Como um ouriço

 

Nas relações sociais e na vida, não se deve agir como faz o ouriço, que se fecha, expondo apenas os seus espinhos, como a se defender de um ataque iminente, conquanto eu tenha que admitir que, nos dias presentes, vivemos em estado de defesa quase permanente, sempre na expectativa de que possamos ser vítimas de um assalto, de uma vendeta ou de qualquer outra maldade, dessas que permeiam a vida em sociedade e das quais, mais dia, menos dia, poderemos ser alvos.

Ainda assim, apesar de tudo o que tenho testemunhado, compreendo que, nas relações com as pessoas que amamos, que nos são caras, que representam muito para nós, e que estão, por isso mesmo, muito próximas, não vale a pena apontar os espinhos na direção delas, numa patética e desnecessária demonstração de defesa, como se as pessoas que estão próximas fossem o próprio inimigo, a justificar um estado de alerta permanente.

Nas nossas relações com as pessoas que amamos e que são a nossa própria razão de viver, é preciso abrir a guarda, se expor, se mostrar por inteiro, exibir o lado bom, sem receio, sem peias, sem enleio, sem rodeios, vez que as amarras e os obstáculos opostos só dificultam o relacionamento.

Logo, é necessário que nas nossas relações familiares, por exemplo, nos revelemos, sem tergiversar, para que as pessoas da nossa mais estreita relação saibam, definitivamente, com quem estão lidando, já que não é fácil para as relações, sobretudo as familiares, as surpresas do caráter, do bom ou mau humor, uma novidade a cada dia, uma inusitada manifestação, um reação diversa ou adversa, uma ação súbita, um rompante.

Nós não temos o direito – ou, no mínimo, devemos evitar, na medida do possível – de surpreender, com ações e/ou reações heterodoxas, as pessoas que amamos, que nos cercam, que estão em nosso entorno, pois um rompante, uma surpresa negativa ou uma conduta inusitada dificulta a convivência com o semelhante, como sói ocorrer.

Nas minhas relações pessoais – e profissionais, até -, me revelo por inteiro, me entrego, me mostro, às escâncaras, sem titubeios e sem disfarce, procurando preservar apenas e tão somente o campo restrito das minhas intimidades, sobre as quais mantenho um rígido, um rigoroso e necessário controle, não permitindo, sob qualquer pretexto, que sobre elas se faça qualquer incursão; incursão que só permito das pessoas da minha mais absoluta e restrita intimidade. É dizer: minha mulher e meus filhos.

Nesse diapasão, posso afirmar que todos que convivem comigo sabem quem sou e não correm o perigo de serem flagrados desprevenidos em face de alguma ação – ou reação – inusitada vinda de mim; nesse campo, sou absolutamente previsível, como, de resto, imagino ser previsível nas minhas atividades profissionais.

Nas minhas relações pessoais e profissionais, não surpreendo, em face do humor ou de alguma ação inusitada, uma vez que meu estado de humor é sempre o mesmo, pois sou incapaz de mudar ao sabor das circunstâncias. Não sou do tipo que dorme bem humorado e acorda, como dizem os mais antigos, “com o diabo no couro”.

É preciso ter presente que não é fácil conviver com um plurifacial, com pessoas de múltiplas reações, de ações inopinadas, marcadas pelo enigma, pela dissimulação, pela intempestividade, pelas surpresas de caráter.

Tenho pavor das pessoas que usam de subterfúgios, que gostam de atalhos, que não olham de frente, que surpreendem a cada momento, que negam afirmando e afirmam, negando, que não assumem compromissos, que vão na base do deixa a vida me levar.

Definitivamente, não sou dissimulado, não sei usar de evasivas, Só sei ser claro e objetivo, direto, sem rodeios e sem escusas que possam parecer covardia, de modo que as pessoas que convivem comigo sabem efetivamente com quem estão lidando.

Impressiona-me, causa-me até certa estranheza, estupefação mesmo, a conduta dos que vivem do embuste, da pantomima, do ludibrio, do engodo e da desfaçatez. Tenho sérias restrições aos que tentam parecer o que efetivamente não são, os que vivem em função do marketing pessoal e profissional, que pousam de honestos, conquanto tenham um histórico de deslizes que, muitas vezes, são do conhecimento público, mas continuam acobertados pelo manto de impunidade que os protegem.

Tenho aversão ao tipo que abraça, beija e deseja boa sorte, quando, na verdade, guarda no recôndito da alma uma porção de veneno destinado às pessoas que elegem como inimigas. Não existe nada mais intrigante do que conviver com pessoas que vivem da desfaçatez, que fazem da mentira uma arma, um instrumento para destruir os seus desafetos.

Tem sido quase uma obsessão as reflexões que faço em face das pessoas que pensam e agem com subterfúgios, malandramente, mentirosamente, nas quais não se pode acreditar, as quais, para o mesmo fato, dependendo das circunstâncias, apresentam versões diferentes.

Nada pior que o homem – seja ele público ou não – no qual ninguém acredita, que diz uma coisa e faz outra, que se fantasia de santo, mas vive de maquinação e engodo o tempo inteiro, buscando, incessantemente, destruir a qualquer preço os que elege como inimigo.

Tenho verdadeira ojeriza aos que não são capazes de reconhecer as virtudes do semelhante, que vivem à procura dos defeitos do congênere, na ânsia de desqualificá-lo. Ademais, entendo que aquele que não se mostra capaz de reconhecer as Tvirtudes do semelhante é porque reconhece, muito embora contrafeito, não ser possuidor dessas mesmas virtudes.

Imagino, cá com meus botões, que se alguém não é capaz de reconhecer os seus próprios erros, mas se mostra atilado quando tem que apontar os do semelhante, está fadado a permanecer neles e a repeti-los, efetivamente,

Para encerrar, um lembrete, tomado de empréstimo: “Quem não pratica a autocrítica está impossibilitado de aprender. Quem acha que tudo sabe não evolui. Quem não olha as lições da História está fadado a cometer os mesmos equívocos.” (Rodrigo Constantino, economista e presidente do Instituto Liberal).

 

Até onde o Poder Judiciário pode suportar a condição de protagonista?

 

Sabe-se que o Poder Judiciário, à frente o Supremo Tribunal Federal, tem desempenhado, nos últimos anos, um papel mais do que relevante na vida institucional brasileira. O STF, com efeito, em várias oportunidades, tem exercido um papel central em questões de interesse nacional, tendo agido, muitas vezes, em face da omissão do Poder Legislativo, fenômeno não se restringe ao Brasil, pois, noutras partes do mundo, em várias nações democráticas, o Poder Judiciário também tem se destacado em razão de questões políticas relevantes, decorrentes de temas controvertidos.
Com as novas delações, especialmente dos diretores da Andrade Gutierrez, que prometem retroceder até a inacabada ferrovia Norte/Sul, passando por Belo Monte, Angra III e estádios da Copa do Mundo, a tendência natural é que mais e mais congressistas sejam denunciados, do que resultará inevitável fragilização (ainda mais) daquele que, entre os poderes da República, é o mais representativo, sem deslembrar as agruras pelas quais passa o Poder Executivo, disso resultando o inevitável e consequente fortalecimento do Poder Judiciário, que, nesse cenário, verá se fortalecer, ainda mais, o seu protagonismo.
Diante dessa perspectiva, fico a perscrutar, cá com meus botões, diante do que tenho testemunhado, se o Poder Judiciário estaria preparado para essa missão, ou seja, para exercer um poder quase absoluto, em virtude da fragilidade dos demais poderes, cujos membros (do Poder Judiciário) não são eleitos e, na maioria das vezes, agem sem peias, sem amarras, como se não tivessem a quem prestar contas.
Fico me indagando, ademais, diante da quase inevitabilidade de o Poder Judiciário assumir tamanha relevância na vida nacional, o que isso representará para a nossa democracia, e se é possível dimensionar as consequências dessa plenitude de poder nas mãos dos magistrados, a considerar que nós, juízes, não somos eleitos, e que, como um dado complicador adicional, os desvios de conduta dos magistrados só raramente são apurados por quem deveria fazê-lo (sistemas de controle interno), apesar do CNJ que, nos últimos anos, parece estar passando por um lamentável e preocupante estado de letargia.
Questiono, ainda, se é recomendável dar poder quase absoluto a uma instituição na qual ainda há membros que não respeitam os limites da lei e que são capazes de, por exemplo, colocar em liberdade traficantes presos com toneladas de drogas, determinar saques de milhões de reais em face de instituições financeiras ou – pasmem! – de anular um processo em andamento, com sentença prolatada, para ficar apenas nos três exemplos que me ocorrem agora, sem qualquer receio ou escrúpulo, num plantão judicial pensado e criado para resolver problemas marcados pela urgência e excepcionalidade, em sede de liminar, com cognição rarefeita, exorbitando do poder,
Diante dessa triste e preocupante realidade, resta indagar: o que o fortalecimento do Poder Judiciário representa para os jurisdicionados que não têm poder de ingerência, cuja capacidade postulatória – quando não se lhe a nega a capacidade financeira – se materializa apenas e tão somente numa petição inicial, que pode, sim, diante da ação malsã dos que estão a serviço dos amigos e não do direito, nada representar?
Em face da indiscutível e reconhecida má conduta de alguns togados, que não hesitam em exorbitar o poder, como nos exemplos que acima citei, para dele se servir ou para servir aos seus protegidos ou protegidos dos amigos influentes, até aonde podemos chegar com tanto poder, sem abespinhar a nossa própria imagem e sem desgastar a instituição, que é uma das poucas que ainda tem alguma credibilidade?
E nós, do Poder Judiciário, diante das questões que coloco para reflexão, a considerar que não somos um exército de querubins, estamos preparados para ser o alvo das atenções, para ser vidraças, para nos expor, para ser eficazmente fiscalizados e denunciados, a considerar que a mesma crise moral que se abateu sobre o Poder Legislativo pode vir a se abater sobre a instituição, pelas ações – e omissões – pouco republicanas de alguns dos seus membros?
O que serão capazes de revelar os holofotes quando eles se voltarem, com sofreguidão e com mais intensidade, para o Poder Judiciário, se viermos a assumir, definitivamente, o papel de protagonistas, como vem assumindo a nossa Suprema Corte?
Em razão de tudo o que expus, cabe reproduzir aqui uma frase de Paulo Guedes, em editorial publicado no jornal o Globo, do dia 30 do corrente, para, a partir dela, prosseguir perscrutando. “O despertar do Poder Judiciário anuncia novos tempos”, afirmou o articulista.
Indago, preocupado, ante a iminência do despertar do Poder Judiciário para os novos tempos: esse Poder da República está preparado, definitivamente, para assumir um papel ainda mais destacado na história do nosso país, no momento em que uma crise moral, de proporções amazônicas, se abateu sobre as nossas instituições, e a considerar que nós mesmos, pelas ações descomprometidas de alguns, tendemos, da mesma forma, à fragilização, sobretudo se os nossos desvios de conduta forem colocados na ribalta?
Ficam as indagações para refletir. Eu, de minha parte, sou um pouco cético. Tenho a perturbadora sensação de que os episódios que citei acima, à guisa de exemplo, podem ser uma prática mais comum do que se imagina, lamentando que, nas instituições, as ações nefastas e irresponsáveis dos que não têm compromisso com a lei e com a moral, terminam por resvalar na sobre a correta maioria, que não trabalha para abespinhá-las, como o faz quem delas (das instituições) se servem apenas para defender os seus próprios interesses e os interesses dos que, sob os seus olhos, devam ser favorecidos, convindo anotar que não se condena quem defende os seus interesses ou de terceiros, mas os que os defendem usando a força do poder que têm sob as mãos para sobrepujar as leis, as mesmas que um dia jurou cumprir e fazer cumprir.