A propósito da carteirada do confrade Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que humilhou um guarda municipal em Santos, vou narrar um episódio que se deu comigo.
Há cerca de três anos, estando em viagem com uns amigos pelo litoral piauiense (Barra Grande), fomos surpreendidos, já no resort, com a informação de que nos nossos apartamentos não havia televisão; depois, constatamos que a internet também não tinha sido disponibilizada.
É claro que foi grande o desalento, afinal, televisão e internet são, nos dias presentes, artigos de primeira necessidade. Pensei com meus botões: Fazer o quê, agora? A essas alturas do campeonato, ponderei, é melhor gastar energia com outros prazeres.
O inusitado do fato, no entanto, foi o conselho que recebi de uma pessoa muito próxima, que, casualmente, também estava hospedada no mesmo resort: “Por que o senhor não se apresenta logo como desembargador? Garanto que, se o senhor se apresentar, eles resolvem logo o problema”.
Não argumentei na hora, por educação, mas posso dizê-lo agora, a propósito da já famigerada carteirada de Santos (SP): acho uma tremenda babaquice, uma falta de postura, um atraso mental, enfim, uma pessoa valer-se do poder que tem para impor-se ou reivindicar algo, máxime quando o autor da carteirada o faz tendo praticado, antes, uma ação marginal.
De rigor, entendo não ser preciso, em qualquer circunstância, que, para fazer valer um direito, para o exercício da cidadania, as pessoas tenham que invocar a sua posição social, o poder que detenham eventualmente, ainda que estejam cobertas de razão, o que não foi o caso do desembargador da carteirada infame.
Infelizmente, no Brasil como um todo – e no Maranhão em particular -, muitas vezes, as pessoas são instadas a se identificarem para que as portas se abram, o que é um grave sintoma do nosso atraso. Daí que, devido a essa cultura, vicejam os que vão além, exibindo, equivocadamente, força e poder para se safar de um constrangimento que eles próprios provocaram.
Reafirmo, com a necessária ênfase, que é uma rematada babaquice, falta de compostura, arrogância, enfim, alguém se identificar como autoridade, para tentar se impor ou se safar de uma abordagem corriqueira feita, por exemplo, por um agente público, no exercício regular de sua atividade.
A prática da carteirada, é preciso ter em conta, é uma manifestação inequívoca do nosso atraso, e resulta, na maioria das vezes, da pobreza de espírito de quem se julga superior ao semelhante e, por isso mesmo, merecedor de tratamento diferenciado, ainda que para tanto seja preciso sobrepujar a lei.
No Brasil, lamentável a constatação, as pessoas valem muito pouco quando ostentam apenas sua condição de cidadão, acostumados que fomos, culturalmente, a bradar o “sabes com quem estás falando?”, para o bem e para o mal, como fez o colega desembargador de São Paulo.
No Brasil, triste dizer, assim sempre foi e sempre será, ou seja, é preciso mais, muito mais, para fazer valer um direito. Daí que, nesse ambiente deteriorado por práticas nefandas de exibição de poder, vicejam, no mesmo passo, as ações dos que vão além dessa exibição de força e poder, objetivando se safarem do cumprimento de uma obrigação comezinha de respeito ao próximo e à lei.
Lamentavelmente, em terras brasileiras, é necessário, como dito acima, “estar podendo”. Por isso a prática atrasada e incivilizada da carteirada, que, pelo que ela tem de mais repugnante, termina por incutir nas pessoas, mesmo aquelas que só, eventual e circunstancialmente, estejam em posição de destaque, ser a alternativa mais fácil para se livrar do desconforto proporcionado por uma abordagem qualquer.
É isso.