toga sobre os ombros, é capaz de fazer. Respeitado, porém, ele não será. Jamais! Repito: jamais!”

A morte da prescrição virtual

Matéria capturada no IBCCRIM

Vicente Greco Filho
Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como se sabe, no mundo jurídico-penal desenvolvia-se a ideia de que, a partir do conceito da antiga Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal, já antes da denúncia, contando-se o prazo da data do fato, poderia ser decretada a prescrição tendo em vista uma hipotética pena futura em concreto que poderia ser levada em conta para a decretação in limine da prescrição tendo em vista os prazos do art. 109 do Código Penal.

Não é o caso de se renovarem os argumentos a favor ou contra a chamada prescrição retroativa da Súmula, já da tradição no direito brasileiro e que, na verdade, atende à razoável duração do processo.

Contudo, a chamada prescrição retroativa virtual era um abuso, porque considerava uma pena hipotética em concreto, fundada em conceitos errôneos como a “síndrome” da pena mínima e sem considerar os poderes do juiz decorrentes do art. 59, além de outras circunstâncias especiais de aumento de pena.

A Lei 12.234, de 5 de maio de 2010, definitivamente inumou a prescrição retroativa virtual.

Apesar de a norma legal, em seu art. 1º, referir que “exclui a prescrição retroativa”, não atingiu a figura totalmente, mas apenas a chamada virtual. Mesmo não havendo recurso do Ministério Público quando da sentença de primeiro grau, a ação penal ainda não se extinguiu porque pode haver recurso da defesa e se se trata da confirmação da sentença pelo Tribunal, ainda assim pode caber recurso do Ministério Público ao STJ para o aumento de pena, de modo que o parágrafo refere-se à prescrição da pretensão acusatória, em ambas as hipóteses. O que as modificações dizem, em fim, é que a pena em concreto deve ser tida como base de cálculo para a prescrição da ação penal após os eventos nela referidos, excluído o período anterior à denúncia que continuará sempre a ser considerado pela pena em abstrato. O § 1º do art. 110, portanto, refere-se à prescrição da ação penal e se proíbe que se retroaja para o período anterior à denúncia é porque permite que se aplique aos demais. Se se entendesse o contrário, ou seja, de que o dispositivo se aplica para a pena em abstrato em todos os casos, todos os crimes teriam se tornado imprescritíveis, o que seria um absurdo inconstitucional.

A lei comentada alterou os arts. 109 e 110 do Código Penal reafirmando que, antes de transitar em julgado a sentença final, a pena regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime (pena em abstrato, portanto), mas fez uma ressalva, a de que a pena fixada em concreto somente pode ser considerada para a prescrição com o trânsito em julgado da sentença que a fixou, por falta de recurso do Ministério Público ou em segundo grau, mas essa é a parte mais importante da modificação legal, “não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”.

Isso quer dizer que não pode ser reconhecida a prescrição retroativa com o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público ou depois do improvimento de seu eventual recurso ao Tribunal referentemente a período anterior à denúncia ou queixa e, a contrario sensu, deve ser reconhecida quanto aos demais.

Em termos práticos, isso significa que o Ministério Público deve denunciar respeitando o prazo da pena máxima em abstrato, ainda que tenha a “suspeita” de que a pena futura e eventualmente aplicável possa ser menor.

Ainda: apresentada a denúncia naquele prazo, a pena em concreto não pode ser levada em consideração para o prazo anterior ao seu oferecimento.

Uma questão não resolvida é a de se saber quem e como se decreta a prescrição retroativa nos casos agora permitidos.

Em termos práticos, apontamos as seguintes soluções:

1 – Se o Ministério Público não recorreu e, portanto, a sentença transitou em julgado para a acusação e a pena em concreto fixada na sentença admite a prescrição contada a partir da denúncia, o próprio juiz pode decretá-la, independentemente de recurso ao Tribunal.

2 – Se o Ministério Público recorreu e o acórdão fixou pena cuja amplitude admite a retroativa, também o próprio Tribunal pode decretá-la, em ambos os casos a requerimento do réu ou de ofício.

Há que se ressalvar a hipótese de, no segundo caso, haver recurso do Ministério Público aos Tribunais Superiores para o aumento de pena, caso em que ali a questão será resolvida.

Além desses aspectos, remanesce um problema que aparentemente encontra-se oculto.

A nova lei considera proibido, para a retroação da prescrição, o período anterior à denúncia ou queixa, não considerando as causas interruptivas da prescrição que, no caso, seria o recebimento da denúncia ou queixa, do Código Penal.

Todavia, habemus legem.

O momento a ser considerado é o do oferecimento da denúncia, sem prejuízo da interrupção da prescrição, que deverá ser observado no cálculo da prescrição retroativa, decorrente do recebimento da denúncia.

Na verdade, data venia, a lei foi dirigida aos membros do Ministério Público: “ofereçam a denúncia, se for o caso, se, até aquele momento, não aconteceu a prescrição da pena calculada pelos prazos em abstrato”.

Uma questão final há de ser considerada: se a lei se aplica aos fatos anteriores a ela.

Prescrição é tema de direito material, portanto se aplica aos fatos ocorridos na vigência da lei que a rege. No caso em tela, se o Ministério Público já entendia ser inexistente e inaplicável a prescrição retroativa virtual, a nova lei somente lhe dá mais um argumento, e ele continuará denunciando como vinha fazendo anteriormente. Se, porém, entendia que se aplicava a prescrição virtual, continuará a fazê-lo para os fatos anteriores à lei.

Quanto ao aumento do prazo do inciso VI do art. 109, sem dúvida a lei não retroage, aplicando-se apenas aos fatos ocorridos após a sua vigência.

IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 211, p. 08, jun., 2010.

Imunidade parlamentar

A matéria a seguir foi capturada no sítio Consultor Jurídico, onde pode ser lida por inteiro.

Imunidade não coloca deputado acima da lei

POR ALESSANDRO CRISTO

A imunidade parlamentar não dá ao político o direito de acusar a quem quiser quando bem entender. É como se pode resumir a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (24/6), ao decidir aceitar uma queixa-crime movida pelo deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) contra um colega de Congresso Nacional. Segundo a denúncia, em um programa de rádio, o também deputado Silvio Costa (PTB-PE) chamou Jungmann de “corrupto”. Até hoje, a jurisprudência da corte era a de considerar o parlamentar imune, e arquivar a ação. No entanto, os ministros decidiram que o direito não é absoluto.

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo recebeu a queixa-crime por injúria, crime previsto no artigo 140 do Código Penal. Para o relator do caso, ministro Marco Aurélio, o artigo 53 da Constituição diz que são invioláveis os parlamentares no exercício de seus mandatos, dispositivo que tem como objetivo permitir atuação independente. No entanto, segundo o ministro, o instituto não permite ações estranhas ao mandato, como ofensas pessoais, sem que haja consequências.

“A não se entender assim, estarão eles acima do bem e do mal, blindados, a mais
não poder, como se o mandato fosse um escudo polivalente, um escudo intransponível”, disse o ministro em seu voto. “Tudo indica que a pecha atribuída
decorreu de desavença pessoal, não relacionada com o desempenho parlamentar, com ato próprio à Casa Legislativa em que integrados os envolvidos.”

Uma vez aceita a queixa, o acompanhamento da instrução da ação penal permitirá, disse o ministro, que a corte descubra se existe elo entre o que se espera do mandato parlamentar e o que foi veiculado na queixa-crime. Acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso.

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Lamento

A sessão de hoje do Tribunal Pleno foi suspensa, mais uma vez, por falta de quórum. Temos que encontrar uma solução. Assim não pode ficar. Pega mal. Depõe contra o Poder. Mina a nossa credibilidade. Nos faz menores do que somos. E ainda há quem pense que, com a toga nos ombros, é deus (com a inicial minúscula, mesmo). Eu passei a sessão inteira com dores nas costas, mas de lá não me ausentei.

O afastamento de um colega das suas funções, cuja denúncia foi recebida, não foi concretizado no dia de hoje por falta de quórum. Eu já disse e vou repetir: nunca teremos quorum para punir um colega além de mera censura. 2/3 para o afastamento, para remoção, disponibilidade ou aposentadoria, jamais alcançaremos. Quem viver verá. O CNJ muito em breve vai puxar a nossa orelha em face dessas omissões. É só esperar.

Para encerrar essas linhas, anoto que a arrogância, a prepotência e a vaidade de uns poucos podem envenenar uma corporação, tornar a convivência difícil.

Que tal um pouco de humildade? Que tal ouvir o colega com o devido respeito? Que tal admitir que a verdade não é propriedade de ninguém? Que tal admitir que a inteligência não é propriedade de poucos? Que tal admitir que qualquer pessoa, por pouco que saiba, tem sempre alguma coisa para nos ensinar?

Informações sem consistência

Tem sido rotineiro: requisitam-se informações, em face de habeas corpus, sobretudo onde se alega constrangimento ilegal por excesso de prazo, e as autoridades apontadas coatoras se desobrigam do mister prestando informações vazias, sem consistência, sem declinar as razões do atraso. Há casos em que reitero o pedido de informações, todavia, ainda assim, não são declinadas as razões do atraso. Aí, estimado colega, não há o que fazer. Constristado, constrangido, preocupado, sou compelido a votar pela concessão da ordem, por mais perigoso que seja o paciente, sabido que ao Estado é defeso fazer cortesia com o direito alheio.

Quando militei na primeira instância – e os exemplos estão aqui neste blog, para quem quiser ver – sempre prestei informações detalhadas acerca do tempo da prisão do paciente, declinando, também em detalhes, as razões de eventual atraso. Fui, muitas vezes, até criticado por alguns desembargadores, que entendiam – bela ironia! – que eu me excedia nas informações. Nesses casos, eu prefiro o pecado do excesso que da omissão.