Essas reflexões decorrem da minha inquietação com a veiculação sistemática de notícias dando conta das reiterações criminosas de meliantes beneficiados com liberdade provisória, mesmo quando denunciados em face de crimes violentos, a pretexto de serem presumidamente inocentes, sem nenhuma consideração para com a sua perigosidade, e em frontal desrespeito para a ordem pública
Pois bem. Durante dezenove anos como fu titular da 7ª Vara Criminal, desta comarca de São Luis, assim como em todas as comarcas pelas quais passei, sempre tratei os roubadores, em especial, e os autores de crimes violentos, em geral, como devem ser tratados: com rigor, com o máximo rigor, conquanto, tendo o cuidado de não vilipendiar quaisquer dos seus direitos.
Nesse sentido, nunca descurei de, sendo o caso, manter a prisão em flagrante ou decretá-la provisoriamente, sem perder de vista a densidade do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, já que a provisoriedade é elemento genético de todas as medidas cautelares que, por isso mesmo, não devem assumir os contornos de uma pena antecipada.
E assim procedi – como procedo até hoje, agora em segunda instância – por entender que o assaltante é, sobretudo, um covarde, que nem sempre precisa de uma situação adversa (reação do ofendido, por exemplo), para matar a vítima, sendo de rigor consignar que ao ser posto em liberdade será também impregnado pela sensação de impunidade, que o leva à recalcitrância, como demonstram as estatísticas de todos conhecidas.
Nessa linha de pensar – e de atuar -, mesmo sem antecedentes criminais, (lato sensu ou stricto sensu) aos assaltantes só excepcionalmente lhes concedia liberdade provisória, por entendê-los perigosos, ainda que eu tenha sido inclementemente criticado por agir assim. É que, na visão dos críticos, alguns minimalistas oportunistas, essa minha forma de agir flertava com a arbitrariedade, hostilizando, nesse passo e segundo a sua visão, a Constituição vigente, em face do princípio da presunção de inocência.
Essas críticas não me sensibilizaram na época e tampouco me sensibilizam nos dias atuais, pois, mesmo acerbamente criticado, sempre optei pela minha consciência, por entender ser afrontoso à vitima – e à sociedade em geral – ter que se deparar com o seu algoz pelas ruas da cidade, poucos dias após o crime, como se nada tivesse ocorrido, sob o risco, inclusive, de ser assaltada outra vez, como testemunhamos quase todos os dias.
A violência concreta do crime e a minha experiência em face da renitência desse tipo de criminoso me conduziram, quase sempre, a manter esse entendimento, ou seja, da necessidade da medida extrema, posição em razão da qual nunca me arrependi, pois tenho consciência de que, ao afastar os meliantes perigosos do nosso convívio, preservei muitas vítimas, conquanto admita, antecipando-me à eventual crítica, que não se combate a criminalidade apenas com prisão, e que a prisão provisória não deve ser um fim em si mesma, reservada, por isso mesmo, apenas para os casos mais graves.
Todavia, em que pese o quadro de violência que a todos nós apavora, muitos pensam – e agem – diferente de mim. Muitos são os que, mesmo quando o acusado responde a outros processos, mesmo que não tenha demonstrado nenhuma sensibilidade para com a vida do semelhante, preferem lhe conceder liberdade, sob o cômodo e insensível argumento que a prisão provisória é a extrema ratio da ultima ratio, como que a prestar tributo ao princípio da não-culpabilidade, em detrimento do interesse público.
Pensando assim, vão colocando em liberdade perigosos meliantes, sob argumentos jurídicos que, embora legítimos, são injustificáveis nos dias atuais, com a desconsideração de que a presunção de inocência, dependendo do caso concreto, pode, sim, estimular a violência, em face da sensação de impunidade que decorre da concessão indiscriminada de liberdade provisória, sem que se leve em conta a gravidade concreta do crime, da qual, com alguma sensibilidade, se pode inferir o nível de periculosidade do autor do fato.
Muitos são os que sucumbem, todos os dias, diante da arma de um assaltante. Contudo, ainda assim, invoca-se, com pouca ou nenhum sensibilidade, a presunção de inocência para colocar em liberdade pessoas que, de rigor, deveriam permanecer presas, sabido que a prisão, mesmo a provisória, ainda é a única alternativa que nos resta, diante do quadro de violência que se descortina sob os nossos olhos.
Tenho dito que o tráfico de drogas e o roubo, máxime quando imbricados – e quase sempre estão imbricados -, têm sido o flagelo dos nossos dias. A ordem pública, diante desse quadro, exige do magistrado maior rigor no exame dessas questões, razão bastante para, se for o caso, flexibilizar, em tributo à ordem pública, quando for o caso, o princípio da presunção de inocência, sabido que não existe direito absoluto, mesmo os ditos fundamentais.
É preciso ter em mente, a propósito, que os direitos fundamentais devem assegurar a esfera de liberdade individual apenas quando as interferências do poder público forem ilegítimas; e não é legítimo manter a prisão de uma pessoas perigosa, cuja periculosidade restar aferida em face de uma ação concreta.
Os direitos fundamentais, é verdade, são definidores de uma competência negativa do Poder Público, mas, repito, contra as interferências ilegais do mesmo Poder Público, disso inferindo-se, definitivamente, que não existe primazia de um direito fundamental sobre os outros. Daí que, sendo necessária, a prisão provisória deve sempre ser implementada, sobretudo em face da criminalidade violenta, para garantia da ordem pública, cuja finalidade, sabe-se, é metaprocessual, ou seja, para sociedade.
Para os que advogam o minimalismo penal, ou seja, a prisão como extrema ratio, lembro, forte nas lições de Claus Roxin, apenas para ilustrar e subsidiar a reflexão, que o Direito Penal – e consectários – é um mal necessário, do qual não podemos nos afastar, em face da criminalidade violenta e reiterada, mesmo que consideremos que submete numerosos cidadãos, nem sempre culpados, a medidas persecutórias extremamente graves, do ponto de vista social e psíquico.
É forçoso reconhecer, na mesma linha de argumentação, que o Direito Penal estigmatiza o condenado e o leva à degradação e à exclusão social, consequências que não podem ser desejadas num Estado Social de Direito, que tem por fim a integração e a redução das discriminações. Apesar dessas considerações, não se pode contemporizar com a criminalidade, sobretudo a violenta, que exige de nós, operadores do Direito, rigor na implementação das medidas preventivas que visem, sobretudo, à preservação da ordem pública.