Encontro na literatura, com frequência, inspiração para as minhas crônicas, a exemplo desta, inspirada na história do nova-iorquino, operador da Bolsa de Valores, Sherman McCoy, protagonista de A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe.
Sherman McCoy, como os que leram o romance haverão de lembrar, foi buscar sua amante no aeroporto, dirigindo sua luxuosa Mercedes-Benz esportiva, quando, no retorno pelas ruas do Bronx, se deparou com uma barricada com pneus velhos, a impedir a sua passagem, feita por um grupo de adolescentes negros, liderados por um traficante de crack.
Diante do evento, Sherman McCoy desceu do carro para desfazer a barricada feita pelos adolescentes. Sua amante, nervosa, pegou a direção do carro, tendo, na pressa, atingido um adolescente, que morreu em face das lesões. Sherman McCoy, inobstante, omite o caso das autoridades, para que não fosse descoberto o seu caso extraconjugal. Todavia, a polícia, identificando o veículo envolvido no acidente, chega ao autor do fato, que, para proteger a amante, assume a responsabilidade pelo evento.
Em face desse evento, surgem os oportunistas de todos os matizes, os quais têm em comum o nenhum compromisso com a verdade. Um líder religioso, por exemplo, vê no acidente uma oportunidade de promoção política, colocando o tema como uma disputa entre ricos e negros carentes. Um jornalista, alcoólatra e decadente, faz uma matéria sensacionalista. O promotor público encarregado do caso, de seu lado, busca, com o episódio, promoção profissional, visando galgar ascensão.
A vida de Sherman McCoy, por óbvio, se transformou num inferno.
É assim na literatura; é assim na vida real.
Não são poucos, com efeito, os que se valem de um episódio qualquer para tirar algum proveito pessoal, ainda que se trate de uma tragédia, porque o mundo está, sim, povoado de oportunistas, para os quais o Estado, em muitos casos, sem qualquer normativa subjacente, reserva, na maioria das vezes, apenas uma punição moral, infelizmente.
Os exemplos estão por todo parte, à vista de todos, convindo destacar que os oportunistas se revelam mesmo é nas adversidades, seja de que tipo for, seja qual for a sua dimensão e desde que vitimizem o maior número de pessoas, porque, quanto maior for a comoção, mais provável é a lacração, traduzida em likes e monetizações.
Nos dias atuais, não são poucos os oportunistas que se valem da tragédia no Rio Grande do Sul para disseminar fake news, pouco se importando com as consequências da disseminação de notícias falsas.
Tem sido assim desde sempre, situação potencialmente exacerbada em face das facilidades propiciadas pela internet, que, no Brasil, ainda é uma terra sem lei, campo fértil para os oportunistas revelarem o lado mais perverso de sua personalidade.
A propósito, assisti, dias atrás, tomado de apreensão e indignação, um “tiozinho do zap” dizendo que só se informa mesmo pelo seu celular, pois que nele, no smartphone, estão as verdades que a imprensa tradicional omite e/ou deturpa, o que revela o nível de insensatez de muitos fanáticos que pontificam na internet, para os quais o que importa mesmo é confundir a opinião pública, tudo potencializado pela ação nefanda de líderes políticos forjados na mentira e na exacerbação das situações.
E, assim, seguimos convivendo, ainda que indignados/revoltados com os lacradores aboletados nas redes sociais, para os quais a verdade é apenas um detalhe.
As mentiras que os oportunistas têm disseminado, a propósito da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, só encontram paralelo nas mentiras veiculadas quando da epidemia de Covid-19, cujos protagonistas são por todos conhecidos, com seguidores dos mais variados matizes, para os quais a verdade é igualmente irrelevante.
É isso.