Crimes que vivenciei; criminosos que julguei-parte I

Hoje, sábado, dia 07 de junho, às 10h04, estou começando a julgar uma ação penal, em face de mais um crime de roubo qualificado.

Depois que li a denúncia, que examinei a prova, que conclui pela culpabilidade do acusado, resolvi refletir sobre mais esse crime que vivenciei, em face das minhas atividades enquanto juiz de uma vara criminal.  

O que me chamou a atenção no crime foi a falta de sensibilidade, a arrogância, a falta de pudor dos assaltantes. Chamou-me a atenção, ademais, a banalização do crime, sobretudo do crime de roubo.  

A verdade é que, de tão banais o crime de roubo e a impunidade, rouba-se para beber cachaça, rouba-se para comprar drogas, rouba-se para comprar um par de tênis, rouba-se para ir com a namorada ao motel, rouba-se, enfim, por qualquer motivo. Eu só ainda não vivenciei, com 16(dezesseis) anos militando só na 7ª Vara Criminal, foi assalto por necessidade, efetiva necessidade, nos moldes preconizados em nosso ordenamento jurídico.

Vejo, agora, defronte do processo antes mencionado – nº 10144/2007 – que os assaltantes decidiram roubar a vítima para – pasme! – pagar uma prestação da motocicleta de um deles, que, claro, estava vencida.

No caso em comento, os dois meliantes estavam andando de moto – a moto com a prestação atrasada, anote-se – quando o proprietário do veículo, sem mais nem menos, chamou o colega para assaltarem, para que pudesse pagar a prestação vencida.

Os meliantes, depois de decidirem-se pelo assalto, atacam a primeira vítima – uma senhora – que encontram. Arrancaram-na de dentro do veículo de sua propriedade e o (o carro) levaram para fazer dinheiro. Felizmente, nesse caso, o esposo da vítima, ao ouvir os seus gritos no meio da rua, em frente de sua residência, às 09h51, plena luz do dia, acionou a polícia que conseguiu prender um dos assaltantes, o qual está sendo julgado agora.

Como pode? Onde vamos parar? O quê faz com que as pessoas imaginem que é melhor assaltar que trabalhar? Aonde vamos chegar? O que está acontecendo com o ser humano? Por que se assalta tanto? Por que os assaltantes não temem pela ação dos órgãos persecutórios?

E nós, juizes criminais, temos, ou não, uma parcela de culpa pelo quadro que estamos vivenciando?

 

 

Mudando a conduta

Quem trabalha comigo sabe que recebo todas as pessoas que me procuram. Por mais ocupado que esteja, nunca deixo de atender a um advogado, um promotor de justiça, um delegado, um funcionário ou a qualquer outra pessoa. Sem discriminação. Com a mesma atenção. Sempre agi dessa forma. A porta do meu gabinete sempre esteve aberta – literalmente aberta. Quem entra na sala de audiências, que fica ao lado, se depara logo comigo. Não me isolo, não me julgo superior. Não sou melhor que ninguém e tenho convicção de que exerço uma função pública e, por isso, tenho o dever de atender, de escutar e de procurar solucionar o problema – ou a aflição – de quem me procura.

Sempre entendi que quando um jurisdicionado procura um juiz em busca de uma palavra, de um alento, de uma informação, ele já foi ao padre, ao vereador, ao delegado, ao deputado, ao vizinho, ao amigo. O juiz é a última opção. Por isso que quando alguém me procura, não deixo de atender. E tem mais. Na minha Secretaria – antigo Cartório – ninguém sai sem uma informação. É proibido deixar alguém ir embora para voltar no outro dia em busca de uma informação que se podia dar naquele momento. É assim que agimos todos na 7ª Vara Criminal.

Os que trabalham comigo e que lêem meu blog, sabem que não estou blefando. Os advogados, os promotores de justiça, os defensores públicos que também tem acesso a meu blog e que conhecem o meu trabalho, sabem que estou falando a verdade.

Apesar de sempre ter agido assim, estou propenso a mudar a minha conduta, pelo menos em relação aos parentes de acusados. É que eles, emocionados, apaixonados, tendem a deturpar o que se fala e, muitas vezes, são, até, deselegantes.

Ainda recentemente a mãe de um acusado insinuou que se eu não o colasse em liberdade, ela morreria, porque tinha um problema no coração, que estava se agravando em face da manutenção da prisão do seu filho. Essa mesma pessoa me responsabilizou, até, pelas privações pelas quais passam os filhos menores do acusado.

É dizer: o cara assalta, à mão armada, e, aos olhos da mãe dele, o responsável pelo seu estado de saúde e pelas privações dos netos, sou eu, que ousei mantê-lo preso.

Confesso que essa senhora me desastabizou emocionalmente, eu perdi a manhã por causa dela.

Confesso que a conduta dessa mãe me fez rever meus conceitos. Depois de muitos anos, agora compreendo que os colegas que não recebem as partes têm uma certa razão.

Vou tentar, sinceramente, receber apenas os advogados. A minha experiência recebendo os parentes dos acusados não tem sido boa. Não raro até eu me emociono. É muito sofrimento. É muita dor acumulada, em face da prisão de um réu. Se deixar, os parentes dos acusados terminam por concluir que os verdadeiros réus são as autoridades que mantém presos os seus entes queridos.

 

A justiça criminal que somos obrigados a (não) fazer.

Devo dizer, preliminarmente, para que não se dê a esse artigo o elastério que não tem, que nele expendo apenas conclusões que decorrem da minha experiência enquanto magistrado judicando numa vara criminal. Não falo, portanto, em nome de nenhum colega, muitos dos quais podem, até, discordar das minhas reflexões.

Isto posto, passo, rapidamente, ao tema escolhido para reflexão. Continue lendo “A justiça criminal que somos obrigados a (não) fazer.”

A intolerância nossa de cada dia

“A busca incessante de dinheiro, de ascensão social, também nos tornam intolerantes. Quem busca ascender, de qualquer forma, não preza – antes despreza – o ser humano. O ser humano está-se tornando algo descartável.
Ao que entrevejo no labor diário, convivendo com pessoas de todos os matizes, ninguém tem mais sensibilidade a permear as relações com o semelhante. É cada um por si. Essa é uma triste realidade. Realidade que é muito mais nefasta quando se constata que essa indiferença está incrustrada até mesmo na família.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

Não sei, sinceramente, por que as pessoas estão – ou são? – tão intolerantes. Ninguém tem mais paciência de esperar. Poucos, raros são os que têm paciência com os velhos. Os velhos, para os intolerantes, apenas atrapalham, são rebotalhos, resto de gente.

Muitos não têm paciência com os próprios pais. Muitos pais, curiosamente, não têm paciência com os filhos. Tenho testemunhado essa contradição. Sim, contradição, pois o normal, o comum, o compatível com os pais é a tolerância, a paciência, o transigir, o aquiescer com os filhos.

A verdade é que, nos dias atuais, além da malsã, da daninha intolerância antes mencionada, ninguém tem mais tempo – nem paciência – sequer para contar uma prosa. As pessoas, ao que parece, vivem apenas para o trabalho – ou pelo dinheiro ou para o dinheiro.

A busca incessante de dinheiro, de ascensão social, também nos torna intolerantes. Quem busca ascender, de qualquer forma, não preza – antes despreza – o ser humano. O ser humano está-se tornando algo descartável.

Ao que entrevejo no labor diário, convivendo com pessoas de todos os matizes, ninguém tem mais a sensibilidade que deve permear as relações com o semelhante. É cada um por si. Essa é uma triste realidade. Realidade que é muito mais nefasta quando se constata que essa indiferença está incrustrada até mesmo na família.

Como seria bom se a gente ainda pudesse sair de casa para sentar na porta do vizinho e jogar conversa fora, como se fazia outrora!

Como seria bom se da porta do vizinho, contando e ouvindo história, ainda se pudesse ver a lua aparecer no horizonte!

Como seria bom se a gente ainda pudesse acreditar no ser humano!

Para mim, que vim do interior, que sou meio matuto, não existe nada melhor que um bom bate-papo, uma boa conversa. Desopila, faz bem à saúde uma conversa saudável – e descomprometida, o que é melhor ainda.

A verdade é que ninguém tem mais tempo – ou não se importa com isso – para cumprimentar, abraçar, para visitar um amigo ou um parente.

Telefonar no dia do aniversário? Parabenizar um semelhante em face de uma conquista? Nunca! Isso quase não se faz mais. Muitas vezes não fazemos por puro esquecimento ou por supor irrelevante a conquista; noutras vezes, porque o corre-corre, o labor diário não nos permite lembrar desses eventos.

As pessoas se encontram num elevador de um condomínio onde moram e mal se cumprimentam – quando se cumprimentam. Muitas antecipam ou adiam a chega ao elevador para não ter que se encontrar com um vizinho. Muitos ficam de mal sem que se saiba o que motivou essa mal-querência.

É no trânsito que se observa a intolerância mais acentuada. Basta o semáforo abrir, por exemplo, que o motorista detrás buzina. Se, por exemplo, o motorista liga a seta indicando que pretende convergir para direita, o motorista que segue próximo, ao invés de diminuir a velocidade, faz uma retomada, para, com isso, impedir a manobra pretendia pelo motorista que sinalizou a tempo e hora. Se, por hipótese, o motorista demonstra que pretende fazer uma ultrapassem, o motorista do veículo a ser ultrapassado, acelera, com veemência, para impedir a ultrapassagem.

Isso é intolerância! Isso é disputa de quem imagina que nunca pode ficar para trás.

E assim vamos todos, brandindo, gritando, externando toda a nossa irritação, a nossa intolerância, sem que se saiba onde vamos parar.

Não foi esse o mundo que imaginei para os meus filhos. Não foi esse o mundo que imaginei para os meus netos.

Não foi esse o mundo que imaginei para curtir a minha velhice, se é que é possível curtir velhice.

Não sei, sinceramente, o que será das futuras gerações. 

A manifestação de carinho que vem de Salvador

Após publicar as reflexões que fiz em face dos processos que julguei este final de semana, cuidei de ler os comentários que fazem no meu blog. Ao fazê-lo, encontrei uma mensagem que me tocou, enviada por um estudante de direito de Salvador. Claro que não vou citar o nome porque não estou autorizado a fazê-lo. Mas o que importa, mesmo, é que fiquei feliz com as suas palavras. É que, desde que deixei de ensinar na Escola da Magistratura e na Universidade Federal do Maranhão – voluntariamente, registro – , perdi o contato com a classe estudantil, em que pese sempre existirem estagiários na 7ª Vara Criminal, da qual sou titular. Continue lendo “A manifestação de carinho que vem de Salvador”

Um fim de semana em companhia de testemunhas mendazes

“A prova testemunhal, definitivamente, é muito perigosa. É preciso muito cuidado no seu exame. Quantos injustiças nós já fizemos por acreditar em um depoimento mendaz, na maioria das vezes, sem detetar a mentira?
É por isso que tenho dito que o falso testemunho tem que ser punido mais rigorosamente. Nós, juízes criminais, diante de uma testemunha mendaz, bem articulada, quase nada podemos fazer. Nem toda mentira é detetável à primeira vista.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

Neste final de semana, para variar, julguei dois processos nos quais os réus foram denunciados por assalto. Num dos processos, nº 188152004, o réu – com mais três meliantes (um deles menor) não identificados – assaltou um coletivo da 1001; no outro, n º101922008, o mais violento e de conseqüências mais danosas, o acusado e mais cinco indivíduos, assaltaram um taxista, colocaram-no dentro do porta-malas do veículo e planejaram matá-lo. O taxista, no entanto, conseguiu abrir o porta-malas – nem ele sabe como! – e fugiu, pedindo socorro. Os assaltantes, diante dessa situação, desceram do carro e fugiram. Um deles, no entanto, o que está sendo julgado agora, não teve êxito na fuga.

Num dos processos – o do assalto ao coletivo – o que vejo de relevante é que duas das testemunhas de defesa, curiosamente, disseram que estavam no ônibus, no momento do assalto, e que o acusado, em verdade, apenas se recusou a pagar a passagem. Puro mimetismo! Pura inverdade! Do que conclui, após o exame da prova, é que ambas testemunhas mentiram, do que se pode inferir o quão frágil é a prova produzida no processo penal, eminentemente testemunhal. As testemunhas vêm a juízo e mentem, sem pudor, sem cerimônia, sem nada temer. Mas isso é grave. Muito mais grave do que se possa imaginar. É que, agindo assim, as testemunhas forjadas podem – e tem acontecido – condenar um inocente e absolver um culpado.

A prova testemunhal, definitivamente, é muito perigosa. É preciso muito cuidado no seu exame. Quantos injustiças nós já fizemos por acreditar em um depoimento mendaz, na maioria das vezes, sem detectar a mentira?

É por isso que tenho dito que o falso testemunho tem que ser punido mais rigorosamente. Nós, juízes criminais, diante de uma testemunha mendaz, bem articulada, quase nada podemos fazer. Nem toda mentira é detetável à primeira vista.

No caso do assalto ao coletivo se dispunha, felizmente, do depoimento da ofendida – no caso a cobradora, que era quem tinha a posse da féria. E se não fosse possível ouvi-la? E se a prova se circunscrevesse à palavra das testemunhas mendazes? Bem, aí, não tenho dúvidas, o acusado seria absolvido, ainda que fosse com a invocação da parêmia in dúbio por reo.

Acho que já e tempo de se pensar numa punição mais rigorosa às testemunhas mendazes.

Ah! Ia esquecendo: os dois réus foram condenados. Amanhã publicarei as sentenças.

Como se vê, tive mais um final de semana de trabalho. Mas estou feliz. Muito feliz, por poder fazer o que está ao meu alcance. Se mais não faço é porque mais não posso.

A minha jornada de trabalho e as dificuldades para alimentar o meu blog.

Não tem sido fácil manter meu blog atualizado. A carga de trabalho é enorme. Trabalho todos os dias – sábados, domingos e feriados, inclusive – em três turnos, para manter a minha agenda mais ou menos em dia. Para completar estou, há quase três meses, respondendo, cumulativamente, pela 6ª Vara Criminal. Como se isso não fosse suficiente, ainda iniciei uma correição na 7ª Vara Criminal, sobre a qual falarei em artigo especialmente dedicado aos levantamentos que estou fazendo.

Em face dessa situação, ou seja, de responder por duas varas, estou prestando cerca de cinco informações por semana, em face de habeas corpus, já que não sou dos tais que concede liberdade a assaltantes. Cada informação significa reler, reexaminar todo o processo, para tentar justificar que o paciente não está submetido a constrangimento ilegal e não permitir, no mesmo passo, que seja colocado em liberdade. A latere, há incontáveis os pedidos de relaxamento de prisão, de revogação de prisão preventiva e de liberdade provisória que exigem prioridade. Tudo isso sem falar nas sentenças que tenho que prolatar todos os dias. O leitor deve estar se perguntando: mas vida de juiz é assim mesmo? Então não é verdade que juiz não trabalha?

É, caro, leitor, a vida de juiz que tem responsabilidade é assim mesmo: quase sem lazer, quase sem amigos, quase sem tempo para um bate-papo, quase distante da família e dos amigos.

Todavia, é correto afirmar, nem todos precisam agir assim e nem todos agem assim, pois, afinal, trabalhando ou não, o salário cai na conta integralmente, pontualmente. E, mais grave ainda, juiz não tem a quem prestar contar. Juiz só trabalha quando quer. 

Apesar de toda essa carga de trabalho, estou feliz porque estou alcançando, segundo o último levantamento que fiz, 200% de produtividade. É dizer: estou julgando o dobro de processos distribuídos à 7ª Vara Criminal. Se são distribuídas, por exemplo, 10(dez) novas ações penais, estou prolatando cerca de 20(vinte) sentenças por mês, o que equivale a uma sentença criminal por dia útil de trabalho.
Para alcançar essa produtividade, todos sabem, faço audiências pela manhã e pela tarde. Por isso, este ano, já ouvi, em apenas 60(sessenta) dias úteis, quase trezentas pessoas, entre réus e testemunhas.

Mas para alcançar essa produtividade, repito, não é fácil. Tem que renunciar, tem que abdicar, tem que ter dedicação integral. É por isso que, às vezes, deixo de alimentar meu blog. Por absoluta falta de tempo. Peço, em face do exposto, a compreensão do leitor. Sempre que me sobra tempo, cuido de postar novo artigo. Esses dias quase não tenho tido tempo. Paciência! Fazer o quê? Detalhe: por falta de tempo, não raro tenho postado artigos erros elementares de português. Vai perdoando aí. A maioria das vezes não é por ignorância. É por falta de tempo para revisão. Agora mesmo, estou correndo com essa mensagem, às 7h30 de um sábado, porque tenho processos me aguardando, bem aqui, ao meu lado, para ser julgados. E ainda pretendo fazer uma caminhada.

 

 

 

 

 

Reflexões, em sede de habeas corpus, sobre a notificação a que alude o artigo 514 do CPP.

Nas informações que publico a seguir fiz algumas reflexões sobre a  notificação a que alude o artigo 514 do Código de Processo Penal.

Antecipo alguns excertos:

 

  1. E por que a notificação se faz necessária? Para que evitar queixas infundadas contra servidores públicos.
  2. Todos sabem que, nas entidades públicas, pode ocorrer – e como ocorrem! – a instauração de procedimentos administrativos apenas por vendeta do superior.
  3. Com a notificação o que se pretende, pois, é possibilitar ao funcionário esgrimir as sua alegações, antes mesmo do recebimento da denúncia,
  4. daí por que, nessa hipótese, a a notificação é imprescindível.
  5. No caso sub examine, nada disso ocorreu. A denúncia ministerial foi feita com espeque em dados amealhados pela Polícia Judiciária, daí porque, nessa hipótese, é prescindível a notificação.

 

A seguir, as informações.

Continue lendo “Reflexões, em sede de habeas corpus, sobre a notificação a que alude o artigo 514 do CPP.”