A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA

A fraude à cota de gênero tem sido, no dias atuais, indubitavelmente, um tema
candente do Direito Eleitoral, pelos objetivos a que ela se propõe, no sentido de incentivar a
participação feminina na política, em tributo ao pluralismo político.
Inobstante a proteção legal à cota de gênero, a verdade que se manifesta, translúcida
e inquietante, é, contraditoriamente, a disseminação, em todo o país, de fraudes escancaradas e
acintosas às reservas de gênero, disso resultando que, em lugar da promoção da participação
feminina, o que temos testemunhado é a reafirmação da exclusão da mulher da política
Importa consignar, a propósito, que a necessidade de estímulos à participação política
das mulheres ganhou força com a Constituição Federal de 1988, mas a realização desse
desiderato acabou se revelando uma verdadeira guerra, realidade fática que se pode inferir em
face das várias provocações à Justiça Eleitoral em face da disseminação das chamadas
candidaturas laranjas, pífias, fictas ou fraudulentas.
A verdade é que, ao final de duas décadas, o progresso resultante das medidas
legislativas, visando o estimula à participação feminina, foi muito tímido, a demonstrar a
necessidade de reação dos atores institucionais. Nesse afã, a missão cabe, também e
precipuamente, à Justiça Eleitoral, através de sua atuação jurisdicional e regulamentar, donde
se espera atuação determinada no afã de coibir os abusos.
A conclusão, em face do que tenho testemunhado como ator institucional com atuação
na Corte Eleitoral do Maranhão, lamentável dizer, porque isso se traduz em inaceitável
menoscabo à mulher, é que muitas candidaturas femininas passaram a compor as listas
partidárias como mera formalidade, ou seja, apenas para que os partidos se adéqüem à
legislação.
Nesse cenário, a Justiça Eleitoral deve, sim, com equilíbrio e sensatez, mas de forma
determinada, adotar uma postura evolutiva, progressiva e adaptativa – a considerar que as
fraudes tendem à sofisticação -, de modo a, sem descurar de sua responsabilidade e sem
excessos, lançar os seus tentáculos em face dos protagonistas das fraudes, ainda que tenha que
decidir contramajoritariamente.

Tenho reafirmado que somente a interpretação evolutiva do direito, consentânea com
os dias presentes, nos levará à sua atualização, pois é dever do intérprete estar atento à
evolução da sociedade e, no caso das cotas de gênero, a sofisticação das ações ilícitas está a
exigir, que, na análise do caso concreto, a lei seja analisada evolutivamente, isto é, não em face
do ambiente em que foi criada, mas em face do cenário em que foi infringida, sob pena de
restar inviabilizada a punição dos fraudadores.
É preciso ter em conta, a propósito das fraudes em comento, que a construção
jurisprudencial atual se consolidou em um ambiente que aos poucos foi se sofisticando – e
tende a se sofisticar ainda mais –, daí as dificuldades que temos de definir o que seja uma
candidatura ficta/laranja, a exigir que evoluamos na análise dos fatos, bem assim no que condiz
com a sua subsunção à normativa, ante a óbvia constatação de que uma interpretação que era
correta num determinado momento, pode ter-se tornado inapropriada em ocasião posterior,
disso resultado que não se pode dar a mesma solução a um problema que sofreu mutação em
razão das alterações no plano da realidade fática.
E a realidade fática, quando se trata de fraude eleitoral, todos sabemos, muda com o
tempo, se sofistica em busca do aperfeiçoamento, a exigir das instâncias de controle uma
interpretação progressiva, evolutiva e, no mesmo passo, destemida, sem descurar, claro, do que
efetivamente restar apurado, pois ao julgador não é dado o direito de agir em face de suas
convicções, de suas idiossincrasias, conquanto não se possa perder de vista um inevitável
coeficiente de subjetividade em suas decisões.
É isso.

MINIMALISMO PENAL E PROTEÇÃO SOCIAL

Inquieta a sociedade a veiculação sistemática de notícias sobre reiterações criminosas de meliantes colocados em liberdade, muitos deles traficantes de drogas, integrantes de organizações criminosas ou autores de crimes violentos, a pretexto de serem presumidamente inocentes, descurando-se, nessa perspectiva, de sua perigosidade, o que se traduz, desde a minha compreensão, inaceitável menosprezo ao interesse público.

Em situações tais, mesmo submetido a críticas, não descuro de manter preso quem demonstra propensão para a prática de crime ou, não sendo contumaz, o pratica com violência contra a pessoa, mas sem perder de vista, por óbvio, a densidade, a relevância do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, uma vez que vivemos num Estado Democrático de Direito, sob os auspícios, portanto, do princípio da legalidade.

Nessa linha de pensar – e de atuar -, mesmo sem antecedentes criminais, mesmo sem comprovada recalcitrância, aos criminosos perigosos só excepcionalmente concedo um favor legis, na compreensão de que não se pode deixar de ponderar sobre as consequências de colocá-los em liberdade, posto que a sociedade precisa de proteção, que às vezes é mimetizada pelos minimalistas, para os quais vale mais o direito individual que o coletivo.

A minha experiência em face das consequências nefastas à sociedade pela concessão de liberdade a  meliantes renitentes e violentos, que propendem a não refluírem em suas ações, sabido que não os inibem as medidas cautelares alternativas, tem me conduzido à manutenção das prisões provisórias que se mostrem imprescindíveis (carcer ante tempus) à preservação da ordem pública, nada obstante a presunção de inocência,  invocada, às vezes equivocadamente, para devolver a liberdade de quem não está a merecê-la.

Todavia, em que pese o quadro de violência que a todos nós apavora, os minimalistas não pensam assim. Nesse sentido, há os que – agora chamados garantistas, como se garantismo se confundisse com impunidade -, mesmo em se tratando de acusados recalcitrantes ou integrantes de perigosas organizações criminosas, preferem a opção pela liberdade, como se a presunção de inocência fosse um passaporte para a criminalidade.

No atual cenário, tenho a nítida compreensão de que a ordem pública exige do magistrado maior rigor no exame dos pleitos que buscam a liberdade de meliantes perigosos, razão bastante para, se for o caso, flexibilizar, em tributo ao cidadão de bem, em respeito à sociedade, o princípio da presunção de inocência, sabido que não existe direito absoluto, mesmo os ditos fundamentais e que eles não existem para proteger quem não tem controle de suas ações criminosas.

Ademais, é preciso ter em mente que os direitos fundamentais devem assegurar a esfera de liberdade individual apenas quando as interferências do poder público forem ilegítimas; e não é ilegítimo manter segregadas pessoas perigosas e resilientes às ações das instâncias persecutórias.

Para os que advogam o minimalismo penal, ou seja, a prisão como extrema ratio, lembro, forte nas lições de Claus Roxin, apenas para ilustrar e subsidiar a reflexão, que o Direito Penal – e consectários – é um mal necessário do qual não podemos nos afastar, em face da criminalidade violenta e reiterada.

É isso.

A CRIAÇÃO JUDICIAL DO DIREITO

Por prudência e cautela, desde muito cedo senti um certo acanhamento quanto à possibilidade, de nós, juízes, assumirmos o protagonismo no enfrentamento de certas questões sensíveis (criação do direito), em face, sobretudo, da minha formação jurídico-cultural (tradição positivista). Todavia, em pouco tempo, sem as amarras de uma prudência exagerada, compreendi que, no exame de determinadas questões, não se pode descurar da falta de sensibilidade e da omissão do legislador ordinário, não restando ao julgador, nesse cenário, muitas vezes, outra alternativa que não a de assumir um certo poder criador, sobretudo em face da estrutura normativo material da Constituição de 1988, impregnada, como sabemos, de princípios e regras de grande abertura semântica, de forma a permitir ao intérprete um singular espaço de conformação.

Cappelletti ensina: “Nos países de tradição positivista, a doutrina, durante muito tempo, resistiu à ideia de criação do Direito pelo juiz, cuja atividade estava confinada à vontade clara da lei. Todavia, com a complexidade das relações na sociedade moderna e a multiplicidade das demandas judiciais, a própria vontade da lei não mais se mostrava clara. Ao contrário, vaga e ambígua, a lei passa a suscitar variadas interpretações” (Juízes Legisladores? p. 24-25). E nesse ambiente, de regras obscuras e imprecisas, estão postas as condições para a criação judicial do direito, até mesmo para o ativismo judicial.

Nos últimos anos, no Brasil, temos assistido, sobretudo depois da Carta Política de 1988, à expansão do Poder Judiciário, que tem promovido uma verdadeira revolução, em detrimento do formalismo de inspiração liberal, época em que, como sabido, a atividade do juiz era a de declarar, mecanicamente, o direito, valendo-se, tão somente, da lógica dedutiva de interpretação.

No Estado Democrático e Constitucional, o direito já não se aperfeiçoa, não evolui e nem alcança a sua real finalidade se não em face da ação criativa dos membros do Poder Judiciário, que rompeu, definitivamente, com o monopólio legislativo na formulação do Direito, assumindo, de vez, a sua condição de corresponsável pela transformação do Estado, enfrentando sem acanhamento o grande desafio de controlar os outros Poderes, de forma a trazer para o centro do debate político a força axiológica dos textos constitucionais.

A criação judicial do direito, afirmo, à guisa de reforço, inspirado nas lições de Inocêncio Mártires Coelho, “decorre do exercício regular do poder-dever que incumbe os juízes de transformar o direito legislado em direito interpretado/aplicado, caminhando do geral e abstrato da lei ao singular e concreto da prestação jurisdicional, a fim de realizar a justiça em sentido material, que nisto consiste o dar a cada um o que é seu”. (Inocêncio Mártires Coelho, in Ativismo Judicial: o caso brasileiro, palestra proferida no Ministério Público do Estado do Pará).

Consigno, nada obstante, que o magistrado, nessa função de intérprete/aplicador do direito, não pode agir por capricho ou por conta de suas idiossincrasias, sob pena de se igualar aos que, nos demais poderes, agem sem idealismo, mas impulsionados pelos seus interesses pessoais, ou de grupos de lobistas, sem nenhum compromisso com a comunidade.

Para finalizar, uma chamada à consciência judicial: o magistrado deve ter presente, sempre, que certas minorias, certos grupos sociais, religiosos ou econômicos, só encontram nos tribunais, e em nenhum outro lugar, a proteção que estão a merecer (Luís Roberto Barroso). É nesse ambiente que o juiz constitucional assume o seu real, definitivo e mais relevante papel, cumprindo relembrar, nessa linha de intelecção, que a função do magistrado vai muito além da de mero espectador, agente passivo ou figura inanimada e ascética, que se limita a pronunciar as palavras da lei (visão montesquieuniana).

É isso.

DURANTE A TEMPESTADE

Principio estas reflexões com um pensamento de Alexandre Dumas: “A vida é uma tempestade. Em um momento, você aproveita a luz do sol, no outro, é açoitado pela chuva. O que importa é o que você faz quando a tempestade chega”.

Digo mais, para desenvolver o meu raciocínio, que empatia é a capacidade psicológica para sentir o que sentiria outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela; que altruísmo é uma forma desinteressada de amar; e que solidariedade é um ato de bondade e compreensão para com o próximo.

A partir desses conceitos objetivos, importa, agora, indagar: por que, sendo todos filhos do mesmo Deus, seguidores da orientação cristã de quem pregou amor ao próximo acima de tudo, durante as tempestades a muitas pessoas faltam empatia, altruísmo e solidariedade?

Essa indagação inquietante tenho feito, repetidas vezes, a propósito da conduta de muitos que, podendo, não evitam o risco de contaminação pelo Sars-CoV-2, embora cientes de que, contaminados, podem, no mesmo passo e com grande probabilidade, infectar o semelhante, inclusive pessoas de sua própria família, muitas das quais do grupo de risco.

Essa grave falta de empatia, altruísmo e solidariedade, que nos iguala aos seres irracionais, me impõe reafirmar o que tenho dito nas conversas informais: nas adversidades, o homem se revela – para o bem ou para o mal. É dizer: há pessoas que não estão nem aí para o semelhante, ainda que esse semelhante sejam os próprios pais, numa atitude que, para mim, beira à irracionalidade.

Diante desse panorama, importa indagar, ademais: no que essas pessoas são diferentes, na essência, dos que se aproveitaram da pandemia para superfaturar na compra e venda de respiradores, de testes e de máscaras para o enfrentamento do novo coronavírus?

Indago, outrossim: no que diferem essas pessoas de sua Excelência, o Presidente da República, que nunca hesitou em se contaminar e replicar a contaminação, expondo, desnecessariamente, a vida de outras pessoas, inclusive de sua própria família?

No que essas pessoas são diferentes do tenista Novak Djokovic, número um do mundo, que abriu ao público um torneio de exibição em sua cidade natal, Belgrado, na Sérvia, promovendo uma aglomeração de pessoas sem máscaras nas arquibancadas e que, para completar, levou colegas de raquete a uma balada que varou a madrugada, debochando do novo coronavírus que, para se vingar, contaminou tanto ele quanto a esposa, o preparador físico e outros três tenistas que participaram da brincadeira?

E da influenciadora digital, Gabriela Pugliesi, especializada em saúde e bem-estar, que deu uma festa de arromba em plena pandemia e que, por isso, foi execrada/cancelada nas redes sociais? Do que diferem os intrépidos sabotadores dos protocolos sanitários?

Eu, sinceramente, não consigo compreender por que há pessoas que, podendo praticar ações benéficas ao semelhante, preferem, ao reverso, expor o seu desprezo pelo congênere. Nesse panorama, como animais que constroem, abrem veredas perigosas, incessante e perigosamente, sem se importarem aonde podem ser levados em face dos caminhos que escolheram (Dostoiévski. “Notas do Subsolo.” L&PM Editores. 40, Apple Books).

Pessoas insidiosas que agem como tem agido uma parcela da população em face da pandemia que atravessamos, lembram Mersault, protagonista de o Estrangeiro, de Albert Camus (eBook, Editora Record), um ser humano frio, insensível e amoral que, um dia depois do enterro da mãe, cuja data de nascimento e de morte nem sabia ao certo, inicia um caso amoroso e vai ao cinema se distrair, agindo, como sempre agiu, indiferente aos mais comezinhos valores morais.

É isso.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Foi sempre assim; e assim, tudo indica, sempre será.

Explico. O legislador ordinário imagina, por oportunismos e outras coisas mais – e muitos como ele também imaginam – que se resolve o problema da criminalidade editando leis.

Eu diria, numa linguagem popular, inobstante, que o buraco é mais embaixo; muito mais embaixo mesmo, pois ninguém resolve a criminalidade num passe de mágica, editando leis mais draconianas, por exemplo.

Não é tão simples assim; fosse isso, já teríamos feito refluir os índices alarmantes de criminalidade; e olhem que falo apenas dos crimes noticiados ou aqueles que as vítimas se predispõem a denunciar.

Nesse panorama, eu poderia, aqui e agora, mencionar vários exemplos de que tudo isso é um engodo. Todavia, por óbvio, sendo o espaço de reflexão diminuto, isso não seria possível, motivo pelo qual deter-me-ei apenas na questão da violência contra a mulher, em face dos graves episódios que têm sido veiculados na imprensa.

Inicialmente anoto que as Leis Maria da Pena e do Feminicídio, conquanto sejam textos distintos, eles se complementam, porque ambos buscam a proteção da mulher.

A Lei Maria da Penha é de 2006, e tem como escopo a proteção da mulher vítima de violência doméstica, antessala do feminicídio. Como era de se esperar, a lei em comento não evitou e nem fez refluir a violência doméstica, e as mulheres, com efeito, continuam a ser vitimizadas pelas ações nefandas dos machistas de plantão.

Essa mesma lei prevê uma rede de proteção à mulher para ajudá-la a sair da situação de violência, o que, reconhecemos, foi um grande avanço, mas, ainda assim, sem os resultados que todos almejamos.

A verdade é que, apesar da lei, apesar dos esforços feitos pelas agências de controle, a violência contra a mulher ainda é uma chaga, o que deixa entrever, como anotei acima, que não basta a mudança da legislação. É preciso, ao lado da mudança da legislação, uma mudança de mentalidade, sobre o que me deterei no final desse artigo.

Em 2015, veio a Lei do Feminicídio, que qualificou o crime de homicídio contra a mulher, preconizando penas mais graves. Para que o leitor não versado em matéria de Direito compreenda as consequências da nova lei, enquanto para um homicídio simples há previsão de pena privativa de liberdade de 06 a 20 anos, para o feminicídio a punição em abstrato passou a ser de 12 a 30 anos.

Contudo, pergunta-se: a exacerbação da pena fez refluir os crimes contra a mulher?

Os números falam por si sós?

A verdade, como anotado acima, é que não basta a edição de uma lei, com penas mais exacerbadas, para se fazer retroceder a criminalidade, como comprova qualquer estudo que objetive a compreensão do fenômeno.

Como adiantei acima, é preciso muitos mais para fazer refluir os crimes contra a mulher. É preciso uma mudança cultural radical, que, sabemos, não ocorre do dia para a noite.

Para essa mudança cultural, tenho dito, os padrões de masculinidades devem ser enfrentados, mas não só perante as instituições públicas.

Essa mudança de mentalidade, não tenho dúvidas, deve começar no ambiente familiar, pois, conforme indicam as estatísticas, filhos criados em ambientes que estimulam a prática de violência e de menosprezo à mulher tendem a adotar a mesma atitude como padrão.

Ademais, o homem autoritário, incapaz de admitir a sua própria fragilidade, forjado à luz de estereótipos do tipo homem que é homem não chora ou do tipo incapaz de uma manifestação de carinho, com receio de que um simples gesto de amor lhe apequene a masculinidade, tende a encarar a violência, o desapreço pela mulher como algo normal.

É preciso romper com a masculinidade tóxica, perversa, arrogante e destruidora das relações. O homem, com efeito, não tem que se esconder para chorar, não tem que ter receio de mostrar que ama, que reconhece e prestigia as virtudes daquela que escolheu para ser companheira na construção de sua história.

Atitudes que tais não fragilizam o homem; antes, o tornam mais humano, e introduzem nele bons pensamentos, dos quais resultam boas ações.

Da mesma forma, é preciso investir nos afetos, criar um ambiente familiar onde não sejam incomuns as manifestações de carinho e de apreço. Em ambientes assim forjados, creio, não há espaço para violência.

Ao reverso de tudo isso, um ambiente familiar onde preponderam as idiossincrasias do homem, no qual ele invoca para si o direito de decidir sobre os destinos da mulher e dos filhos, tende a ser propício a vicejar o vírus da discórdia e, por via reflexa, da violência, porque o homem que chama para si tamanha autoridade jamais suportará ser contrariado. E nesse ambiente, não há lei que resolva o problema da violência doméstica que, muitas vezes, antecede o feminicídio.

É preciso, repito, expungir, enfrentar a masculinidade exacerbada que, paradoxalmente, forja o homem inseguro e violento.

A verdade é que, nem a lei Maria da Pena e nem a exacerbação da pena em face dos crimes contra a mulher serão capazes de fazer refluir a criminalidade e a violência contra essa mesma mulher, se o homem não mudar a sua mentalidade, mentalidade corrompida e tacanha que o faz pensar que a mulher não seja mais que um objeto para ser usado como bem lhe aprouver.

É preciso, repito, uma mudança de mentalidade, que começa, necessariamente, no ambiente familiar.

É isso.

MELHOR INVESTIGAR

Tenho dito que se houver fundadas suspeitas da prática de ilícitos – penal ou administrativo – por um homem público, o melhor que se faz é investigar da forma mais ampla possível, para que todas as dúvidas sejam dissipadas.

É o preço que todos nós pagamos pela opção que fizemos, pois, sobre a honradez de um homem público, não devem existir dúvidas, ainda que razoáveis. Logo, é preciso deixar que as ações das instâncias de controle fluam naturalmente, porque é do interesse público que as suspeitas – eu disse suspeitas, das quais pode ou não haver indiciamento, que é ato posterior ao estado de suspeito – sejam esclarecidas.

O mais relevante patrimônio de um homem público, todos haverão de concordar, é a sua honorabilidade, que não deve estar sob questionamentos. Daí que, havendo razoável dúvida de desvios de conduta, não pega bem criar óbices às investigações.

Investigação em face de suspeitas razoáveis de má conduta do homem público é um imperativo impostergável e traduz o estágio de evolução de um povo, tanto que, em países civilizados, a simples suspeita impõe ao investigado o dever ético de sair da ribalta, renunciando ao cargo que eventualmente ocupe.

Dessa forma, o melhor que se faz, com todas as consequências que isso encerra, é deixar investigar, se colocar à disposição das instâncias de controle para quaisquer esclarecimentos, pois, afinal, se o indiciamento pressupõe um grau elevado de certeza da autoria, elas, a autoria e a materialidade do ilícito, só podem ser aferidas em face das investigações que forem levadas a cabo.

Desde a minha compreensão, não pega bem o uso de artifícios, mesmo os legais, para impedir que as investigações fluam. Tratando-se de homem público, sobretudo o que têm uma outorga popular, com muito mais razão deve se submeter, naturalmente, às eventuais investigações.

Eu, cá do meu canto, tenho sérias restrições aos que pregam inocência, mas que, no mesmo passo, mesmo ante veementes indícios da prática de algum ilícito, criam empecilhos às investigações, deixando uma amarga sensação de que podem, sim, ter alguma dívida a ser reparada, pois, respeitadas as balizas legais, nada justifica criar estorvas às investigações, máxime quando precedidas de fortes suspeitas de que possa ter havido mesmo algum desvio de conduta.

Ante fundadas suspeitas, por exemplo, de aumento patrimonial incompatível com os rendimentos auferidos por determinado homem público, o correto mesmo é investigar; e, nesse sentido, o maior interessado nas investigações deveria ser a pessoa suspeita, pois que somente em face delas pode-se dirimir eventuais dúvidas acerca de sua conduta, malgrado os dissabores que decorrem da condição de investigado.

Nada obstante os dissabores, todos – eu disse todos! – sobre os quais recai alguma suspeita de enriquecimento ilícito, ou qualquer outro desvio de conduta, devem suportar o desconforto de uma investigação, como todas as suas consequências.

Se, desde meu olhar, as coisas devem ser assim, tenho enorme dificuldades em compreender por que os investigados, de regra, mesmo ante a presença de fortes indícios do cometimento de um ilícito, ultrapassado umbral da mera suspeita, insistem em obstaculizar as investigações.

É preciso ter em conta que não se inicia, pelo menos não tenho notícias nesse sentido, nenhuma investigação, em face de um ilícito, seja penal, seja administrativo, sem que haja, no mínimo, suspeitas relevantes da prática de ilicitude. Se é assim, por que então as pessoas insistem nesse argumento pueril e ridículo de que tudo não passa de uma vindita, como se pretendessem dar à fumaça de gelo um efeito que ela não tem?

Ninguém sai por aí escolhendo, aleatoriamente, quem deva ser investigado; a menos que se trate de um insano, um perseguidor implacável, irresponsável e inconsequente. Da mesma forma, as instâncias de controle não saem por aí investigando à vista tão somente de uma elucubração.

Tentar obstaculizar uma investigação, presentes fortes suspeitas da prática de uma ilicitude, é, para mim, mera escamoteação; uma tentativa pueril de negar as evidências, escondendo-a sob uma cortina de fumaça, olvidando-se que a consciência culpada, ainda que consiga se proteger da persecução, como ocorre algumas vezes, não deixará de ver, em cada sombra, um policial a tirar-lhe a paz.

É isso.

NÃO CUSTA NADA S0NHAR

Conheço, superficialmente, alguns países do primeiro mundo. E a sensação, ao chegar por lá, é que as instituições funcionam naturalmente, e a contento.

Todavia, pode ser apenas sensação mesmo, pois, em virtude de serem puro entretenimento, essas viagens não habilitam ninguém a falar com o necessário conhecimento sobre realidade do país visitado. Daí que, de rigor, não tenho parâmetros para fazer uma comparação consistente com o que acontece no Brasil. Sei, entrementes, fruto de informações, que há países onde as instituições funcionam de forma satisfatória, como deveria ser em qualquer lugar.

Conquanto não conheça o funcionamento das instituições alienígenas, posso dizer, por ciência própria, que as instituições por aqui não funcionam a contento, e muitas delas só vão na base do empurrão.

Os exemplos da ineficiência estatal no Brasil, nas suas mais diversas esferas, são tantos, que não teria como enumerá-los nesse espaço. Por isso, para ilustrar, vou me deter em apenas duas constatações que corroboram a nossa proverbial ineficiência, em face do mau funcionamento das instituições, muitas das quais, como anotei acima, só funcionam na base do empurrão, o que pode ser traduzido em qualquer tipo de vantagem pessoal ou patrimonial.

A primeira constatação nesse sentido condiz com a ineficiência do Poder Judiciário, como descrevo a seguir.

O cidadão procura o Poder Judiciário e apresenta uma demanda qualquer.

De rigor, se tudo funcionasse como se deseja e como preconiza a lei, o demandante deveria, tão somente, aguardar a decisão que lhe fosse favorável ou não; nesse sentido, tudo deveria fluir naturalmente. Formulado o pedido, portanto, ele não precisaria fazer mais nada senão aguardar que o processo fosse impulsionado até a decisão final.

Entretanto, não é o que ocorre, uma vez que os obstáculos são enormes, a configurar, algumas vezes, a negativa de acesso à jurisdição, estabelecendo um verdadeiro estado de desconforto constitucional.

Os empecilhos à entrega do provimento judicial vão desde o tratamento descortês, passando, outras vezes, pelo excesso de burocracia e, outras tantas, pela falta de empenho de quem tem o poder de decidir; óbices que, triste registrar, estimulam, com tudo que têm de trágico e danoso, o tráfico de influência e a exploração de prestígio, quando não o exercício arbitrário das próprias razões.
Nesse cenário, a sensação que todos têm é de que o Poder Judiciário não cumpre bem o seu desiderato. Daí que uma solução adjudicada é quase uma aventura da qual poucos se dispõem a participar, razão por que se tem estimulado as vias alternativas de composição de litígios.

A segunda constatação é, da mesma forma, inquietante, uma vez que também traduz o mau funcionamento das nossas instituições; aqui a solapar os nossos sonhos, a nos impingir desalento, como descrevo a seguir.

O Poder Legislativo, como sabido, tem como função precípua legislar. Mas, olhando os fatos de frente, parece que não é bem assim. Há como que um abismo entre as teorias em torno do funcionamento do poder legiferante e sua determinação para efetivamente cumprir o seu papel.

Explico.

O normal seria, na teoria, que, chegando uma proposta de reforma legislativa de iniciativa de outro Poder – reforma da previdência, por exemplo -, o Poder Legislativo fizesse naturalmente a sua parte, ou seja, examinasse a questão e sobre ela deliberasse, de forma a decidir o que fosse melhor para país. É dizer, no cenário por mim idealizado, cada legislador, no caso específico aqui tratado, deveria fazer a sua parte.

Simples assim?

Não é o que ocorre, inobstante, para o espanto dos que, assim como eu, imaginam que cada um deva apenas cumprir o seu papel institucional.

Em vez de o Poder Legislativo decidir acerca da questão a ele submetida, deliberando acerca do que seja melhor para o país – afinal os seus membros foram eleitos para isso -, o que vejo, no caso específico da reforma da previdência, são argumentos de alguns congressistas de que o autor da proposta de reforma, no caso o Poder Executivo, tem que construir uma base de apoio, tem que dialogar com os parlamentares, tem que conquistar os votos necessários à reforma, pois, caso contrário, ela não passa.

Como? E o interesse público, não conta? E se o Poder Executivo entender que não tem afago, não se vota a reforma? O que significa mesmo a construção de uma base de apoio? No que se traduz a afirmação de que o Executivo tem que conquistar os votos necessários à reforma? O que significa afagar os deputados? Como se dão essa conquista, esse afago, essa construção de uma base de apoio? Será que não causa desconforto moral aos eleitos para nos representar, condicionar o seu apoio aos afagos e às conquistas em face da ação do Executivo?

Indago: Eu, como magistrado, como homem público, enfim, preciso de algum afago, de ser conquistado para decidir? E se, porventura, recebo algum afago ou me submeto a alguma conquista, é possível traduzir em palavras o que significam, nesse caso, o afago e a conquista? E se eu não os receber, não decido? E se essa famigerada base parlamentar não for conquistada, como fica a reforma da previdência? Não passa? E o Brasil, como fica? E o brasileiro, não importa?

Quer dizer, então, que se essa base não for construída, se não houver mesuras aos deputados, se eles não forem aquinhoados com algum cargo para algum acólito no Executivo, a reforma, ainda que necessária ao país, vai para as calendas?

Confesso que não consigo compreender.

Dia desses ouvi um deputado dizendo que o Executivo começava a conversar com o Legislativo para construir uma base de apoio e que a reforma agora pode sair. Que conversa foi essa que tantas alvíssaras despertou em torno da reforma da previdência? Como eleitor, posso saber o teor dessa conversa?

Mas se dessa conversa não resultar nenhum entendimento que possa ser traduzido numa conquista, num afago, como ficam os treze milhões de desempregados? Só isso não seria suficientemente afagoso para conquistar, para sensibilizar um deputado? E se as emendas parlamentares não forem liberadas, também não haverá reforma?

Tento, mas, definitivamente, não entendo. Cá do meu canto, quiçá ingênuo, mesmo não compreendendo esse jogo político, porque não fui forjado nessa cultura, ainda espero que, mesmo sem afagos, sem conquistas, sem mesuras e sem trocas, a reforma da previdência, porque necessária, seja aprovada.

Essa reforma, dependendo do que dela resultar, pode ser, sim, um divisor de águas, estabelecendo uma necessária mudança de cultura, que, decerto, fará bem ao país.

E se, de repente, numa crise de sensatez, os nossos representantes concluírem que, com ou sem afagos, com ou sem conquistas, com ou sem a construção de uma base parlamentar, a reforma deva ser feita, pelo bem do país?

Poucos são os que acreditam nessa possibilidade.

Eu, do meu lado, ingênuo, mas otimista, ainda creio no discernimento dos nossos homens públicos. Afinal, como diz o poeta, sonhar não custa nada; não se paga para sonhar.

É isso.

ESPAÇOS DE RACIONALIDADE

Há uma velha e conhecidíssima lição de Rui Barbosa, segundo a qual Justiça tardia não é justiça, senão que injustiça qualificada e manifesta.

A Constituição Federal, copiando o que já era regra no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, dispõe que a prestação jurisdicional será prestada em prazo razoável, exatamente para que as decisões judicias serôdias não se constituam, como, de fato, têm se constituído, numa manifesta injustiça, como bem assinalado pelo ilustrado baiano.

Todavia, não basta a Constituição prescrever e erigir à condição de direito fundamental a duração razoável do processo para que o cidadão, como num passe de mágica, tenha acesso a uma ordem jurídica justa (Kazuo Watanabe); tanto que, apesar do comando constitucional, o cidadão que precisa do Poder Judiciário deve estar ciente de que vai esperar por um longo tempo para uma solução, ainda que se trate de questões de menor relevância.

A realidade é que, em face dos nossos conhecidos problemas estruturais, o sistema de resolução dos conflitos pela via jurisdicional não tem alcançado os seus objetivos, disso resultando que, a depender de uma solução adjudicada, não chegamos à tão sonhada pacificação social, que, afinal, é a finalidade da lei, do Direito e a razão da existência do Poder Judiciário.
Diante dessa realidade insofismável, que, por vezes, resulta na quebra da credibilidade do Poder Judiciário, tenho para mim que somente uma mudança definitiva de cultura terá o poder minorar os nossos problemas.

Nessa direção, ou seja, da necessária mudança de cultura, o Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2010, editou a Resolução 125, com o escopo de organizar, nacionalmente, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, mas também os serviços que envolvam os meios alternativos de solução de conflitos, especialmente os consensuais, como a conciliação e a mediação.
Apesar do tempo decorrido da edição da referida Resolução, constato que não são poucos os que ainda optam, desnecessariamente, pelo via adjudicada para resolução dos conflitos, resistindo às vias alternativas para solucioná-los, mesmo após o advento do Novo CPC e ainda que saibam que a judicialização, definitivamente, não é o caminho mais racional nesse sentido, em face, sobretudo, do excesso de demanda nos Tribunais, a inviabilizar a tão sonhada razoabilidade de tempo na entrega do provimento jurisdicional.

Nesse panorama, “para que o Sistema Judiciário como um todo possa cumprir o seu papel com eficiência e em tempo razoável, deve ser reservado ao Poder Judiciário, fundamentalmente, causas mais significativas que exijam o controle de legalidade nos casos de lesão ou ameaça de lesão a direitos. ”(Roberto Portugal Bacellar, in Integração de Competências e Mudança de Cultura para o Desempenho das Atividades de Conciliador e Mediador).

É preciso reafirmar algo que todos nós que militamos na esfera judicial já sabemos há bastante tempo: é falsa a conclusão de que de somente uma sentença aplicando a lei ao caso concreto, de cuja disputa resultam sempre vencedores e vencidos, pacifica a sociedade.

A tão almejada pacificação social, é preciso ter presente, não se alcança, necessariamente, com uma sentença. Desde a minha compreensão, ela só tenderá a ser alcançada quando as pessoas forem capazes de sentar a uma mesa de negociação, nos ambientes próprios para essa finalidade, que tenho denominado de espaços de racionalidade, onde as partes se empoderam, assumem as rédeas do seu destino, resolvem por si os seus problemas, cedendo aqui e ganhando acolá.

É preciso ter em linha de conta que, numa disputa de interesse em face de uma pretensão resistida, com duas partes em disputa, litigando com todas as suas forças, quando um ganha e a outra necessariamente perde, a tão sonhada pacificação social se transforma numa quimera.

Como leciona a saudosa professora Ada Pellegrini Grinover, a pacificação social “não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela emergiu, como simples ponta do iciberg”(in Os Fundamentos da Justiça Conciliativa).

Diante da constatação de que somente pela via consensual conseguiremos resultados que condigam com a tão sonhada pacificação social é que, no Tribunal de Justiça do Maranhão, na condição de presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, tendo o luxuoso e determinado auxílio do colega Alexandre Lopes Abreu e de uma equipe dedicada de funcionários, além do apoio inexcedível do presidente José Joaquim Figueiredo dos Anjos e do Corregedor Marcelo Carvalho Silva, temos implementado uma política arrojada de estímulo às vias alternativas de solução de demandas, disponibilizando aquilo que tenho denominado de espaços de racionalidade, que são os nossos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, nos quais, com profissionais qualificados, buscamos solucionar, pela via consensual, os litígios que decorrem da vida em sociedade, na certeza de que, com isso, damos a nossa contribuição para uma vida menos conflituosa.

É isso.