A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA

A fraude à cota de gênero tem sido, no dias atuais, indubitavelmente, um tema
candente do Direito Eleitoral, pelos objetivos a que ela se propõe, no sentido de incentivar a
participação feminina na política, em tributo ao pluralismo político.
Inobstante a proteção legal à cota de gênero, a verdade que se manifesta, translúcida
e inquietante, é, contraditoriamente, a disseminação, em todo o país, de fraudes escancaradas e
acintosas às reservas de gênero, disso resultando que, em lugar da promoção da participação
feminina, o que temos testemunhado é a reafirmação da exclusão da mulher da política
Importa consignar, a propósito, que a necessidade de estímulos à participação política
das mulheres ganhou força com a Constituição Federal de 1988, mas a realização desse
desiderato acabou se revelando uma verdadeira guerra, realidade fática que se pode inferir em
face das várias provocações à Justiça Eleitoral em face da disseminação das chamadas
candidaturas laranjas, pífias, fictas ou fraudulentas.
A verdade é que, ao final de duas décadas, o progresso resultante das medidas
legislativas, visando o estimula à participação feminina, foi muito tímido, a demonstrar a
necessidade de reação dos atores institucionais. Nesse afã, a missão cabe, também e
precipuamente, à Justiça Eleitoral, através de sua atuação jurisdicional e regulamentar, donde
se espera atuação determinada no afã de coibir os abusos.
A conclusão, em face do que tenho testemunhado como ator institucional com atuação
na Corte Eleitoral do Maranhão, lamentável dizer, porque isso se traduz em inaceitável
menoscabo à mulher, é que muitas candidaturas femininas passaram a compor as listas
partidárias como mera formalidade, ou seja, apenas para que os partidos se adéqüem à
legislação.
Nesse cenário, a Justiça Eleitoral deve, sim, com equilíbrio e sensatez, mas de forma
determinada, adotar uma postura evolutiva, progressiva e adaptativa – a considerar que as
fraudes tendem à sofisticação -, de modo a, sem descurar de sua responsabilidade e sem
excessos, lançar os seus tentáculos em face dos protagonistas das fraudes, ainda que tenha que
decidir contramajoritariamente.

Tenho reafirmado que somente a interpretação evolutiva do direito, consentânea com
os dias presentes, nos levará à sua atualização, pois é dever do intérprete estar atento à
evolução da sociedade e, no caso das cotas de gênero, a sofisticação das ações ilícitas está a
exigir, que, na análise do caso concreto, a lei seja analisada evolutivamente, isto é, não em face
do ambiente em que foi criada, mas em face do cenário em que foi infringida, sob pena de
restar inviabilizada a punição dos fraudadores.
É preciso ter em conta, a propósito das fraudes em comento, que a construção
jurisprudencial atual se consolidou em um ambiente que aos poucos foi se sofisticando – e
tende a se sofisticar ainda mais –, daí as dificuldades que temos de definir o que seja uma
candidatura ficta/laranja, a exigir que evoluamos na análise dos fatos, bem assim no que condiz
com a sua subsunção à normativa, ante a óbvia constatação de que uma interpretação que era
correta num determinado momento, pode ter-se tornado inapropriada em ocasião posterior,
disso resultado que não se pode dar a mesma solução a um problema que sofreu mutação em
razão das alterações no plano da realidade fática.
E a realidade fática, quando se trata de fraude eleitoral, todos sabemos, muda com o
tempo, se sofistica em busca do aperfeiçoamento, a exigir das instâncias de controle uma
interpretação progressiva, evolutiva e, no mesmo passo, destemida, sem descurar, claro, do que
efetivamente restar apurado, pois ao julgador não é dado o direito de agir em face de suas
convicções, de suas idiossincrasias, conquanto não se possa perder de vista um inevitável
coeficiente de subjetividade em suas decisões.
É isso.

LIBERDADE TEM LIMITE

Os iconoclastas (destruidores de imagens) costumam simplificar, ou seja,
sintetizar, num conceito menor, numa frase, enfim, o que pensam das pessoas que pretendem
destruir a imagem, para, a partir de um rótulo, defini-las e marcá-las com cores vivas e
chamativas, para que todos saibam de quem se trata, segundo a sua torpe e deformada visão,
constatação que se revela ainda mais danosa nas pugnas eleitorais, ambiente no qual o que vale
mesmo é a obtenção de dividendos eleitorais, ainda que a custa da honra das pessoas.

Assim é na vida; assim é, infelizmente, na (má) política.
Para ilustrar, dois exemplos, – um de ontem, e o outro, de hoje – da ação dos
que têm por afã atingir a imagem das pessoas, sempre a partir de sua visão de mundo.
Mário de Andrade, cuja construção literária todos reconhecem, tem sido muito
mais lembrado pela sua não assumida condição de homossexual (?) do que em face de sua
monumental obra.

Muitos querem saber – curiosidade mórbida – de suas preferências sexuais,
como se isso fosse relevante. É uma curiosidade esquizofrênica. Afinal, indagam os
curiosos/perversos: era ou não era homossexual o autor de Macunaíma? Teria sido para não
desvendar esse mistério, que tanta curiosidade desperta, que, por tantos anos, os seus
descendentes proibiram que a sua biografia fosse lançada?

O afã, no caso, é, tão somente – por mais demodé que possa ser a intenção –

atingir o direito da personalidade do renomado escritor.

Finalmente, a biografia de Mário de Andrade saiu. E, para satisfação dos
curiosos, o biógrafo Jason Tércio desvenda o mistério: seria ele, segundo dados antecipados da
biografia em comento, bissexual.

Nessa revelação vem embutida a seguinte pergunta: Qual a importância dessa
informação para a literatura brasileira? Decerto que ninguém sabe responder, mas os curiosos,
ou iconoclastas, finalmente saciarão a sua sede.

Luis Felipe Scolari, alcunhado Felipão, é um técnico vitorioso. Campeão do
mundo pelo Brasil e com trabalho destacado pela sua qualidade, por muitos analistas mundo a
fora. Todavia, é lembrado, sempre, como o técnico que levou o Brasil à sua segunda maior
humilhação em Copas do Mundo.

Os exemplos que cito aqui, à guisa de ilustração, faço-o em face da
inquietação que causa em mim testemunhar, como integrante de uma instância formal de
controle, as tentativas que são feitas – marcadamente potencializadas pelos interesses que
subjazem -, nas campanhas eleitorais, de desqualificar o adversário político, traduzidas, muitas
vezes, em ofensas pessoais, muitas das quais com repercussão em sua honra – objetiva e
subjetiva -, direito da personalidade protegido pela Constituição.

Nesse panorama, que não edifica e que assusta, assisto, estupefato, mas
determinado, abusos da liberdade de expressão, sob o manto da propaganda eleitoral

autorizada, com o fito, tão somente, de atingir o adversário, sem a mais mínima preocupação
com as propostas para o exercício do mandato, as quais, quando apresentadas, diante de um
ambiente de agressões, terminam sendo pulverizadas e desprezadas pelo próprio eleitor.
Diante desse quadro, tenho sido rigoroso no exame das questões submetidas
a meu escrutínio, enquanto integrante da Corte Eleitoral do meu Estado. Nesse afã, não
tergiverso diante de uma agressão em face do uso da palavra para ofensa pessoal, ante a
compreensão de que é preciso, sem tergiversar, coibir os abusos, enfrentar com rigor os
discursos odientos e preconceituosos, criar um caldo de cultura tendente a dissuadir os
transgressores, afinal, liberdade de expressão, direito à informação e liberdade de pensamento,
próprios de um regime democrático, não se confundem com agressões, baixarias ou
achincalhes, sabido que, como tudo na vida, liberdade, seja ela qual for, tem limites, e os limites
estão inseridos na própria Constituição e nas leis que dela dimanam, cabendo as agências de
controle, no âmbito de sua competência, agirem com denodo e determinação, para que não se
incuta na sociedade a danosa sensação de que vale a pena transgredir.

É isso.

SUA EXCELÊNCIA O ELEITOR

Hoje é dia de festa – festa cívica, festa da cidadania; festa da democracia,
enfim, cujo protagonista, o mais reluzente, o mais destacado e para o qual devem ser
dispensadas todas as atenções, é o eleitor, que, com o título nas mãos, consciência e
informação, pode, sim, pela sua soberana vontade, decidir os destinos do nosso país.
Importa consignar, a propósito, que a evolução dos costumes políticos, em
benefício do nosso país, só será possível, como todos almejamos, se o eleitor votar
livremente, sem deixar-se levar por qualquer tipo de pressão que possa
macular/desvirtuar a sua liberdade de escolha.

A Justiça Eleitoral, por seus intrépidos juízes e servidores, contando com a
união de forças das demais agências de controle, está fazendo a sua parte, com
dedicação integral, para que o pleito se realize sob a égide da mais escorreita e estrita
legalidade, como, aliás, tem sido a marca dessa justiça especializada, que a cada dia
mais se esmera, mais se qualifica na consecução do seu mister, fruto de sua natural
vocação para fazer o correto.

Escolher o melhor candidato dentre os players, depois de avaliar com apuro
as suas propostas – sem descurar da sua história, claro -, pode, sim, fazer a diferença e,
no mesmo passo, representar uma boa perspectiva de solução de muitos dos problemas
que nos afligem, na medida em que, como de sabença comezinha, das nossas escolhas
resultam consequências – boas ou más – para o conjunto da sociedade, inclusive quanto
ao enfrentamento da nossa maior chaga – a corrupção -, em face da qual muitos dos
nossos problemas têm se eternizado, sem perspectiva de solução, nos condenando a ser
o país do futuro, para usar o título do livro do judeu-austríaco Stefan Zweig, no qual
expôs, em plena era Vargas, a sua visão, ufanista e romântica, de um país cujo futuro
ainda parece distante.

A história registra que quando erramos nas nossas escolhas, quando não
temos a dimensão do que representa o voto, todos pagamos, indistintamente, pelos
equívocos cometidos, daí a necessidade de que façamos um juízo crítico na hora de
votar, sem nos deixar contaminar por falsas promessas e muitos menos pela paixão
política que, forçoso reconhecer, oblitera a capacidade de discernimento do eleitor.
O voto, tem-se dito amiúde, é uma arma poderosa – e quanto a isso não
tenho dúvidas; arma que, no entanto, pelo poder que encerra, deve ser usada com
equilíbrio e sensatez, mirando, sempre, o interesse público, sabido que, quando o eleitor e
o candidato voltam os seus olhos na direção dos seus próprios interesses, acabam por
desvirtuar o sentido da escolha feita, subvertendo, nesse passo, o próprio alvitre da
democracia representativa.

O voto é, sim, um direito do cidadão, uma manifestação de vontade que não
pode ser arrostada, pois é a partir dele que escolhemos os nossos mandatários, os quais,
dependendo das nossas opções, podem se traduzir num mau ou num bom representante,
sendo este, aquele que se despe dos seus interesses pessoais e age consciente de que
os limites de sua atuação são impostos pelos compromissos assumidos e pela decência
no desempenho da outorga que lhe é feita, e aquele, o que age sem consciência cívica,
sublimando os seus interesses em detrimento do interesse coletivo.

É preciso ter presente, nesse momento tão relevante da vida do nosso país,
que, numa democracia, a soberania é do povo, que apenas delega parte dela aos seus
representantes, os quais, ante a outorga, devem se esmerar no cumprimento de suas
promessas de campanha, para que não se desvirtue o sentido da representatividade.

Na condição de Vice-Presidente do TRE/MA, e seu Corregedor-Geral,
almejo que o dia de hoje seja um marco para a nossa democracia e que os
eventualmente eleitos tenham plena consciência e dimensão da representatividade
conferida, em tributo à confiança depositada por sua excelência, o eleitor.

É isso.

O USO MALSÃO DAS PALAVRAS

A nossa comunicação, como regra, se dá pela palavra – falada ou escrita. Da comunicação
pela palavra, como sabido, podem advir múltiplas consequências, na medida em que ela pode ser usada
para incontáveis finalidades. Nesse sentido, se é verdade que serve para externar, por exemplo, um bom
sentimento, uma mensagem positiva, pode ser utilizada – e, não raro, é – também, para desonrar o
semelhante, disso resultando a necessidade de proteção estatal, a considerar que o direito à honra é um
dos mais destacados direitos da personalidade, acompanhando o indivíduo desde o seu nascimento até
depois de sua morte.

Numa sociedade civilizada, o que se espera é que a palavra cumpra o seu papel de
facilitadora da comunicação entre os humanos, pois quando desborda dessa finalidade, quando ela é usada
para finalidade escusa – para disseminar inverdades, por exemplo – , as relações interpessoais tendem a se
fragilizar, a exigir a intervenção do Estado, por suas agências de controle, afinal, como diz o adágio
popular, “o homem é dono do que cala e escravo do que fala”, razão pela qual deve ser responsabilizado
– civil e penalmente – ,sempre que extrapola, com a palavra, os limites impostos pela ordem jurídica, a
quem deve, sim, rigorosa vassalagem.

Mentir, através da palavra, escrita ou falada, assacar inverdades contra a pessoa (face cruel
do seu uso), significa grave violação ao respeito que se deve ter ao próximo, ainda que o próximo seja um
oponente, disso inferindo-se que, sobretudo no processo eleitoral (alvitre dessas reflexões), é necessário
especial atenção para que o uso da palavra não se afaste dos seus objetivos precípuos, para que não se dê
vazão à lógica de um espetáculo macabro que pode, sim, impor sofrimento injustificável à pessoa,
máxime quando resulta ofensa à sua dignidade, reconhecida como valor-guia, não apenas dos direitos
fundamentais, mas de toda ordem jurídica – constitucional e infraconstitucional.

Tenho testemunhado, desde sempre, nas pelejas eleitorais, o uso malsão da palavra, do que
resulta o desvirtuamento do sentido da propaganda eleitoral, na medida em que, em vez de ser usada para
apresentação de propostas, tem servido, aqui e alhures, para desacreditar, desluzir, conspurcar a imagem
do adversário, transformando as pugnas numa guerra declarada ao opositor, cujo afã é constrangê-lo
moralmente, com a exposição, até, de sua vida privada.

Nesse panorama desalentador, é preciso que unamos forças para que as pugnas eleitorais
não se transformem num vale tudo, e que o uso da palavra se faça em face dos seus reais objetivos, qual
seja, de orientar, de definir propostas, de exposição de ideias, e não para o achincalhe, para enxovalhar,
desdourar a honra do adversário, com o abespinhamento, no mesmo passo, a ordem jurídica.

Em arremate, consigno, na esteira da linha de raciocínio aqui desenvolvida, que a primeira
condição para que a palavra cumpra a sua função é que ela exprima a verdade, pois a vida em comum se
transformará em algo insuportável se as nossas relações não estiverem apoiadas na veracidade, convindo
destacar que o que vale para as relações interpessoais vale, da mesma forma e em igual ou maior medida,
para as pelejas eleitorais, na medida em que a palavra desvirtuada da sua mais escorreita finalidade tanto

serve para atingir o oponente como para desqualificar quem faz mau uso dela, pois, a partir dela, revela-
se, a toda evidência, o lado mais perverso da personalidade do sujeito mendaz.

É isso.

DIAS DE FÚRIA

Trago a lume, para ilustrar, dois fatos assustadores, dentre os
muitos que têm sido noticiados nos últimos dias, fruto das paixões políticas
mais extremadas, que, para mim, homem médio, são injustificáveis; isso sem
falar dos atos antidemocráticos que se espalham pelo país.

O primeiro condiz com a notícia veiculada na imprensa
nacional dando conta do enforcamento de um menor de 7 (sete) anos, por
um policial civil, em face de ter mencionado o nome de um determinado
candidato à presidência da República.

O segundo fato restou traduzido, assustadoramente, numa
pesquisa do Datafolha, segundo a qual sete entre dez brasileiros têm medo
de ser agredido por causa de política, fruto de eventos da natureza do fato
antes destacado.

Os fatos em comento, aos quais se somam tantos outros de
igual matiz, mostram-nos, a toda evidência, que estamos diante de uma
situação de quase descalabro, vivendo dias de fúria, vendo famílias, até
então unidas, fragmentadas, cindidas, divididas, em face de posições
políticas.

Nesse cenário, li, dia desses, fruto do bom humor dos que
ainda guardam alguma lucidez, que, depois das eleições, as reuniões
familiares se transmudariam em verdadeiras audiências de conciliação,
tamanha as divergências que decorrem das paixões políticas mais
exacerbadas.

Pelo que tenho testemunhado, nada obstante, as dissenções,
em alguns casos, são tão graves que conciliação não haverá, fruto da
toxidade que impregnou a alma de alguns fanatizados.

O que todos temos visto, em face dessa irracional paixão
política, são verdadeiras “guerras” – guerras fratricidas mesmo – travadas em
ambientes outrora cordatos, a contaminar as relações mais comezinhas, em
detrimento mesmo, numa visão holística, da paz social, na medida em que as
dissenções alcançaram, para minha estupefação, até, as casas religiosas,
outrora relevante instância de controle social.

Confesso-me estarrecido e desalentado com atitudes que
beiram à irracionalidade, em face das querelas que decorrem do alinhamento
político de parcela relevante da sociedade; atitudes que, consigno, nada tem
a ver com o exercício da cidadania, que não se confunde com o alinhamento
político acrítico, asséptico, insensato e radical dos que, vivendo numa
realidade paralela, se deixam levar pelo fanatismo; fanatismo que esgarça as
relações sociais, nelas inclusas as relações familiares, que deveriam, ao
reverso, ser sublimadas e enaltecidas, mas que têm cedido às dissenções
acerbas, cuja consequência mais cintilante é o soterramento da paz social.
Indago-me, sem encontrar resposta, como pode alguém, com
o mínimo de bom senso e descortino, defender, sem restrição, sem exame
racional e crítico, determinados agentes políticos, sobretudo se dessa falta de
cuidado resultar prejuízo às suas relações pessoais e familiares?

Compreendo, sim, que as preferências políticas devam, sim,
ser exaltadas. Todavia, compreendo, no mesmo passo, que essa sublimação
precisa ser ponderada – não fanatizada, enfim – pois a adesão radical e sem

discernimento crítico pode levar – e tem levado – à conclusão de que quem
pensa diferente do que pensamos pode ser tratado como inimigo, e, não,
como deve ser, como parceiro na consolidação de uma sociedade plural,
pluralidade que deve ser enaltecida como algo natural numa sociedade
democrática.
É isso.

SABER OUVIR


“Temos de tirar o chapéu para a vida, em homenagem às técnicas de
que ela dispõe para despojar um homem de toda a sua relevância e
esvaziá-lo completamente do seu orgulho” (CASEI COM UM
COMUNISTA, de Philip Roth).
Faço a ilustração para que nos lembremos, sempre, que nenhum orgulho
resiste às vicissitudes da vida, daí a necessidade, ante essa certeza
indiscutível, que o homem se despoje do seu orgulho, tirando o chapéu
para a vida, para a sedimentação das boas relações, sem radicalismo,
ante a certeza, que alguns obscurecem, de que a verdade não tem dono
e que o orgulho exacerbado não contribui para a sedimentação das
relações sociais.
Nesse sentido, conviver com os contrários, com quem pensa e age
diferente de nós, é um aprendizado que requer paciência e exige de
todos nós uma certa dose de perseverança e, sobretudo, humildade.
Todavia, tenho constatado, não tem sido fácil, por arrogância e vaidade,
sobretudo nos dias presentes, contemporizar as posições antípodas, que
tendem, por óbvio, a ser mais frequentes, quanto mais plural for a
sociedade.
No mundo plural em que vivemos, portanto, é preciso saber ouvir,
refletir, com respeito e humildade, o que dizem aqueles que pensam
diferente de nós.
Qualquer pessoa minimamente atenta já deve ter percebido que
habitamos num mundo onde pontificam, infelizmente, os que não
sabem ouvir, os intolerantes, os que desprezam os argumentos do
interlocutor, como se fossem senhores absolutos da razão, a reclamar,
urgentemente, uma revisão de conceitos, pois, muito provavelmente,
quando se derem conta de que a verdade não tem dono, e que talvez
tenham se apropriado de uma mentira, sentir-se-ão como aquele sujeito
que, apesar do poder que tinha, apesar de toda a sua arrogância, não
podia mudar a cor da luz do semáforo, se submetendo, nesse cenário, às
mesmas restrições impostas a todos, indistintamente, como de resto
acontece em várias passagens da vida.
Não é democrático, nem razoável, definitivamente, não saber ouvir,
não tolerar a adversidade.
O pensamento único e a verdade absoluta não habitam o mundo da
relatividade, que não tolera os que só o veem de acordo com as cores
da sua lente, conforme as suas idiossincrasias, com os valores que
incorporou e a partir dos quais forjou a sua personalidade.
Viver, conviver, compartilhar as inquietações, as angústias com os que

pensam de modo diferente, com os que têm visão de mundo oposta à
nossa, é um exercício de humildade que todos nós deveríamos cultivar.
Nesse sentido, importa destacar, também à guisa de ilustração, que o
médico Dráuzio Varela, em “Carcereiros”, lamenta ter perdido contato
com o mundo marginal, destacando que essa situação deixava a sua
vida mais pobre, vez que não suportava ter que conviver
exclusivamente com pessoas da mesma classe social e valores
semelhantes aos dele, sem a oportunidade de se deparar com o
contraditório, com o avesso da vida que levava.
Essa, sim, é uma lição de vida para os que só querem ouvir a sua
própria voz, para os que abominam a diversidade, a pluralidade de
ideias.
É isso.

AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA?

Aqui se faz, aqui se paga?

Minha mãe costuma repetir, para não perder a esperança  que “aqui se faz, aqui se paga. Esse aforismo traduz a certeza que ela tem, desde sempre, de que os que fazem maldades, paguem por elas ainda em vida, aqui na terra, para que todos nós testemunhemos, e para que sirva de exemplo.

A vida nos tem ensinado, minha mãe, que não é bem assim, pois que, por tudo que temos testemunhado,  há muitos que fazem maldades e, ainda assim, vivem uma vida plena  ostentando e afrontando, como se fossem proprietários do mundo, o que me autoriza a concluir não ser verdade, sob uma perspectiva terrena, que aqui se faz e que aqui se paga, pois, afinal, se aqui se faz e aqui se paga, no sentido que empresto à locução, então quem não faz aqui, aqui não deveria pagar. E não é isso que tenho testemunhado, por exemplo, com as vítimas da Covid -19, muitas  delas reconhecidamente boas, e que, ainda assim, depois de intenso sofrimento, tiveram a vida subtraída, muitas delas, inclusive, sufocadas, sem ar, fruto da irresponsabilidade de alguns dos nossos representantes.

Aqui e acolá, é verdade, testemunhamos, só para não perder a fé, a queda de um  bandalho. Mas, confesso, desalentado, que, quase nos estertores da vida, vi poucos calhordas padecerem aqui na terra, seja pelo beneplácito da própria natureza, seja pela omissão das instâncias de controle, cujas ações, todos nós sabemos, se destinam a uma clientela específica, sobre a qual derramam, preferencialmente, toda a sua energia, deixando à ilharga parcela relevante de malfeitores do colarinho branco.

A verdade é que poucos são os que pagam sob os nossos olhares pelas maldades que fizeram em vida, como se deu, por exemplo, com Mem de Sá, cujo fato histórico narro a seguir, à guisa de ilustração.

Pois bem. Durante dez anos, Mem de Sá, escolhido, cuidadosamente, pelo rei D. João III, de quem era amigo, para substituir o desastrado Duarte da Costa, exterminou milhares de indígenas, dizimou centenas de aldeias e estimulou o tráfico de escravos, ao tempo em que amealhava uma enorme fortuna pessoal, em razão do tráfico negreiro, de suas fazendas de gado, dos seus engenhos de açúcar e da exportação do pau-brasil.

Todavia, pagou um preço alto: numa expedição enviada ao Espírito Santo, em abril de 1558, para combater os Aimorés, foi morto seu filho Fernão, sendo que, nove anos mais tarde, morreria também, vítima de uma flechada, seu sobrinho Estácio de Sá, na luta contra os franceses e Tamoios pela conquista do Rio de Janeiro.

A filha Beatriz, de 12 anos, e a mulher, Guiomar, também estavam mortas,  tornando-o mais solitário e soturno ainda, solidão que sintetizou, em 1569, numa carta enviada ao rei, com a seguinte expressão: “Sou um homem só.”

Mas o que mais o atormentava acabou acontecendo: morreu aqui, e aqui foi enterrado, sozinho, esquecido pela corte.

Antes, em 1568, quase aos 70 anos de idade, há mais de uma década como governador-geral, Mem de Sá escreveu uma carta ao rei de Portugal. Nela, dentre outras coisas, implorava para que fosse mandado outro governador, pois que tinha receio de morrer em terras nas quais se julgava degredado.

De nada adiantou. Morreu, triste e solitário, por essas bandas; rico, sim, porém infeliz.

É isso.

É PRECISO ASSUMIR POSIÇÃO COM CLAREZA

Uma das maiores dificuldades que constato nas relações que travamos com o semelhante – sejam colegas, amigos, filhos ou mesmo consorte – decorre da nossa incapacidade de compreender e de ser compreendidos..

Nesse cenário, não é rara uma desinteligência em face de uma incompreensão, que pode, dependendo da relevância, levar a relação ao paroxismo, disso resultando a reafirmação do óbvio, ou seja, de que, nas nossas relações, precisamos ser, além de compreensivos, tolerantes.

A verdade é que as pessoas não conseguem – ou não querem –  definitivamente, compreender as outras – por má-fé, maldade ou incapacidade mesmo; incapacidade que, desde o meu olhar, é muito mais significativa quando se tratam das relações que se travam no âmbito das corporações.

Mas as incompreensões são, até, irrelevantes, se levarmos em conta que, no mundo que habitamos, competindo com a mesma tenacidade com as incompreensões, viceja, ademais, com efeitos muito mais danosos, o mais deletério e nefasto de todos os sentimentos que é a inveja, sentimento repugnante e sobre o qual já me detive em outras reflexões.

Se é verdade, como antecipei algures, que temos enormes dificuldades para compreender o semelhante, maiores serão as dificuldades se o semelhante é dissimulado, do tipo que não diz coisa com coisa, que afirma negando e que nega afirmando, que diz hoje o que nega amanhã, que sublima a farsa e o embuste como armas argumentativas.

 Só para ilustrar, lembro que, antes do desfecho da revolução de 30, Getúlio Vargas, aluno aplicado da escola do caudilho Borges de Medeiros, dissimuladamente, fazia juras de fidelidade eterna a Washington Luis, então presidente da República, de quem tinha sido ministro da fazenda, enquanto que João Neves, por determinação do mesmo Getúlio Vargas, por trás, prosseguia costurando a aproximação com Minas Gerais, dificultando, assim, a real compreensão de sua posição política, que só terminou por se revelar com o desfecho da Revolução que o levou à presidência da República, cumprindo destacar que, quando insinuado o flerte com Minas, João Neves se limitou a dizer que o Rio Grande tinha olhos para todos os lados, à direita e à esquerda, como o fazem os jacarés.

Ainda a guisa de ilustração. Quando sondado por Assis Chateaubriand sobre a possibilidade de um candidato do Rio Grande do Sul, terceira força eleitoral do país à época, para se contrapor ao candidato de Washington Luis, no caso Júlio Prestes, Getúlio encarregou o oficial de gabinete a providenciar uma resposta imediata. Mas advertiu: era preciso mostrar-se receptivo à ideia de um acordo com Minas, para não denotar desprezo pelo caso, mas também com cuidado para não demonstrar entusiasmo excessivo, a fim de não transparecer avidez pessoal. É dizer: era preciso, segundo orientação de Getúlio, não se fazer entender, não ser compreendido, pois, afinal, no mundo da política, é assim mesmo que as coisas funcionam.

Mas no mundo do simples mortais as coisas deveriam fluir de outra forma. É preciso ter clareza nas ideais, como é necessário, ademais, predisposição para o entendimento. É preciso ter ciência que nas relações pessoais não se pode viver de tergiversações, de aparências, a partir de frases dúbias, feitas para não ser entendidas, pois isso pode denotar uma esperteza que não se coaduna com o que se espera nas relações das pessoas que se amam, se prezam e se respeitam.

É isso.