“[…]Enquanto o povo, acomodado, a tudo assiste, sem esboçar a menor reação, o nosso dinheiro se esvai. São bilhões distribuídos em verbas parlamentares, as quais só Deus sabe o destino final, pois é pouco provável que sejam aplicadas, com o necessário rigor, em obras e serviços de interesse do povo[…]”
Com o perdão do clichê, devo dizer, beirando a obviedade, que vivemos atualmente uma quadra difícil – afirmação com a qual todos haverão de concordar -, proporcionada, sobretudo, por uma maioria significativa de homens públicos que só defendem os seus próprios interesses, aproveitando-se, o que é mais grave, de uma outorga popular.
Nunca, em tempo algum, as negociatas no parlamento nacional estiveram tão em voga, tão à luz do dia, tão evidentes, tão claras, a nos indignar a todos nós. A mercancia de votos no Congresso Nacional, com efeito, jamais foi feita com tanta clareza, com tanta pujança, tão desavergonhadamente, sem receio, sem titubeio, sem enleio, às claras, à vista de todos, como se deu recentemente, por exemplo, com a decisão que sustou a persecução criminal em desfavor do atual presidente da República.
Até onde a minha vista alcança, nunca o processo político esteve tão contaminado, tão degradado – no ápice de uma crise econômica grave, anote-se – pelo uso indiscriminado de verbas públicas, disfarçadas de emendas parlamentares e outras mesuras que, embora com a aparência de legalidade, são contaminadas pela imoralidade, pelos fins escusos a que se destinam, alfim e ao cabo.
Nunca se viu tanta grana do contribuinte sendo distribuída a parlamentares, à luz do dia, a nos afrontar, a nos agredir a todos, como um ultraje, um escárnio, consequência de ações que são próprias de quem acredita na impunidade, a considerar que muitos são os parlamentares investigados, abrigados, todavia, sob o manto do fórum privilegiado.
A ação despudorada de alguns dos nossos representantes beira a obscenidade e nos agride, nos insulta a todos, nos faz descrer da classe política, principal beneficiária das “negociações” que são feitas à luz do dia, sem nenhum recato, discrição ou pundonor, quase sempre em detrimento do interesse público.
O povo, principal vítima das negociações que são feitas para manutenção do status quo, com a distribuição indecorosa de cargos públicos, quase sempre para atender aos interesses pessoais dos parlamentares, a tudo isso assiste sonolento, omisso, inerte, cabisbaixo, conformado, quieto, anestesiado, em total estado de letargia.
A verdade é que, de rigor, diante do quadro de degradação moral que se descortina sob os nossos olhos, ninguém reage, ninguém protesta, as panelas, antes tão ativas, hoje dormitam numa gaveta de armário, como se tudo estivesse na mais perfeita ordem.
Enquanto o povo, acomodado, a tudo assiste, sem esboçar a menor reação, o nosso dinheiro se esvai. São bilhões distribuídos em verbas parlamentares, as quais só Deus sabe o destino final, pois é pouco provável que sejam aplicadas, com o necessário rigor, em obras e serviços de interesse do povo.
O que mais revolta em tudo isso é a desfaçatez dos beneficiados com as verbas, cargos públicos e outras benesses – que não é o povo, registre-se. O que causa indignação é ouvir parlamentares, sem nenhuma cerimônia, depois de devidamente contemplados, candidamente, como se fossem um exército de querubins, como se não tivessem a quem dar satisfação, afirmando, com evidente mofa, que votam de acordo com a sua consciência.
Enquanto isso, repito, o povo permanece inerte, indolente, indiferente diante de tantas traquinices, o que me leva a indagar inquieto, com perplexidade: o que levou o cidadão brasileiro, até há bem pouco tempo tão ativo, altivo e indignado, a se deixar levar pela síndrome da avestruz, a decidir, ao que parece, por enterrar a cabeça na areia para não confrontar a realidade, a não esboçar reação alguma diante das transações em benefícios de uns poucos – que, registre-se, já foram tenebrosas, envoltas em mistérios, disfarçadas, e hoje se mostram à luz do dia – que são realizadas em Brasília?
O que ocorre com o povo brasileiro, nos dias atuais, que resolveu não sair da comodidade de seu lar, como se vivesse no mais honesto dos mundos, como se não testemunhasse o Estado brasileiro ser inventariado, dilapidado, sucateado para atender à ambição de quem quer, a qualquer custo, se manter no poder e/ou dele tirar proveito?
Cá do meu canto, como atento observador da conjuntura, creio que o povo se acomodou porque simplesmente perdeu a esperança, tanto nas instituições quanto nos homens públicos que as representam.
O povo não acredita, com efeito, que saindo às ruas para protestar conseguirá fazer refluir as ações nefandas dos nossos representantes e muito menos conseguirá fazer com que as instâncias persecutórias punam exemplarmente os desvios de conduta, ante a óbvia constatação de que o que testemunhamos na famigerada Operação Lava Jato é apenas a ponta do iceberg, em face de uma sociedade carcomida pela cultura da corrupção.
Desde a minha compreensão, o que ocorre nos dias atuais é, pura e simplesmente, descrença, desalento com tudo o que está aí. O povo já não acredita que haverá mudança de comportamento dos homens públicos se optar por protestar, e nem acredita, ademais, que as instituições, como anotei acima, darão resposta pronta e eficaz para os desvios de conduta, motivos pelos quais se acomodou, perdeu a esperança.
Diante desse quadro de degradação moral e em vista da ineficiência das instâncias punitivas, o povo refluiu, perdeu a fé e preferiu ficar em casa, porque cansou de gritar, de sair às ruas, de bater panelas. Agora, desalentado, não reage, optando por viver a sua vida, horrorizado, escandalizado, anestesiado com tudo que vê.
O povo, lamentável constatar, cansou – e se acomodou, uma vez que não acredita em mais nada. Perdeu a fé nas instituições e nos homens públicos. Por isso, não reage. O povo sabe, é triste admitir, que indo ou não às ruas, tudo permanecerá como está. Nada mudará. E, o que é mais grave, muitos dos que protagonizam as negociatas que todos nós testemunhamos, valendo-se dos mandatos que lhes foram outorgados, serão reeleitos, para, mais uma vez, procederem da mesma forma, num círculo vicioso que destrói os nossos sonhos, as nossas esperanças.
A verdade é que ninguém acredita que, aderindo às manifestações ou simplesmente batendo panelas nas sacadas dos apartamentos, conseguirá mudar a conduta viciada e deletéria dos nossos representantes, posto que não há meios capazes de mudar a conduta de quem prefere ser contemplado com cargos e verbas públicas a seguir algum ideal, mesmo porque, dez milhões de reais de emendas parlamentares, por exemplo, são muito mais sedutores que o grito das ruas, que qualquer ideologia.
É isso.