Câmara à altura da sociedade brasileira?

Flavia Guerra Cavalcanti, professora da UFRJ

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“[…]Não podemos, portanto, concluir que a Câmara se elevou ao patamar moral da sociedade brasileira, como se esta fosse melhor do que aquela. Em ambas, encontramos pessoas que podem atingir um resultado positivo, desde que sejam coagidas a praticar a justiça[…]”

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A cassação do mandato de Natan Donadon (sem partido-RO) no plenário da Câmara por votação aberta não deixa de ser um alento em um país onde os comentários mais ouvidos nas ruas é o de que “não há jeito” e de que “o Brasil não sai do lugar”. Houve um avanço, e isso tem de ser reconhecido. No entanto, esse otimismo é um otimismo em relação ao resultado, pois não houve mudança na natureza daqueles que compõem a Câmara.

Os deputados não votaram por convicção — do contrário, a cassação já teria ocorrido quando da primeira votação —, mas simplesmente porque estavam visíveis. A situação nos remete à discussão apresentada por Platão no século IV A.C., no Livro II de “A República”. No diálogo entre Sócrates e Gláucon, o tema da justiça e da injustiça é relacionado à visibilidade.

Gláucon conta a história de Giges, um pastor que servia ao governante da Lídia. Depois de um terremoto e de chuva torrencial, o solo onde Giges pastoreava se abriu. O pastor desceu pela fenda e encontrou um cavalo de bronze que guardava um cadáver e um anel de ouro. Giges apanhou o anel e voltou para casa.

No dia da assembleia dos pastores, Giges percebeu que, ao girar o engaste do anel e passá-lo para a palma da mão, tornava-se invisível para os demais. Quando o girava ao contrário, tornava-se novamente visível. Diante da possibilidade de agir na invisibilidade e, por isso, não ser punido, Giges seduz a mulher do rei, mata-o e assume o trono. Logo, conclui Gláucon, ninguém poderia ser justo de bom grado, mas apenas sob coerção.

A visibilidade trazida pelo voto aberto na cassação de mandato agiu como uma forma de coerção sobre os deputados, como se o anel de Giges tivesse sido virado para o lado da visibilidade, expondo todos à opinião pública. Então dependemos da visibilidade para termos justiça?

As críticas ao oportunismo dos deputados são legítimas, mas o seu comportamento não está tão distante do dos cidadãos que os elegem, confirmando a conhecida metáfora do Congresso como microcosmo da sociedade. No dia a dia, é comum a tentativa de burlar a Lei Seca, que funciona como um anel de Giges virado para o lado da visibilidade. O cidadão exclama sem pudores: “Não há problema em beber e dirigir porque hoje não há Lei Seca.” Isto é o mesmo que dizer que não se é capaz de seguir as regras sem qualquer forma de coerção ou antes que seus atos se tornem visíveis para a sociedade.

Os exemplos cotidianos são inúmeros. O teste antidoping é uma forma de visibilidade, tão aleatória quanto a Lei Seca. O atleta que utiliza substâncias proibidas faz uma aposta: a de que o anel de Giges poderá permanecer virado para o lado da invisibilidade. Se der sorte e não for escolhido para fazer o teste, continuará na invisibilidade, auferindo as vantagens decorrentes do uso das substâncias.

Não podemos, portanto, concluir que a Câmara se elevou ao patamar moral da sociedade brasileira, como se esta fosse melhor do que aquela. Em ambas, encontramos pessoas que podem atingir um resultado positivo, desde que sejam coagidas a praticar a justiça. A verdade é que Câmara e sociedade estão caminhando juntas e ainda não estão prontas para praticar a justiça por ela mesma, como queria Platão, sem necessidade de coerção. Nem sabemos se isso será possível algum dia. Enquanto isto, só nos resta aperfeiçoar as instituições e, neste sentido, o Brasil avançou com a adoção do voto aberto para cassação de mandato.

O xis da questão

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“[…]Não se perca de vista, por mais revoltado que estejamos todos, que o  problema da justiça feita com as próprias mãos é que, como regra, os justiceiros partem apenas de uma evidência para, a partir dela, substituir o Estado no seu desiderato de processar e punir os criminosos.  E evidência, eis o xis da questão, não é o mesmo que verdade. Evidência é ponto de partida; verdade é ponto de chegada[…]”

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Basta assistir ao noticiário televisivo para que se constate que vivemos em estado de guerra: dos criminosos contras as vítimas; das vítimas – em potencial ou direta – contra os criminosos (vide linchamentos e vingança privada); do aparato estatal contra os criminosos; dos criminosos contra as agências de segurança do Estado (vide confronto nas favelas do Rio entre criminosos e Polícia Militar).

É preciso ter em conta que quando a sociedade civil se descontrola e, ipso facto, entra em colapso, todos perdemos;perdem os culpados e os inocentes, os bons e os maus, os ricos e o pobres. Ninguém ganha, enfim, quando as instituições estatais, por omissão ou fraqueza, são substituídas pela ação  dos justiceiros, por exemplo.

Vejo, nesse sentido, com muita preocupação, os casos de linchamentos se multiplicam em todo o país; linchamento que não significa nada mais do que vingança privada ou justiça com as próprias mãos, que se materializam, sempre, quando o Estado se mostra impotente e pusilânime.

O primeiro caso de vingança privada que chamou a atenção do mundo foi o do menor espancado por “justiceiros”, depois de ser amarrado a um poste, no Flamengo, Rio de Janeiro, acusado da prática de pequenos furtos na área.

Ontem os jornais noticiaram mais um caso escabroso.  No Piauí, um homem, suspeito da prática do crime de roubo, foi amarrado e colocado sobre um formigueiro. Gritava, embalde: “Ai, meu Deus, tá queimando“.

E os seus algozes, diante dos pedidos de clemência, respondiam: ” Agora lembra de Deus, né? Na hora de roubar tu não lembra.

É claro que todos estamos agastados com a criminalidade. É claro que estamos perdendo a fé em tudo. Mas, ainda assim, o pior caminho é o da vingança privada, conquanto reconheça que, muitas vezes, nos sintamos tentados a trilhar por esse caminho, fruto, não se discute, da descrença que todos temos em nossas instituições.

Entrementes, ante a constatação de que as pessoas passaram a agir, mais amiúde, em substituição às instâncias persecutórias, resta indagar:: Em que se diferenciam ação  assaltantes dos vingadores privados?

Não se perca de vista, por mais revoltado que estejamos todos, que o  problema da justiça feita com as próprias mãos é que, como regra, os justiceiros partem apenas de uma evidência para, a partir dela, substituir o Estado no seu desiderato de processar e punir os criminosos.  E evidência, eis o xis da questão, não é o mesmo que verdade. Evidência é ponto de partida; verdade é ponto de chegada. Todavia, para se chegar a uma verdade, um longo caminho deve ser percorrido, convindo consignar que, mesmo depois do longo caminho percorrido, podemos não chegar à verdade. O fato, por exemplo, de qualquer pessoa ser flagrada com o produto de um roubo, não significa, necessariamente,  que ela tenha praticado o crime; e isso não é incomum, registro. Daí a temeridade desse tipo de “justiça”, que bem pode nos levar à punição, desproporcional, de um inocente.

Pense nisso, por mais que você, como qualquer outro cidadão, esteja revoltado com o quadro de degradação pelo qual passam as nossas instituições.

Fugindo do foro privilegiado

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“[…]Caberá ao Supremo, mais uma vez, dizer se, no caso, deu-se uma manobra da defesa, para procrastinar o julgamento, como ocorrido no passado, nos dois episódios aos quais me reportei acima, ou se qualquer outra razão, que a mim não ocorre,  tenha levado o acusado à renúncia[…]”

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Foro privilegiado já foi uma bela opção de impunidade para os criminosos do colarinho branco. O STF, todos sabem, nunca foi de punir autores de crimes de sua competência. Por isso, era mais que comum c0oncluir-se que fora privilegiado era sinônimo de impunidade. Todos queriam, por isso, ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Depois do julgamento dos “mensaleiros”, o quadro sofreu uma sintomática reversão. Agora, todos têm medo dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal, pois o foro privilegiado, nos dias presentes, deixou de ser o foro de impunidade.

Há pelo menos dois episódios nos quais os acusados com foro privilegiado buscaram, com manobras, escapar do julgamento perante o Supremo Tribunal Federal; refiro-me aos acusados Ronaldo Cunha Lima, em 2007, e Natan Donadon, em 2010. Ambos, na iminência de ser julgados pelo STF, renunciaram aos mandados, para provocar a mudança de competência, isto é, para fugiram do julgamento perante o Supremo e serem julgados nas instâncias inferiores, com a possibilidade de recursos muito mais ampla, a facilitar, até, a ocorrência de prescrição.

Ocorreu, entrementes, que, no dois casos, o Supremo entendeu que se tratava de uma manobra da defesa, exatamente para procrastinar o julgamentos razão pela qual não declinou de sua competência. No caso específico de Natan Donadon, mais recente, recordo que o STF, por 8 votos a um, concluiu que a renúncia não lhe retirava a competência, pois que se tratava de uma clara tentativa de retardar o julgamento.

Temos agora, para ser decidido pelo Supremo, o caso envolvendo Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais e ex-deputado, que renunciou, ontem, em face do processo a que responde, nominado pela imprensa de “mensalão do PSDB”.

Caberá ao Supremo, mais uma vez, dizer se, no caso, deu-se uma manobra da defesa, para procrastinar o julgamento, como ocorrido no passado, nos dois episódios aos quais me reportei acima, ou se qualquer outra razão, que a mim não ocorre,  tenha levado o acusado à renúncia.

A considerar os precedentes antes citados, conquanto reconheça que houve mudanças significativas na composição do STF, creio que o tiro sairá pela culatra. Acho, pois, muito pouco provável que o Supremo engula o que me parece, a toda evidência, uma clara manobra da defesa.

Definitivamente, os tempos são outros. Confesso que jamais imaginei testemunhar acusados tentando fugir do foro privilegiado.

Vamos aguardar.

Por que o mal existe?

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“[…]O mal só deve ser compreendido  quando o protagonista da maldade não tenha consciência do mal que pratica. Por isso Santo Agostinho pregava que, sendo os humanos racionais – essa é a regra – devem ser capazes de saber escolher entre o bem e o mal[…]”

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Por que o mal existe? Essa era a pergunta que inquietava Santo Agostinho.  Indagava-se o Santo: se Deus é inteiramente bom e todo-poderoso, por que há o mal no mundo?

Claro que a mim – e a todo mundo, afinal – também inquieta a maldade do ser humano. Todavia, o que mais me inquieta mesmo é testemunhar que muitos dos que vivem fazendo mal ao semelhante, ao que parece, estão sempre levando vantagem; pelo menos essa é a sensação que todos temos. A maioria das pessoas bem-sucedidas, no campo econômico sobretudo, parece sempre deixar algum rastro de maldade ou de práticas pouco recomendáveis.

A propósito, leio, no jornal o Globo, de hoje, a tragédia que envolveu a costureira Gonçala Gomes Caetano, de 81 anos. Segundo a matéria em comento, ela morava na avenida Rodrigo Otávio, na Gávea, em apartamento próprio, comprado com as economias de uma vida inteira de trabalho.

Pois bem. Solitária, diz a matéria, ela acolheu uma vizinha, que tratava como afilhada, e um sobrinho. Mas os hóspedes, valendo-se da fragilidade de dona Gonçala,  que se acentuava com o passar do tempo, acabaram expulsando-a de casa. Inicialmente, dona Gonçala virou moradora de rua. Passava o dia vagando ou no carro de um camelô que fazia ponto em praça da Gávea. Posteriormente, foi levada pelo camelô para comunidade Parque da Cidade.

Um sobrinho denunciou o fato, e ela foi resgatada por uma equipe do Centro de Referência Especializado da Assistência Social. Embora tenham agido com certa rapidez, Dona. Gonçala não voltou mais ao seu lar. Fragilizada, morreu na semana passada.

Esse é apenas um episódio, apanhado ao acaso, que é exemplar do que seja a maldade do ser humano, do quando ele é capaz de, conscientemente, fazer maldades aos semelhantes.

O mal só deve ser compreendido, quando o protagonista da maldade não tenha consciência do mal que pratica. Por isso Santo Agostinho pregava que, sendo os humanos racionais – essa é a regra – devem ser capazes de saber escolher entre o bem e o mal.

No caso que acabo de narrar, tudo indica que os malfeitores tinham plena consciência do mal que faziam a dona Gonçala. É dizer: retribuíram o bem que ela lhes fez com a maldade; merecem, sim, punição pela maldade que praticaram.

Fatos como esses fazem os incrédulos  duvidarem da existência de um Deus todo-poderoso e benevolente; dúvida que, afinal, também inquietou Santo Agostinho. Todavia, os que acreditam na existência de Deus bom, certamente encontrarão explicação para as maldades que as pessoas fazem, muitas vezes contra aquelas que só lhes fazem o bem.

Desjudicialização

Em audiência do CNJ, ministro da AGU defende a desjudicialização das execuções fiscais

Gláucio Dettmar/Agência CNJ

Em audiência do CNJ, ministro da AGU defende a desjudicialização das execuções fiscais

 

O protesto de dívidas fiscais em cartório, a mudança na Lei de Execuções Fiscais (LEF) e a conciliação foram as três alternativas apontadas pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, para reduzir o índice de 89% de congestionamento das ações de execução fiscal – o pior índice do Judiciário. “No atual modelo, a cobrança do crédito fiscal não é risco para ninguém”, afirmou o ministro, nesta terça-feira (18/2).

Na audiência pública sobre a Eficiência do 1º Grau de Jurisdição e Aperfeiçoamento Legislativo Voltado ao Poder Judiciário, realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Adams defendeu transferir para a administração pública a responsabilidade por atos burocráticos de cobrança, atualmente realizados pelos juízes.

A identificação do devedor, a localização de bens do devedor e o agendamento de leilões, por exemplo, deveriam ser desjudicializadas, segundo Adams. “É dado ao juiz hoje tarefas meramente burocráticas. O juiz deve garantir, mediante provocação, o devido processo legal e conter abusos da administração”, disse.

Na Justiça Federal, uma ação de execução fiscal tramita, em média, oito anos, dos quais cinco são gastos apenas para o juiz identificar e notificar o devedor, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizada em 2011 em parceria com o CNJ. Apenas no primeiro grau da Justiça Federal, estão em andamento 7,2 milhões de ações de execução fiscal.

Adams chamou a atenção para o fato de a localização do patrimônio do devedor ocorrer apenas seis anos após o ajuizamento da ação. Do total de processos que chega a leilão, apenas em 0,2% o resultado satisfaz o crédito. O estoque da dívida fiscal da União já chega a R$ 1,2 trilhão.

Distorções – “Nosso modelo é defasado e ineficiente. A realidade brasileira destoa de todos os países desenvolvidos, em que cobrança é atribuição da administração pública”, concluiu o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU). A seu ver, o sistema de execução atual premia a exigência de multas altíssimas sobre a falta e a demora do pagamento, de certidões de regularidade fiscal e de obrigações acessórias delegadas ao contribuinte.

Além de desjudicializar o procedimento de cobrança, o protesto de dívidas fiscais em cartório foi outra solução apontada para recuperar créditos fiscais. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgãos da AGU responsáveis pela cobrança de tributos e créditos de autarquias e fundações, respectivamente, já lançam mão do instrumento.

Em 2013, 20% dos títulos de cobrança (Certidão de Dívida Ativa) foram quitados pelos contribuintes em débito com autarquias e fundações federais, o que representou a recuperação de R$ 13,9 milhões aos cofres públicos. A PGFN recuperou, desde março de 2013, 49,9 milhões dos R$ 236,5 milhões protestados.

A conciliação, segundo o ministro da AGU, também é boa alternativa para reduzir o volume de cobranças fiscais. “A conciliação vem evoluindo a passos lentos, mas está evoluindo”, disse, apontando que foram firmados acordos em 92% dos casos levados ao mutirão realizado em outubro de 2011, na Seção Judiciária do Distrito Federal, para a recuperação de créditos de autarquias e fundações federais.

Bárbara Pombo
Agência CNJ de Notícias

Impeachment?

Joaquim_BarbosaGilmar_MendesNão almejo ser paladino da moralidade, pois reconheço que, por mais que me esforce, aqui e acolá tenho agido como agem todos os seres humanos: acertando aqui; errando acolá. Nunca movido pela má-fé, inobstante. Não me apraz, ademais, viver julgando a conduta moral de ninguém, muito menos dos meus pares; impedem-me a ética e a elegância.

Acho, sim, pouco recomendável a atitude de colegas que vivem falando mal dos seus pares pelos corredores dos Tribunais ou nas rodas de bate-papo. Aliás, acerca dessa questão, eu vou além: chego a abominar esse tipo de atitude; chamo esse tipo de gentalha, rebotalho, escória ou resto de gente.

Todos nós temos as nossas reservas em face da atuação desse ou aquele colega; as minhas reservas, no entanto, guardo-as para mim. Em face das restrições que fazemos à ação de algum colega, aqui e acolá, circunstancialmente, fazemos comentários despretensiosos, sobretudo se ela, a ação, for do tipo, digamos, heterodoxa. Esse tipo de atitude não é incomum nas corporações; nada, entrementes, que deslustre o par, que o apequene, afinal não é esse o papel de um magistrado.

Quando se lê na imprensa que um jurista da estirpe de Celso Bandeira de Mello aconselha o impeachment de membros da nossa Suprema Corte, ainda que o seja destituído de fundamento – não discuto o mérito -, devemos nos preocupar; eu, cá com meus botões, sou tomado de preocupações, pois que sei o que isso representa para a instituição.

Celso Bandeira de Mello não só tem recomendado o impeachment de ministros do STF – Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, para ser preciso –, como os tem criticado de forma acerba, a recomendar, no mínimo, que reflitamos sobre as críticas, ainda que percebamos nelas uma certa dose de sectarismo, pois ele não faz nenhuma menção a ações de outros ministros que, na visão da nação, também se comportaram de forma pouco recomendável.

Celso Bandeira de Mello, em entrevistas, tem dito que os dois ministros antes mencionados, desmoralizam o STF com as suas falas e suas atitudes, e que, por isso, o seu impeachiment serviria de alerta para comportamentos extravagantes numa Suprema Corte.

Segundo matéria veiculada na revista eletrônica 247, onde apanhei os dados em razão dos quais faço essas reflexões, o comportamento dos ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, no julgamento da AP 470, foi pautado por interesses políticos, o que, convenhamos, é muito grave, a exigir dos dois uma pronta resposta em face da desmoralizante acusação.

Sobre Gilmar Mendes, o jurista diz que fala e age como político. Sobre Joaquim Barbosa, afirma que age como perseguidor do ex-ministro José Dirceu e não como magistrado, suprimindo-lhe direitos e garantias constitucionais.

Repito que não desejo emitir juízo de valor acerca das críticas assacadas pelo jurista em face do comportamento dos ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Vejo-as, todavia, com enorme preocupação, pois, confesso, nunca dantes imaginei, nas minhas reflexões mais excêntricas, mais extravagantes, que um dia testemunharia acusações tão deslustradoras, acerbas e contundentes contra dois colegas, sobretudo tratando-se de colegas da Corte Suprema, cuja ação deve servir de referência para todos nós julgadores.

Espaço livre

Ouvidoria judiciária como modelo de ombudsman e princípio republicano

thPaulo Velten, desembargador do TJMA e Ouvidor da Justiça Estadual

O excesso de lisonjas que cerca os detentores de poder não raro tem o efeito de empanar a capacidade de recepção a críticas e reclamações, quase sempre recebidas com desconfiança e equivocadamente interpretadas como ataques injustos advindos de pessoas mal intencionadas.

Esse comportamento defensivo, de quase aversão à crítica e à cobrança por resultados gera o isolamento e a perda de contato com a realidade, faz com que o agente político se afaste da sociedade, deixando escapar uma importante fonte de renovação e uma rara oportunidade de comunicação com o destinatário do serviço público.

Ouvidoria judiciária como modelo de ombudsman e princípio republicano

O excesso de lisonjas que cerca os detentores de poder não raro tem o efeito de empanar a capacidade de recepção a críticas e reclamações, quase sempre recebidas com desconfiança e equivocadamente interpretadas como ataques injustos advindos de pessoas mal intencionadas.

Esse comportamento defensivo, de quase aversão à crítica e à cobrança por resultados gera o isolamento e a perda de contato com a realidade, faz com que o agente político se afaste da sociedade, deixando escapar uma importante fonte de renovação e uma rara oportunidade de comunicação com o destinatário do serviço público.

No âmbito do Poder Judiciário, essa realidade tem sido profundamente modificada por meio de inúmeras inovações institucionais que contribuem na construção de uma justiça democrática de proximidade, na feliz expressão de Boaventura de Sousa Santos.

Entre essas inovações, destacamos a criação das ouvidorias judiciárias, órgãos de representação da sociedade com competência para, essencialmente, prestar informações, receber críticas e apurar reclamações sobre deficiências na prestação dos serviços judiciais, sugerindo a adoção de medidas tendentes à sua melhoria.

As modernas ouvidorias não se baseiam em suas congêneres do século XVI, que remetem aos ouvidores-gerais, como eram chamados os funcionários encarregados de auxiliar o rei na atividade de administração da justiça perante as colônias. Inspiram-se, verdadeiramente, no modelo de ombudsman da Suécia, desenvolvido a partir do início do século XIX, cuja função era encaminhar as reclamações e críticas da população, atuando como um representante do cidadão perante o Estado. A diferença está no fato de que as ouvidorias coloniais ouviam o monarca. As do modelo sueco, o povo.

Já na segunda metade do século XX, a figura do ombudsman é adotada por alguns órgãos de imprensa, servindo para designar o representante dos leitores dentro de um jornal, de regra um profissional da própria redação dedicado a receber, apurar e encaminhar as reclamações e sugestões do leitor de forma pública, aprimorando o serviço prestado por meio da crítica interna e imparcial.

Derivando desse mesmo modelo de ombudsman, as atuais ouvidorias judiciárias não podem ser concebidas como entidades representantes do Estado junto à sociedade, pois a rigor significam exatamente o inverso, ou seja, são órgãos de representação da população perante o Judiciário, com a função histórica de receber e encaminhar reclamações, críticas e sugestões visando o aperfeiçoamento do Poder.

E é também porque fundadas na ideia de ombudsman, que as ouvidorias, mais do que simples órgãos de encaminhamento de reclamações, devem também ser assimiladas como princípio, como uma postura republicana a ser assumida por juízes e servidores do Judiciário, um comportamento cívico de tolerância e compreensão, de recepção entusiasmada à crítica e à cobrança da sociedade.

Tal como acontece nas relações de afeto, só faz a crítica e cobra resultados quem respeita e valoriza. Por isso devemos receber as críticas e reclamações com maturidade e espírito aberto, sem indisposição, transformando o dever de resposta e informação em oportunidade de comunicação e de prestação de contas à sociedade (accountability). Essa deve ser a postura republicana incorporada às boas práticas do Judiciário.

Quando fala e reclama, o cidadão também participa da vida pública, sente-se integrado e dando sua parcela de contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Quando, de nossa parte, deixamos um pouco de lado as “sólidas opiniões”, abrindo nossas mentes como bons ouvintes, passamos a entender e a também respeitar a opinião do outro, o que é condição fundamental para a vida democrática.

Com isso, ganhamos a chance de descobrir um novo Poder, um Judiciário a partir da visão dos destinatários de nossas decisões. A verdadeira viagem do descobrimento, advertia Proust, não consiste em procurar novas paisagens, mas em ver com novos olhos.

Renovando e ampliando nossa visão do Judiciário, com a assimilação do princípio da ouvidoria e sua concretização no dia-a-dia, teremos a verdadeira dimensão da importância do nosso trabalho e um novo estímulo na árdua tarefa de assegurar a ordem prometida pelo constituinte.   

Notícias do CNJ

Primeira sessão ordinária de 2014 do CNJ será nesta terça-feira

 

Luiz Silveira/Agência CNJ

Primeira sessão ordinária de 2014 do CNJ será nesta terça-feira

 

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retoma, nesta terça-feira (11/2), o julgamento de procedimentos relativos à administração dos tribunais e à conduta de magistrados. O órgão realizará a sua 182ª Sessão Ordinária – a primeira de 2014. Na pauta, constam 147 itens para apreciação. O encontro será realizado a partir das 9 horas, na sede do CNJ, em Brasília/DF.

Entre os processos previstos para julgamento, destacam-se os procedimentos de controle administrativos e pedidos de providência. Constam também mais de 20 procedimentos de cunho disciplinar – entre processos administrativos, reclamações, pedidos de revisão e avocações.

Estão previstos, também, mais de 10 itens para apreciação dos conselheiros sobre concursos públicos, tanto para a magistratura como para analistas e técnicos judiciários. Pelo menos outros 15 itens tratam das seleções para os cartórios de notas e registro em todo o País.

A pauta traz diversos outros procedimentos – como os de consulta, protocolados por magistrados, operadores do Direito ou mesmo pelo cidadão comum para saber o posicionamento do CNJ sobre determinado assunto. Uma das consultas visa esclarecer se o Poder Judiciário pode firmar parcerias público-privadas. Outra questiona a competência do CNJ com relação aos Tribunais de Conta.

Ainda está prevista, para a 182ª Sessão Ordinária, a apreciação de propostas de atos normativos pelo Conselho. Entre eles, o que visa à regulamentação da emissão de passaporte para crianças e adolescentes, assim como a apresentação de pessoas presas ao juízo competente.

Serviço:

182ª Sessão Ordinária

Horário: 9 horas

Local: Plenário – 2º andar do Anexo I do Supremo Tribunal Federal, localizado na Praça dos Três Poderes, Brasília/DF.

Acesse aqui a pauta da 182ª Sessão

Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias