Da obra de Lewis Carol, a imortal e atemporal Alice no País das Maravilhas, há dois personagens que gosto de destacar. Um deles, o coelho, que assim como nós, ou, pelo menos, como eu, vive correndo, olhando sempre para o relógio, assumindo estar sempre atrasado. Eu também sou assim. Não transijo bem com atrasos, não gosto de impontualidade. Acho uma falta de respeito não cumprir horário.
O outro personagem é um gatinho esperto. Pelo fato de eu amar gatos, não tive dificuldades para me apaixonar pelo gatinho da obra, que protagoniza uma passagem interessante. Ele vive no alto de uma árvore. Há momentos em que desaparece; outros em que se mostra por inteiro. Há momentos, no entanto, que exibe apenas a sua vistosa calda.
Há uma cena em que Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta aonde vai dar a estrada pela qual estava passando. O gato formula outra indagação, antes da resposta:
-Para onde você quer ir?
Ela responde:
-Não sei; estou perdida.
O gato, esperto, não titubeia:
-Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve.
A lição que se extrai dessa passagem da obra de Lewis Carol – pelo menos essa é a interpretação conveniente que me permito fazer desse fragmento para ilustrar essa crônica – é que não são poucos os que, nos momentos de dificuldades pelos quais passam, terminam perdendo o rumo, o prumo, a direção, e seguindo por caminhos que antes não imaginavam passar, o que, muitas vezes, em face das circunstâncias, é até perdoável e compreensível.
Ademais, de rigor, ninguém pode dizer que diante de uma dificuldade da vida não seria capaz de se perder, de seguir sem direção, às escuras, por um caminho que não idealizou, mas que é uma consequência inevitável em face das escolhas que fez.
A verdade é que ninguém pode afirmar que, por essa ou aquela razão, jamais mudará de direção, o que não é de causar nenhuma inquietação, no caso de saber aonde quer ir, ou se houver razões que autorizem a busca de uma via alternativa.
Conforme já disse acima, a mudança de rumo está a depender das circunstâncias. Sendo assim, feliz daqueles cujas vicissitudes da vida não os tenham compelido a mudar de rumo, levando-os às cegas a lugar nenhum.
Decerto que alguns mudam de direção porque anteveem um caminho menos íngreme, que possa levá-los às conquistas que almejam, às ambições que o atormentam, à realização dos seus sonhos. Essa é a mudança de direção que tenho com benfazeja, suscetível de ocorrer com todos nós, indistintamente.
Contudo, há, também, os que mudam de rumo, não em face de uma intercorrência, de uma intempérie ou por motivos de força maior, mas porque optam, voluntariamente, pelo caminho mais rentável do ponto de vista material, o caminho que os levam à obtenção de vantagens indevidas, sem se importarem com as consequências em face das escolhas que fizeram. E, quando se dão conta, estão sem rumo, sem direção, sem saber para onde ir, sem opção, perdidos e, talvez, arrependidos pelas escolhas equivocadas que fizeram.
E são muitos os que fazem escolhas erradas, levados por impulso, por vaidade ou ganância, para, depois, lamentarem pelas escolhas que fizeram. Mas aí, com muita probabilidade, pode ser muito tarde, como ocorreu, por exemplo, com os que optaram por assaltar a Petrobras, muitos dos quais só depois de presos, sem poderem optar por outra direção, lembraram, tardiamente, que tinham famílias e que elas precisavam ser preservadas.
Esses são os inescrupulosos, os oportunistas para os quais o que vale mesmo é levar vantagem. Para eles, mudar de rumo, seguir na direção equivocada, sem pensar nas consequências das escolhas que fizeram, pouco importa, desde que, nessa senda, alcancem os seus objetivos.
Muitos desses, todos haverão de concordar, só depois de encalacrados, desmoralizados e expostos à execração pública se arrependem do que fizeram, pois, afinal, expuseram a si e a sua família à exposição pública que podia ter sido evitada.
Para esses, a ganância é tamanha, que eles chegam a se perder pelo caminho, perdem a noção do sentido da ética e da honradez, pela busca frenética e tenaz do ganho fácil; perdem a dimensão das coisas e, dessa forma, pavimentam o caminho que os levará ao cadafalso.
Por esperteza e ambição, eles se perdem nos labirintos do poder, são engolidos pelo sistema, e quando, finalmente, percebem os erros das escolhas, aí já é tarde, restando, nessa hora, apenas apelar para que as ignomínias praticadas não os façam perder o caminho da volta, pois, além deles, são as famílias que terminam por pagar o preço das escolhas erradas, embora que, muitas vezes, elas próprias compactuem com os desvios de conduta, por comodidade ou vaidade, por prazer ou mesmo por ganância.
O Brasil é, culturalmente, um país que favorece esse tipo de mudança de direção, sendo que só recentemente uma determinada casta se deu conta de que, ao se perder pelo caminho, terminou se encontrando na carceragem da Policia Federal.
A vida pública, é consabido, proporciona a muitos uma mudança de direção, sobretudo aos que, estando nela, agem como meros oportunistas, os quais, no primeiro impulso, à primeira facilidade, trilham o caminho da perversão, da licenciosidade, da corrupção, da exação ou tráfico de influência.
Espero nunca ter que mudar de direção. Mas se mudar, por alguma razão maior que as minhas forças, prefiro não saber aonde ir, como personagem de Alice, pois, pior do que perder a direção, é, de forma consciente, percorrer o caminho que possa levar à perversão ou degradação moral.