INGÊNUOS?

_________________________________________________

Eles demonstram, é lamentável constatar, que não têm a exata noção da força que o poder econômico exerce sobre essas comunidades carentes, por onde transitam, a toda evidência, livres, leves e soltos, de forma decisiva e definitiva, os cabos eleitorais, os donos dos currais – os donos dos votos, enfim.

_________________________________________________

 

 

Leio nos artigos, assisto em debates televisivos, ouço em palestras, testemunho em rodas de bate-papo, estudiosos dos mais variados matizes – cientistas políticos, analistas, articulistas, sociólogos, embaixadores, professores universitários etc. – alertando, à luz de argumentações teóricas, para a iminência de os nossos representantes receberem uma reprimenda nas eleições vindouras, diante de sua manifesta falta de sensibilidade para com as questões éticas e de interesse público; e dizem isso com rara convicção, levando o incauto a crer que, efetivamente, os que não honram os mandatos outorgados não se safarão do escrutínio popular.
O cidadão brasileiro, segundo esses teóricos, sairá de casa, no dia das eleições, determinado a não eleger corruptos, quem apoia corruptos ou quem, de qualquer forma, se envolveu com maracutaia. Será, nessa simplória avaliação, a revolução pelo voto. É dizer: depois das próximas eleições, nada será como antes; delas emergirá um novo país.
A expectativa criada, partindo de quem parte, pode levar um ingênuo a crer que, num passe de mágica, o eleitor brasileiro mudou a sua visão do mundo circundante, que não mais sufragará nomes que não estejam à altura da outorga, e que, a partir do próximo pleito, depurará a nossa política, escolhendo, com discernimento e critério, os nossos representantes.
Cá do meu canto, com o muito que aprendi e testemunhei, fico com a sensação de que os estudiosos aos quais me reportei parecem viver no mundo da fantasia, sem noção, portanto, de como, na prática, se conquista um mandato nos miseráveis rincões do nosso país.
Eles demonstram, é lamentável constatar, que não têm a exata noção da força que o poder econômico exerce sobre essas comunidades carentes, por onde transitam, a toda evidência, livres, leves e soltos, de forma decisiva e definitiva, os cabos eleitorais, os donos dos currais – os donos dos votos, enfim.
Se eles não sabem, ou preferem não saber, vou lembrá-los como funciona, na prática, a “autonomia” do eleitor nesses ambientes; como é que vota um leitor “consciente” nos grotões; como ele sai de casa “determinado” a votar no “melhor” candidato; como se dá a interferência externa a solapar a “liberdade” dos eleitores; como o eleitor carente forma a sua “convicção”.
Pois bem. Ainda em sua própria residência, ou na casa do cabo eleitoral, ou mesmo no comitê eleitoral, na rua ou a caminho de uma cabine eleitoral, ou até mesmo próximo de uma urna, ele, o eleitor, receberá do dono da sua “consciência”, da sua “convicção”, da sua “autonomia” e de sua “capacidade de discernimento” um cola com o número de um candidato. De posse do número do “seu” candidato, que ele nunca viu, ele se dirige à cabine eleitoral, e digita na urna eletrônica o número que recebeu, como se com esse gesto estivesse cumprindo o seu dever cívico, com independência e sem interferência de terceiros.
Depois de digitar o número de um candidato desconhecido para ele, de cumprir a sua “obrigação” eleitoral, quem vai prestar contas do seu voto e dos seus iguais, da sua “autonomia” e dos seus iguais, da sua “consciência cívica” e dos seus iguais, é o cabo eleitoral, que assumiu o compromisso com o candidato a quem prometeu um número X de votos.
Diante desse quadro, dizer, até com certa ingenuidade, que o eleitor dará a resposta ao candidato que não honrou o mandato, é uma avaliação pueril, convindo anotar, noutro giro, que mesmo nos centros mais avançados, não são poucos os eleitores que votam em face de um favor, em face do pedido de um amigo, por conta de uma amizade, em troca de uma promessa, de uma futura vantagem.
Por tudo isso é que, no exercício do mandato, não são poucos os que não estão nem aí para o que pensa o eleitor. Nesse panorama, ninguém se constrange de apoiar e defender um prefeito corrupto, um governador ímprobo ou um presidente quadrilheiro, porque tem a certeza de que tudo ficará como dantes, no quartel de Abrantes.
Nesse cenário, podem crer, no próximo pleito, mesmo os que estão atolados na Operação Lava Jato, mesmo os que são apontados como quadrilheiros, serão, como muita probabilidade, eleitos novamente, observadas as exceções que sustentam a regra.
Nesse quadro, quem corre o sério risco de não se eleger são os que não fazem da outorga um instrumento de trocas, os que têm ideal, os que não solapam a consciência do eleitor, os que respeitam a vontade do cidadão.
É esperar pra ver.

VALE TUDO PELO PODER?

________________________________________________________

Os que perseguem o poder a qualquer custo, todos temos testemunhado nas pugnas eleitorais, sobretudo os que não se impõem limites, agem descontroladamente, desgovernadamente, sem freios e sem peias; agem como um carro desgovernado descendo uma ladeira íngreme, daí que se predispõem a lutar com as armas que têm às mãos, ainda que o façam, muitas vezes, arrostando, lancetando a honra dos que se põem no caminho como um obstáculo a ser removido de qualquer maneira, a qualquer custo.

_________________________________________________________

 

Há uma teoria segundo a qual todas as nossas motivações, todas as nossas energias, enfim,  não passam de aspirações pelo poder. Essa seria, pois, segundo a teoria, a essência da energia humana.
Segundo a mesma teoria, até mesmo o sexo pode se traduzir em categorias de poder, “seja porque queremos possuir o corpo de outra pessoa – e, portanto, possuímos a pessoa completamente -, seja porque achamos que, ao possuí-lo, impedimos outros de fazê-lo; ambas as situações nos permitem a satisfação do poder que exercemos sobre alguém” (Leszek Kolakowki, in Pequenas Palestras sobre Grandes Temas, editora Unesp, p. 12).
Hobbes, nessa linha de compreensão, entendia que o movimento primário de todo ser humano é, sim,  em direção ao poder. É de Hobbes a conclusão: “[…]evidencio uma inclinação geral de toda humanidade, um perpétuo e incansável desejo de poder após poder, que só cessa com a morte”. Por causa disso, entendia que devia haver um poder absoluto para controlar o homem[…]” (apud Martin Cohen, Casos Filosóficos, 2012, p.135).
Compreensível, pois, à luz dessas menções teóricas – corroboradas na prática -, que muitas das nossas energias são, sim, despendidas na busca pelo poder, daí que não são poucos os que, obstinados, perseguem o poder de todo forma, sem sopesar as consequências, despendendo até as energias que não têm, pois são daqueles que buscam o poder pelo poder, sejam quais forem os caminhos, pouco importando os meios.
Os que perseguem o poder a qualquer custo, todos temos testemunhado nas pugnas eleitorais, sobretudo os que não se impõem limites, agem descontroladamente, desgovernadamente, sem freios e sem peias; agem como um carro desgovernado descendo uma ladeira íngreme, daí que se predispõem a lutar com as armas que têm às mãos, ainda que o façam, muitas vezes, arrostando, lancetando a honra dos que se põem no caminho como um obstáculo a ser removido de qualquer maneira, a qualquer custo.
Nessa liça, nesse afã, há, sim, os que se sentem estimulados a usar de expedientes pouco convencionais para ascender, pouco importando as consequências de sua ação. Isso é fato! Fato que testemunhamos todos os dias, sobretudo nas refregas eleitorais, nas quais o que o menos importam são as ideais e o interesse público, afinal, para os que buscam o poder pelo poder, o poder é um fim em si mesmo, daí que o almejam, sim, de toda sorte.
É preciso ter presente, entrementes, que assassinar reputações, denegrir a imagem do adversário, vilipendiar a honra são expedientes que não contribuem para o aperfeiçoamento democrático.
A busca do poder, tenho isso muito presente, com inabalável convicção, não deve levar os postulantes a uma luta fratricida e sem limites. A luta pelo poder impõe aos contendores o necessário e inefável respeito à dignidade e a honra do adversário; dignidade e respeito que não devem nunca ser negligenciados.
Não vale tudo pelo poder, definitivamente. A disputa regada a ódio, ambição e vaidade não constrói; antes, dependendo dos expedientes utilizados, destrói reputações, macula a honra, levando a reboque, nessa faina, e em alguns casos, a própria instituição que se pretende comandar.
A disputa é sempre salutar, é sempre benfazeja; faz parte do jogo democrático. Mas quando falo em disputa me restrinjo ao campo das ideais, não a disputa regada a falsos dossiês, notícias requentadas ou fabricadas, com objetivo de destruir reputações.
O homem público se credencia para o exercício do poder em face da sua honradez, da história que construiu, daí que a sua conduta deve, como imperativo moral, ser escorreita, ilibada, imaculada. Nesse sentido, entendo que não se deve transigir com ataques oportunistas à honra e a história dos que se envolvem numa disputa, mesmo nas disputas políticas paroquiais, nas quais o que menos valem são as propostas, atomizadas, não raro, por agressões torpes contra a honra dos contendores.
A luta pelo poder não pode ser travada olvidando-se os contendores do interesse público e da preservação das instituições. Por isso, tudo tem limites. A tentativa de arrostar a reputação de um membro de uma instituição, por exemplo, a pretexto da disputa, é um desserviço à própria instituição.
Por mais fascinante e inebriante que seja o poder, a sua busca não pode ser levada às últimas consequências, pela via da intolerância, que, como lembra Voltaire, cobriu a terra de morticínios, ou com menoscabo da dignidade da pessoa humana, que é valor a ser sublimado a qualquer custo, por mais renhida que seja a disputa.
A dignidade da pessoa humana, solapada amiúde nas pugnas eleitorais, cumpre lembrar aos que dela se descuram e para realçar a sua relevância, é valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica, constitucional e infraconstitucional, cumprindo consignar, com a advertência de Immanuel Kant, que as coisas têm preço e as pessoas, dignidade; dignidade que não deve ser vilipendiada, por mais renhida que seja uma disputa e por mais que se ambicione o poder.
É isso.