PENSE NAS COISAS PEQUENAS E SERAS FELIZ

Ouvi, muitas vezes, de pessoas que tinham alguma ascendência sobre mim, que, na vida, para vencer, era preciso pensar grande. Pensar grande na visão dessas pessoas, é almejar mais, sempre mais, pouco importando os meios que nos levem a alcançar esses objetivos. Em outras palavras: era preciso ser ambicioso, agir sempre com determinação para alcançar mais, muito mais, deixando claro, nesses ensinamentos, que, para ir além, o céu seria o limite.

Eu, felizmente, nunca assimilei essas lições. Eu sempre pensei miúdo, no sentido de que sempre fiz as coisas com os pés no chão, sempre me conformei com pouco. Nunca pretendi ir além do que fosse possível alcançar. Meu horizonte nunca foi muito distante, o que, claro, deve ser uma deformação da minha personalidade. Sempre almejei o básico para sobreviver com dignidade. A mim me bastava uma família e condições materiais para lhe oferecer o mínimo de conforto.

É claro que, por pensar assim, durante muito tempo, vendo a ascensão dos ambiciosos, dos que pensavam grande, passei algum tempo me penitenciando, com a sensação de ser um tolo, um estranho no mundo de competição, onde os mais espertos, os mais atilados, os mais ambiciosos e destemidos sempre levam vantagens.

Ficou em mim, nesse cenário, a sensação, como uma penitência, de que podia ter ido além e que, por ser covarde, fiquei sempre aquém. Nesse sentido, durante muito tempo me senti perseguido por esse sentimento. Hoje, no entanto, amadurecido, vejo, conformado, que, sem ambição, fui além do que podia imaginar, na certeza, agora, de que, sendo como sempre fui, sou mais feliz.

Aprendi, também, com a vida, a sublimar as coisas mais simples, a não me agastar excessivamente com os problemas do mundo, a fixar a minha visão nas coisas singelas, a curtir os momentos mais simples: ouvir música, ler um livro ou assistir a um filme, sem, no entanto, ser alienado.

Ao invés de me agastar com os problemas para cuja solução não posso sequer dar a minha contribuição, procuro curtir os momentos que reservo  à convivência familiar, ao meu e-books, ao meu tablet, a minha biblioteca, ao meu quarto de dormir, a um passeio, no final de tarde, num shopping, uma viagem com a família.

No mesmo passo, como disse acima, descuro, abstraio as coisas grandes, aquilo que não posso alcançar, o que não posso resolver, limitando-me a olhar em volta e pensar nas coisas simples da vida, buscando usufruir apenas do que sei que posso alcançar com o fruto do meu trabalho, para não ter que cair na tentação que tem levado muitos à desmoralização pública.

Essas reflexões nunca vêm por acaso. Elas quase sempre surgem de uma leitura que realizo e da qual sempre procuro tirar uma lição, além do prazer que decorre, naturalmente, de estar lendo.

A inspiração para esse artigo, especificamente, veio de um romance que acabo de ler, cuja passagem que me impeliu à reflexão menciono a seguir.

Theo, filho do protagonista Henry, no romance Sábado, de Iam McEwan – romancista inglês dos mais conhecidos de sua geração, autor, dentre outros, dos romances Serena, O Inocente, O Jardim de Cimento, Reparação e Solar -, em determinado momento de um diálogo com o protagonista, soltou um aforismo que foi ao encontro do que penso hoje. Disse, com efeito, que, quanto mais abrangente é o nosso modo de pensar, mais tudo parece escroto.

O pai dele, em face disso, pediu-lhe que explicasse melhor, e ele disse:

— Quando a gente olha para as coisas grandes, a situação política, o aquecimento global, a pobreza do mundo, tudo parece mesmo horrível, nada está melhorando, não há nada de bom para esperar. Mas então eu penso nas coisas pequenas, próximas… sabe como é, uma garota que acabei de conhecer, ou essa música que a gente vai tocar com o Chas, ou brincar na prancha de esquiar na neve, no mês que vem, e aí parece ótimo. Então, o meu lema será este: pense nas coisas pequenas (McEwan, Ian. “Sábado.” Companhia das Letras. eBooks). 

Claro que é impossível, no sentido pregado na obra ficcional, a gente se desligar, definitivamente, dos grandes problemas nacionais, tais como a corrupção que assolo e destrói a nossas esperanças, levando a reboque os nossos sonhos, do descredito das nossas instituições e dos nossos representantes, da violência que grassa, da malandragem dos que, no poder, o exercem sem controles morais, pois isso só seria possível se assumirmos a condição definitiva de alienados; e, se assim procedêssemos, seria como que entregar de vez o país aos espertalhões, que, é fácil constatar, só pensam em seus interesses.

Mas é possível, sim, desviar o pensamento dos grandes problemas nacionais e, até internacionais, para sublimar as coisas pequenas que são as que nos  trazem felicidade.  como, por exemplo, um almoço em família ou uma roda de bate-papo com as pessoas para as quais destinamos os nossos afetos.

COMO UM GATO, NÃO CEDO AO PRIMEIRO AFAGO

 

un-gato-bebe-433Tenho dito, sem surpresa, para os que me conhecem, que não sou do tipo que se entrega ao primeiro afago, ao primeiro aceno. Esse é um traço da minha personalidade que muitos não compreendem. Assim sendo, se deixo transparecer que me entreguei, pode ser – e na maioria das vezes é mesmo -, uma entrega apenas aparente. Nessas questões sou muito resistente. Se é certo ou errado não sei dizer. Sei, no entanto, que, se me entrego mesmo, sou levado ao paroxismo, quase sem meio-termo; sou intenso, tenaz, incondicionado. Antes as os ditames do coração sou quase sem limites, impetuoso, sem perder a racionalidade.

A vida – pessoal e profissional – me ensinou a ser assim, a ter cautelas nas minhas relações, por isso pareço – e sou mesmo – do tipo ermitão, ensimesmado, opção de vida que fui compelido a fazer, depois de mais de trinta anos lidando com criminosos dos mais variados matizes, em cuja lida deparei-me, muitas vezes, com acusados que supunha, num primeiro e precipitado olhar, ser culpados, mas que eram inocentes, conquanto do tipo repulsivos, aparentando ser o que não era, me levando, como levaria qualquer um, a equívocos que conduzem um juízo precipitado.

Lado outro, a justificar o meu ressabiamento, deparei-me com acusados que imaginei inocentes, do tipo de afago fácil, conquistador, envolvente, mas que, ao fim e ao cabo, era culpado, os quais, constatei depois, tratava-se mesmo de pessoas dissimuladas, forjadas para enganar, escamotear, fingir, ludibriar, dessas com as quais todos nos deparamos por aí, cuja maior “virtude” é a capacidade de passar as penas do semelhante.

Com esses tipos extremados e enganadores aprendi muito do que sei da vida. Aprendi, nesse mundo, que a condição de juiz nos ensina a confiar desconfiando, a crer descrendo, procurando, no entanto, apenas por prevenção, sem amarguras, pois o homem existe mesmo é para provocar em nós esse sentimento contraditório que só ele é capaz de proporcionar, conviver amistosamente, mas com a cautela necessária.

Por ter vivido intensamente os momentos marcantes que me foram proporcionados pelo meu trabalho e por ter, no mesmo passo, me defrontado com as personalidades mais díspares e mais surpreendentes, é que, como uma defesa, aprendi a agir com cautelas nas minhas relações, sem me deixar envolver pelo primeiro aceno, sem me deixar impressionar com o primeiro gesto, sem me precipitar na primeira avalição, para não julgar precipitadamente, afinal, como tenho reafirmado, do ser humano se pode esperar qualquer coisa.

Reluto, olho, tergiverso, vou adiante ou dou um passo à frente, para, só depois, sedimentar as minhas relações. Reflito, pois, com muita intensidade, para, só depois, me entregar; entrega que, muitas vezes, se verifico tibieza no interlocutor, nem se concretiza definitivamente; mas se ela se concretiza, rompidas todas as barreiras, explodidas todas as pontes, vou ao extremo, me entrego por inteiro.

Como um gato, portanto – diferente do cão -, tenho uma enorme dificuldade para me afeiçoar ao estranho. Aliás, como os gatos, nem consigo mesmo me afeiçoar aos estranhos, por isso me identifico muito com esse animal, por quem tenho paixão, adoração. E quem não os conhece imagina, equivocadamente, tratar-se de um animal frio e calculista, dado a traições, o que, definitivamente, é um equívoco; equívoco que só se dissipa depois que se convive com eles, que são dóceis, amáveis, carinhosos, brincalhões, amigos, mas tudo na medida certa, sem exageros, sem fingimentos, daí a minha identificação com o bichano.

Não sou mesmo, repito, do tipo simpático, entregue ao primeiro afago. Aliás, tenha até uma certa restrição ao primeiro fago; tenho sempre a perturbadora sensação de que ele pode ser meramente protocolar – e, na maioria das vezes, é mesmo -, por isso prefiro primeiro a cautela para só depois, consolidar a relação. Preservo, nas minhas relações, uma distância de prudência, distância e prudência que me permitem me proteger dos afagos oportunistas.

É muito difícil para mim me apresentar como a pessoa que não sou. Por isso nunca trago as pessoas enganadas sobre mim. Nesse sentido, que tem que se decepcionar comigo o faz logo no primeiro momento, no primeiro contato, pois não sei dissimular.

Às vezes, na ânsia de ser simpático, forço a barra, até tento ser o que não sou verdadeiramente, apenas para preservar a fidalguia, o relacionamento. Mas não vendo essa falsa percepção de mim mesmo por muito tempo. Logo me revelo por inteiro. Em mim, devo dizer, causa até uma certa irritação o afago desmedido, os elogios obsequiosos, a conivência oportunista, o excesso de mesura, os gestos que parecem excessivos.

Quiçá em face da equivocada ideia de que gato deve ser desprezado por ser um animal ensimesmado, Albert Camus narra no livro A peste o comportamento de um dos personagens que, todos os dias, depois do almoço, nas horas em que a cidade inteira cochilava no calor, um velhinho aparecia numa varanda do outro lado da rua, com os cabelos brancos e bem penteados, ereto e austero nas suas roupas de corte militar, chamava os gatos com um “bichano…bichano” ao mesmo tempo meigo e distante. Os gatos, prossegue a narrativa, levantavam os olhos pálidos de sono, sem se perturbarem. O outro rasgava pedacinhos de papel e os jogava na rua; os bichos, atraídos por essa chuva de borboletas brancas, avançavam para o meio da calçada, estendendo uma para hesitante para os últimos pedaços de papel. O velhinho malvado escarra, então, sobre os atos, com força e precisão. Se um dos escarros atingia o alvo, ele ria. Para infelicidade do velhinho ranzinza, quando mais ele precisos dos gatos, em face da enormidade de ratos que apareceram durante a epidemia, eles tinham desaparecido. Não havia gatos para os ratos e nem para servirem de alvo para os escarros do personagem. (Albert Camus, ebook)

A lição se pode tirar do episódio, se comparado com o jeito esquisito de algumas pessoas, cautelosas, arredias como um gato, é que não se deve julgá-las e nem escarrar sobre elas as suas iras, apenas porque elas não são como gostaríamos que fossem.

 

DE SACO CHEIO

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“[…]Essa história de que, por ser magistrados, somos ricos é uma pecha que incomoda, que enche o saco, que estigmatiza, tanto que, por pensar assim, parcela expressiva da sociedade, nos distingui – distinção que incomoda -, algumas vezes, com a venda de bens ou serviços por valores inflacionados, em face dessa equivocada impressão de que somos ricos e sem limites para gastar[…].

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O título que dei a esse artigo decerto que pode até não ser o mais apropriado, o mais condizente. Mas foi o que achei que podia traduzir com mais fidedignidade como me sinto em face do tema que escolhi para as minhas reflexões de hoje.

Devo dizer, inicialmente, que não é pecado ser rico. Juntar bens materiais não é, numa sociedade capitalista, nenhum pecado. Pecado mesmo – para não dizer crime – é amealhar bens materiais ilicitamente, desviando verbas públicas, fazendo negócios espúrios, recebendo propina, vendendo decisões, passando a perna nas pessoas.

Amealhar bens materiais com dignidade, com o fruto do trabalho, honestamente, sem achacar o semelhante, é algo que deve, até, ser enaltecido, afinal, para enriquecer, além de trabalhar, tem-se que ter habilidade e sorte para esse fim. Ninguém deve ser condenado, portanto, por ser rico, por viver bem, em face dos bens que conseguiu, pagando os seus impostos, vivendo, enfim, com dignidade.

Faço essa digressão apenas para dizer que, não sendo rico, vivendo apenas com os meus estipêndios, vivendo como vivem os que são bem remunerados, mas sem ostentação, se esnobismo, até modestamente, estou de saco cheio de tanto ouvir, por onde passo, nas compras que faço, nos ambientes que frequento, que desembargador é rico e que, por ser rico, não deveria ter restrições para comprar e nem deveria pechinchar.

Devo dizer, como um desabafo, que isso é uma falácia, que ninguém enriquece sendo juiz ou desembargador, pela elementar razão de que, se é verdade que somos bem remunerados, a considerar a nossa realidade, nenhum de nós, que não tenha herdado, que não tenha casado com consorte rico ou que não tenha ganhado na loteria, não pode, não tem como ser rico, se viver somente dos valores que percebe a guisa de remuneração.

Essa história de que, por ser magistrados, somos ricos é uma pecha que incomoda, que enche o saco, que estigmatiza, tanto que, por pensar assim, parcela expressiva da sociedade, nos distingui – distinção que incomoda -, algumas vezes, com a venda de bens ou serviços por valores inflacionados, em face dessa equivocada impressão de que somos ricos e sem limites para gastar.

Dia desses, conversando com os amigos a propósito das dificuldades financeiras pelas quais passa a expressiva maioria do povo brasileiro, ouvi deles que problema financeiro só quem não tem são os políticos e magistrados, e que estes com os salários em torno de 100 mil reais, não tinham do que se queixar, o que, convenhamos, é uma equivoco, uma maldade, uma grosseria que incomoda, pois nos coloca numa situação delicada diante de tantas dificuldades pelas quais o semelhante passa nos dias atuais.

Vou reafirmar, para que não se tenha mais dúvidas: nenhum juiz ou desembargador que viva apenas do salário pode ser rico, porque, simplesmente, ninguém que ganhe o salário que percebe um magistrado pode, de rigor, enriquecer, a menos que tenha a capacidade de multiplicar os pães ou que tenha obtido bens  por outro caminho que não seja os referentes aos seus ganhos mensais.

 

 

 

A TENDÊNCIA DO SER HUMANO É ACREDITAR

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“[..]Haverá quem diga: é só saber escolher. Mas quem diz isso desconhece a realidade das eleições. Não é assim que as coisas funcionam. De rigor, nos bolsões de miséria, que é aonde se decidem as eleições, o eleitor não tem independência, não vota por convicção, não escolhe, não elege; ele é levado pelas circunstâncias, vota de acordo com os comandos dos cabos eleitorais, que compram a sua consciência e transferem o seu voto a quem paga mais[…]”.

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“Ao longo do tempo, no correr das gerações, o mais eficaz pode ter sido isto: por via das dúvidas, acredite” (Trecho de: McEwan, Ian. “Sábado.” Companhia das Letras. eBooks).

É partir desse fragmento do romance do grande escritor britânico Ian McEwan que pretendo desenvolver o tema que elegi para esse artigo, como o farei a seguir.

Dizem que a tendência do ser humano é acreditar. E é mesmo! Sempre foi assim. Tem sido assim, e assim o será. É preciso acreditar sempre. Difícil viver ser acreditar. Tendemos, por isso mesmo, nos conduzir a partir da nossa crença até aonde é possível. Só depois de frustradas as nossas expectativas, é que tendemos desacreditar. Mas até chegar lá já percorremos um longo caminho, muitas foram as frustrações e os desalentos que deixamos para trás.

O certo mesmo é que é preciso crer, é precisar ter fé. Nessa perspectiva, é curial convir que, no mundo em que vivemos, só mesmo crendo, só mesmo com muita fé – e muita resignação – a gente consegue viver um pouco melhor.

Nesse panorama, importa assinalar, somos presas fáceis dos espertalhões, espertalhões que estão por aí, em todos os lugares, tirando proveito das nossas crenças, das nossas fragilidades, da nossa capacidade ilimitada de acreditar.

Mas, ainda assim, mesmo diante de tantos dissabores, de tanta desilusão, de tantas mentiras, de tanto engodo, sobretudo protagonizados por aqueles para os quais conferimos uma outorga para nos representar, é preciso acreditar, perseverar na crença, ainda que nos frustremos, a todo instante, em face da ação dos vendedores de ilusão, os mesmos que roubam os nossos sonhos e sobre os quais já falei em outras oportunidades.

Ainda que reconheça que é preciso acreditar, não me acanho de indagar, paradoxalmente, como acreditar em face de tantos desvios de conduta, exatamente daqueles que conferimos poderes para nos representar e que deveriam ter uma conduta irrepreensível, mas que, diferente do que se espera e crer, têm as suas vistas, as suas ações voltadas apenas para os próprios interesses?

Contraditoriamente, insisto em indagar, como continuar acreditando se vemos diante dos nossos olhos uma gravíssima deformação moral dos nossos representantes, os quais deveriam, ao reverso, pautar as suas ações pela retidão de caráter, pela postura moral libada e retilínea, mas que agem sem nenhum controle moral, a começar pelas promessas mentirosas e despudoradas s com as quais se elegem, para, uma vez no poder,  cuidarem apenas dos seus próprios interesses?

Como continuar acreditando num pais no qual o juiz que revoluciona a nossa história é chamado, por manifestantes irresponsáveis, de canalha, exatamente por ter tido a coragem, que nenhum outro teve na nossa história, de punir os desvios de conduta dos agentes públicos e empresários os quais enriqueceram subtraindo do povo o dinheiro que deveria ter sido destinado para fins humanitários?

Como acreditar tendo de conviver com os que, não sendo canalhas, não têm nenhuma capacidade de discernimento, mas que, apaixonadamente, desfraldam a bandeira da iniquidade na tentativa de descreditar aquele que, não sendo herói, promove uma verdadeira revolução nos costumes políticos do nosso país, punindo exemplarmente muitos que, ao longo da nossa história, sempre passaram ao largo das instâncias persecutórias, sob o escudo protetor do poder que ostentam?

Como persistir acreditando se, a cada dez notícias veiculadas sobre falcatruas, em nove delas estão envolvidos os nossos representantes?

Como acreditar se, por mais que sejam desonestos os nossos representantes, são eles que continuam dando as cartas, são eles que têm prestigio, são eles que legislam, são eles que comandam os nossos destinos, são eles que mantém os chefes dos executivos reféns de suas vontades?

Haverá quem diga: é só saber escolher. Mas quem diz isso desconhece a realidade das eleições. Não é assim que as coisas funcionam. De rigor, nos bolsões de miséria, que é aonde se decidem as eleições, o eleitor não tem independência, não vota por convicção, não escolhe, não elege; ele é levado pelas circunstâncias, vota de acordo com os comandos dos cabos eleitorais, que compram a sua consciência e transferem o seu voto a quem paga mais.

Em face desse quadro fica difícil continuar acreditando. Desde a minha mais tenra idade que ouço dizer que as coisas estão mudando, sem nunca mudarem. E quando aparece um magistrado corajoso para mudar o quadro, as paixões políticas e o sectarismo trabalham para desacreditá-lo. E parte do povo, como gado, vai junto. Passa a crer no que não devia acreditar, pela necessidade que todos temos de continuar acreditando, com a esperança de que um dia as coisas possa mudar, definitivamente, pois, afinal, como diz Ernest Hemingway, em o Velho e o Mar,  é pecado não ter esperança.

Julgamentos sumários

A seguir, excertos do artigo a ser veiculado na imprensa local, a propósito dos julgamentos sumários.

“[…] Desprezar as provas, fazer vista grossa em face do erro judiciário, para mim, é o mesmo que pretender dar aparência de legalidade aos linchamentos que temos testemunhado, pois, numa ou noutra situação, o que se está, de rigor, é negando o Estado de Direito, decidindo à margem da lei, a pretexto de fazer justiça, flertando, todavia, com a barbárie.

O nosso comando, o nosso rumo, a nossa direção e no nosso prumo são ditados pelas normas existentes no ordenamento jurídico, daí por que nos é defeso fazer concessões não contempladas no direito positivo, a pretexto de fazer justiça, como fazem os que optam pela autotutela, inviabilizando, no mesmo passo, que ao réu seja oportunizado exercício de sua defesa, na amplitude contemplada pela nossa Constituição[…].

 

Letra morta

O art. 387, IV[1], do CPP, alterado pela Lei nº 11.719/08, pretendeu imprimir celeridade à pretensão indenizatória às vítimas de crimes, dotando a sentença penal condenatória transitada em julgado dos atributos de título executivo judicial (liquidez, certeza e exigibilidade), possibilitando o ingresso direto na via executiva.

Inobstante salutar a alteração legislativa, os juízes criminais, lamentavelmente, não estão conduzindo a persecução criminal de forma adequada quanto a essa questão, porque o valor indenizatório não é submetido ao crivo do contraditório e ampla defesa ao longo da instrução.

Fundo partidário

Vejo, na Folha de S. Paulo, de hoje, que os nossos representantes almejam aumentar para seis bilhões de reais o fundo partidário.

Atenção: eu disse 6(seis) bilhões de reais.

O absurdo da pretensão não é o valor em si. Democracia é cara mesmo.

O absurdo é saber que financiamos as eleições deles para que eles cuidem dos seus próprios interesses.

Isso é uma vergonha!

É impossível não se indignar.

O que mais me agasta é a passividade do povo brasileiro.

PODER E AFETOS

 

“[…]O desapreço, a falta de afeto do Imperador pela pacata, exemplar, dedicada e sofrida princesa Leopoldina, foi decisivo para nas dificuldades que ele teve para encontrar na Europa uma nova consorte, pois a sua péssima reputação cruzou o oceano, e as princesas no velho continente fugiram apavoradas só em se imaginarem reviver na própria carne o calvário de Leopoldina, triste e desprezada pelo homem a quem dedicou a sua vida e a quem o poder apenas estimulou a ser cruel e, às vezes, desumano, daí fazer por merecer a fama de sultão sul-americano, assassino da própria esposa, que transformou a corte brasileira em um bordel de luxo[…]”.

 

Tenho refletido muito sobre as consequências que decorrem do exercício do poder – seja absoluto ou moderado –  para o afeto nas relações pessoais, com destaque para as relações familiares. É que tenho testemunhado, pessoalmente ou na literatura, o mal que pode fazer o exercício do poder para as relações afetivas, muitas das quais, não se pode negar, sucumbem diante da falta de equilíbrio no exercício de um cargo relevante. Isso porque é a partir do poder que muitos revelam o seu caráter, as suas tendências – para o bem ou para o mal, mais para o mal do que para o bem -, a sua propensão para desprezar os afetos, mesmo os familiares, se necessário for, para se preservar no poder.

A vida do Imperador D. Pedro I, quer na visão de Isabel Lustosa (Ed. Companhia das Letras), quer na visão romanceada, de Javier Moro (Império é você: A fascinante saga do homem que mudou a história do Brasil,  Ed. Planeta, iBooks), e as barbaridades do Rei Henrique VIII (The Tudors, série exibida no Netflix), obras sobre as quais me detive mais recentemente, me levam, definitivamente, a essa constatação lamentável, ou seja, de que o poder – seja absoluto ou não – tem, sim, o condão de, quando conveniente ao detentor, romper os afetos familiares, tornar descartáveis as amizades e estimular as arbitrariedades.

Em face da miopia que povoa a mente de quem exerce o poder – que pode ser exemplificado, ademais, com as conflituosas relações de D. João VI e D. Carlota Joaquina, com a guerra fratricida entre D. Miguel e D. Pedro I, e a forma desumana e desrespeitosa com que D. Pedro I tratava D. Leopoldina, a quem só deu valor depois de morta, já que vivia embriagado e cego pelo prazer que desfrutava nos braços de Domitila -, aos afetos restam, muitas vezes, apenas as sobras, as migalhas das relações.

Os exemplos históricos – e atuais – dos rompimentos dos afetos em face do poder são incontáveis. Lembro, ademais, à guisa de ilustração, que Pedro, “o Grande”, por exemplo – como fez Henrique VIII com Ana Bolena -, mandou decapitar a amante e depois segurou a cabeça dela, usando-a numa aula de anatomia, despedindo-se dela, macabramente, com um beijo na boca; Ivan, o terrível, conhecido pela crueldade, matou o próprio filho.

As correspondências eróticas entre Alexandre II e sua amante e de Pedro I e Domitila, a famosa Marquesa de Santos, a qual acima me reportei, são mais dois exemplos da falta de afeto familiar que o exercício do poder proporciona, que se torna incontrolável quando aliado à falta de caráter dos que não têm pudor e nem limites morais para o seu exercício.

O desapreço, a falta de afeto do Imperador pela pacata, exemplar, dedicada e sofrida princesa Leopoldina, foi decisivo para nas dificuldades que ele teve para encontrar na Europa uma nova consorte, pois a sua péssima reputação cruzou o oceano, e as princesas no velho continente fugiram apavoradas só em se imaginarem reviver na própria carne o calvário de Leopoldina, triste e desprezada pelo homem a quem dedicou a sua vida e a quem o poder apenas estimulou a ser cruel e, às vezes, desumano, daí fazer por merecer a fama de sultão sul-americano, assassino da própria esposa, que transformou a corte brasileira em um bordel de luxo.

As pessoas embriagadas com o poder absoluto – que nem precisa ser tão absoluto assim, como anotei acima – sequer têm ouvidos pra ouvir conselhos dos que lhes prezam, mesmo porque os acólitos,  os que estão em volta do poderoso, às vezes só mesmo por interesse e por conveniência – como o Chalaça, o Sancho Pança de D. Pedro I -,  só costumam dizer aquilo que a eles convém, sendo, nesse cenário, uma louvável exceção posições como a de José Bonifácio que, certa feita, quando do seu retorno à corte, tempos depois de ter se afastado em face das posições intempestivas do imperador, recusou os cargos que este lhe ofereceu, dizendo que não almejava nenhum deles, pois o que desejava mesmo era servir de advogado do diabo, sem posição e sem remuneração, pretendendo, nessa condição, “ser livre para falar da maneira mais franca possível, e se me permitir mostrar os erros e falhas que vier a cometer, porque isso é de interesse de vossa majestade, de seus filhos e de todos nós.(Javier Moro, ob. cit. iBooks).

Para encerrar, devo dizer, convicto, que não permito que o poder interfira no afeto das pessoas que amo. Por isso, nada em mim mudou. Posso ser, sim, arrogante e prepotente como muitos pregam, por maldade ou com razão. Contudo, sou rigorosamente o mesmo de sempre. Frequento os mesmos lugares. Os amigos são os mesmos. A rotina é a mesma. As tertúlias continuam restritas à família e aos poucos, sinceros e leais amigos.

Decerto que o meu afeto e o meu carinho pelas pessoas que amo permanecem inalterados. Mas sei que não é o que ocorre com os que se embriagam com o poder, ainda que apenas uma fatia dele, pois esses costumam pensar que são muito mais do que efetivamente são. Por isso, são mais do que comuns, nos ambientes em que se sublima o poder, as disputas familiares, as desavenças entre parentes e amigos, as quais terminam por corromper os próprios afetos. Daí porque, em campo antípoda, tenho dito que, entre o poder e os meus afetos, não hesito em optar por estes.

E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com