A arte de falar mal

Mestre em cultura popular, Ariano Suassuna, de 83 anos, levou uma plateia ao delírio na Associação de Delegados de Polícia de Pernambuco ao assumir:

— Eu não vou mentir, acho uma hipocrisia quando o cara diz que não fala mal de ninguém. Eu não falo na frente, que é muito inconveniente. Eu espero o cara sair, e baixo o pau.
É. Pode ser.

Capturada no blog do Ancelmo Gois

STF discute eleições para os Tribunais

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) vão discutir as regras que determinam a ocupação da presidência dos tribunais do país pelos desembargadores mais antigos das cortes.

Para mim, antecipo-me ao debate – aliás, de há muitome antecipei -, para dizer que, desde meu olhar, o melhor critério é o da antiguidade. Com a eleição dos mais antigos, evitam-se as disputas internas, que só têm contribuido para dividir os Tribunais.

É verdade que o critério da antiguidade pode levar ao equívoco da eleição de alguém que complete o tempo de aposentadoria no cargo, a determinar a eleição de nova direção, como aconteceu recentemente no Maranhão, com os desembargadores Militão Vasconcelos, Galba Maranhão, Madalena  Serejo e Liciano de carvalho.

Acho que essa questão pode ser resolvida com a fixação de uma exceção, ou seja, só pode ser eleito aquele que tenha tempo para completar o mandato.

Lei da entrega

Você, seguramente, já enfrentou o dissabor de comprar um bem de consumo, aguardar pela entrega no dia marcado, e não recebê-lo.

Não é preciso dizer que todos nos agastamos com essa situação, sobretudo nos períodos mais frenéticos de compras.

Pois bem. No estado de São Paulo, está em plena vigência a Lei Estadual nrº 13.747/09 de 07 de outubro de 2009, nominada Lei da Entrega,  que  obriga  os estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços a oferecerem  ao consumidor a possibilidade de agendar a data e o turno da entrega. Do descumprimento podem resultar multas que variam de R$212,81 a R$3.192.000,00.

Não sei se a lei pegou por lá. Só sei que, com uma similar, poder-se-a  evitar, por aqui,  muitos dos  abusos e transtornos que nos são causados pela falta de compromisso dos comerciantes e prestadores de serviços  locais com os prazo de entrega.

Emendas sucessivas à inicial

Tive  a oportunidade de, nos autos do MS nº 008482/2010, refletir acerca da emenda à inicial, em face do que estabelece o artigo 284, do CPC, ante o argumento de que se trata de prazo peremptório, à luz do que estabelecem os artigos  artigos 182 e 183,do mesmo instrumento legal.

Ao enfrentar a quaestio iuris, anotei que, muito embora o prazo estipulado no mencionado artigo 284 pareça peremptório, num primeiro olhar, peremptório,não o é, inobstante, em face mesmo da construção jurisprudencial e doutrinária acerca  do tema.

A linha exegética que tenho adotado tem por vetor o princípio da instrumentalidade das formas, no sentido de que  o processo não pode ser considerado um fim em si mesmo (formalismo exacerbado), mas, ao reverso, um instrumento destinado à efetiva e concreta realização do direito material ameaçado ou violado

A melhor doutrina, como anotei acima, caminha nessa direção, cumprindo destacar, nessa senda, a lição de Luiz Rodrigues Wambier, segundo o qual o processo, nos dias presentes, “deixou de ser visto apenas sob o prisma da organização  dos atos processuais em sequência, passando a ser observado sob seu aspecto teleológico, ou seja, dos fins que lhe são próprios, especialmente quanto á função de resolver aquela parcela do conflito de interesses submetida ao poder estatal” ( in Curso Avançado de Processo Civil, Vol. I, Editora Revista dos tribunais, 23ª ed. P.148)

No mesmo diapasão é a ensinaça de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, segundo os quais “embora tenha sido determinada a emenda e o autor haja cumprido o despacho, é possível que ainda persistam irregularidades na petição inicial, percebidas posteriormente pelo juiz. Nesse caso é permitido ao magistrado determinar uma segunda emenda, e assim sucessivamente, pois o deferimento da petição incial, com a determinação da citação do réu, somente deve ocorrer se a exordial estiver imune de vícios que a maculem” (in Código de Processo Civil Comentado, 10ª edição, São Paulo, RT 2007, p. 554)

Os Tribunais têm trilhado na mesma direção, como se colhe da ementa segundo a qual “se, determinada emenda à inicial a parte intimada deixou de se manifestar, fazendo-o, contudo, em nova oportunidade que lhe foi conferida, sendo certo que o feito  prosseguiu normalmente, não há falar em indeferimento da inicial ou preclusão”(TJDF, APC nº 2001015004204-2. Relator Des. Romão C. Oliveira, 2ª Turma Cível)

A conclusão a que chego é que, à luz dos princípios norteadores da moderna processualística(o da instrumentalidade do processo, em específico,  da celeridade e da economia processual), é perfeitamente viável oportunizar-se mais de uma emenda à inicial, a fim de assegurar às partes a análise da pretensão deduzida,  em tributo, ademais, ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Maus exemplos

Você já observou que todos os dias noticiam-se desvios de conduta de políticos e policiais?

É impressionante como os políticos estão sempre protagonizando  desvios de verbas públicas, e os policias,  arbitrariedades, quase sempre  praticadas contra indefesos cidadãos. Não se sabe até onde o povo vai suportar.

Aos espertalhões quero lembrar que a miséria e o arbítrio, tolerados durante décadas, fez explodir o mundo árabe. A corrupção, o enriquecimento sem causa e a impunidade,  podem ter certeza, são ingredientes explosivos. O povo pode não suportar a cansativa espera pela ação dos órgãos persecutórios.

Deu na Folha de São Paulo

Agressão hospitalar

Pesquisa mostra que gestantes são muitas vezes vítimas de atitudes grosseiras e de falta de cuidados na rede pública e também em hospitais privados

Depois das cadeias e das salas de aula, resta um recinto de repartições oficiais para a opinião pública devassar: corredores e seções de hospitais. Enfermos pobres se empilham ali e sofrem no anonimato, quando não são maltratados por funcionários e médicos assoberbados por condições de trabalho e plantões desumanos. Nem parturientes escapam.
Nada menos que 27% de mulheres que deram à luz em hospitais públicos, ouvidas em pesquisa de opinião, declararam-se vítimas de maus-tratos verbais durante o trabalho de parto. O levantamento, realizado pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e pelo Sesc, entrevistou 2.365 habitantes do sexo feminino em 25 Estados.
A regra nos serviços de obstetrícia parece ser que a dor não autoriza as mães a chorar nem gritar. “Na hora de fazer, não chorou. Por que está chorando agora?” -reza admoestação frequente (ouvida por 14% das queixosas). Até ameaças foram feitas a 6% das pacientes: “Se gritar, eu paro agora e não a atendo mais”.
Alguns abusos não se limitam a palavras e ganham a força de atos. Um décimo das entrevistadas que tiveram filhos na rede pública relataram exames de toque dolorosos, presumivelmente realizados com rudeza. Outro tanto teve meios de alívio para a dor negados -ou não oferecidos.
O padrão áspero se reproduz nos estabelecimentos privados. Em proporção menor, é verdade, pois se registram queixas similares por parte de 17% das entrevistadas; mas não menos escandaloso, da perspectiva da ética médica. Não causar danos, afinal, é um de seus primeiros preceitos.
Seria descabido concluir, diante da patente desumanidade com que o atendimento é prestado em muitos casos, que os profissionais de saúde não passam de sádicos vestidos de branco. A doença que acomete hospitais -em especial os que atendem pelo SUS- tem sua etiologia nas organizações, não nas pessoas que mal ou bem as fazem funcionar.
Sem prejuízo da responsabilização individual, que é direito do paciente e dever dos dirigentes contemplar, a saúde pública, como se sabe, está precisando de um “check-up” profundo.
São muitos os males que rondam o sistema hospitalar, do subfinanciamento do SUS à deficiência na formação de profissionais, dos preços irrisórios pagos pelos convênios por procedimentos à superexploração da mão de obra barata de residentes de medicina.
As deformações profissionais que esses problemas eventualmente geram precisam ser remediadas. Combatê-las é missão dos próprios médicos, cuja lealdade primordial se volta para o paciente. Perdendo-o de vista, é a própria medicina que se perde.

Fragmentos do meu pensamento

“[…]Nós temos que, em nome do interesse público e em benefício da credibilidade do Poder Judiciário, superar as divergências pessoais, e, ademais, nos conduzir com retidão. Temos, nesse sentido, que ter uma conduta exemplar.
Não dá bom exemplo – e compromete a imagem da instituição – o magistrado que cultiva inimizades com os seus pares, por questões de somenos.
Não dá bom exemplo – e também compromete a imagem do Poder Judiciário – o magistrado que instiga, que atiça, que açula, que provoca o colega, muitas vezes publicamente, como se fora um torcedor fanático, num estádio de futebol.
Não dá bom exemplo – e trabalha, da mesma forma, contra a instituição – o magistrado que se comporta em plenário como se estivesse numa roda de bate-papo entre amigos.
Não dá bom exemplo, procede muito mal, o magistrado que não respeita o colega que profere o seu voto. Isso depõe contra todos nós. Isso tem sido objeto de chacotas, de comentários desairosos entre os operadores do direito.[…]

Excertos do meu discurso de posse

Desculpe, desembargador

Abaixo o artigo,  tal como foi publicado, na edição de hoje, do Jornal Pequeno.

Fui ao Cabana do Sol, restaurante, no dia 20  do corrente, domingo, com minha família. Tímido e pouco afeito aos cumprimentos públicos, coloquei os óculos escuros, e entrei no estabelecimento, com os olhos saltando do rosto, em busca de uma mesa.

Ao sentar-me à mesa, fui cumprimentado por um cliente que estava na mesa ao lado. Respondi ao cumprimento com um gesto,  do modo que sei fazer, ou seja, de forma bem discreta, tímida, sem estardalhaço, mesmo porque não reconheci, de logo, de quem se tratava, malgrado me parecesse bem familiar.

Aproximou-se o garçom, com a solicitude habitual, a quem pedi  uma cerveja, sem preocupação com a marca, com a condição de que viesse bem gelada, envolta no “véu de noiva”, como se diz no jargão dos aficionados, dos apreciadores da bebida.

Enquanto aguardava a cerveja, meu filho analisava o cardápio. Ele sabia que podia pedir o que quisesse, pois eu sou do tipo que não faz maiores exigências nessa questão – como de tudo, ou melhor, como de nada, vez que vivo eternamente de dieta.

Pois bem, antes mesmo de chegar a cerveja, o cidadão – o mesmo que havia me cumprimentado antes – levantou-se e dirigiu-se à minha mesa. Fiquei logo apreensivo, pois quando estou com minha família só gosto de dar atenção a ela e a mais ninguém – é que sou um pouco  antissocial mesmo.

O cidadão se aproximou e me falou baixo, quase colado aos meus ouvidos,  para que os que se faziam presentes não ouvissem:

– Desembargador, desculpa-me  tê-lo cumprimentado pelo nome. Eu sei que vocês não gostam de ser chamados pelos nomes.  Por  ter cometido esse erro, estou pedindo desculpas.

Pronto! Reconheci a voz do cidadão. Agora sabia tratar-se de um dileto colega de faculdade. Estava muito diferente (o tempo é mesmo implacável), o que me impossibilitou de reconhecê-lo ao primeiro aceno.

Pedi-lhe desculpas pela quase desatenção, pelo cumprimento quase formal. Disse-lhe que não foi por maldade, nem por vaidade, como poderia  ter deixado transparecer. Eu apenas não o reconheci de pronto, disse-lhe, quase pedindo  perdão. Por não tê-lo reconhecido,  disse mais, em minha defesa, que era mais do que natural que os cumprimentos ficassem restritos a um aceno de mão, um desinteressado gesto com a cabeça.

Mas, confesso, fiquei encabulado pela “descortesia”, conquanto tivesse plena convicção que não tinha agido em face da  vaidade por estar no cargo que ora ocupo – a vaidade não é do cargo e nem prerrogativa dele, é da pessoa por estar nele -,  o qual, por mais que pareça estranho, a mim não fascina, embora admita que, em face dele, me sinta lisonjeado e feliz, pois que é  por meio  dele que posso fazer alguma coisa pelos cidadãos do meu estado, sedentos de justiça.

Assim pensando, e assim estando, disse aos meus filhos da minha inquietação em face do ocorrido. Não só pelo fato de não ter reconhecido um colega dos tempos de faculdade, mas, sobretudo,  por ter deixado transparecer que eu o  tivesse tratado  friamente por não gostar de ser chamado pelo nome –   como se o meu nome de batismo fosse desembargador, como se eu não tivesse orgulho do nome que tenho.

Diante desse quadro de inquietação, tomei uma decisão. Eu não podia ficar com essa questão me “alugando“ a mente. Levantei-me da mesa, impus a mim mesmo uma quebra de  ritual e das comezinhas regras de etiqueta. Fui  à mesa do colega para abraçá-lo, para reiterar o pedido de desculpas, e para dizer-lhe  que a mim pouco importa ser chamado de desembargador, que isso nada acrescenta à minha vida, que esse tipo de tratamento, muitas vezes, até me incomoda, sobretudo quando estou despido da toga, literalmente falando.

Acho que, em face de uma solenidade, durante uma sessão de julgamento, por exemplo, é recomendável que sejamos tratados formalmente.  Mas na rua, nas esquinas, nos corredores do Tribunal ou em qualquer outra situação que não seja solene, não me apraz esse tipo de formalidade, que só serve para nos distanciar das pessoas.  Prefiro ser chamado pelo meu nome de registro.

Claro que há quem goste e quem, até, exija que assim se faça, afinal não somos iguais. Mas cada é cada um. Não se deve condenar ninguém por isso.