Botão de pânico

Vivemos de modismos. Os smartphones pareciam, no início, mais um modismo que o tempo se encarregaria de defenestrar. Eu mesmo, em várias oportunidades, critiquei os que não desgrudavam de um smartphone.  Não suportava “falar” via mensagem. Hoje, não desgrudo do meu. É com ele que me comunico com o mundo; com a minha assessoria, inclusive.

Mas reduzir o uso do smartphone ao envio de mensagens é subutilizar o aparelho, a tecnologia, que pode, sim, ser usado para fins mais relevantes.

A verdade  que, gradativamente e com criatividade,  as pessoas vão compreendendo a enorme importância do smartphone para outras finalidade. Em São Paulo, por exemplo, mais precisamente no bairro Higienópolis, a população começa a dar uma outra destinação aos viciantes aparelhos.

Foi criado, recentemente, um aplicativo nominado “botão do pânico”, que conecta os moradores de Higienópolis, desde que cadastrados, a porteiros, grupo de moradores, taxistas, funcionários de escola, donos de banca de jornal, mais importante, à Polícia.

Os moradores  pretendem doar os smartphones aos porteiros, taxistas, escolas e policiais, com o aplicativo instalado. O app tem funções de alertar. Ao acioná-lo, o usuário manda mensagem direta a todos os cadastrados do grupo do qual faz parte, inclusive, e principalmente, à Polícia.

Na atual quadra, devemos, sim, buscar meios de nos proteger contra a violência. Acho que o “botão do pânico”, se bem utilizado, pode trazer um grande benefício à sociedade. O diabo é que, logo, logo, os marginais usarão essa mesma tecnologia para a prática de crimes, afinal a imaginação dos meliantes é, muitas vezes, mais fértil que a das pessoas de bem.

Eleições simuladas para o TJ/MA

Estou, definitivamente, de volta, e estando de volta, li, ontem, nos jornais locais, que, na eleição simulada para presidente do TJ/MA, 11(onze)  colegas sufragaram o meu nome. O mais votado, a reafirmar o que todos já sabíamos, foi o colega Cleones Cunha, com 44 votos, a reafirmar a sua indiscutível liderança.

Confesso que fiquei surpreso com a minha votação, pois não esperava ficar à frente de valorosos colegas, com muito mais tempo de casa e com muito mais realizações que eu, convindo destacar, ademais, que sou um eremita, condição que me põe à margem desse tipo de avaliação, pois, reconheço, com a maioria dos meus colegas nunca mantive um contato sequer, a reafirmar a minha condição de (quase) antissocial, óbice intransponível para quem pretenda alavancar uma candidatura em eleições diretas.

De toda sorte, posso dizer que saio dessa simulada fortalecido interiormente, por compreender que, a despeito de algumas posições antipáticas que tenho assumido, em face da corporação, ainda há muitos que a elas se associam- porque, afinal, não são pessoais, mas institucionais – e admiram a minha postura profissional, postura, todos dizem, (quase) suicida no âmbito de uma corporação.

Todavia, convém anotar, a análise do resultado da eleição simulada não pode se circunscrever apenas ao números; eles representam muito, mas não são tudo.

Explico. O que se pode inferir do resultado é que há colegas, sim, como o desembargador Cleones, que têm a simpatia da classe, pelo ser humano e magistrado excepcional que é.

Mas isso, por si só, não basta. Numa eleição direta, há outros aspectos que são muito mais relevantes e decisivos, como, por exemplo, as propostas para biênio, que, penso, podem ser decisivas, sobretudo em face de um eleitorado maduro e consciente.

Atrevo-me a antecipar, à luz do quadro que se descortina sob os meus olhos, que, com boas propostas, o desembargador Cleones Carvalho Cunha é imbatível.

Contudo,  mesmo reconhecendo, sem nenhum favor, a liderança do desembargador Cleones Carvalho Cunha, será proveitoso para toda a classe a discussão das propostas de cada candidato, convindo anotar que mais relevante que a eleição é a certeza de que o eleito honrará os compromissos assumidos; compromissos que, a meu sentir, devem ser, sobretudo, no campo da prestação jurisdicional, que é o que mais importa para o conjunto da sociedade.

Verei, com reservas, se um dia me for permitido votar em eleição direta para o TJ/MA, propostas de candidatos que vissem apenas e exclusivamente os interesses da própria corporação; que devem, sim, ser objeto de discussão, mas não prioritariamente, mesmo porque discussões nesse sentido serão mais legitimamente debatidas no âmbito das associações de classe.

O que se deve, nesse sentido, é estimular o diálogo entre a direção do TJ e a associação representativa da classe, para que, juntas, busquem solução para as questões de interesse da classe, sem descurar que o mais relevante mesmo, o que mais se deve exigir dos que dirigem os nossos destinos,  é capacidade e abnegação para abrir veredas, desobstruir o caminho, definir o rumo, a direção – no âmbito de sua competência, claro – para solução rápida e eficaz das demandas propostas, finalidade primeira das agências judiciais, razão mesmo da nossa existência. E, quando isso não for possível no âmbito da sua competência, que seja capaz de, num diálogo permanente, maduro e contínuo, buscar junto às demais agências institucionais meios de atender às demandas propostas pelos jurisdicionados, em tempo razoável, como preconizado em nossa Carta republicana.

De volta

As férias ainda não acabaram. Mas antecipo meu retorno ao blog. Logo, logo estarei postando novas matérias.

Examinando as estatísticas do blog constato que o leitor , na minha ausência, continuou acessando, ainda que não houvesse matéria nova, o que me deixa entrever que tenho um grupo de leitores que me acompanha incondicionalmente, a aumentar a minha responsabilidade com as reflexões que faço.

Fico grato.

Nada ou coisa nenhuma

É verdade trivial, mas, ainda assim, devo reafirmar que o magistrado tem o dever de exercer o mister com retidão, prestando contas de sua atuação aos jurisdicionados, sem que, em face disso, tenha que trair as suas convicções. Mas não pode, simplesmente, virar as costas para a população. É por isso que tem o dever de fundamentar as suas decisões, para deixar claro que, ainda que tenha decidido de forma contramajoritária, fê-lo fundamentadamente. É dizer: não construiu sua decisão com base no nada ou fundamentada em coisa nenhuma.

O magistrado não tem a faculdade de agir com desvelo; o magistrado tem a obrigação de fazê-lo. Assim  como ao magistrado é defeso agir de forma ilegal, ele não pode, ademais, fazer cortesia com o direito alheio. Infelizmente, para desânimo de muitos, ainda há – e como há! – os que decidem sem convicção, ao sabor das circunstâncias, o que, convenhamos, é péssimo para nossa credibilidade.

Além do dever de probidade, o magistrado tem o dever de eficiência, no sentido de que ao magistrado se impõe o dever de realizar as suas obrigações com presteza e rendimento funcional, máxime a se considerar que o magistrado é um dos poucos agentes públicos que não tem, de regra, a quem dar satisfação – a não ser, repito, a sua própria consciência.

O uso do poder, todos nós sabemos, é prerrogativa da autoridade. Mas o poder não pode ser exercido de forma abusiva. E abusar do poder é agir fora da lei, sem utilidade pública, ultrapassando o agente os limites de suas atribuições, desviando a sua finalidade.

O poder é, sim, para ser exercício em benefício do interesse público, mas dentro de certos limites. O magistrado não pode fazer o quem bem entender. Deve, sim, satisfações à sociedade, que é quem, afinal, lhe paga, o que não significa que deva decidir para ser simpático ou para receber aplausos.

O magistrado não pode ser do tipo num to nem aí. Ele tem que ta aí, sim. Ele tem que sopesar, sim, as consequências de sua decisão. Ele tem, sim, que ser coerente. Ele não pode, diante da mesma situação jurídica, da mesma quadra fática, decidir de forma diametralmente oposta, para ser obsequioso e simpático.

O magistrado que procede dessa forma não tem sequer consciência do seu papel. Vai levando ao sabor das circunstâncias, sem nenhum compromisso com a justiça de suas decisões; é do tipo que carrega sob a toga decisões de variados matizes, pronto para apresentá-las à luz das suas mais íntimas e danosas conveniências.

Do semiaberto para casa

Não sei o que vai ocorrer amanhã no STF. Estou apostando que o ministro Celso de Mello dará  provimento ao regimental, reconhecendo, assim, que os embargos infringentes, previstos no RISTF, não foram expungidos do ordenamento jurídico, em face de lei de lei ordinária. Há pouca, ou nenhuma, possibilidade de o ministro mudar a direção, em face de apelos da mídia ou de manifestações pública. Ele, ao que sei, é homem de convicções firmes e, assim sendo, não muda de posição ao sabor das circunstâncias.

Reconhecidos os embargos infringentes, o busílis, depois, é dar-lhes provimento ou não. Eu até entendo, por tudo que li, que, pelo menos em relação ao crime de formação de quadrilha, o resultado deve ser outro.

Resumindo: as penas de alguns dos réus deverão ser diminuídas, disse resultando que haverá, de consequência, mudança do regime inicial de cumprimento  de pena.

Sobrevindo a mudança de regime, poderá ocorrer o que poucos cometam, mas que é muito provável: os réus poderão cumprir as penas  no seu próprio domicílio ou em casa de albergado, por inexistência de vagas nas penitenciárias para cumprimento das penas privativas de liberdade no regime semiaberto, como, aliás, têm decidido os nossos pretórios reiteradamente.

É que, segundo iterativa construção jurisprudencial, os condenados não devem cumprir penas em regime mais gravoso que o fixado na sentença.

Se o Estado não abre vagas para o regime semiaberto, a população, então, tem que suportar e aceitar que os réus cumpram penas no regime menos gravoso, em tributo ao princípio da dignidade da pessoa humana.

É isso.

Clamor das ruas

Ontem, por ocasião da sessão solene de posse do novo desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, Ricardo Duailibi, muito se comentou sobre a declaração do ministro Luis Roberto Barroso de que não estava preocupado com o que pensam as ruas ou as manchetes de jornais, em face do seu voto a favor do conhecimento dos embargos infringentes. Para uns, Luis Roberto foi arrogante; para outros, ele agiu como devem agir os magistrados, cuja vassalagem só devem à Constituição e às leis do país.

Para mim, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Se é verdade que, ao decidir, não se pode rasgar a Constituição e nem desrespeitar a lei, não é menos verdadeiro que nenhum agente público pode virar as costas aos cidadãos. Ele deve, sim – todos devemos, enfim -,  ao julgar, se preocupar com o que pensa o cidadão, afinal a única razão da nossa existência é o cidadão. Decidir com as costas voltadas para o que pensa a população, é arrogância e prepotência descabidas; é falta de humildade e de sensibilidade. O que não quer dizer, claro, que devamos decidir como querem as ruas. Todavia, reafirmo, temos, sim, em face mesmo das consequências das nossas decisões para uma pessoa ou um grupo de pessoas, de refletir, refletir muito, pois não há nada mais deletério para uma sociedade que o descrédito das instituições.

O juiz deve, sim, decidir de acordo com a sua consciência. Mas deve, no mesmo passo, sopesar, refletir, perscrutar acerca dos efeitos de sua decisão para o conjunto da sociedade, o que não quer dizer, repito, decidir como queiram as maiorias, na certeza de que, dentre as dificuldades do magistrado está, algumas vezes, a necessidade de exarar decisões contramajoritárias, mas sempre com muito respeito e atenção ao que pensa a opinião pública.

Mas, nessa questão, o mundo se divide. Vamos a três opiniões de peso.

Roberto Romano, cientista político e professor de ética da Unicamp:

“A fala do ministro foi desastrada e desastrosa. Ninguém imagina que o juiz não deve ser independente, mas não é possível que ele não deva prestar atenção ao que o povo está pedindo.”

Renato Janine Ribeiro, professor de ética da USP:

“O clamor das ruas pode ter importância para uma resposta do Poder Executivo ou Legislativo. O Judiciário tem de se pautar pela lei e pelo Direito. Você pode levar em conta esse clamor para colocar um assunto em pauta. O juiz pode até achar que a lei está errada, mas não pode se subordinar a nenhuma pressão. É por isso que os juízes têm mandato vitalício.”

Oscar Vilhena, diretor da FGV:

“Não se trata de populismo jurídico. O que os ministros Gilmar e Marco Aurélio disseram é que um juiz não deve ser cego às consequências de seus atos. Eles não disseram para esquecer a lei.”

E você, o que pensa?

Ainda os embargos infringentes

JUSTIÇA COMENTADA

Desempate sobre Infringentes está em boas mãos

Por Alexandre de Moraes

A decisão final do Supremo Tribunal Federal quanto ao cabimento de Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, será dada por seu decano, ministro Celso de Mello, a quem caberá, em sessão plenária da quarta-feira, dia 18 de setembro, desempatar a questão, após cinco votos em defesa de teses antagônicas. Apontando o não cabimento dos embargos votaram os ministros Joaquim Barbosa (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; enquanto pelo seu cabimento manifestaram-se os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.

O Supremo Tribunal Federal não poderia estar em melhores mãos, pois a decisão final será dada com absoluta imparcialidade e liberdade intelectual pelo Decano da Corte.

Em diversas oportunidades pude ressaltar que, na luta em defesa da Constituição e pelos ideais republicanos, o Supremo Tribunal Federal — graças à liberdade intelectual de seus ministros — vem sendo um grande exemplo à nação, atuando com coragem, dedicação e seriedade, reafirmando a necessidade dos governantes honrarem as leis, acima de suas vontades.

A Justiça efetiva somente se obtém com um Judiciário altivo, composto de homens e mulheres com liberdade intelectual. Em um de seus mais inspirados momentos, Martin Luther King afirmou, no sermão O nascimento de uma Nova Nação, que “há um desejo interno por liberdade na alma de cada ser humano. Os homens percebem que a liberdade é fundamental e que roubar a liberdade de um homem é tirar-lhe a essência de sua humanidade”. O desejo interno por liberdade na alma do ser humano alcança seu mais amplo significado, na liberdade individual e intelectual, de pensamento e de expressão. Desaparecendo a liberdade, desaparecerá o amplo debate de ideias, quebrando-se o respeito à soberania popular. Uma nação livre se constrói com liberdade que existirá onde houver democracia, que, nunca será sólida sem juízes independentes.

A sociedade brasileira não erraria em afirmar que, os últimos anos, no Brasil, foram de transformação do Supremo Tribunal Federal perante ela mesma, tendo se destacado no exercício da mais pura liberdade intelectual seu decano, ministro Celso de Mello, na defesa, concretização e universalização dos ideais republicanos e dos Direitos Fundamentais; na defesa da moralidade administrativa e no combate a corrupção.

A atuação do ministro Celso de Mello no STF, desde 17 de agosto de 1989, consagrou, em sua plenitude, todas as virtudes de sua brilhante carreira jurídica.

Em seu Jubileu de Porcelana (20 anos de Supremo Tribunal Federal), em 2009, tive a honra de homenagear o ilustre ministro José Celso de Mello Filho em artigo publicado no site de nossa Corte Suprema. Escrevi que, parafraseando o professor da Universidade de Grenoble, Jean Marcou, ao afirmar ser “o século XX… o século dos tribunais constitucionais” poderia dizer que os últimos 20 anos de Supremo Tribunal Federal foram os anos de José Celso de Mello Filho.

Paulista de Tatuí, José Celso de Mello Filho nasceu em 1º de novembro de 1945 e ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1965, tendo se formado em 1969. Sua sólida formação acadêmica, que incluiu estudos no Robert E. Lee Senior High Scholl, na Universidade da Califórnia (UCLA) e na Universidade de Roma (Facoltà de Giurisprudenza) e o início de sua carreira jurídica, no Ministério Público de São Paulo, onde ingressou no honroso 1º lugar, em 3 de novembro de 1970, já apontava seu compromisso com a ciência jurídica e a luta por um Mundo mais justo e igualitário; ideais que continua a perseguir após 24 anos de Supremo Tribunal Federal.

Professor, promotor de Justiça, ministro do Supremo Tribunal Federal, humanista, democrata e republicano — esse é um breve perfil de José Celso de Mello Filho. Doutrinador sistemático, com especialização na Universidade de Roma (Facoltà de Giurisprudenza), onde realizou curso de extensão em Direito Penal, sob a orientação do professor Giuliano Vassalli. Celso de Mello nos ofereceu importantes obras jurídicas, como A Tutela Judicial da LiberdadeO Direito do acusado à publicação do Edital pela ImprensaApontamentos sobre o Novo Código de Processo CivilO Embargo Extrajudicial de Obra Nova no Código de Processo Civil, entre outras. Porém, até hoje, o mundo jurídico reverencia sua mais magnífica obra, a clássica Constituição Federal anotada, de 1986.

Nos 24 anos de atividade judicante, a influência do Ministro Celso de Mello para a implantação, no Supremo Tribunal Federal, de nossa atual Jurisdição Constitucional foi essencial, tanto no campo das definições de nosso controle de constitucionalidade, quanto na proteção dos direitos humanos fundamentais e dos ideais republicanos.

Em sua longa trajetória, com memoráveis lições de Direito, Justiça e cidadania, nosso decano do Supremo Tribunal Federal afirmou a autoaplicabilidade do princípio da igualdade, afirmando sê-lo “postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica”, tendo por finalidade “obstar discriminações e extinguir privilégios”.

Em decisões históricas, demonstrou a importância da realização da defesa intransigente das liberdades públicas e dos direitos das minorias, em seu mais amplo espectro, pelo Supremo Tribunal Federal. Em seu voto na ADI 4.277, em defesa do reconhecimento da união estável homoafetiva, Celso de Mello apontou que “se impõe proclamar, agora mais do que nunca, que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de orientação sexual”.

Em defesa do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos das mulheres, na ADPF 54 (aborto feto anencéfalo), em histórico voto, foi proclamado pelo ministro Celso de Mello a impossibilidade de “subjugar, injustamente, a mulher, ofendendo-a em sua inalienável dignidade e marginalizando-a em sua posição de pessoa investida de plenos direitos, em condições de igualdade com qualquer representante de gênero distinto”.

Na ADPF 187 (marcha da maconha), o “sentido de fundamentalidade” da liberdade de reunião e do direito à livre manifestação de pensamento como instrumentos de proteção das minorias dentro da Jurisdição Constitucional foram proclamados pelo ministro Celso de Mello, ao afirmar que “as minorias também titularizam, sem qualquer exclusão ou limitação, o direito de reunião, cujo exercício mostra-se essencial à propagação de suas ideias, de seus pleitos e de suas reivindicações”.

Em matérias de garantias fundamentais, entre outros importantes ensinamentos, defendeu a liberdade de imprensa, o princípio da inocência, a ampla defesa e contraditório, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos e afirmou, com a certeza dos justos e democratas, que o princípio do juiz natural “traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democráticas”, atuando “como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado” e, representando “importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais”.

Ao repudiar o racismo, José Celso de Mello Filho reafirmou e fortaleceu o “princípio indisponível da dignidade da pessoa humana”, definindo-o como “mais do que elemento fundamental da República”, pois “representa o reconhecimento de que reside, na pessoa humana, o valor fundante do Estado e da ordem que lhe dá suporte institucional”.

São outras tantas e imprescindíveis contribuições do ministro Celso de Mello à ciência jurídica, à Justiça e ao País, tendo sempre atuado no sentido de fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da necessidade de “aperfeiçoamento de mecanismos de controles institucionais” e combate a corrupção (HC 94.173), em defesa da Honestidade, Moralidade e Probidade na Administração Pública.

Em prol da sociedade brasileira, ao longo desses 24 anos de judicatura do ministro Celso de Mello em nossa Suprema Corte, pronunciou-se contra o nepotismo, a malversação de dinheiro público, o desvio de finalidade da utilização de cargos públicos para o enriquecimento ilícito, o descontrole de agentes estatais e o abuso de poder, e, principalmente, posicionou-se fortemente contra a corrupção, afirmando no julgamento da atual AP 470 que “nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia de República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”.

Os reflexos no campo dos Direitos Fundamentais de suas grandiosas lições trazidas em seus memoráveis votos demonstram, sem qualquer sombra de dúvidas, a imprescindível contribuição de José Celso de Mello Filho para a construção, solidificação e efetividade da Justiça no Brasil, que, conciliando de forma harmônica e fortalecendo as noções de Estado de Direito e Estado Democrático, introduziu fortemente no constitucionalismo efetivas garantias de legitimação e limitação do poder, preservação da moralidade pública e combate à corrupção, sempre com a plena aplicabilidade e efetividade dos Direitos Humanos.

O ministro Celso de Mello é um dos mais completos e respeitáveis homens públicos da História do Brasil, sendo um obcecado estudioso, brilhante jurista e incansável magistrado. José Celso de Mello Filho é homem simples e digno, justo e leal, amigo e professor; a quem devemos agradecer por nos fazer acreditar que no Brasil existem juízes e existe Justiça, e para quem, sem qualquer sombra de dúvidas, se aplica o mais famoso dos sermões, o Sermão da Montanha (Evangelho Segundo São Mateus): “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”.

Sua vida, sua carreira e sua história nos dão a absoluta certeza de que o Supremo Tribunal Federal está em boas mãos para esse importante desempate, pois a decisão final será dada com coragem, imparcialidade e liberdade intelectual pelo decano da corte.

Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.