NÃO CUSTA NADA S0NHAR

Conheço, superficialmente, alguns países do primeiro mundo. E a sensação, ao chegar por lá, é que as instituições funcionam naturalmente, e a contento.

Todavia, pode ser apenas sensação mesmo, pois, em virtude de serem puro entretenimento, essas viagens não habilitam ninguém a falar com o necessário conhecimento sobre realidade do país visitado. Daí que, de rigor, não tenho parâmetros para fazer uma comparação consistente com o que acontece no Brasil. Sei, entrementes, fruto de informações, que há países onde as instituições funcionam de forma satisfatória, como deveria ser em qualquer lugar.

Conquanto não conheça o funcionamento das instituições alienígenas, posso dizer, por ciência própria, que as instituições por aqui não funcionam a contento, e muitas delas só vão na base do empurrão.

Os exemplos da ineficiência estatal no Brasil, nas suas mais diversas esferas, são tantos, que não teria como enumerá-los nesse espaço. Por isso, para ilustrar, vou me deter em apenas duas constatações que corroboram a nossa proverbial ineficiência, em face do mau funcionamento das instituições, muitas das quais, como anotei acima, só funcionam na base do empurrão, o que pode ser traduzido em qualquer tipo de vantagem pessoal ou patrimonial.

A primeira constatação nesse sentido condiz com a ineficiência do Poder Judiciário, como descrevo a seguir.

O cidadão procura o Poder Judiciário e apresenta uma demanda qualquer.

De rigor, se tudo funcionasse como se deseja e como preconiza a lei, o demandante deveria, tão somente, aguardar a decisão que lhe fosse favorável ou não; nesse sentido, tudo deveria fluir naturalmente. Formulado o pedido, portanto, ele não precisaria fazer mais nada senão aguardar que o processo fosse impulsionado até a decisão final.

Entretanto, não é o que ocorre, uma vez que os obstáculos são enormes, a configurar, algumas vezes, a negativa de acesso à jurisdição, estabelecendo um verdadeiro estado de desconforto constitucional.

Os empecilhos à entrega do provimento judicial vão desde o tratamento descortês, passando, outras vezes, pelo excesso de burocracia e, outras tantas, pela falta de empenho de quem tem o poder de decidir; óbices que, triste registrar, estimulam, com tudo que têm de trágico e danoso, o tráfico de influência e a exploração de prestígio, quando não o exercício arbitrário das próprias razões.
Nesse cenário, a sensação que todos têm é de que o Poder Judiciário não cumpre bem o seu desiderato. Daí que uma solução adjudicada é quase uma aventura da qual poucos se dispõem a participar, razão por que se tem estimulado as vias alternativas de composição de litígios.

A segunda constatação é, da mesma forma, inquietante, uma vez que também traduz o mau funcionamento das nossas instituições; aqui a solapar os nossos sonhos, a nos impingir desalento, como descrevo a seguir.

O Poder Legislativo, como sabido, tem como função precípua legislar. Mas, olhando os fatos de frente, parece que não é bem assim. Há como que um abismo entre as teorias em torno do funcionamento do poder legiferante e sua determinação para efetivamente cumprir o seu papel.

Explico.

O normal seria, na teoria, que, chegando uma proposta de reforma legislativa de iniciativa de outro Poder – reforma da previdência, por exemplo -, o Poder Legislativo fizesse naturalmente a sua parte, ou seja, examinasse a questão e sobre ela deliberasse, de forma a decidir o que fosse melhor para país. É dizer, no cenário por mim idealizado, cada legislador, no caso específico aqui tratado, deveria fazer a sua parte.

Simples assim?

Não é o que ocorre, inobstante, para o espanto dos que, assim como eu, imaginam que cada um deva apenas cumprir o seu papel institucional.

Em vez de o Poder Legislativo decidir acerca da questão a ele submetida, deliberando acerca do que seja melhor para o país – afinal os seus membros foram eleitos para isso -, o que vejo, no caso específico da reforma da previdência, são argumentos de alguns congressistas de que o autor da proposta de reforma, no caso o Poder Executivo, tem que construir uma base de apoio, tem que dialogar com os parlamentares, tem que conquistar os votos necessários à reforma, pois, caso contrário, ela não passa.

Como? E o interesse público, não conta? E se o Poder Executivo entender que não tem afago, não se vota a reforma? O que significa mesmo a construção de uma base de apoio? No que se traduz a afirmação de que o Executivo tem que conquistar os votos necessários à reforma? O que significa afagar os deputados? Como se dão essa conquista, esse afago, essa construção de uma base de apoio? Será que não causa desconforto moral aos eleitos para nos representar, condicionar o seu apoio aos afagos e às conquistas em face da ação do Executivo?

Indago: Eu, como magistrado, como homem público, enfim, preciso de algum afago, de ser conquistado para decidir? E se, porventura, recebo algum afago ou me submeto a alguma conquista, é possível traduzir em palavras o que significam, nesse caso, o afago e a conquista? E se eu não os receber, não decido? E se essa famigerada base parlamentar não for conquistada, como fica a reforma da previdência? Não passa? E o Brasil, como fica? E o brasileiro, não importa?

Quer dizer, então, que se essa base não for construída, se não houver mesuras aos deputados, se eles não forem aquinhoados com algum cargo para algum acólito no Executivo, a reforma, ainda que necessária ao país, vai para as calendas?

Confesso que não consigo compreender.

Dia desses ouvi um deputado dizendo que o Executivo começava a conversar com o Legislativo para construir uma base de apoio e que a reforma agora pode sair. Que conversa foi essa que tantas alvíssaras despertou em torno da reforma da previdência? Como eleitor, posso saber o teor dessa conversa?

Mas se dessa conversa não resultar nenhum entendimento que possa ser traduzido numa conquista, num afago, como ficam os treze milhões de desempregados? Só isso não seria suficientemente afagoso para conquistar, para sensibilizar um deputado? E se as emendas parlamentares não forem liberadas, também não haverá reforma?

Tento, mas, definitivamente, não entendo. Cá do meu canto, quiçá ingênuo, mesmo não compreendendo esse jogo político, porque não fui forjado nessa cultura, ainda espero que, mesmo sem afagos, sem conquistas, sem mesuras e sem trocas, a reforma da previdência, porque necessária, seja aprovada.

Essa reforma, dependendo do que dela resultar, pode ser, sim, um divisor de águas, estabelecendo uma necessária mudança de cultura, que, decerto, fará bem ao país.

E se, de repente, numa crise de sensatez, os nossos representantes concluírem que, com ou sem afagos, com ou sem conquistas, com ou sem a construção de uma base parlamentar, a reforma deva ser feita, pelo bem do país?

Poucos são os que acreditam nessa possibilidade.

Eu, do meu lado, ingênuo, mas otimista, ainda creio no discernimento dos nossos homens públicos. Afinal, como diz o poeta, sonhar não custa nada; não se paga para sonhar.

É isso.

ADVERSÁRIO DE MIM MESMO

Nós, de regra, não estamos preparados para derrota. Muito cedo aprendemos, por exemplo, que, numa disputa qualquer, é preciso ganhar.
Ouvi – e ainda ouço – de muitas pessoas a seguinte recomendação aos filhos: se apanhar na rua, apanha em casa também. É dizer: a sociedade nos condiciona para a vitória, pois, na sua concepção, é feio perder.
E assim, numa contenda qualquer, somos instados a vencer, nem que seja numa rinha de galo, onde os protagonistas não são os que tiram proveito da vitória ou sentem os dissabores da derrota.
A grande verdade é que ninguém quer ser apontado como perdedor, uma vez que, ao contrário disso, todos nós almejamos vencer.
É assim na vida pessoal; é assim na vida profissional.
Contudo, a vida não se constrói apenas com vitórias. Ela é assim: perde-se aqui; ganha-se acolá. Logo, é preciso saber perder e ganhar.
Essa máxima da vida, no entanto, não se aceita com naturalidade.
Daí a razão pela qual há pessoas que, diante da derrota, seja ela de qual dimensão for, se descabelam, praguejam, agridem, perdem o controle, se indispõem com os amigos e até com os parentes mais próximos.
Mas quando se entra numa disputa, seja ela de que nível for, tem-se que saber que podemos, sim, perder ou ganhar. Essa é uma verdade comezinha que nem todo mundo é capaz de entender.
Ser vencedor, sair vitorioso de uma contenda, sobrepujar o adversário faz bem à mente – e é o que todos almejam, enfim, porque, como disse acima, a nossa personalidade foi forjada para vencer. Daí a dificuldade de muitos de nós para conviver com a derrota, conquanto saibamos da sua inevitabilidade ao longo da nossa vida.
Claro, portanto, que todos nós queremos ganhar. Entretanto, nem sempre é possível vencer, razão pela qual deveríamos, desde a mais tenra idade, estar preparados para a possibilidade de uma derrota, em face da sua inevitabilidade.
Diante da inevitabilidade de uma derrota nas mais diversas contendas da vida, recomenda o bom senso que se analisem as razões da derrota para, nos novos embates, tentar sobrepujar o adversário (sentido amplo), porque, afinal, a vida é assim: ela nos impõe constantes contendas para as quais nem sempre estamos preparados para vencê-las.
Essas questões são de fácil compreensão, pois, qualquer um de nós, com o mínimo de bom senso, é capaz de compreender essas linhas introdutórias iniciais dessa reflexão.
O bicho pega mesmo é quando perdemos a batalha para nós mesmos. É quando somos derrotados pelas nossas próprias fraquezas. É quando deixamos que a nossa mente nos leve à lona, quando somos nocauteados pelas nossas próprias idiossincrasias.
Curiosamente, o conflito que travamos com nós mesmos é o conflito mais difícil de administrar. Nesse diapasão, temos que ter força interior para enfrentar os nossos medos, as nossas angústias, as nossas fraquezas.
Eu, muitas vezes, não soube enfrentar essas questões. E em algumas delas sucumbi como um gladiador que desaba numa arena. E embora eu me apresentasse para mim mesmo como um forte contendor, constatei depois que fui meu próprio adversário; e perdi. Perdi feito.
Diante disso, saí da pugna machucado, sofrido, arrasado, um trapo, um resto de gente. Então, decidi que para enfrentar o mundo exterior, para enfrentar o inimigo, eu precisava primeiro vencer os meus medos, as minhas angústias, o meu açodamento, a minha ansiedade. Só depois de vencer essas batalhas internas foi que pude sobrepujar os inimigos externos.
A minha maior batalha, portanto, eu travo comigo mesmo; a minha maior vitória e a minha maior derrota foram em face de mim mesmo.
A vida parece simples; e é mesmo, desde que não a compliquemos e sejamos capazes de compreender as nossas limitações, as nossas fraquezas.
Mas eu não fui sempre assim, nem sempre tive essa compreensão.
Para mim, viver era algo muito mais complexo, estando a complexidade em mim e não nos desafios que a vida me impunha.
A verdade é que só passei a entender a beleza e a simplicidade da vida quando superei os meus medos, as minhas fraquezas, as minhas angústias.
Eu só passei a viver bem comigo mesmo e com o meu semelhante, quando entendi que eu, assim como todo ser humano, tenho inúmeras virtudes e incontáveis defeitos.
Viver, portanto, pode não ser algo tão difícil se nos dermos conta de que, a cada desafio e diante de cada derrota, podemos tirar lições para nos fortalecer interiormente, em vez de, simplesmente, sucumbir e chorar o leite derramado.
Não adianta a armadura de um gladiador, o revólver do Zorro, as mágicas do Mandrake, a ambição do Tio Patinhas, os cabelos de Sansão, o estilingue de David, a perspicácia do Mickey, a destreza do super-homem, as teias do Homem Aranha e a força do Hulk, se não tivermos a capacidade de enfrentar o inimigo que habita em cada um de nós, limitando, impondo, muitas vezes, a sua vontade.
É isso.