ESTUPIDEZ

Segundo Alexandre Dumas, “a diferença entre estupidez e genialidade consiste em que a genialidade tem seus limites”.
Pois bem. É sobre a estupidez do homem, que parece não ter limites, que pretendo refletir, aqui e agora, lembrando que o economista e historiador italiano Carlo Cipolla, citado por Alysson Augusto, editor do site o Ano Zero, tentou responder de forma abrangente a natureza da estupidez, para chegar à conclusão de que ela em si mesma é muito mais perigosa do que geralmente pensamos. E pode ser, sim, como vou tentar mostrar nesse artigo.
Devo dizer, inicialmente, que a estupidez é um dado complicador nas relações que estabelecemos com o semelhante, devido ao perigo que pode trazer, dependendo do grau de estultice do ser humano.
A verdade é que os excessos decorrentes da estupidez do homem – e nem falo de guerras, a suprema estupidez – tornam fastidiosos, demasiados, provocativos e perigosos os relacionamentos que temos com o semelhante. Daí por que, não raro, nos envolvemos em desinteligências que poderiam ser evitadas, não fôssemos nós todos néscios, em certa medida.
Logo, é preciso ter presente que, se não somos capazes de nos proteger da nossa própria obtusidade, permitimos, de certa forma, que os estúpidos também nos incomodem, sem que tenhamos alternativa que não seja aceitar a rudeza do congênere, pois que a estupidez é uma espécie de passaporte para exorbitâncias.
No mundo dos estúpidos, nos comportamos mais ou menos como aquela senhora que comprou um forno de microondas e colocou o gato no seu interior para secar. Quando se deu conta da reação do animal, voltou à loja exigindo uma indenização, porque não constava do manual de instrução que o aparelho não secava gatos.
É nesse mesmo mundo prenhe de estupidez – e também descontrole moral – que se destaca o ser humano que ejaculou numa passageira num ônibus na Avenida Paulista, em São Paulo, fato amplamente noticiado.
Da estupidez do ser humano avultam também situações como a que resultou no linchamento de uma senhora no Guarujá, em São Paulo, espancada em maio de 2014, em face de uma leviana acusação, veiculada nas redes sociais (local onde pontificam com mais sofreguidão os estúpidos), de que se tratava de uma sequestradora de crianças com as quais praticava magia negra, o que depois, viu-se, era uma acusação falsa.
Nesse mesmo cenário de pura estupidez despontam situações como a noticiada certa feita por Ancelmo Gois, colunista do jornal O Globo, sobre uma senhora que passava mal no metrô do Rio, em cuja oportunidade um cidadão que estava sentado próximo, jovem e aparentemente gozando saúde, foi instado a levantar-se e dar o lugar a ela, o qual, de má vontade aquiesceu, desde que, tão logo passasse o mal-estar, lhe fosse devolvido o assento.
Reconheçamos que é muito difícil a gente se ver livre do estúpido, porque nós mesmos, de vez em quando, costumamos nos valer da nossa estupidez para infernizar as pessoas, quando não replicamos uma notícia falsa ou pregamos, por exemplo, o linchamento de um assaltante, negando, sem nenhum pudor, o Estado de Direito, o mesmo que sublimamos quando defendemos os nossos interesses.
A permear a nossa vida, com efeito, a constante estupidez do ser humano. Cito como exemplo, dentre tantos outros, para não perder a oportunidade, a ultrapassagem de veículos em autoestrada sem as cautelas devidas, sem a observância das mais comezinhas regras de trânsito, ceifando vidas de inocentes, quando não a do próprio infrator e de seus entes queridos.
Os exemplos não param por aí. Nós bem que poderíamos, sim, nos proteger da nossa estupidez, para ter o direito de exigir que o semelhante não aja da mesma forma. Bem que poderíamos, por exemplo, em respeito ao próximo, não estacionar em locais destinados aos idosos, gestantes ou deficientes físicos. Mas isso não ocorre. A cara de pau, a falta de pudor e discernimento de quem procede dessa forma contrasta com o que se espera de uma pessoa civilizada.
Digo mais. Só a nossa estupidez justifica por que, ainda nos dias atuais, há avisos nos banheiros de uso coletivo para que se dê descarga depois de usá-los ou uma advertência de que a tampa do vaso deve ser levantada antes do seu uso. Se não fôssemos estúpidos, esse tipo de advertência já estaria há muito em desuso.
O certo e recerto é que, por falta de atenção, descortino e discernimento, as pessoas vão por aí, estupidamente, desrespeitando as mais elementares regras de convivência, lembrando que são essas mesmas pessoas que, em campo oposto, se indignam, esperneiam, gritam alto e armam barracos quando constatam que seus direitos estão sendo desrespeitados, o mesmo discernimento que não têm quando são protagonistas de ações que malferem direitos do semelhante.
Se queremos mudar o mundo, se pretendemos construir uma sociedade mais humana e fraterna, é preciso nos conscientizarmos de que não será possível fazê-lo protagonizando cenas explicitas de estupidez, como ocorre quando avançamos um sinal vermelho, desrespeitamos a faixa destinada a pedestres ou aceleramos para inviabilizar que um motorista faça uma conversão.
Decerto que todos nós queremos ser respeitados, ter os nossos direitos preservados. Mas, na primeira oportunidade, agimos em desacordo com o que exigimos dos outros. E, nessa faina, endoidecidos, brutalizados, saímos por aí, estupidamente, arrostando, por exemplo, os direitos dos cadeirantes ou furando uma fila ante o primeiro vacilo de quem está há horas esperando a sua vez.
É isso.

Em direção ao shabat

 

Penso que não são poucas as pessoas que só valorizam as coisas singelas em momentos de muita angústia, de muita aflição, de sérias dificuldades; no momento em que veem, por exemplo, a vida se esvaindo.

Em condições normais, convenhamos, não são poucos os que levam a vida sem valorizar as coisas simples, tomados pela ambição material que lhes domina as ações, contaminados, outras vezes, pelo apego excessivo ao poder.

Eu gosto das coisas mais simples, aprendizado que eu trago comigo desde a mais tenra infância e que me leva a desfrutar prazerosamente do que de mais simples a vida me oferece. E exatamente por isso, as minhas melhores recordações são das coisas simples que vivi e testemunhei.

Oliver Sacks, neurologista e escritor, autor, dentre outros, de “Tempo de Despertar”(1973), “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu” (1985) e “Um Antropólogo em Marte” (1995), tendo sido diagnosticado com câncer metastático no fígado, que o levou à morte, aos 82 anos, escreveu quatro ensaios, que publicou no livro intitulado Gratidão, dos quais apanho e transcrevo alguns excertos, para reafirmar o óbvio, qual seja, de que o homem, de regra, somente diante de dificuldades insuperáveis olha o mundo de forma diferente do que via até então.

“[…] Quanto a mim, não creio (nem desejo) uma existência após a morte, exceto na memória dos amigos e na esperança de que alguns dos meus livros ainda possam ‘falar’ às pessoas quando eu morrer […]”. (Ensaio Mercúrio).

“[…] Não penso na velhice como uma fase cada vez mais penosa que é preciso suportar e levar o melhor possível, mas como um período de liberdade e tempo descomprometido, sem as infundadas urgências de outrora, livre para explorar o que eu quiser e para amarrar os pensamentos e sentimentos de toda uma vida”. (Ensaio Mercúrio).

“[…] Agora devo escolher como viver durante os meses que me restam. Tenho de viver do modo mais rico, profundo e produtivo que puder[…]”. (Ensaio My Own Life).
“[…] e desejo e espero, no tempo que ainda me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles a quem amo, escrever mais, viajar, se tiver forças, atingir novos patamares de compreensão e descortino […]”. (Ensaio My Own Life).

“[…] Sinto uma repentina clareza de enfoque e de perspectiva. Não há tempo para o que não é essencial. Devo me concentrar em mim mesmo, no meu trabalho, nos meus amigos. Não assistirei mais ao noticiário toda noite.. Não vou mais prestar atenção em política ou em discussões sobre o aquecimento global…[…]”. (Ensaio My Own Life)

“[…] Não consigo fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi… Tive meu intercurso com o mundo, o intercurso especial dos escritores e leitores. Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e aventura. (Ensaio My Own Life)

“[…] Encontro consolo, desde que escrevi em fevereiro sobre meu câncer metastático, nas centenas de cartas que recebo, nas expressões de amor e apreço e no sentimento de que (apesar de tudo) eu talvez tenha tido uma vida boa e útil. Continuo a me sentir muito feliz e grato por tudo isso, mas nada mais me afeta como o céu repleto de estrelas daquela noite[…]”. (Ensaio Minha Tabela Periódica).

“[…] Deram-me, assim, não uma remissão, mas uma intermissão, um tempo para aprofundar as amizades, ver pacientes, escrever e viajar de volta ao meu pais natal, a Inglaterra […]” (Ensaio Minha Tabela Periódica).

“[…] E agora fraco, sem fôlego, os músculos antes firmes derretidos pelo câncer, encontro meus pensamentos cada vez mais, não no âmbito sobrenatural ou espiritual, e sim no que se quer dizer com levar uma vida boa, que valha a pena – alcançar a sensação de paz dentro de si mesmo. Encontro meus pensamentos rumando em direção ao Shabat, o dia do descanso, o sétimo dia da semana, e talvez o sétimo dia da nossa vida também, quando podemos sentir que o nosso trabalho está feito e, com a consciência em paz, descansar […]”. (Ensaio Shabat).

Oliver Sacks, com a morte batendo à porta, como se conclui dos excertos acima transcritos, passou a cogitar mais amiúde das coisas mais simples. Vê-se, claramente, nas passagens acima, que o que mais lhe importava, diante da morte que se aproximava inclemente, era aprofundar as amizades, atingir patamares de compreensão e descortino.

Era seu desejo, ademais, ser lembrado apenas pelo que escreveu, externar o seu amor às pessoas que lhe são caras, buscar a paz interior para a qual talvez não tenha se dedicado, atentar para as coisas simples como o céu repleto de estrelas, o qual talvez tenha esquecido de fazê-lo, quiçá por acreditar que a vida não era finita.

Definitivamente, o que a vida não é capaz de demonstrar, a proximidade da morte tem o condão de ensinar. Mas aí já pode ser tarde demais.

É isso.

ESTADO DE ANOMIA

____________________________________________

“Nos dias presentes, a sensação que tenho é de que o Estado perdeu o controle da situação, favorecendo, com sua omissão, o surgimento de um ambiente propício e deletério, no qual proliferam grupos de criminosos que vivem em função e em razão das ações de um Estado paralelo, criado com o objetivo de dar vazão a suas ações criminosas, não escapando dessa análise nem mesmo os homens públicos que, pela sua posição, poder decisório e influência, deveriam agir de forma escorreita, para não incutirem no cidadão com propensão à anomia a triste sensação de que vale a pena transgredir, e que bobo mesmo é quem, podendo, opta por não desviar a sua conduta, como se viver sob o império da lei fosse mesmo uma exceção”

___________________________________________

 

Ultrapassada a chamada “primeira fase da criminologia”, com os estudos referentes às Escolas Clássica e Positiva, vieram as chamadas Teorias Macrossociológicas da Criminalidade, com as quais teve início a chamada “segunda fase da criminologia”, iniciada na década de 1920, com a escola de Chicago.

Conforme se sabe, com as Teorias Macrossociológicas, os estudos da criminalidade deixaram de se preocupar com o indivíduo ou com pequenos grupos de indivíduos, para se concentrarem na criminalidade macro, ou seja, passaram a se concentrar nos fatores que levam a sociedade como um todo a praticar infrações penais, com especial atenção aos denominados guetos, surgidos nas chamadas megalópoles, cujos ambientes proporcionariam o “cultivo do crime”.

Segundo a Teoria do Consenso, um dos grupos em que se dividem as Teorias Macrossociológicas, existem certos locais onde o Estado não consegue fazer valer sua força normativa e coercitiva. Nesse sentido, esses lugares seriam guiados por uma verdadeira anomia, por uma subcultura delinquente, por condutas “anômicas” que o indivíduo adota quando se vê privado de referências e controles; condutas marginais, portanto, ligadas à violência.

Diante das reflexões que tenho feito em torno dessas questões, tenho constatado que, efetivamente, vivemos, nos dias presentes, esse estado de anomia, que, segundo Durkheim (1974), é onde as normas de uma sociedade são enfraquecidas, onde o indivíduo parece perder o sentido de pertencer a um determinado grupo.

Devo dizer, inobstante, diferente de algumas conclusões das Teorias Macrossociológicas, que essa situação anômica não se restringe a determinados lugares; a sensação de viver num estado sem lei e sem ordem, pelo menos até onde a minha vista alcança, se esparrama por toda sociedade, faz parte da nossa vida cotidiana, apresentando-se sob as mais diversas feições e nos mais diversos ambientes: em cada esquina, um assalto; em muitos ambientes familiares, a violência doméstica; nas repartições públicas, incontáveis casos de corrupção; em cada prefeitura, uma licitação fraudada; em diversos ambientes de trabalho, a prática do assédio, moral e sexual; no trânsito, a falta de respeito às normas mais comezinhas; nas favelas, a proliferação de milícias; nos presídios, o domínio das facções criminosas etc.

Essa criminalidade – que não é pontual, reafirmo – está em todos os ambientes onde o homem pontifica, introjetando no semelhante o sentimento malfazejo de que o ser humano perdeu, definitivamente, o sentido de viver sob o império da lei, afastando-se, a olhos vistos, das normas da sociedade, para viver em função das normas de grupos de delinquentes, que não têm apreço ao pacto social e pelo coletivo, não raro optando por agir individualmente como ser anômico, sem referências positivas do passado e sem perspectiva de mudança de direção no futuro.

Esse estado anômico, bem se pode ver, estimula o surgimento, como uma panaceia, das mais diversas teorias de pretenso combate à criminalidade (Tolerância Zero, Janelas Quebradas ou Broken Windows Theory, Tree Strikes an You are Out) as quais culminaram com a chamada teoria do Direito Penal do Inimigo, de Günter Jacobs, segundo a qual, um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar do conceito de pessoa, levando-nos a crer, equivocadamente, que determinadas pessoas, pela sua conduta, não merecem a proteção do Estado. Daí por que devêssemos, em nome dos que se submetem às leis estatais, tratá-las de forma diferenciada, restringindo, com efeito, as suas garantias penais e processuais, enfrentando-as com as chamadas “leis de combate”.

É preciso estarmos atentos ao fato de que as teorias que acima mencionei, que tanto fascinam as correntes favoráveis ao maximalismo penal, à conta de leis penais mais severas e de uma cultura imediatista, flertam com a ilegalidade, pois abespinham, malferem princípios comezinhos de direito, sem, entrementes, resolverem o problema da criminalidade.

Tais teorias, que, repito, não resolvem o problema da criminalidade, são apenas, desde o meu olhar, discriminadoras e perpetuadoras do tratamento diferenciado que tem sido dispensado a uma determinada classe social, mesma classe que, à falta de ações estatais, terminaram por prodigalizar o Estado de anomia a que me referi acima, onde cada um defende o que é seu, a seu tempo e modo, com a perpetuação (vide o caso das favelas do Rio de Janeiro) dos grupos criminosos que terminam por substituir o Estado, mesmo Estado que, historicamente, tem sido omisso nas questões mais elementares que permeiam a vida em comunidade, mesma comunidade que, sentindo-se órfão das ações estatais, terminam por se aliar aos grupos de criminosos que o substituem, perpetuando, nesse sentido, o Estado de Anomia a que me reportei acima.

É isso.

NO MUNDO DOS HATERS

___________________________________

“É lamentável constatar, mas todos nós sabemos que milhões de reais são despejados em alguns blogs que existem exatamente com esse objetivo, qual seja, o de disseminar notícias odientas e falsas na maioria das vezes, as quais dão alento e sustentação a essa lamentável divisão entre os cidadãos brasileiros, muitos dos quais, sem capacidade de discernimento e dominados pela paixão, não percebem que estão sendo usados como massa de manobra para servir a um projeto de poder dos que só pensam em seus próprios interesses, uma vez que elegeram o seu umbigo como centro do universo”

_____________________________________

 

Parte relevante do que se lê e vê nos dias atuais, é, de certa forma, resultado do ódio que tem sido disseminado nas redes sociais, onde pontificam, com volúpia e sem controle, exércitos virtuais que espalham as mais despropositadas mentiras, como se vivêssemos em estado de anomia. Essas mentiras são gestadas em mentes férteis e malsãs, com o propósito de destruir a credibilidade das pessoas, sobretudo em face do Estado paralelo, que resulta da divisão do país entre “nós” e “eles”, “coxinhas” e “mortadelas”. E nesse afã, levam na enxurrada de inverdades a honra das pessoas contra as quais destilam o seu ódio, em nome de uma liberdade de informação/expressão que parece(?) não ter limites.

Constato, preocupado, as pessoas – sobretudo as pessoas públicas, mas não só elas –, serem linchadas nas redes sociais, de maneira inclemente e covarde, ainda que continuem gozando de alguma credibilidade junto aos que não perderam a capacidade de discernimento.

O que tenho testemunhado nesse panorama é que muitas pessoas, que na minha modesta avaliação aparentavam ter alguma capacidade de discernimento, replicam as notícias odientas, fake news na aparência e no conteúdo, sem nenhum constrangimento, para satisfazer as suas idiossincrasias, embora saibam – ou deveriam saber – que o fazem em detrimento da honra daqueles que elegeram, às vezes gratuitamente, como inimigos.

A verdade é que, nas mídias sociais, o ódio se espalha como um vírus, dando a entender que as pessoas, mesmo as não inteiramente contaminadas, se regozijam com as notícias falsas e odientas que são veiculadas – e que replicam, ficando a sensação de que o homem perdeu a sensibilidade e o sentimento de solidariedade e de respeito que deveriam presidir as nossas ações.

Além desse estado permanente de ódio, vivemos, num ambiente de sectarismo danoso, que se espalha como um rastilho de pólvora, incendiando as mentes e os corações, se consolidando como uma rocha, levando os incautos a acreditarem no que leem, para, nessa crença – por maldade, esperteza ou covardia – replicarem tais mentiras, na ânsia incontida de desacreditar, de vilipendiar, de destruir a imagem daqueles que elegeram como inimigos.

Nos dias atuais, somos todos reféns dessa situação, motivo pelo qual nunca sabemos, como homens públicos, ou mesmo como cidadãos comuns, se amanhã ou depois seremos vítimas de uma vendeta, traduzida numa notícia falsa e maliciosa, a fazer ruir a nossa história, a nossa credibilidade.

Conforme se pode observar, os líderes sectários tiram proveito desse ambiente, pois é nele que fazem vicejar as suas paixões. E nesse afã, agem sem limites, impulsionados pelo rancor e pelo ódio que lhes endurece o coração, tornando-os seres insensíveis e perversos.

A verdade, como anotei acima, é que há um exército de radicais habitando as redes. Mas não só nas redes. Eles, quando saem às ruas, quando vão a uma manifestação, levam consigo esse mesmo ódio, razão pela qual veem como inimigo cada um que ouse pensar diferente do que eles pensam.
Olho para frente, sem esquecer o que já vivenciei no passado, e não visualizo sinais de que esse quadro possa mudar, sobretudo ante a pugna eleitoral que se avizinha, a qual, tenho certeza, estimulará ainda mais o ódio que os sectários já depositaram em seus corações e mentes.

Eu sempre ouvi dizer que dias melhores estariam por vir. Vivi sempre dessa expectativa. É triste constatar, nada obstante, que a minha visão do horizonte não me autoriza a acreditar em dias melhores, pois, cada dia mais, constato o isolamento, o individualismo e o sectarismo do homem que, segundo parece, descrê da solidariedade, do amor e da temperança que deveriam presidir as suas ações, as quais, infelizmente, se voltam prioritariamente para a defesa dos seus próprios interesses.

É isso.

A DEFESA E O ÔNUS DA PROVA

É necessário dizer, de início, a propósito do tema em comento, que há divergências, doutrinárias e jurisprudenciais, acerca do ônus da prova no processo penal, quando se trata de argumentos da defesa, como demonstrarei a seguir, cumprindo anotar, de logo, que o ônus da prova não é obrigação, mas encargo, pois que, se obrigação fosse, decerto que aquele que não se desincumbisse dela estaria sujeito a uma sanção de caráter punitivo.

Dito isso, importa consignar que, na minha compreensão, conquanto o ônus da prova recaia com maior intensidade sobre a acusação, a regra prevista no caput do art. 156, do CPP, impõe ao acusado o ônus de provar determinadas alegações que fizer, como a existência, por exemplo, de um de álibi que o exima de responsabilidade penal.

Renato Brasileiro de Lima expõe o seu ponto de vista sobre este assunto, nos seguintes termos, verbis: “[….]De outro lado, valendo-se do quanto disposto no Código de Processo Civil, que dispõe que incumbe ao réu o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (CPC, art. 333, inciso II), à defesa no processo penal compete o ônus da prova quanto às excludentes da ilicitude, da culpabilidade, ou acerca da presença de causa extintiva da punibilidade.”(Renato Brasileiro de Lima, Manual de Processo Penal)

É dizer que, se o álibi apresentado busca eximir o acusado da responsabilidade penal; se ele (o álibi) tem o condão de desconstituir a imputação, é cediço, à luz da leitura que faço do artigo 156 do Codex de Processo Penal, que o ônus de prová-lo é exclusivo da defesa, como, aliás, têm decidido, majoritária e iterativamente, os nossos Sodalícios, pese as posições doutrinárias em contrário, como, por exemplo, a de Maria Lúcia Karam, que argumenta que o ônus da prova, em qualquer situação, recai sobre a acusação: “Quem alega qualquer coisa contra alguém é que deve provar que o que está dizendo corresponde ao real. Quem é acusado, nada tem de provar. A quem é acusado cabe apenas se defender, se quiser.” (em Liberdade, presunção de inocência e direito à defesa, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p.13).

Guilherme de Souza Nucci, seguindo o entendimento da minoria, de seu lado, assevera: “O estado de inocência é indisponível e irrenunciável, constituindo parte integrante da natureza humana, merecedor de absoluto respeito, em homenagem ao princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana. Noutros termos, a inocência é a regra; a culpa, a exceção. Portanto, a busca pelo estado excepcional do ser humano é ônus do Estado, jamais do indivíduo. Por isso, caso o réu assuma a autoria do fato típico, mas invoque a ocorrência de excludente de ilicitude ou culpabilidade, permanece o ônus probatório da acusação em demonstrar ao magistrado a fragilidade da excludente e, portanto, a consistência da prática do crime.”(Princípios constitucionais penais e processuais penais, 2ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 264/266).

A despeito dos judiciosos argumentos doutrinários aos quais fiz menção acima, a jurisprudência dos nossos Tribunais, à frente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tem sido, majoritariamente, em sentido antípoda, ou seja, no sentido de que “não desrespeita a regra da distribuição do ônus da prova a sentença que afasta tese defensiva de negativa de autoria por não ter a defesa comprovado o álibi levantado” (AgRg no REsp 1367491/PR, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma).

Ou no sentido de que não “cabe à defesa a produção de prova da ocorrência de álibi que aproveite ao réu” [.HC 70742, Relator(a): Min. Carlos Velloso). O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não discrepa desse entendimento, proclamando, verbis: “[….] ao acusado cabe a prova das causas que excluem a antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem diminuição da pena (atenuantes, causas de diminuição da pena etc.), ou concessão de benefícios penais.” (Apelação Criminal 00006830520148190208 RJ).

No mesmo sentido é a linha de entendimento do Tribunal de Justiça de Rondônia segundo o qual “o ônus de comprovar o álibi cabe a quem o alegou. Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu. Recurso não provido. (Apelação, Processo nº 0012769-26.2015.822.0002, TJ/RO).

Não dissente, ademais, o Tribunal de Justiça de Mato Grasso, como se vê do excerto de a seguir transcrito: “[…] O ônus de comprovar a alegação de que a droga se destinava a uso próprio cabe à defesa, consoante dispõe o artigo 156 do Código de Processo Penal, sob pena de ter-se um álibi não comprovado.” (Ap 107421/2010).

Essa tem sido, como destacado acima, a minha linha de compreensão, na certeza de que, assim decidindo, sigo a corrente majoritária segundo a qual cabe à defesa a prova quanto aos eventuais fatos impeditivos ou extintivos, na mesma linha de pensar de Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal, 17ª edição, São Paulo. Editora Atlas S.A, 2013, p.334), para quem “é perfeitamente aceitável a disposição do artigo 156 do CPP, segundo o qual ‘a prova da alegação incumbirá a quem a fizer.”, tendo em vista que, desde o meu ponto de observação, não há incompatibilidade – nem mesmo relativização há – entre o princípio da presunção de inocência, inserto em nossa Carta Magna, e a obrigação da defesa de provar o que alega, diferente do que leciona Luiz Flávio Gomes para quem “o acusado deve apenas atuar no sentido de apresentar dúvida razoável no espírito do julgador, e não de prova plena das excludentes” (em A prova no processo penal: comentários à Lei 11.690/08).

Por fim, cumpre lembrar a sempre judiciosa lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, em Código de Processo Penal Comentado, Editora Saraiva, 5.ª edição, pg. 360, Vol. I, litteris: “Ônus da prova nada mais é senão o encargo, que compete à parte que fizer a alegação, de demonstrá-la. Provar não é obrigação; é simples encargo. Se a parte que fizer a alegação não prová-la, sofrerá amarga decepção.

Cabe à acusação demonstrar, e isto de modo geral, a materialidade e a autoria. Já à Defesa, incumbe provar eventual alegação de exclusão da antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, excludentes da antijuridicidade, causas justificativas ou descriminantes) ou excludentes de culpabilidade.

Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu. Se argui legítima defesa, estado de necessidade etc, o ônus probandi é inteiramente seu. Se alegar e não provar, a decepção também será sua.”

É isso.

FÉRULA À ESPREITA

———————————————————

Para os nossos pais, era compreensível a rispidez com que nos tratavam; eles, até, recomendavam que não passassem as mãos nas cabeças dos filhos, autorizando que, sendo o caso, dobrassem os castigos, o rigor do tratamento, na ilusão, fruto da ignorância, de que somente o tratamento ríspido teria o poder de formar a personalidade do homem de bem”

——————————————————–

 

A infância e a minha adolescência fixaram, definitivamente, os contornos da minha personalidade. Tudo que faço nos dias presentes, para o bem ou para o mal, decorrem do que vivenciei na minha juventude, que, claro, foi igual a de muitas outras pessoas, mas que, em mim, em face mesmo da minha extrema sensibilidade, deve ter repercutido muito mais que noutros viventes.
Sou, sim, um pouco Amâncio (Casa de Pensão, de Aluísio de Azevedo). Vivi, sim, muito do que viveu Amâncio, exceto as inconsequências que o levaram a ter a vida que teve. Não guardei, no entanto, o mesmo rancor que ele demonstrou ter guardado em face de determinadas circunstâncias da vida.
A verdade é que, para o meu conforto pessoal, não consigo ser rancoroso. Estou sempre disposto a perdoar – e perdoo mesmo. E o perdão, para mim, equivale a uma libertação. Não guardo mágoas, definitivamente. Já perdoei até quem não merecia, conquanto, em alguns casos, tenha preferido, por prudência, manter distância.
Nunca me arrependi de ser assim, mesmo diante de algumas ingratidões. Eu sou assim e vou morrer assim. Não sou do tipo que exige algo em troca. Faço o que devo fazer e ponto.
Mas como anotei acima, vivi muito das paixões, das experiências, dos tormentos que Amâncio viveu. Posso reafirmar, incursionando no lugar comum, que, no meu caso, a vida imita a arte, ainda que apenas imitação parcial, por razões que sabem bem os que leram o romance e que me conhecem.
Como Amâncio, também deixei a cidade pequena – minha inesquecível Vitorino Freire -, por decisão de minha mãe que foi, afinal, quem, verdadeiramente – diferente do provedor da família -, sempre se preocupou com o futuro dos filhos, contando, sempre, com a abnegação e dedicação de uma irmã (minha tia), que soube, na ausência da minha mãe, substituí-la a contento.
Na cidade grande (grande, claro, se comparada a Vitorino Freire), onde cresci, orientei-me muito mais pelos meus instintos que por conselhos, sem saber mesmo aonde pretendia chegar, pois não tinha a percepção clara do caminho a seguir – a não ser, claro, que ele deveria ser digno -, afinal, a distância, especialmente da minha mãe, que mesmo muito nova era, para mim, o meu guia, a minha bússola, me tirou, de certa forma o prumo, o rumo, a direção; rumo e direção que a vida terminou por me mostrar.
Tal qual o personagem de Aluísio de Azevedo, eu também vivi o desconforto de não receber tratamento acolhedor e fraterno do provedor da casa, com quem os filhos – eu e mais sete irmãos – não mantinham o mais singelo diálogo e do qual só recebíamos indiferença e algumas poucas imposições, determinações que deveriam ser cumpridas cegamente, sem discussão, incutindo em todos nós uma péssima e perigosa sensação – quando não convicção – de que ordens, erradas ou certas, justas ou injustas, eram para ser cumpridas.
Eu, também – como o personagem da ficção -, convive com professores carrascos, verdadeiros tiranos; o inimigo, não o mestre. Na escola, eu também recebi palmatoadas, sempre que me mostrava a incapaz de responder corretamente a uma indagação formulada pela professora; a férula, ao tempo da arguição, ficava, sempre, muito próximo do “mestre”, à espreita – encarando, intimidando -, para ser usada quando se fizesse necessário, dificultando sobremodo a aprendizagem, afinal, o medo da férula, sob seu olhar soturno, minha alma ficava atormentada, assim como indeléveis eram as marcas deixadas pelo indócil instrumento de intimidação.
O mais grave era que, por mais que tentássemos, atormentados por esse modelo equivocado de ensino, nós nunca nunca tínhamos razão. Aprendi, nesse cenário, a viver sem ter razão, achando que estava errado – sempre. Me sentia, por isso, sempre culpado, razão pela qual não ousava enfrentar o “mestre”.
À época em que a férula me ameaçava – a mim e colegas de infortúnio -, uma denúncia feita por um professor aos pais, em face da má conduta de um aluno, além do castigo na sala de aula, tinha como consequência um novo castigo em casa, quando não uma surra exemplar.
Para fugir dessa realidade que me atormentava, como atormentava a outros alunos, sempre fui do tipo circunspecto, acanhado, calado, aterrorizado, macambúzio, mas esforçado. Para mim, acostumado a conviver com o terror imposto pelo provedor, era excessivo ter que conviver, ademais, com as agruras que decorriam da insensibilidade dos mestres, tendo sempre a férula a me vigiar.
O sofrimento de Amâncio transformou-se, posso inferir do romance, em mágoas; o meu, em lição de vida. Aprendi a respeitar meus filhos, a dar-lhes tratamento digno, e, quando lecionava, apenas me fazia respeitar. Nunca senti necessidade de me vingar dos meus alunos. No meu coração, semeei apenas concórdia, o amor ao próximo.
Para os nossos pais, era compreensível a rispidez com que nos tratavam; eles, até, recomendavam que não passassem as mãos nas cabeças dos filhos, autorizando que, sendo o caso, dobrassem os castigos, o rigor do tratamento, na ilusão, fruto da ignorância, de que somente o tratamento ríspido teria o poder de formar a personalidade do homem de bem.
Tudo isso marcou muito a minha vida, e a de muitos que, como eu, viveram nesses tempos, digamos, sombrios. Felizmente, formei a minha personalidade adotando postura diametralmente oposta à postura dos que nos infligiram esse tipo equivocado de tratamento – que, admito foi de boa fé -, cujas marcas todos carregamos para sempre, ainda que não restem vestígios físicos, ainda que estejam alojadas apenas no recôndito da alma de cada um de nós, mas que, de toda sorte, moldaram a nossa personalidade: para o bem ou para o mal, dependendo de como cada um assimilou as lições ministradas sob os olhares atentos da férula enraivecida.

EXECUÇÃO DA PENA PENDENTE DE JULGAMENTO OS EMBARGOS

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, no mês de outubro do ano passado, que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.

Todos haverão de lembrar que o Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autores das ações, pediam a concessão da medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância.

Alegaram que o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126292, em fevereiro deste ano, no qual o STF entendeu possível a execução provisória da pena, vem gerando grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”.

O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro, quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou no sentido da constitucionalidade do artigo 283, concedendo a cautelar pleiteada.

Contudo, com a retomada do julgamento, prevaleceu o entendimento de que a norma em comento não veda o início do cumprimento da pena, após esgotadas as instâncias ordinárias.

Para ilustrar, lembro que o ministro Luis Roberto Barroso argumentou, a propósito, seguindo a divergência inaugurada pelo Ministro Luis Edson Fachin, ser legítima a execução provisória após decisão de segundo grau e antes do trânsito em julgado para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos por ele tutelados, aduzindo que, no seu entendimento, a presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada com outros princípios e valores constitucionais que têm a mesma estatura. “A Constituição Federal abriga valores contrapostos, que entram em tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do estado”, afirmou. “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas”. (Fonte: sitio do STF)

O Ministro Edson Fachin, que inaugurou a divergência, dando ao artigo 283 do CPP interpretação conforme a Constituição que afaste aquela segundo a qual a norma impediria o início da execução da pena quando esgotadas as instâncias ordinárias. Ele defendeu que o início da execução criminal é coerente com a Constituição Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso a cortes superiores(Ibidem)

Fachin destacou que a Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera injusta. Para ele, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) exercer seus papéis de uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Segundo ele, retomar o entendimento anterior ao julgamento do HC 126292 não é a solução adequada e não se coaduna com as competências atribuídas pela Constituição às cortes superiores. Por fim, afastou o argumento de irretroatividade do entendimento jurisprudencial prejudicial ao réu, entendendo que tais regras se aplicam apenas às leis penais, mas não à jurisprudência. (Ibidem)

Pois bem. Os Tribunais de Justiça dos Estados, em face dessa decisão, passaram, então, a, confirmada a condenação de primeiro grau, determinar o imediato cumprimento das penas.

Todavia, como tudo no campo jurídico é suscetível de dupla interpretação, restou a controvérsia acerca do exato momento de dar-se cumprimento à decisão confirmatória da condenação de primeiro grau, se logo após a confirmação da decisão de primeira instância ou se somente depois de julgados os embargos infringentes ou de declaração.

No primeiro momento, nós, integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão, entendemos ser possível o cumprimento da pena, tão logo confirmada a decisão de primeira instância, pouco importando a possibilidade de manejar-se embargos: infringentes ou de declaração.

Nos dias presentes, consolidado o entendimento diante da quaestio, em face da decisão do Tribunal da Cidadania no HC  406015/SP(2017/0156670-7, da relatoria do Ministro Reynaldo Fonseca, já não se tem dúvidas de que, ante a possibilidade de manejamento de embargos, é inviável a execução da pena, ainda que confirmada a decisão pelo órgão de segunda instância.

A decisão em comento, assim, pois termo, definitivamente, à discussão, que levou à inquietação não só os magistrados, como os próprios advogados, que sempre nos questionavam se, após a decisão, se confirmatória da decisão condenatória de primeiro grau, viria a ordem de prisão, mesmo ante a possibilidade do aviamento de embargos.

A propósito da quaestio, lembro que a ministra Laurita Vaz, em decisão liminar no HC 406.015 acima mencionado, teve a oportunidade de antecipar, o que depois veio a ser ratificado no mérito, o seguinte: “Acórdão de apelação julgado por maioria de votos não configura a confirmação da condenação em 2ª instância para fins de aplicação de execução provisória da pena”, para, mais adiante, acrescentar que “ na hipótese não se afigura possível a imediata execução da pena restritiva de direitos, pois, embora já proferido acórdão da apelação, o julgamento se deu por maioria de votos, o que, em tese, possibilita a interposição de embargos de declaração e infringentes”.

No do mérito do mencionado HC multicitado, o relator do HC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, inicialmente lembrou a recente decisão do STF que permite a antecipação da pena, nos seguintes termos: “Diante da guinada jurisprudencial do STF, acima indicada, não se discute mais, nesta fase processual, os pressupostos legais da prisão cautelar. Trata-se de execução provisória da pena, que somente poderá ser sustada se concedido efeito suspensivo ao recurso especial interposto.”, para concluir, em arremate, que, pendente os embargos de julgamento, não ocorre o exaurimento do julgamento nas instâncias ordinárias, razão pela qual “mostra-se prematura a execução provisória da pena”, pondo termo, definitivamente, à discussão acerca do momento de iniciar-se a execução da pena, que, respeito, só pode ocorrer quando do exaurimento da instância recursal, evento que só se observará quando do julgamento dos aclaratórios.

É isso

INGÊNUOS?

_________________________________________________

Eles demonstram, é lamentável constatar, que não têm a exata noção da força que o poder econômico exerce sobre essas comunidades carentes, por onde transitam, a toda evidência, livres, leves e soltos, de forma decisiva e definitiva, os cabos eleitorais, os donos dos currais – os donos dos votos, enfim.

_________________________________________________

 

 

Leio nos artigos, assisto em debates televisivos, ouço em palestras, testemunho em rodas de bate-papo, estudiosos dos mais variados matizes – cientistas políticos, analistas, articulistas, sociólogos, embaixadores, professores universitários etc. – alertando, à luz de argumentações teóricas, para a iminência de os nossos representantes receberem uma reprimenda nas eleições vindouras, diante de sua manifesta falta de sensibilidade para com as questões éticas e de interesse público; e dizem isso com rara convicção, levando o incauto a crer que, efetivamente, os que não honram os mandatos outorgados não se safarão do escrutínio popular.
O cidadão brasileiro, segundo esses teóricos, sairá de casa, no dia das eleições, determinado a não eleger corruptos, quem apoia corruptos ou quem, de qualquer forma, se envolveu com maracutaia. Será, nessa simplória avaliação, a revolução pelo voto. É dizer: depois das próximas eleições, nada será como antes; delas emergirá um novo país.
A expectativa criada, partindo de quem parte, pode levar um ingênuo a crer que, num passe de mágica, o eleitor brasileiro mudou a sua visão do mundo circundante, que não mais sufragará nomes que não estejam à altura da outorga, e que, a partir do próximo pleito, depurará a nossa política, escolhendo, com discernimento e critério, os nossos representantes.
Cá do meu canto, com o muito que aprendi e testemunhei, fico com a sensação de que os estudiosos aos quais me reportei parecem viver no mundo da fantasia, sem noção, portanto, de como, na prática, se conquista um mandato nos miseráveis rincões do nosso país.
Eles demonstram, é lamentável constatar, que não têm a exata noção da força que o poder econômico exerce sobre essas comunidades carentes, por onde transitam, a toda evidência, livres, leves e soltos, de forma decisiva e definitiva, os cabos eleitorais, os donos dos currais – os donos dos votos, enfim.
Se eles não sabem, ou preferem não saber, vou lembrá-los como funciona, na prática, a “autonomia” do eleitor nesses ambientes; como é que vota um leitor “consciente” nos grotões; como ele sai de casa “determinado” a votar no “melhor” candidato; como se dá a interferência externa a solapar a “liberdade” dos eleitores; como o eleitor carente forma a sua “convicção”.
Pois bem. Ainda em sua própria residência, ou na casa do cabo eleitoral, ou mesmo no comitê eleitoral, na rua ou a caminho de uma cabine eleitoral, ou até mesmo próximo de uma urna, ele, o eleitor, receberá do dono da sua “consciência”, da sua “convicção”, da sua “autonomia” e de sua “capacidade de discernimento” um cola com o número de um candidato. De posse do número do “seu” candidato, que ele nunca viu, ele se dirige à cabine eleitoral, e digita na urna eletrônica o número que recebeu, como se com esse gesto estivesse cumprindo o seu dever cívico, com independência e sem interferência de terceiros.
Depois de digitar o número de um candidato desconhecido para ele, de cumprir a sua “obrigação” eleitoral, quem vai prestar contas do seu voto e dos seus iguais, da sua “autonomia” e dos seus iguais, da sua “consciência cívica” e dos seus iguais, é o cabo eleitoral, que assumiu o compromisso com o candidato a quem prometeu um número X de votos.
Diante desse quadro, dizer, até com certa ingenuidade, que o eleitor dará a resposta ao candidato que não honrou o mandato, é uma avaliação pueril, convindo anotar, noutro giro, que mesmo nos centros mais avançados, não são poucos os eleitores que votam em face de um favor, em face do pedido de um amigo, por conta de uma amizade, em troca de uma promessa, de uma futura vantagem.
Por tudo isso é que, no exercício do mandato, não são poucos os que não estão nem aí para o que pensa o eleitor. Nesse panorama, ninguém se constrange de apoiar e defender um prefeito corrupto, um governador ímprobo ou um presidente quadrilheiro, porque tem a certeza de que tudo ficará como dantes, no quartel de Abrantes.
Nesse cenário, podem crer, no próximo pleito, mesmo os que estão atolados na Operação Lava Jato, mesmo os que são apontados como quadrilheiros, serão, como muita probabilidade, eleitos novamente, observadas as exceções que sustentam a regra.
Nesse quadro, quem corre o sério risco de não se eleger são os que não fazem da outorga um instrumento de trocas, os que têm ideal, os que não solapam a consciência do eleitor, os que respeitam a vontade do cidadão.
É esperar pra ver.