Vício de origem

Justiça precisa superar cultura de atraso, diz Calmon

Por Rafael Baliardo

Em conferência ocorrida na manhã desta quarta-feira (25/4) como parte integrante do II Congresso Internacional de Direito Administrativo e Administração Pública, em Brasília, os ministros do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp e Eliana Calmon e o senador Pedro Taques (PDT-MT) participaram de um prestigiado debate sobre a busca de um modelo para a administração do Poder Judiciário no Brasil.

O encontro dos três foi um dos mais aguardados entre as atividades do congresso. No dia anterior, o senador Pedro Taques havia declarado sobre a troca de farpas entre os ministros do STF Cezar Peluso e Joaquim Barbosa que, em um país sério, o episódio incorreria em crime de responsabilidade nos termos da lei. Taques, que irá integrar a CPI que investiga as relações do empresário Carlinhos Cachoeira com autoridades políticas, teve que deixar a conferência antes do seu término por conta da ocorrência da primeira reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito na manhã desta quarta feira. O senador era aguardado no encontro que definiu os nomes do presidente e do relator do colegiado que vai investigar o tráfico de influência operado pelo bicheiro.

Taques, durante sua fala, fez diversas referências ao Caso Cachoeira, a maior parte delas em tom de anedota. “O Brasil é o único lugar em que cachoeiras possuem deltas”, disse o senador, conseguindo gargalhadas da plateia em palestra que debatia o papel do STF como legislador positivo.

Primeiro a falar, o ministro Gilson Dipp, que preside o grupo de trabalho que formula o anteprojeto do novo Código Penal, expôs um panorama dos imensos problemas na Justiça penal brasileira que o novo Código terá de contemplar. A previsão é que o anteprojeto seja apresentado ao Congresso em maio.

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A luta contra a impunidade não pode ser pontual

O filme eu já conheço.  Basta que um crime tenha repercussão, em face da expressão da vítima,  e volta-se a falar de impunidade, sentimento que parece adormecido, quando as vítimas são pessoas não destacadas da comunidade. Mas é compreensível – e até bom –  que assim o seja, para despertar, pelo menos eventualmente, esse sentimento que é, para mim, um dos mais relevantes estímulos à criminalidade, vez que,  sentimento inverso, todos sabem, é fator de reconhecida inibição das ações criminosas.

Mata-se todos os dias, assalta-se a toda hora,  dilapidam-se o patrimônio público a olhos vistos, enriquece-se ilicitamente, mas não se vê nenhuma manifestação, de quem quer que seja, acerca desses crimes, cujas vítimas – parentes das vítimas e a sociedade como um todo -, descrentes, já não esboçam a mais mínima reação.

Nesse sentido, importa consignar que, muitas vezes, em face dos crimes contra o patrimônio, por exemplo, as vítimas sequer denunciam a sua ocorrência, pois não acreditam mais na ação dos órgãos persecutórios. O mesmo se verifica em face dos desvios de dinheiro público, que, infelizmente, são uma praga que se dissemina à vista de todos, com efeitos mais do que deletérios para o conjunto da sociedade, sem que se veja, no entanto,   essa mesma sociedade se mobilizando em  face dessa questão.; quando o faz, o faz acanhadamente,  timidamente, como se viu recentemente nas   tímidas manifestações  em face da corrupção  que  permeia a vida pública no nosso país.

Como disse acima,  somente quando o crime atinge, diretamente, uma pessoa destacada, volta-se a falar de impunidade, em insegurança e em fragilidade das nossas instituições, quando o recomendável, o desejável seria que, todos os dias, cada um de nós cobrasse dos agentes públicos uma postura prospectiva no sentido de punir os criminosos, sejam quais forem a sua origem e sejam quais forem as vítimas de sua ação.

Em verdade, a sensação de impunidade é um péssimo sentimento, pois, além de estimular os que têm propensão para o ilícito, ainda estimula o exercício da autotutela dos que não têm essa mesma propensão, mas que se vêem obrigados a  (re) agir em sua defesa e de seu patrimônio, em face da omissão do Estado.

Compreendo que todo dia é dia de combater a violência, de combater a corrupção e outros crimes que infernizam a vida das pessoas de bem. Esse deve ser um objetivo permanente de todos e especialmente dos que representam as instituições responsáveis pela persecução criminal.

A sociedade, cansada de impunidade, clama por justiça. Nós, magistrados, da mesma forma, também sofremos as consequências da impunidade, e, da mesma forma, também clamamos por justiça. Só que, diferente de muitos, essa é uma preocupação constante.

Todos os crimes, sejam quais forem as vítimas, deveriam merecer do Estado a mesma pertinácia que se vê quando o crime atinge pessoas destacadas.

Muito provavelmente os mandantes do crime que ceifou a vida do jornalista Décia Sá serão identificados – e punidos. E  é bom mesmo que sejam, para desestimular esse tipo de prática. Mas esse obstinação das instâncias formais responsáveis pela persecução criminal não pode ser pontual, casuística, condicionada ao destaque da vítima ou à gravidade e repercussão do ilícito.

O que acontecerá com os responsáveis pela morte de Décio Sá será  o mesmo que ocorreu com os  que assassinaram  a juíza Patrícia Aciole no Rio de Janeiro: não ficarão impunes, tendo em vista que, num caso e noutro, o Estado envidará todos os esforços para identificar e punir os responsáveis pelos crimes. Não é isso, inobstante, que ocorre de regra. Como regra o que preponderá mesmo é a impunidade, em face da omissão das instâncias de persecução, as quais, repito, não podem agir ao sabor das circunstâncias, como se os outros viventes não merecessem do Estado qualquer consideração.

Vamos  botar o “bloco” não! Vamos unir nossas forças! Vamos, juntos, combater a criminalidade! Vamos dar um basta nesse grave sensação de impunidade. Mas vamos fazer sempre, independentemente de quem tenha sido a vítima.

Que se prenda e puna, sim, os assassinos de Décio Sá. Mas que se prenda e puna, também, os assassinos de José,  de Pedro, de Manuel, de Maria e de João.

Tudo fica como antes

FERNANDO RODRIGUES

Supremo abafa

BRASÍLIA – Ficará por isso mesmo a recente troca de ofensas entre ministros do Supremo Tribunal Federal. Cezar Peluso chamou Joaquim Barbosa de inseguro. Barbosa revidou com vários adjetivos derrogatórios e foi além -acusou o colega de manipular ou tentar manipular julgamentos e de agir de maneira inconstitucional e ilegal.

Diante de palavras tão pesadas, o presidente recém-empossado do STF, Ayres Britto, deu uma breve entrevista na sexta-feira. Sua concisa explicação: “Os julgamentos do STF têm uma dinâmica, uma dialética e uma lógica próprias. Proferido o resultado, não é possível manipulá-lo, pois manipular o resultado é alterar o conteúdo da decisão”.

Liberal e interessado em modernizar o STF, Ayres Britto dessa vez agiu para jogar água na fervura.

Optou pela saída brasileira de sempre nessas ocasiões: se o problema é de difícil solução, atue como se a encrenca fosse menor do que parece.

Como alegoria, vale imaginar o episódio Peluso-Barbosa sendo protagonizado na Esplanada dos Ministérios. Um dos personagens acabaria punido: o acusado ou o outro por atacar sem provas. No Congresso, deputados ou senadores poderiam até se salvar, mas certamente seriam submetidos ao calor de algum procedimento de esclarecimento -com a devida cobertura da mídia- no Conselho de Ética.

Já no STF “corporativo”, para ficar com a descrição de Joaquim Barbosa, nada ocorre. O presidente da corte dá uma entrevista, afirma que nada de errado aconteceu. Segue-se em frente. Uma pena.

Sem uma resposta convincente, o STF depaupera sua imagem. Abre um flanco perigoso. Réus condenados pela corte estão agora legitimados a perguntar no ato da leitura das sentenças: o julgamento foi manipulado, inconstitucional e ilegal?

É compreensível a opção pelo abafamento do caso. Só é triste que tal caminho seja o escolhido.

A postura do novo presidente do CNJ e do STF

Ministro Ayres Britto propõe maior integração com magistratura

O novo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, pretende abrir as duas instituições ao diálogo com a magistratura e fazer uma “gestão compartilhada”, por meio da aproximação com as associações representativas da categoria. Entre os temas que deverão ser discutidos estão a elaboração de projeto de uma nova Lei Orgânica da Magistratura e a questão dos vencimentos dos magistrados.

Após a solenidade de posse na última quinta-feira (19/4), as três entidades associativas nacionais – Associação de Magistrados do Brasil (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional de Magistrados do Trabalho (Anamatra) – prestaram homenagem ao novo presidente e manifestaram seu otimismo com a proposta de “plena harmonia” manifestada por Ayres Britto.

O primeiro sinal no sentido da ampliação do diálogo com a magistratura já foi dado com a convocação, para atuarem como juízes auxiliares da Presidência, de três ex-presidentes de associações de magistrados – Mozart Valadares, da AMB, Fernando Mattos, da Ajufe, e Luciano Athayde, da Anamatra – e a escolha do juiz de Direito Francisco Alves Júnior, ex-presidente da Associação dos Magistrados do Sergipe (AMASE), para a Secretaria-Geral do Conselho Nacional de Justiça. Em diversas ocasiões, o ministro tem manifestado sua compreensão do papel do CNJ “enquanto conteúdo” e do Poder Judiciário “enquanto continente”.

Construção – “A primeira coisa que o ministro fez, ao ser eleito presidente, foi nos reunir para conversar conosco e mostrar o caminho do diálogo, da conciliação e da Construção”, afirmou o presidente da AMB, Nelson Calandra. “Esse é o perfil dele, e será muito bom para a magistratura brasileira, assim como será bom para o povo brasileiro. Para o presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, Ayres Britto “vai defender uma administração do Poder Judiciário democrática e aberta à sociedade”. Isso, acredita, “será muito importante, porque permitirá aproximar o Judiciário da população”.

O juiz do trabalho Renato Henry Sant’Anna, presidente da Anamatra, lembrou o prestígio que o novo presidente do CNJ e do STF sempre conferiu ao movimento associativo e afirmou que a expectativa é de mais diálogo com a magistratura e com os demais poderes. “A magistratura do trabalho está esperançosa de que terá no ministro Ayres, por sua trajetória marcante dedicada aos ideais sociais e humanistas, um líder sempre em busca da efetivação dos direitos, da valorização da magistratura e do fortalecimento do Poder Judiciário brasileiro”, destacou.

Do STF

Concessão de liminar em habeas corpus

Só concedo liminar, em sede de habeas corpus, excepcionalmente. As razões são mais que óbvias. Uma delas é  preservar a competência  do órgão fracionário a que pertenço.

Nesse sentido, constrange-me conceder uma liminar, em face da omissão de um colega magistrado, acerca de questões comezinhas, como ocorreu nesse exato momento, em relação a dois réus acusados de tráfico de drogas.

O magistrado, no caso em comento, ao receber o auto de prisão em flagrante, deixou de observar o contido no artigo 310 e incisos do CPP, limitando-se a homologar o flagrante, como se fazia antes da reforma.

Como ressabido, a Lei nº 12.403/11 consagrou uma ruptura na forma com que vinha sendo tratada a prisão em flagrante, ao alterar o artigo 310, do CPP, que passou a trazer a seguinte redação:

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

        I – relaxar a prisão ilegal; ou

        II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

        III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

In casu, ao receber a comunicação da prisão em flagrante dos pacientes, o magistrado de primeiro grau restringiu-se a afirmar que o auto “encontra-se revestido das formalidades legais e o fato se coaduna com as hipóteses de flagrante previstas no artigo 302, do CPP, de forma que reconheço sua legalidade” , disso inferindo-se a ilegalidade da prisão, a impor a concessão da liminar pretendida.

Mesmo em juízo de cognição sumária, é visível o constrangimento ilegal sofrido pelos pacientes, haja vista que suas prisões em flagrante subsistem sem qualquer fundamento jurídico, de forma autônoma, contrariando a novel legislação, a qual não exige sequer a manifestação prévia do Ministério Público para relaxar a prisão, quando ilegal, convertê-la em preventiva, quando presentes os requisitos do art. 312, do CPP, ou conceder a liberdade provisória.

Foi-se o tempo de impunidade

Nos dias presentes, todos sabemos, qualquer desvio de conduta de magistrado tem consequência prática. Foi-se o tempo da impunidade. Quando se formula uma denúncia e as Corregedorias dos Tribunais, por hipótese,  se mantêm inertes, o CNJ deve ser acionado, de modo que não se pode mais falar em impunidade no âmbito do Poder Judiciário.

Em face dessa constatação, é de bom alvitre que os cidadãos façam, por escrito, as denúncias  das  condutas desviantes de que tenha conhecimento envolvendo msgistrados.

É muito cômodo valer-se de comentários em blogs para nos chamar a todos de canalhas, indistintamente.

Não sou dos tais que imagina que no Poder Judiciário não haja desvios de conduta. Pensar dessa forma seria uma ingenuidade. É preciso, todavia, que não se deslembre que somos muitos e que a generalização é uma rematada injustiça.

Décio Sá

Lamento a morte brutal do jornalista Décio Sá.

Não há palavras nessa hora que possam traduzir o sentimento de todos nós. Posso dizer, no entanto, que a democracia sofreu, concomitantemente, uma inqualificável agressão, na medida em que silenciaram uma dos nossos mais profícuos jornalistas, cujo blog nos acostumamos a ler, como se fora uma obrigação.

O que se espera, agora, é que o crime não fique impune.

É pouco

Comissão de juristas aprova criminalização do enriquecimento ilícito

A comissão de juristas que prepara anteprojeto da reforma do Código Penal no Senado aprovou nesta segunda-feira (23) a criminalização do enriquecimento ilícito.

É muito pouco ou quase nada,a considerar que, no Brasil, só se pune os miseráveis e desvalidos. É cediço, assim, que quem tiver enriquecido ilicitamente e disponha de recursos para pagar um bom advogado, dificilmente irá pra cadeia. Aliás, ainda que não pudessem pagar bons advogados, só excepcionalmente iria para cadeia, por óbvias razões.

O que é alvissareiro no projeto aprovado é a possibilidade de ressarcimento dos cofres públicos com o dinheiro desviado.  Mas mesmo essa possibilidade a mim me parece ilusória.

A mudança da legislação é claro que já é um alento. Todavia, só isso não basta. É preciso muito mais. É preciso mudança de mentalidade, é preciso sedimentar na sociedade uma  cultura punitiva que não discrime, que a todos se dirija, sem discriminação.

No Brasil, tradicionalmente, reafirmo, não se pune os criminosos das classes mais favorecidas. Aqui e acolá pune-se um apenas para confirmar a regra.

Mas vamos aguardar. De qualquer sorte, é um bom início.