Ainda que tentasse, não consegui resumir esse artigo, quiçá em face de alguns acontecimentos que nos últimos dias têm marcado a minha vida.
Acho, no entanto, que o leitor que tiver paciência, e levar a leitura até o final, vai compreender a razão pela qual não foi possível ser mais direto, sobretudo porque trato, também, de coisas do coração.
Para os que me conhecem mais de perto e para os leitores deste blog, acho que vale a pena refletir comigo, sobretudo porque cuido da minha conflituosa relação com o Poder a que sirvo com tanta obstinação.
Vamos às reflexões, sem mais demora.
Pois bem. Eu, como toda criança, aprontei das minhas. Escalei o muro dos quintais dos vizinhos para apanhar bolas de futebol ( que, à falta de espaço, jogávamos na rua) , para “furtar” – mangas e goiabas – e para pegar papagaios ( pipas) dentre outras travessuras.
Sob a marquise do cine Monte Castelo, no início da década de 70, bebi os primeiros goles de cachaça (da braba mesmo), e toquei os primeiros acordes no meu violão ( que depois abandonei para me dedicar aos estudos, convindo anotar que era um péssimo iniciante), embalado pelas músicas da Jovem Guarda, com destaque para o nosso eterno rei Roberto Carlos, que até hoje traduz nas suas canções as minhas mais fortes emoções – tanto as de outrora como as que vivo nos dias presentes.
Como qualquer jovem criativo, coloquei e recebi muitos apelidos, joguei botão nas calçadas, soltei papagaios – e, fundamentalmente, amei; amei muitas garotas do meu bairro e da minha escola, pelas quais me apaixonei sem que elas sequer se dessem conta da minha existência. Todavia, ainda assim amei, que é o que, afinal, importa mesmo. Eu amo amar, amo estar amando. A vida tem mais sentido se soltamos as nossas emoções, se somos capazes de amar, ainda que seja um amor impossível.
Eu sou assim mesmo. Eu me apaixonei muitas vezes, e gosto de viver o clima que a paixão proporciona. Eu amei muito, e, repito, gosto de estar amando. Amo o meu trabalho, a minha família e os meus amigos. E no meu peito ainda há um enorme espaço para ser preenchido por novas emoções e novos amores. Estou convencido que o dia que não for capaz de abrigar no meu peito um novo amor e novas emoções, a vida perdeu o sentido.
Vivi, portanto, a minha infância como qualquer um, por isso dela tenha muita saudade.
Recordo que eu – como todos, afinal – , quando vislumbrava uma desavença entre pessoas do nosso grupo, para estimular a discórdia, um de nós colocava a mão aberta entre os dois desafetos, em sentido vertical, e desafiava:
– Quem for homem cospe aqui!
Claro que a intenção era tirar a mão tão logo um deles cuspisse, para que o cuspe atingisse ao desafeto, estimulando, assim, o entrevero. Os tolos caiam na nossa – e brigavam. Claro que, quando chegavam em casa, era surra na certa, afinal, vivíamos tempos muito diferentes dos atuais. As travessuras não ficavam impunes. Além da palmatória e das surras com corda, havia ainda o mais dolorido, que era o castigo; que funcionava, sim. Não tinha essa de antecipar o fim do castigo.
Quando somos crianças essas atitudes são compreensíveis. O triste é constatar que pessoas adultas, por pura maldade, desafiam a gente, colocam brasa na fogueira, de má-fé mesmo, para ver se a graça pega, para ver se a gente cai na armadilha.
Vou tentar ser claro.
Desde que assumi a segunda instância venho dizendo, neste blog, aos meus amigos (aqui incluída a minha assessoria, cujos integrantes são, para mim, nos dias presentes, os meu amigos mais próximos e com os quais divido parte das minhas emções) e parentes , que não sou feliz no Tribunal de Justiça e que, quando for possível, e viável, vou me aposentar. Tento deixar transparecer, portanto, que não é minha pretensão me aposentar apenas na compulsória.
Mas é mais que claro que tudo depende das circunstâncias, razão pela qual, apesar de tudo, compreendo que o melhor mesmo, nos dias presentes, é continuar dando a minha contribuição ao Poder Judiciário da minha terra.
Pois bem. Pegando essa deixa, algumas pessoas, depois de eu externar a minha tristeza em face das descortesias que a mim me foram feitas, por colegas, durante as sessões nos últimos dias, têm se valido das minhas afirmações acerca de aposentadoria, para insinuar que eu não tenho coragem de me aposentar agora.
Esse desafio, inobstante, tem um claríssimo objetivo, qual seja de me desafiar, para ver se a graça pega, ou seja, para que eu antecipe a minha aposentadoria, como se eu fosse ingênuo e não compreendesse que há muitos que querem me ver pelas costas.
É mais ou menos como fazíamos quando infantes: me desafiam para “briga”, para ver se a graça pega e eu deixe o proscênio, o mais breve possível.
Quanto mais cedo se livrarem de mim – reconhecidamente chato e intragável -, melhor para todos, imaginam os espertalhões.
Para desgosto dos apressadinhos, esclareço, definitivamente, que, pelo menos nos próximos seis anos, não penso em me aposentar, mesmo porque, legalmente, não posso fazê-lo, e, demais, porque ainda não perdi a esperança de que possa contribuir com mudanças de mentalidade hoje imperante no Poder Judiciário, sobretudo no período que antecede as disputas por cargos, razão fundamental de eu ter abdicado de disputar a direção da Corregedoria e do Tribunal de Justiça.
Quero dizer, ademais, que, nas rodas dos verdadeiros amigos e de algumas pessoas que têm ideal, o projeto de me aposentar é inaceitável, por entenderem que ainda tenho muito a dar ao Tribunal de Justiça da minha terra.
Fique claro, portanto, que não adianta me desafiar, não adiante instigar que não vou cuspir na mão do destino, pois só deixarei a ribalta quando me sentir incapaz de dar alguma contribuição ao Poder Judiciário do Maranhão, que tenho procurador honrar desde quando assumi a minha primeira comarca do longínquo ano de 1986, tempo em que ainda se faziam sentenças com máquinas de datilografia e papel carbono.
Sei que o que tenho feito pelo Poder ainda é pouco. Mas tenho feito, sim. Quando eu denuncio, com venho denunciando, no meu blog, para que todo país saiba ( já que a internet não tem fronteiras) a falta de quórum nas sessões do TJ, por exemplo, estou contribuindo com o Poder ao trazer para o debate tema nunca dantes, ao que saiba, discutido com essa dimensão.
Quando denuncio um colega mal-educado me agredindo, em plena sessão de julgamento, estou, sim, contribuindo com o Poder Judiciário, pois levo ao conhecimento público aquilo que muitos gostariam de varrer para debaixo do tapete, por entender que ao invés de grosseiros, fanfarrões e boquirrotos, deveríamos ser exemplo de conduta para toda sociedade.
Quando trago à colação, em meus votos e nas minhas intervenções nas sessões, temas que antes não vi ( podem ter sido ventilados ; eu apenas não os testemunhei) serem debatidos com frequência – como o direito penal da terceira velocidade ou do inimigo, as teorias do etiquetamento (labbeling aprouach) e das janelas quebradas (broken windows), o neoconstitucionalismo, o ativismos judicial, a força normativa dos princípios, os juízos de ponderação, os sistemas jurídicos do mundo moderno (civil low e common law) , o direito penal no estado liberal clássico, as teorias contratualistas, o stare decisis do sistema americano, a questão da vigência e da validade das normas jurídicas, a interpretação constitucional, o papel do juiz criminal num sistema garantista, a dignidade da pessoa humana num estado democrático de direito, o funcionalismo penal, o positivismo e o pós-positivismo, evidência e verdade, conhecimento e aparências, enunciado e norma jurídica, a ascensão do Poder Judiciário no nosso país e nas nações democráticas, direito penal e dignidade da pessoa humana, o direito penal no Estado Democrático de Direito, temas filosóficos diversos ( eu já trouxe, pelo menos superficialmente, para o centro do debate algumas reflexões de Locke, Hobbes, Platão, Aristóteles, Heráclito, Protágoras, Montesquieu, Antonio Vieira, Oscar Wilde, Fernando Pessoa, Luis Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Roberto da Mata, Roberto Lyra, Evandro Lins e Silva, Heleno Fragoso e outros), além de incontáveis alegorias para ilustrar os meus argumentos – creio estar dando a minha, ainda que pequena, contribuição para elevar o nível dos debates.
Nesse cenário, compreendendo que venho contribuindo com o Poder Judiciário do meu Estado para sair do lugar comum – como o fazem, é forçoso reconhecer, outros tantos valorosos colegas do mesmo Sodalício, aos quais rendo aqui as minhas justas homenagens – seria loucura me aposentar agora, como almejam os que só têm compromisso com o ” deixa tudo como estar, para ver como é que fica”.
Que fique claro, portanto, que da minha aposentadoria cuido eu, quando compreender que chegou a hora. E ainda não chegou a hora, convém reafirmar.
Em qualquer confraria, que não o Poder Judiciário, os incomodados, os fanfarrões, os obcecados pela mesmice, os incivilizados, os empavonados, os que lutam para manutenção do status quo, os embevecidos em face do poder, os arrogantes e prepotentes, os que têm obsessão por si mesmo, os que olham o mundo como um espelho que reflete apenas a sua própria imagem, os mal-educados, os que argumentam usando a língua como chibata, os que deixam escorrer veneno pelos cantos da boca quando pronunciam as suas maledicências, os que se engasgam com o fel que a saliva produz, os que não têm nenhuma força argumentativa, esses terão que suportar os que lutam por mudanças, ainda que seja apenas de comportamento, já que a nível cultural essas mudanças não se fazem a médio prazo.
Por enquanto, o pouco que posso fazer eu vou continuar fazendo, como, repito, também fazem valorosos colegas, que têm merecido de mim o maior toda consideração e respeito.
Não adianta insinuações, nem tentativa de me levar a uma atitude precipitada.
Não adiante, pois, me desafiar para cuspir na mão de um desafeto, pois eu não vou cair nessa armadilha.
Eu saberei exatamente a hora de deixar o tablado. Nesse sentido, se tiver que me aconselhar, seguramente não será com nenhum colega de confraria.