CAIR E LEVANTAR

Não é incomum encontrar leitores das minhas crônicas que me dizem gostar do que escrevo porque, na avaliação deles, falo com o coração e digo, às vezes, o que eles pensam e não falam, ou seja, com as minhas reflexões, vou ao encontro do seu pensamento, daí a conexão que se estabelece.

De outras tantas pessoas ouço, com alguma frequência, depois de minhas falas em alguma solenidade, que se emocionam com o que digo, porque veem nos meus olhos que sou verdadeiro, a reafirmar que os olhos são o passeio da alma, daí a minha convicção de que os olhos se manifestam, tanto quanto as palavras; às vezes, mais que as palavras.

Todavia, para captar as mensagens que os olhos mandam, é preciso ter sensibilidade, porque, muitas vezes, eles não são capazes de traduzir ao interlocutor, com alguma clareza, o que sentimos verdadeiramente.

Admito, todavia, que, numa ou noutra situação – nas crônicas que escrevo ou nas palestras que faço -, não é improvável que as avaliações que fazem de mim sejam fruto de um equívoco, afinal a capacidade que temos de estar equivocados em face do semelhante é imensurável, a reafirmar o apotegma popular, segundo o qual, “quem vê cara não vê coração”.

A verdade é que há uma porção enigmática em cada um de nós.

Mas admito que, no meu caso, em face sobretudo do que escrevo, acabo mesmo por desnudar um pouco a minha alma, contribuindo, com efeito, para compreensão de quem eu sou verdadeiramente.

Tenho procurado, sim, como uma necessidade mesmo, ser verdadeiro nas minhas reflexões, sobretudo porque não me apraz o autoengano – e muito menos enganar os que em mim confiam -, pois não incorporo na minha vida como verdade aquilo que sei se tratar de um embuste, ciente que sou de que mentir para si mesmo é uma das grandes armadilhas da mente.

Eu não suportaria falar e/ou escrever sobre o que não sinto ou sobre o que não conheço, pois me incomodaria ter que mentir para mim mesmo, fingindo sentir o que não sinto, escrevendo sobre o que não acredito, expressando um sentimento que não seja verdadeiro, razão pela qual tudo que exponho, tudo que escrevo, decorre de uma realidade vivida e sentida.

Eu sou, portanto, o que escrevo e o que falo, sem tirar nem pôr, daí que posso concluir, na esteira do que disse Graciliano Ramos, em uma passagem de Memórias do Cárcere, a propósito da capacidade criativa de José Lins do Rego: eu só me “abalanço” para falar do que sinto e vivo.

Por me permitir escrever apenas em face de uma realidade sentida e vivida é que reside, imagino, a receptividade dos meus escritos; que nada mais são que escritos sobre questões singelas, sobre as emoções vividas e sentidas, sobre as muitas decepções que experimentei, sobre as alegrias e as tristezas que permearam toda minha trajetória de homem público, filho, marido, pai e avô.

Tenho lembrado aos que questionam a minha insistência em escrever – em razão do que, por óbvio, me exponho a críticas, elogios e incompreensões -, inspirado no poeta Alberto da Cunha Melo, “que viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem”.

Dito isso, à guisa de introdução, decidi refletir hoje sobre as pedras que aparecem em nosso caminho e nas quais todos haveremos de tropeçar, caindo aqui e levantando acolá.

Diante dessa realidade, inefável e iniludível, é preciso ter em conta que, muito mais que a certeza de que tropeçaremos nas pedras que atravessarão a nossa caminhada, é a convicção que todos devemos ter que, para cada tropeço, deve corresponder a determinação, a vontade, a perseverança, enfim, de nos levantar para prosseguir na jornada da vida.

Sejam quais forem as pedras que se coloquem em nosso caminho, é preciso seguir adiante, não importando o tamanho do tombo, afinal, prosseguir na insólita jornada da vida é um desafio em razão do qual não podemos nos acovardar.

É cair e levantar, no mesmo passo e com o mesmo faina, porque é assim a vida.

Eu mesmo sucumbi muitas vezes.

Sei que a vida ainda me reserva outras tantas quedas.

Todavia, em face das quedas que levei, eu me levantei, ainda que fragilizado.

Levantei-me abatido, sim, sufocando o gemido, duramente atingido, a ponto de quase desistir; mas não desisti, dei a volta por cima e aqui estou refletindo, mais uma vez, agora inspirado exatamente nas quedas que levei.

Todavia, é preciso ter em conta que, na vida, há tombos e tombos.

Uns nos levam à lona e, em face deles, imaginamos não mais levantar; e há mesmo os que não levantam.

Inobstante, seja qual for a dimensão da queda, é preciso determinação e perseverança para seguir adiante.

Diante dos reveses da vida, o que nos resta mesmo, com fé e sofreguidão, é encarar de frente a realidade.

A vida é uma eterna competição em face da qual perdemos ou ganhamos.

Ganhar é fácil; perder não é fácil não.

Cair e levantar são faces da mesma moeda.

Para encerrar e a propósito, um provérbio chinês: Fracassar não é cair, é recusar-se a levantar.

É isso.

ENCONTROS E DESPEDIDAS

Difícil falar de mim mesmo, porque, diferente de muitos, eu sou o meu maior crítico, sou um quase sensor de mim mesmo.

Mais fácil, portanto, falar do outro, conquanto reconheça os riscos que corremos nas nossas avaliações, as quais partem, quase sempre, das nossas pré-compreensões e dos valores que incorporamos à nossa vida, os quais, muitas vezes, nos levam a julgamentos e avaliações preconceituosas/equivocadas.

Conquanto admita as dificuldades inerentes às avaliações que fazemos do comportamento do semelhante, insisto em fazê-lo, na medida em que o ser humano é a minha fonte de inspiração, por excelência, nesses quase 40 anos de crônicas.

Tenho dito, nesse sentido, fruto de uma justificável arrogância de quem pensa que sabe da vida, que, passados tantos anos de judicatura, convivendo de perto com o ser humano e suas aflições/idiossincrasias, me especializei em gente, conquanto admita que, não raro, me surpreenda com uma atitude qualquer, me compelindo a retroceder na minha avaliação, para admitir, sem originalidade, que a alma do ser humano é algo imperscrutável, impenetrável mesmo.

Mas, ainda assim, é mais fácil, reconheço, falar dos outros que de mim, ainda que, de rigor e verdadeiramente, sejamos incapazes de fazer um julgamento justo do semelhante, pela nossa indiscutível incapacidade de, reconhecer, por má-fé, maldade e/ou falta de descortinamento, as virtudes dos outros.

Mesmo admitindo os riscos que corro ao falar de mim, tenho sensatez suficiente para reconhecer que uma das minhas características é ser sensível em face das coisas da vida, na medida em que, reconheço, uma vida irrefletida é uma vida sem sentido, que não vale a pena ser vivida, leva a alma a ficar confusa e aturdida, como se estivesse bêbada (Sócrates, Fédon).

Nesse sentido, tenho pensado muito, nos últimos anos, nos encontros e nas despedidas com os quais temos que conviver.

A minha vida – a vida de todos, enfim – tem sido, desde sempre, marcada por encontros – alguns breves, outros definitivos – e despedidas – muitas definitivas e dilacerantes, para as quais eu nunca estive/estou preparado.

Os encontros, no sentido que empresto a essas reflexões, renovam as nossas esperanças, dão uma nova dimensão à vida de cada um de nós, nos convencem que, por eles e em face deles, vale a pena prosseguir a maravilhosa e desafiadora jornada da vida.

As despedidas, o outro lado da moeda, muitas das quais vivenciei dilacerado, deixam uma sensação de vazio que, no meu caso, me fragiliza, ainda que ela seja apenas uma possibilidade futura, dada a minha capacidade de sentir antes o que muitos só sentem depois.

Assim é a vida; é assim que encaro a vida e o que dela dimana.

A gente vai vivendo, deixando a vida nos levar, e, quando menos esperamos, quando tudo se revela apenas uma mesmice, uma rotina enfadonha, ocorre o encontro, renovando os nossos sonhos, dando uma nova dimensão à nossa vida.

Aos muitos encontros que a roda da vida me proporcionou me entreguei sem pudor, para, depois, na dor, sofrer as consequências das despedidas.

Nos encontros que a vida nos proporciona, há pessoas, sim, que vieram pra ficar – e ficaram; há outras que, infelizmente, vieram, mas não puderam ficar, porque a vida é assim. E das que se foram, pelos mais diversos motivos, ficou apenas a saudade, as boas recordações.

Nada se pode fazer para mudar o que está feito.

Quando vem a despedida, antítese do encontro, o que fica mesmo é saudade do que foi sem que pudesse ter sido o que suponhamos que poderia ter sido.

Os encontros e despedidas já levaram o poeta popular a dizer que todos os dias é um vai e vem, tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais voltar, sendo que tudo isso são os dois lados da mesma viagem, ou seja, o trem que chega é o mesmo trem da partida, a hora do encontro é também de despedida; despedida de gente que vem e quer voltar, de gente que vai e quer ficar, de gente que veio só olhar, de gente a sorrir e a chorar (Fernando Brant e Milton Nascimento).

É isso.

RECONHECER O ERRO

Para quem gosta, como eu, de refletir sobre o comportamento do ser humano, a internet, pelas suas redes sociais, é, definitivamente, o local ideal para esse desiderato, na medida em que, nelas, podemos testemunhar, também, o inusitado, o esquisito e o bizarro, resultado da mistura refinada do insólito com o surreal, na medida em que muito do que é mostrado nas redes causa em todos nós estupefação e, não raro, constrangimento, a receber, por isso mesmo, um olhar não somente contemplativo/indiferente.

Nas redes sociais, a propósito, eu já vi de tudo um pouco. E, mesmo já tendo visto muita bizarrice/esquisitice, ainda me surpreende a predisposição de muitos internautas à exposição pessoal e familiar, muitas vezes em situações singulares/vexatórias – leito de hospital, por exemplo -, agindo sem controle e sem limites, na busca dos famigerados likes, ainda que, no mesmo passo, se submetam a críticas tenazes, muitas das quais ultrapassam o umbral da racionalidade, permeadas, quase sempre, de toxidade, próprias dos dias atuais, de muita intolerância e de pouca ou quase nenhuma complacência.

É preciso admitir, no entanto, que as redes sociais vieram para o bem e para o mal e que, em face dessa realidade, quase nada podemos fazer, daí que, em vez de demonizá-las, o que se deve mesmo, como faço, é preservar, tanto quanto possível, o a nossa privacidade em face delas, usando-as moderadamente, evitando, no mesmo passo, e por consequência, exposições desnecessárias, domando a porção narcísica que habita em cada um de nós.

Feito o registro, destaco que, há alguns dias, assisti a um “corte” de uma entrevista dada por uma famosa, recém-separada, a um Podcast badalado, no qual, dentre outras coisas, afirmou, depois de expor detalhes da relação, que, quando toma uma decisão, não recua, enfatizando que é sempre definitiva, ainda que venha a se arrepender depois.

Não penso assim. Aliás, me recuso a pensar assim.

Diferente da famosa, incontáveis vezes retrocedi em face de uma decisão equivocada, ciente da minha falibilidade, ou seja, da minha condição de gente, decorrência natural de uma evolução que me levou ao necessário e inexcedível autoconhecimento, ciente, ademais, fruto da maturidade alcançada, que a assunção de um erro não me torna menos digno e nem atenta contra a minha credibilidade.

Nesse cenário, não me constrange assumir que determinada posição foi equivocada, por isso, não raro e sendo o mais prudente a fazer, recuo, sim, dou a mão a palmatória, sem constrangimento, sem falsos pudores, pois o que a mim me constrange mesmo não é o recuo, o reconhecimento do erro, mas a prepotência, a arrogância e a incapacidade de admitir que errei.

Quando ouço alguém dizer, depois de uma decisão ou de uma atitude equivocada, que não recua, mesmo admitindo o erro, a conclusão que chego é que, se a vida é uma escola, como me reportei noutra feita, não são poucos os que se recusam a aprender.

Na mesma entrevista a que me referi acima, a mesma entrevistada, com milhões de seguidores – algo que não se compreende racionalmente -, com ares de deboche e regozijo, concluiu, sempre arrogante e despreparada para a vida, que não daria a ninguém o gostinho de assumir que errou, do que posso inferir que, diante do erro, há dois grupos de seres humanos: a) os humildes/evoluídos, que, reconhecendo-o, costumam refletir sobre o que poderiam fazer para evitá-lo; e b) os arrogantes, que se recusam a admitir que erraram, preferindo permanecer na escuridão em que estão mergulhados, daí a conclusão de que, se errar é humano, a propensão a se manter no erro é um sintoma claro da falta de evolução espiritual e, também, de caráter, pois, pior que errar, é se recusar a assumir o erro e, nesse passo, evoluir como ser humano.

É isso.