Nesses dias de pandemia propiciada pelo novo coronavirus o que não faltam são atitudes arrogantes dos que pensam conhecer a verdade e delas ser proprietários, embora a sua verdade conflite com a ciência e que, por prudência e discernimento, devessem agir com mais responsabilidade, em face, sobretudo, das consequências das suas pregações.
As pessoas que se julgam proprietárias da verdade – ainda que a sua verdade conflite com a verdade científica – imaginam, equivocadamente, que se bastam, têm uma visão equivocada do mundo, vivem em conflito, estimulam a discórdia, são narcísicas empedernidas, que só têm ouvidos para escutar o que lhes interessa, elegendo o próprio umbigo como o centro do universo. E nessa lida, acabam se isolando ou falando para um diminuto grupo de sequazes fanatizados para os quais a lucidez e o bom senso são um artigo de luxo.
Não sei lidar bem com esse tipo de situação, pelo fato de ter uma enorme dificuldade de conviver com os que se imaginam proprietários da verdade, como se esta fosse, como qualquer objeto de consumo, colocada à venda numa prateleira de supermercado; que pudesse, enfim, ser comprada no comércio da esquina, ou pudesse ser construída à luz de suas idiossincrasias, dos seus desejos ou de suas equivocadas convicções.
Contudo, não é assim que as coisas funcionam; não é assim que a banda toca. E por mais intensas que sejam as nossas convicções, é preciso ter humildade ante os fatos da vida, é preciso respeitar o que a ciência ensina, mesmo que isso implique em prejuízos às nossas vontades, ou, noutra dimensão, aos projetos de poder de quem quer que seja, pois que, em determinadas circunstâncias da vida, os nossos interesses pessoais devem ceder ao interesse público.
É preciso humildade para ouvir e para decidir, sobretudo se a via de decisões se estreita em face da ciência, em face do conhecimento de quem estudou e se preparou para essa ou aquela finalidade.
Não se constrói o mundo com arrogância, tentando impor as nossas vontades e os nossos desejos pessoais, seja qualquer for a posição que tenhamos na sociedade, sobretudo se as nossas posições/interesses entram em rota de colisão com a ciência, como o fazem, por exemplo, os lideres populistas, cujas energias são despendidas apenas e tão somente em face dos seus projetos pessoais – de vida e de poder.
A vida ensina. Mas há os que teimam em não aprender e preferem arrotar incoerência e arrogância, levando consigo, quando se trata de uma liderança, os indefesos e ignorantes, como se deu, por exemplo, em Milão e no México, nesses dias de Covid-19, levados aos caos em face da ação irresponsável de suas lideranças que preferiram dar vazão a sua arrogância em vez de ouvirem os doutos, aqueles que, à luz da ciência, estavam em condições de aconselhar para a adoção das melhores providências ante a ameaça do novo coronavírus.
Na ficção, tudo é possível, mesmo que no mundo dos mortais ainda não tenha nascido um dono da verdade, conquanto haja, sim, os que se arvoram proprietários dela, a ponto de, em defesa do seu ponto de vista, tentar desqualificar o interlocutor, em vez de se deter no objeto do conhecimento.
O que se imaginam donos da verdade crêem, em face de um enorme equívoco de percepção, estar sempre certos; o erro, o equívoco, a percepção equivocada está sempre, desde o seu olhar, com o interlocutor; e se a essa teimosia/arrogância se somam aos interesses pessoais e um projeto de poder, aí não há salvação.
Nesse cenário, são quase sempre histriônicos, não hesitam em destratar, desmerecer os que pensam de forma diferente; e assim, tentam ganhar no grito, dão murros na mesa, perdem a postura e a compostura, incapazes que são de parar para ouvir o ponto de vista de quem pensa diferente, ainda que mais qualificados para discussão; gritam, agridem os que ousam discordar, em vez de melhorar o argumento (Desmond Tutu).
Esses são do tipo, que, em face da sua conduta, se tornam indomáveis e tendem ao isolamento, porque não sabem, não aceitam mesmo conviver com a diversidade de pensamento; pensam, equivocadamente, que são infalíveis; e, mesmo estando no poder, de certa forma padecem de solidão, tendo a fazer-lhe companhia apenas a sua própria ignorância/arrogância.
Nessa senda, convém lembrar Elio Gaspari, para quem “a convicção de estar sempre certo nos impede de reconhecer que somos capazes de errar”, razão por que, por pensarem desse modo, vivem em permanente solidão, na suposição, também equivocada de se bastarem a si mesmos (Vinicius de Morais).
É oportuno chamar à colação, para ilustrar, a reflexão do ministro Luís Roberto Barroso, segundo o qual “quem pensa diferentemente de mim não é meu inimigo”, para, na mesma linha, argumentar que “a verdade não tem dono e que respeitar o outro e conviver com a divergência não significa abrir mão de si próprio”.
É preciso aprender a conviver com pluralismo e com a diversidade de pensamento, sem tentar impor um pensamento único. Pena que existem os que não aceitam a diversidade como algo natural; pensam solitariamente, não aceitam a divergência, veem-na como uma afronta, e por isso, ao invés do argumento contrário, focam, muitas vezes, na pessoa de quem o enuncia, numa lamentável reafirmação desse péssimo hábito brasileiro de que é o melhor argumento é desqualificar moralmente quem está do lado oposto.
É isso.