A obsessão de acertar, descurando, muitas vezes, da minha condição de ser humano, o afã de ser correto num mundo complexo como o nosso, me fez envelhecer mais rapidamente ainda, antecipando a minha maturidade, com consequências que hoje entendo desnecessárias para quem teve pouco tempo de viver a juventude, na medida em que, ante duas possibilidades, sempre optei pela que mais exigiu de mim. Agora, não tem mais jeito. O meu futuro é agora. Agora é viver. Não dá para brincar de viver; nunca brinquei de viver, na verdade. Eu até poderia viver brincando, não tivesse feito opção por uma austera forma de ser; austeridade que me fez muito mal interior, mas que me ajudou a construir uma história que, se não é digna de elogios, pelo menos não está permeada de deslizes graves que possam deslustrá-la.
Todavia, olhando em volta, relembrando de tudo que passei, assumo a culpa de não ter deixado crescer em mim a consciência, que só hoje tenho, de que nada é para sempre, e que estar vivo, desfrutando de cada momento, é, em si mesmo, um milagre que deve ser, todos os dias, sublimado.
Olho em volta e, às vezes, não me reconheço, principalmente porque sinto as dores no corpo que antes desconhecia. Admito, assim, que meu corpo dói e muitas vezes nem durmo direito.
Mas, ainda assim, levanto-me e vou à luta, buscando, com a mesma determinação, completar a história que iniciei há décadas, que me levou a não ter tudo que sempre quis, é verdade, mas levou-me a ter e gozar do que foi possível construir.
Nos registros de antanho me vejo ali: vinte, trinta, quarenta anos atrás, jovem, vivendo os espasmos da juventude que não aproveitei, pois o meu espírito envelheceu rapidamente, premido pelas circunstâncias da vida.
A verdade é que tive que me tornar adulto antes do tempo.
Agora, estou eu aqui aos setenta, vivendo com a certeza de que entre os sentimentos que experimentei – e que movem a minha vida até hoje -, o mais representativo do ser humano que sou é o amor que modulou todas minhas ações.
Doem-me as costas, os joelhos, os cotovelos; às vezes o corpo inteiro.
Dói-me quase tudo. Mas não me dói a alma.
As dores no corpo são próprias de quem envelheceu, sem saber envelhecer, sem se cuidar, sem pensar no porvir.
Tentei envelhecer com dignidade; acho, até que envelheci, sim, com dignidade.
Eu não quero enfrentar a velhice como um castigo; quero, sim, me sentir lisonjeado por ter vivido tanto e poder, agora, colocar no meu regaço os filhos do meu filho, e deles cuidar como cuidei e cuido dos meus próprios filhos, os quais vieram ao mundo para dar à minha vida outra dimensão, daí a conclusão de que, se a minha vida não é perfeita, estou feliz em poder vivê-la.
Olho para trás e vejo a longa estrada percorrida.
Nessa estrada deixei parte dos meus sonhos por realizar.
Nessa longa estrada eu também realizei muito.
Nessa estrada construí a minha história, permeada de contradições, de tristezas e alegrias – e de desejos reprimidos.
Nessa mesma estrada forjei a minha personalidade e aprendi muitas lições, dentre as quais a de que nunca estive preparado para entender o mundo e as suas complexas relações, muito por incapacidade mental e, muito mais ainda, por me assumir frágil e covarde diante das adversidades.
A única certeza que tenho, depois de tantos anos vividos, é que não tardará o dia em que vou deixar a ribalta e que serei apenas uma lembrança remota de um personagem complexo, mas que viveu para fazer o bem.
Para encerrar, digo, em arremate, que, para mim, o que importa agora é a história que construí e que deixarei como legado para os que virão, na qual estão consignados os meus erros e os meus acertos, as minhas virtudes e os meus defeitos, através dos quais revelo verdadeiramente o que sou: um sobrevivente que um dia ousou acreditar ser possível mudar as pessoas pelo exemplo.
É isso.