A produtividade que almejo

Quem trabalha nas varas criminais sabe que não é fácil concluir uma instrução. Pelos mais diversos motivos, podemos deixar de realizar uma audiência. Há dias que não se realizam as audiências porque o advogado não foi intimado. Há dias que elas não se realizam porque o advogado, intimado, deixou de comparecer. Continue lendo “A produtividade que almejo”

Reflexões sobre o crime de roubo.

Em diversas oportunidades tenho refletido sobre o crime de roubo, essa praga que tem assolado a comunidade em que vivemos.

Ainda recentemente, revendo algumas decisões minhas e alguns artigos que publiquei neste blog, deparei-me com uma série de reflexões sobre esse verdadeiro câncer social que inferniza a nossa vida.

Abaixo, algumas dessas reflexões:
1ª reflexão


  1. “A comunidade em que vivem o acusado e a vítima, sobreleva refletir, não entenderia como é que se afronta, de forma acerba, a ordem pública, e, em seguida, o meliante é colocado em liberdade, recebendo um “passaporte”, chancelado pelos agentes públicos, para, outra vez, macular, afrontar a ordem pública.Essa situação, esse quadro, essa sensação, não tenho dúvidas, trazem descrença à nossas instituições – PODER JUDICIÁRIO, MINISTERIO PÚBLICO e POLÍCIA – e, mais grave ainda, estimula o exercício arbitrário das próprias razões.A sociedade tem que acreditar, precisa acreditar que nós, agentes públicos, estamos vigilantes, atentos para, sendo o caso, tirar de circulação aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, como se vivessem em terra sem dono e sem ordem.Por essas e por outras razões é que tenho indeferido, sem hesitação, os pedidos formulados nesse sentido, em homenagem à ordem pública.A perigosidade do autor de crimes desse jaez desautoriza a restituição de sua liberdade. A ordem pública não pode ficar à mercê das ações criminosas desse matiz, ainda que o acusado seja primário e possuidor de bons antecedentes.É lamentável que muitos só se sensibilizem com a violência quando têm um membro de sua família vitimado por ela.Ante situações que tais, não faço concessões, não tergiverso, não faço graça. A liberdade de um meliante vem sempre em detrimento das pessoas de bem. Dá-se liberdade a eles e nós outros somos compelidos a renunciar à nossa. A ordem pública, por isso, reclama a manutenção da prisão do acusado, em sua homenagem.Reconheço os efeitos deletérios da prisão, máxime a não decorrente de um título executivo definitivo. Essa é uma questão que a todos preocupa, mas que não pode ser invocada como razão para colocar em liberdade quem demonstra não ter qualquer preocupação com a ordem estabelecida.Anoto que em torno dessa questão não estou isolado. Com efeito, a jurisprudência sedimentada tem proclamado, à exaustão, que ‘a gravidade do delito, com sua inegável repercussão no meio social, justifica, por si só, a custódia antecipada do seu autor, ainda que primário, de bons antecedentes e outros fatores favoráveis'(RSTJ 104/474)”.

 

2ª reflexão

 

  1. “…Os assaltantes não escolhem cor, credo, raça, idade ou posição social. Assaltam o pobre, o preto, o branco, o rico, o alto, o baixo, o bonito, o feio, o desembargador, o juiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal, o Ministro da Fazenda, o filho do ministro, o amigo do ministro, o promotor de justiça, o filho do promotor, o delegado, o policial, o defensor público, a criança, o adulto, o velho, o novo, o sadio e o doente. E qualquer um pode sucumbir diante da arma de um assaltante, bastando, para tanto, que se tente tão-somente frustrar-lhes a expectativa. Nesse contexto deve-se, sim, punir o meliante, exemplarmente, para preservar o pouco de liberdade que ainda nos resta e para desestimular a prática de crimes. Nós, julgadores, não podemos nos aliar à arrogância e ao descaso de nossas elites e governantes, para os quais essas questões só são levadas à ribalta no período eleitoral…”

 

3ª reflexão

 

  1. “…Não é admissível que a violência se espraia sobre a sociedade sob os nossos olhos. Não é aceitável que sejamos magnânimos com o roubador. A nossa magnanimidade pode ser confundida com covardia, fraqueza, falta de sensibilidade. Nós não precisamos esperar que se sacrifique outro JOÃO HÉLIO, para, só depois, clamar aos céus pedindo Justiça…”

 

4ª reflexão

  1. “…O agente público, desde o meu olhar, deve, ao deparar-se com acusado da prática de roubo, qualificado ou não, envidar esforços para segregá-lo, como garantia da ordem pública, ou mantê-lo segregado, se preso já estiver, sob o mesmo fundamento. Não deve, portanto, entre uma e outra situação, agir com parcimônia…”

 

5ª reflexão

 

“…Sobreleva gizar, nessa mesma linha de argumentação, que o que se pretende, ademais, com uma medida de força, é prevenir a sociedade das ações deletérias dos meliantes, sem que isso implique julgamento ante tempus. É que a crônica policial já registrou inúmeros, incontáveis episódios em que as vítimas de um assalto, ao esboçarem a mais mínima reação – ou apenas um gesto interpretado como uma reação – sucumbiram diante da arma de um meliante, o que me faz crer que, no caso sob análise, só por muita sorte a vítima está viva para contar a história…”

A prisão da mãe de um inocente

Normalmente só saio de meu gabinete para ir ao banheiro do Fórum. Não tenho o hábito de sair para conversar. Mas isso me faz falta. O serviço, no entanto, não me dá folga. Eu sou obstinado mesmo. A mais não poder. Até desnecessariamente.

No exercício da judicatura, procuro fazer o que posso. Não sou do tipo “deixa- estar-pra-ver-como-é-que-fica”. Eu vou à luta mesmo. Sinto-me bem produzindo. Este ano estou mais feliz. Tenho, até aqui, 100% de produtividade. Os dados estão na minha Secretaria para quem quiser ver. Não é fácil, mas é possível.

Mas eu dizia que quase nunca deixo o meu gabinete. Quando o deixo, para ir ao banheiro, como o faço regularmente, sempre me deparo com situações inusitadas. Num dia vi o parente de uma vítima quebrar os dentes de um acusado com um murro no rosto; noutro, vi advogados aconselhando mal os seus clientes. Noutras tantas, vi mães abraçando os filhos presos – sorrindo, chorando, gritando, sofrendo, apelando, clamando, lamentando, beijando, abraçando, fazendo, enfim, o que é possível fazer diante uma situação de absoluto desconforto e, às vezes, de impotência.

Ontem pela manhã assisti a uma cena que me deixou assombrado, entorpecido. Uma criança, de seis anos, no máximo, vibrava, correndo e pulando nos corredores do Fórum, abraçando os parentes, gritando, alto e bom som: ” ei, ei, minha mãe vai sair da cadeia!”

O brilho nos olhos, a felicidade dessa criança ficaram gravados na minha retina. Jamais esquecerei! É algo que me fará relembrar, sempre, do quão difícil é a tarefa de julgar um semelhante. Manter a mãe dessa criança presa não deve ter sido fácil para o meu colega. Aliás, nunca é fácil prender ou manter a prisão de alguém. Só o fazemos porque somos obrigados. Não fazemos por deleite pessoal, para satisfazer nossas idiossincrasias.

O inusitado dessa cena me fez perquirir: por que permitir que uma criança vá ao Fórum ver a mãe presa? O que leva um pai, um tio, uma avó ou avô, a levar uma criança para ver a mãe algemada, passando por todas as humilhações pelas quais passam os detentos? Será que as pessoas perderam, definitivamente, a sensibilidade?

Uma criança não pode e não deve conviver com esse tipo de situação. Essa criança que, ontem, pulava de alegria, ao saber que sua mãe ia deixar a cadeia, poderá, no futuro, chorar de vergonha pela cena que, involuntariamente, foi obrigada a protagonizar.

 

Por que concedi liberdade provisória ao policial Vancardem

“Posso afirmar, sem receio de estar equivocado, que não há em nenhuma comarca deste pais, nenhum acusado que, tendo cometido o crime de posse ilegal de arma, sendo primário, tendo boa conduta social e seja possuidor de bons antecedentes, que esteja preso provisoriamente.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular  da 7ª Vara Criminal

 

Vou, a seguir, transcrever a decisão que proferi concedendo liberdade provisória a Vancarden Moreira Nunes, policial militar preso sob a suspeita de ser um dos fornecedores de armas de fogo a quadrilhas de assaltantes.

Apesar do estrépito da prisão do acusado, o Ministério Público só vislumbrou a prática do crime de posse ilegal de armas, denunciando-o em face dessa incidência penal.

A seguir, antecipo alguns excertos.

 

  1. Entendo que o magistrado tem que ser coerente em suas posições. Não pode, desde meu olhar, decidir aos sabor das circunstâncias, ao sabor das conveniências. Não posso, diante do mesmo fato, sob as mesmas condições, decidir de forma diferente.
  2. Não posso adotar dois pesos e duas medidas. Se a regra é a concessão de liberdade provisória aos réus não recalcitrantes e que não tenham praticado crimes violentos contra a pessoa, então ela vale para todos, independentemente de raça, de credo, de cor, de profissão, de posição social, etc.
  3. Cuidando-se de acusado com os predicados do requerente, concedo, sempre, sem exceção, liberdade provisória, o que não significa dizer que não posso, ao depois, voltar a decretar a sua prisão preventiva, desde que ela se mostre necessária.

 

A  seguir a decisão por inteiro.

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Combatendo o crime violento, sem tréguas

Há muito anos tenho entendido que o autor de crime violento contra a pessoa não merece ser colocado em liberdade. Tenho entendido, pois, que tudo deve ser feito para que se mantenha o acusado de um roubo, por exemplo, segregado.  

Anteontem fiz uma audiência na sexta vara criminal e ouvi das vítimas, as violências que lhes foram infligidas pelos assaltantes, desnecessariamente, só por maldade.É claro, pois, que a esses acusados eu não concedo liberdade provisória.
 

Tenho sido muito criticado por pensar e agir assim.

Mas é bom que se diga que eu não estou isolado nesse entendimento. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, referência nacional, também tem decidido no mesmo diapasão, como se confere nas decisões abaixo transcritas, verbis:    

 

Enfrentando um pedido juridicamente inviável

Os excerto a seguir publicados foram retirados de uma decisão condenatória. Neles enfrento uma preliminar da defesa, que pretendia que fosse feita uma proposta de supensão do processo, aos acusados que estavam foragidos.

Leia e veja se concorda comigo. 

1.00 O Defensor Público, ao ofertar as alegações finais, argumentou, em preliminar, que aos réus foi negado o direito de suspensão condicional do processo, ex vi do artigo 89, da Lei 9.099/99.

01.01. Em face da preterição desse direito, o Defensor Público requer que seja o Ministério Público intimado para fazer a proposta de suspensão condicional do processo.
02. Em razão desse pleito do Defensor Público, devo consignar que a proposta de suspensão, estando os acusados foragidos, é juridicamente inviável.
02.01. É da sabença comum que os acusados devem estar presentes ao ato, no momento da oferta da proposta, para dizer se aceita, ou não, o favor legis, com as condições impostas à observância.
02.01.01 Curialis, assim, que, estando foragidos, não se pode fazer a oferenda (oferrenda) e nem ela pode ser aceita pelo representante legal dos improváveis beneficiários, vez que se trata de um ato personalíssimo (personalissimus).
02.01.02 A menos que o Defensor Público disponha de meios, não revelados na súplica, para localização dos acusados.
02.01.03 O beneficiário do favor legis, todos sabemos, deve, ao receber o benefício, ser submetido a um período de prova, que só ele, beneficiário, tem o livre arbítrio de aceitar se submeter.
02.01.04. Uma das condições impostas ao favorecido, v.g., é a obrigação de comparecer em juízo, para justificar as suas atividades, do que se infere, também por isso, a inviabilidade de propor-se um benefício a quem não se sabe do paradeiro.
03.00 Lado outro, mas em reforço dos argumentos suso expendidos, anoto que a proposta de suspensão deve ser aceita consensualmente entre o favorecido e seu representante legal, do que dimana, nessa linha de argumentação, ser inviável a oferta da proposta de suspensão do processo a quem preferiu escafeder-se, esgueirar-se, tão logo colocado em liberdade.
03.01 Nesse sentido é a lição de Marino Filho, Alexandre de Moraes, Gianpaolo Smanio e Luiz Vaggione, verbis:
“A possibilidade de suspensão condicional do processo exige consenso entre a acusação e a defesa, dentro dos parâmetros regulados em lei.
 03.02. Nessa senda é a letra da lei, como se vê abaixo, ipsis verbis:
Artigo 89 – Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal).
Parágrafo 1º – Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II – proibição de freqüentar determinados lugares;
III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
03.03. À guisa de reforço, cumpre consignar que o artigo 89, da Lei 9.099/95, faz referência ao 77, do Digesto Penal, quando se reporta aos requisitos para proposta de suspensão condicional do processo.
03.03.01 O artigo em comento e seus incisos têm a seguinte redação, litteris:
Art. 77 – A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – o condenado não seja reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
03.03.01 Dimana do texto legal supra transcrito que, além das condições elencadas no artigo 89, da Lei 9.099/95, o Ministério Público, para ofertar a proposta de suspensão, terá que perquirir se, diante de circunstâncias, deve, ou não, ofertar a proposta.
03.03.02. Basta examinar o caderno administrativo para se concluir que nos autos há notícias de outros golpes provavelmente aplicados pelos mesmos acusados, do que se depreende que, sob essa vertente, era inviável, até por prudência, a proposta de suspensão do processo quando do oferecimento da denúncia.
03.04. A conclusão a que chego, em face da fuga dos acusados do distrito da culpa e da inviabilidade conseqüente de a eles se formular a proposta de suspensão do processo, é que navegou em águas claras o Ministério Público, a não formular a proposta de suspensão do processo, benefício que não pensado para estimular a impunidade.
04.00 É claro, é inconcusso e irrefragável que o Ministério Público tem o poder-dever de ofertar a proposta de suspensão do processo, todavia só pode fazê-lo se preenchidos os requisitos previstos legalmente.
05. A ratio essendi dessa alternativa inserida em nosso ordenamento jurídico reside, também – além da despenalização, na desburocratização e reparação de danos -, na perspectiva de ressocialização do autor, ou autores, do fato.
05.01. Como, francamente, perscrutar de reparação de danos e ressocialização, se os pretensos beneficiários da medida legal, ao serem colocados em liberdade, fugiram do distrito da culpa, sem que se saiba, até a data atual, qual o seu paradeiro?
06.00 Os Tribunais, enfrentando questões similares, têm proclamado que “a medida prevista no art. 89, da Lei n. 9099/95, tem natureza de transação: o Ministério Público propõe ao réu abrir mão de seu direito/dever de ação, enquanto o réu abdica do direito do due process of law, submetendo-se a determinadas condições, que a norma prescreve”. (grifei)

06.01. No caso sub examine, o Ministério Público, ao apresentar a incoativa, deixou evidenciado que, naquele momento, não podia fazer a proposta de suspensão, em face dos acusados não morarem no distrito da culpa e, também, face dos indícios de que os acusados fossem contumazes infratores. Assim agindo, o Ministério Público não solapou quaisquer direitos dos acusados. Ao contrário, agiu com a prudência recomendada em casos que tais.
06.01.01 Diante dessa manifestação ministerial, o magistrado condutor do processo não podia propor a suspensão, pena de ferir o princípio da inércia da jurisdição e de usurpar atribuições administrativas do Ministério Público.
07.00 Vou insistir num ponto que entendo mais do que relevante para demonstrar a inviabilidade da proposta de suspensão.
07.01. Ao dispor que o juiz poderá suspender o processo, a lei estabelece expressamente que isso se dá caso seja “aceita a proposta pelo acusado e seu defensor”.
07.01.01 Para que algo seja aceito, forçoso convir, é necessário que, antes, seja proposto. Mas é necessário, também, que, para que se faça a proposta, se faça presente a pessoa a quem se dirige a oferta. Não se pode propor algo a quem fisicamente não está presente, a quem fisicamente não se sabe sequer se ainda existe; a menos que fosse possível fazê-lo pela via telepática.
07.01.02. O direito subjetivo do acusado é o de aceitar ou recusar a proposta. Todavia, para aceitar o recusá-la, tem que estar fisicamente presente. Ausente, foragidos os acusados, sem paradeiro certo, a quem poderia o Ministério Público , agora, formular a proposta?
07.02. O que se pode concluir do exposto é que, em face da fuga dos acusados do distrito da culpa, tão logo colocados em liberdade, restou inviável a realização do direito em comento, ainda que pretendesse o Ministério Público fazer a proposta de suspensão do processo.
in Juizado Especial Criminal, Ed. Atlas, 1996, p. 97

(TJ-SP, mandado de segurança n. 224.533-3/7, 1ª Câmara Criminal, Rel. Des. JARBAS MAZZONI, j. em 05.05.97, unânime).


 

O poder de decidir não se delega.

O poder que tenho de decidir não delego a ninguém. A minha analista é da maior competência. Mas tenho convicção que a responsabilidade de decidir é só minha. Eu tenho necessidade de viver a emoção do processo, a emoção de decidir. A emoção de conceder uma liberdade, quando entendo que o acusado faz por merecer o benefício; e, lado outro, a emoção de negar o benefício, quando compreendo que a ordem pública reclama a manutenção de sua prisão.

Eu tenho a capacidade de ver o rosto do acusado e da vítima sobre o processo, quando vou decidir. Quando abro o processo, já tenho a convicção, pelo que vivenciei, se o acusado merece ou não ser colocado em liberdade.

Essa minha obstinação em decidir, em não delegar a ninguém esse poder, sacrifica a minhas horas de lazer. Mas é assim que gosto de viver a judicatura: intensamente, incessantemente, desbragadamente.

Nesse final se semana prolatei decisão em quatro pedidos de liberdade provisória – Inquérito Policial nº 018/2008, Processos nºs 8822008, 2381/2008 e 10144/2008 ( da 6ª Vara Criminal). Nesse mesmo final de semana decidi sobre um pedido de prisão preventiva (processo nº 4951/2008), prolatei uma sentença de pronúncia (processo nº10085/2005) e iniciei outra decisão, também de pronúncia ( processo nº 147762003).

Como se pode ver, o meu final de semana, como tem sido, de resto, desde que ingressei na magistratura, foi de grande produtividade.

Muitas dessas decisões eu poderia ter delegado. Mas não o faço. Eu quero viver a emoção de decidir, repito.

Sei que ainda vou fazer muito mais hoje, pois o dia ainda está amanhecendo. Mais tarde vou à praia, jogo umas partidas de vôlei e volto para casa. Tenho a tarde e noite para decidir. Pouco importa se hoje é domingo. Eu tenho a capacidade de trabalhar e me divertir. Uma coisa não interfere na outra.

Não sei quando vou postar este artigo, pois, no momento, 6h00 da manhã de domingo, não há energia no prédio onde moro e não estou podendo acessar a internet



 

Reminiscências – IV

Eu tinha um grave defeito: não levava desafora pra casa. Eu era do tipo bateu/levou. A juventude, a saúde, a necessidade de me fazer respeitar – ainda que fosse na marra – me fizeram irascível, intempestivo, impetuoso, destemperado, briguento, sangue quente.

Parte da minha fama de arrogante foi construída nessa fase, na qual os hormônios estavam em franca ebulição. Muitos não quiseram compreender que os jovens, normalmente, são assim mesmo. Só o tempo lhes doma, lhes põe freios.
Lembro que, certa feita, juiz de Presidente de Dutra, presidindo as eleições municipais, fui informado por um oficial de justiça que um cabo eleitoral do prefeito de Eugênio Barros, à época termo de Presidente Futra, estava apregoando, alto e bom som, num bar daquela cidade, com algumas doses de cachaça na cara, que sabia que eu – a quem ele chamou de juiz barbicha – iria roubar as eleições e que, portanto, era preciso ter muito cuidado comigo.

Diante dessa notícia, não hesitei. Mandei prender o desditoso cabo eleitoral, ainda queimado de cachaça, só lhe colocando em liberdade no dia seguinte, depois que, sóbrio, me pediu desculpas e prometeu jamais tocar no meu nome, em qualquer lugar. Loucura minha! Pura insensatez! Insanidade que só a inexperiência é capaz de explicar.

Claro que essa minha atitude foi menor e indigna de um magistrado. O homem público tem que saber conviver com esse tipo de crítica – e o magistrado com muito mais razão. Se pudesse voltar no tempo, não procederia mais dessa forma. Hoje, cabelos encanecidos, convivo muito bem com os que me criticam. E olhe que são muitos. Muitas vezes as críticas são, até, graciosas. Mas não me importo. Não passo recibo.

Ah! Como o jovem é impetuoso. Por isso acho que juiz tem que ter uma grande carga de experiência para poder julgar um semelhante. Quando assumi a magistratura, egresso do Ministério Público, eu ainda não tinha a dimensão, a noção exata da importância dos poderes que tinha – e tenho – nas mãos.

É por esses e outros comportamentos que digo que o poder não é para ser exercido por qualquer um. O homem com poder, ainda que seja só um fragmento, se não tiver experiência, tende a abusar, a fazer besteiras, como as muitas que fiz.

Agora, convenhamos, a prisão do cabo eleitoral em comento foi um santo remédio. Nunca mais tive notícia de que alguém fizesse menção desonrosa a mim e a meu comportamento enquanto magistrado.

Muitos continuaram bebendo e falando besteiras, mas, quanto a mim, se não gostavam ou se tinham algum comentário a fazer, preferiam o silêncio – ou o fizeram entre quatro paredes.

Isso é que eu chamo de imposição de respeito. É o respeito obtido na marra, quase por decreto.

Mas é um grave erro pensar que respeito se consegue dessa forma. E eu errei, sim. Tenho que admitir. O homem publico se impõe pelo que constrói.

Hoje sou respeitado – tenho certeza. Mas pelo meu trabalho, pela minha postura, pelas minhas decisões. Esse respeito é definitivo. Diferente daquele que a gente impõe na marra, que é passageiro.