NEM FRACA, NEM FORTE!
(*) Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro
Historicamente, o exercício do poder em sociedade foi desempenhado pelo sexo masculino. No Brasil, como de resto, do Período Colonial, passando pelo Reino Unido, Império e chegando à República, a história permaneceu sem grandes variações, tendo iniciado a mudança em tempos mais recentes, com maior participação feminina em várias frentes, avançando em áreas antes exclusivas dos homens.
Desde as Ordenações Portuguesas até a década de 1930, já na República, às mulheres era destinado o espaço privado, sem direito de votar e de gerir qualquer coisa que não fosse o fogão, com a justificativa de que seriam fracas, por natureza, de sorte que as limitações impostas eram para a própria proteção do dito sexo frágil. Nesse sentido, as Ordenações dispunham, logo em seu início, que os direitos eram subtraídos “…em respeito a fraqueza do entendimento das mulheres”.
Noutras palavras, além de frágeis fisicamente, éramos consideradas parvas, sem capacidade intelectual de entender quase nada. Não é à toa que até outro dia, antes do Estatuto da Mulher Casada, éramos consideradas pelo Código Civil de 1916 como relativamente incapazes, a exemplo das crianças.
Em 1891, com a proclamação da República, essa concepção de fraqueza mental persistiu e diante da proposta de algumas poucas de inserir no texto o direito de voto das mulheres, a Assembléia Constituinte, formada exclusivamente por homens, por meio das palavras do pintor, intelectual e deputado paraibano Pedro Américo, assim justificou a recusa de um pedido “tão absurdo”: “a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mas moral do que política. Demais, a mulher, não direi ideal e perfeita, mas simplesmente normal e típica, não é a que vai ao foro nem à praça pública, nem às assembléias políticas defender os interesses da coletividade; mas a que fica no lar doméstico, exercendo as virtudes feminis, base da tranqüilidade da família e, por conseqüência, da felicidade social”.
Caminhamos, caminhamos, caminhamos e conseguimos, em 1932, conquistar o direito de votar e ser votada. A par disso, em face da Revolução Industrial, das duas grandes guerras mundiais e outros tantos eventos históricos, a mulher ingressou no mercado de trabalho e isso foi determinante para dar início à segunda fase: de luta.
E aí, lutamos, lutamos, lutamos e chegamos ao estágio atual, em que, apesar de não superada a questão de gênero de forma plena, não existem mais dúvidas quanto à capacidade da mulher, sendo o balanço positivo: as mulheres já são maioria nas Universidades; muitas faculdades e profissões quase que exclusivas de homens em tempos passados, como engenharia e motorista de caminhão, por exemplo, já fazem parte do portfólio do gênero feminino; disputamos o mercado em pé de igualdade, em termos de competência; a chefe do Executivo Nacional é uma mulher, a presidenta Dilma; temos diversas governadoras e parlamentares dignas do cargo que exercem e outros tantos etceteras.
Pois bem, comprovado que tínhamos e temos condições de exercer qualquer atividade ou profissão, agora o discurso mudou radicalmente, pois foi de 8 (frágeis totais) a 8000 (fortes totais).
Vocês já viram uma propaganda de um determinado produto de higiene pessoal? Não? Prestem atenção, é mais ou menos assim: aparecem mulheres de várias raças, classes sociais e profissões, todas muito sérias, encarando o telespectador e, ao final, diz o narrador, “as mulheres são fortes” e por ai vai.
Hoje, por todas as conquistas e realizações das mulheres, começam a dizer que somos fortes e, de algum tempo, pregam que a diferença de gêneros está em outras duas características, eminentemente femininas: sensibilidade e complexidade.
Por outro lado, os homens, a despeito de se comportarem nos espaços público e privado como os “Todo Poderosos”, agora são considerados como mais objetivos e, portanto, simples de entender. Quanto à “menor sensibilidade”, a resposta estaria tanto na objetividade, que os impedem de perceber detalhes, e numa adjetivação pouco explicada de que “homem é assim mesmo”, mas “não faz por mal”.
Resumo da ópera: como nós, mulheres, seríamos mais sensíveis, devemos ser mais compreensivas, perdoar tudo, pois, lá no fundo, ele não fez por mal; e como somos mais complexas, a culpa por alguns desentendimentos entre os gêneros é da mulher, que não sabe expressar com exatidão o que deseja.
Assim, para as mulheres, culpa, culpa e mais culpa; para os homens, perdão, perdão e mais perdão.
Ou seja, apesar de comprovado que a mulher possui igual capacidade intelectual, pretexto de outrora para nos limitar ao espaço privado e aceitar tudo conformadamente, agora a desculpa para mantermos o conformismo e a culpa bíblica é o fato de sermos mais fortes que o pobre coitado do homem, como se essas fossem características inatas, desde o início dos tempos.
E o discurso nesse sentido, promovido pelos atores de sempre (família, escola e religião) somado ao reforço, na atualidade, de todo tipo de mídia, é tão forte e convincente, que a dominada (mulher) incorpora-o e naturaliza-o, como ensina Pierre Bourdieu. Não raramente, escuto muitas mulheres afirmarem que, de fato, “as mulheres são mais sensíveis”, como se isso fosse uma grande vantagem em relação ao homem.
A meu juízo, não acredito que sejamos mais ou menos sensíveis. O fato é que, ao longo dos tempos, tem se pregado que “homem não chora”, mesmo quando sente vontade. Isso acaba por justificar o tal do “homem é assim mesmo”.
Quanto à dita complexidade, também não vejo motivo para afirmar que sejamos mais ou menos. Na verdade, penso que o ser humano, independente do sexo, é um ser complexo, de tal forma que somos chamados de “indivíduos”, em face de não existir nenhum igual ao outro.
Em conclusão, ontem, hoje e sempre, as mulheres não são mais fracas ou mais fortes; as mulheres, a exemplo dos homens, são fortes e fracas, a depender do momento, da situação, das circunstâncias, enfim.
Nós, como eles, por vezes podemos ser exímios cozinheiros ou cozinheiras, mas incapazes de resolver uma equação matemática; podemos ser excelentes profissionais e péssimos pais e mães, ou vice-versa; podemos ser membros respeitados e competentes da magistratura e do parlamento e, por outro lado, não saber prender um botão na camisa, independente do sexo.
Se o homem e a sociedade como um todo entenderem isso, verão quão mais fácil será a vida, pois não seremos mais somente pai e filha, namorado e namorada, marido e mulher: somos só e somente só pessoas. Com os mesmos desejos, sonhos, complexidades e imperfeições, que merecem, indiscriminadamente, compreensão, carinho e companheirismo.
(*) Juíza de Direito, sonia.amaral@globo.com