SIC TRANSIT GLORIA MUNDI

A glória do mundo é passageira, como diz o brocardo latino que tomei de empréstimo para o título desse artigo. Nesse sentido, só um tolo – que não é meu caso – se ilude com o poder, pois o que se vive nele é absolutamente efêmero. Tenho dito isso, repetidas vezes, a reafirmar a minha convicção de que a salvação da alma está fora do poder.
Ou, noutro giro, a salvação da alma não está no exercício do poder, conquanto admita que haja os que, embevecidos em face do poder, imaginam que o seu exercício salvará a sua alma; e nessa perspectiva, perdem a noção e os limites de sua ação.
A verdade é que a vida acelera, e o tempo passa com uma rapidez que só não impressiona os que, por qualquer razão, perderam o rumo, a direção, o discernimento. A vida acelera, repito, e nós vamos juntos – sem opção, por não termos o poder de impedir a passagem inevitável do tempo. E assim, a vida se esvai, levada pelo tempo, inapelavelmente.
É preciso, pois, estar preparado para, inevitavelmente, deixar a ribalta para os novos atores; e que sejamos capazes de agir, nesse sentido, por vontade própria, antes que o façamos vergastados pelas leis da natureza, as quais, conforme sabemos, não fazem nenhuma concessão acerca dessa questão.
Logo, é preciso estar atentos e preparados para os efeitos que o tempo nos impõe a todos, pois aquele que não se preparar para essa realidade será surpreendido com a constatação de que só lhe restou, para ser curada, a ressaca que decorre do tempo que passou sem que se desse conta de que tudo passa, embriagado pelo exercício do poder.
O tempo, indomado, a(quase) tudo destrói; só não destrói a nossa história, o que edificamos – de bom ou de ruim. Logo, a única certeza que tenho é a de que, ao fim e ao cabo, só restará mesmo aquilo que construímos, que deixamos para as gerações futuras: o bom exemplo, a boa conduta, a retidão e o caráter.
E assim, a cada dia, a cada momento, aqueles que exercem o poder com aptidão, com abnegação, com devoção, com os olhos voltados apenas para as suas finalidades precípuas, vão construindo a sua história, sedimentando o seu legado para as gerações futuras.
Nesse sentido, a história que cada um de nós escreve pode ser uma boa ou má história. Tudo depende da maneira como exercemos o poder e se, nesse sentido, formos capazes de deixar bons exemplos nos quais as futuras gerações possam buscar inspiração.
Quero, sim, ser lembrado, no futuro, como um magistrado que pelos menos tentou ousar, romper os paradigmas, que abriu mão de nacos do poder, que a tantos fascinam, em defesa de suas convicções, na firme compreensão de que não vale o poder a qualquer custo.
Eu não quero ser lembrado como um magistrado capaz de qualquer ação ou omissão para angariar simpatias que possam ser usadas como moedas de troca para alcançar cargos relevantes.
Eu faço a minha história. E cada um, por óbvio, faz a sua. Umas mais e outras menos relevantes; algumas mais ou menos dignas. Mas, ainda assim, história, em razão da qual todos nós um dia seremos lembrados.
Triste daquele que passa pelo poder e não constrói uma história digna. Triste dos que pensam que o poder é apenas um instrumento de satisfação e realização pessoais.
O poder passa; a nossa história fica. Mesmo os ditadores, ainda que não creiam na finitude, um dia deixam o poder – ou pela morte ou pelo golpe.
Por tudo que acima expus é que reafirmo que o poder é a ilusão dos tolos, motivo pelo qual tenho dó dos que exercem o poder com os pés na cabeça, cultivando apenas o seu ego ou para dele se servir, sem espírito público e sem a dimensão do múnus.
Quem assim pensa e age, tende a, no futuro, quando o poder lhe escapar das mãos, ficar sozinho, num ostracismo que já matou de tédio muitos daqueles que, no poder, imaginavam-se super-homens, com superpoderes, acima do bem e do mal.
Quando digo que o poder não deve ser exercido a qualquer custo e que as pessoas encarapitadas nele devem ter a exata dimensão de até aonde podem ir, lembro de uma passagem interessante da história que vale a pena ser lembrada, à guisa de ilustração.
Pois bem. Graciliano Ramos, prefeito de Palmeira dos Índios, mandou recolher os animais que ficavam soltos na rua. O funcionário destacado para cumprir a ordem, depois de um dia exaustivo de trabalho, retornou para fazer um balanço de suas atividades.
Graciliano Ramos o indagou, então`:
-E ai, recolheu todos os cachorros?
Ao que respondeu, em tom bajulatório, o funcionário:
-Sim, excelência.
E observou, em seguida:
-Menos o do seu pai.
Graciliano o repreendeu, seca e duramente, traduzindo o que para ele representava o múnus público:
– Prefeito não tem pai.
É isso.

SOB O DOMÍNIO DAS PAIXÕES

Volto ao tema sobre o qual já refleti em outras oportunidades, em face da compreensão que tenho que, nos dias atuais, os debates de ideais descambaram para a insensatez e incivilidade. Dessa forma, está quase impossível “os de cá” sentarem com “os de lá” para uma discussão civilizada em torno de questões de interesse público, situação que, de resto, contaminou até os nossos pretórios, como todos nós testemunhamos, mesmo na nossa Suprema Corte.

A propósito do tema em questão, inicio lembrando, com os estoicos, que ser sábio é tomar a razão como guia, enquanto ser louco é deixar-se levar ao sabor das paixões.
À luz dessa lição, pode-se afirmar, em vista do que testemunhamos nos dias presentes, que somos um pouco loucos, pois, não raro, abdicamos da razão para agir movidos pela paixão; e, mesmo pagando um preço alto em face de uma atitude insensata, persistimos agindo, algumas vezes, sob o domínio das paixões.

Diante dessa realidade, tenho afirmado que o homem não deveria, sob qualquer pretexto, se orgulhar de vencer uma disputa – sobretudo no campo das ideias – que não fosse pela razão e pela inteligência, pela força dos seus argumentos, racionalmente esgrimidos, sem violência – verbal ou física -, sem agressão, sem baixaria, sem ataques covardes, sem estar dominado pela paixão, portanto.

Todos os que enfrentam argumentos contrários sob o domínio das paixões, esmurrando a mesa, agredindo verbalmente, parolando acima do tom civilizado, assim o fazem por lhes faltarem força argumentativa. Daí a opção pela estridência, pelo barulho e pela descortesia, pela falta de respeito, pela utilização de argumentos pobres e incivilizados, numa postura que só galvaniza a simpatia dos seus iguais.

A força física e os impropérios, os ataques grosseiros, enfim, não deveriam permear um debate de ideias entre pessoas civilizadas, motivo pelo qual me recuso a emprestar a minha lucidez a uma discussão incivilizada, ainda quando sou instado, mediante provocação, a fazê-lo, pois compreendo que participar desse tipo de discussão, que nada constrói, que nada edifica, seria emprestar a minha aquiescência à falta de compostura, que não me permito em face do poder que exerço, que exige de mim um comportamento altivo e digno.

Desde a minha compreensão, ou o opositor tem força argumentativa ou se cala e dá a contenda por perdida. Daí que, na minha avaliação e na de tantos quantos como eu optam pela racionalidade intelectual, não valem os argumentos laterais, os argumentos menores, o menoscabo, enfim, como linha argumentativa.

Ademais, não são o tom de voz alterado, o murro na mesa, a postura estridente e desequilibrada, enfim, que definem o vencedor numa pugna de ideais. Logo, não é agindo assim que fazemos prevalecer as nossas ideias.

Muitas vezes, é preferível sair “derrotado” que “vencer” um debate na base da lei do mais forte, do grito e do achincalhe, pois atitudes dessa ordem traduzem, em verdade, atos de pura covardia, permeada de pobreza de argumentos e de baixaria que, entre os racionais, não valem como argumentos e nem enaltecem o contendor; antes o diminuem aos olhos dos dotados de capacidade discernimento e de compreensão da realidade.

É inaceitável, de mais a mais, que o homem, como ser racional, não se dê conta quando, numa disputa, deixou de agir com a razão para agir movido pela paixão que oblitera a mente, que leva à irracionalidade, a qual leva aos desatinos e aos caminhos nos quais só trafegam os irracionais.

Na defesa de uma tese, de uma linha de argumentação, o debatedor que levanta a voz, que dá murro na mesa, que parte para agressão pessoal e para descompostura, na tentativa de sobrepujar os argumentos do oponente, o faz como agem os animais selvagens, ou seja, com o uso da força e da violência, justificáveis no mundo animal, mas intoleráveis nas relações entre pessoas civilizadas.
Nesse cenário, fico sempre com a sensação de que quem mais grita é quem menos argumentos tem para o debate, quem menos tem razão. Por isso, eleva a voz, gesticula, arregala os olhos, aponta o dedo, fica ruborizado, tem a sensação de desmaio, olha para os lados em busca de um aceno, de uma manifestação que seja, na vã tentativa de se convencer a si próprio de que está certo. Uma “vitória” nesses moldes, antes de orgulhar, deve, ao contrário, envergonhar o contendor.

Os leões, os ursos, os javalis, os tubarões, dentre outros, combatem com a força física, o que é muito natural; já o homem, inobstante, dotado de inteligência e discernimento, não deve usar da violência, nas suas mais diversas formas, para sobrepujar aquele que enfrenta eventualmente como oponente, se a pugna se dá apenas no campo das ideias.

Buscando força ilustrativa na obra ficcional de Thomas Morus (A utopia), anoto que os utopianos lamentavam e chegavam mesmo a se envergonhar com a informação de que, numa disputa, um dos contendores possa ter alcançado a vitória de forma sangrenta, considerando mesmo uma loucura alcançá-la por esse preço. Os mesmos utopianos se ufanavam quando a vitória era alcançada pela inteligência e pela astúcia, pela força dos argumentos.

E assim, quando numa discussão me virem deixar o “campo de luta”, não pensem que me deixei abater, que saí derrotado; é que, simplesmente, me recuso a discutir qualquer questão que não seja civilizadamente.

É isso.