CARTEIRADA INFAME

A propósito da carteirada do confrade Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que humilhou um guarda municipal em Santos, vou narrar um episódio que se deu comigo.

Há cerca de três anos, estando em viagem com uns amigos pelo litoral piauiense (Barra Grande), fomos surpreendidos, já no resort, com a informação de que nos nossos apartamentos não havia televisão; depois, constatamos que a internet também não tinha sido disponibilizada.

É claro que foi grande o desalento, afinal, televisão e internet são, nos dias presentes, artigos de primeira necessidade. Pensei com meus botões: Fazer o quê, agora? A essas alturas do campeonato, ponderei, é melhor gastar energia com outros prazeres.

O inusitado do fato, no entanto, foi o conselho que recebi de uma pessoa muito próxima, que, casualmente, também estava hospedada no mesmo resort: “Por que o senhor não se apresenta logo como desembargador? Garanto que, se o senhor se apresentar, eles resolvem logo o problema”.

Não argumentei na hora, por educação, mas posso dizê-lo agora, a propósito da já famigerada carteirada de Santos (SP): acho uma tremenda babaquice, uma falta de postura, um atraso mental, enfim, uma pessoa valer-se do poder que tem para impor-se ou reivindicar algo, máxime quando o autor da carteirada o faz tendo praticado, antes, uma ação marginal.

De rigor, entendo não ser preciso, em qualquer circunstância, que, para fazer valer um direito, para o exercício da cidadania, as pessoas tenham que invocar a sua posição social, o poder que detenham eventualmente, ainda que estejam cobertas de razão, o que não foi o caso do desembargador da carteirada infame.

Infelizmente, no Brasil como um todo – e no Maranhão em particular -, muitas vezes, as pessoas são instadas a se identificarem para que as portas se abram, o que é um grave sintoma do nosso atraso. Daí que, devido a essa cultura, vicejam os que vão além, exibindo, equivocadamente, força e poder para se safar de um constrangimento que eles próprios provocaram.

Reafirmo, com a necessária ênfase, que é uma rematada babaquice, falta de compostura, arrogância, enfim, alguém se identificar como autoridade, para tentar se impor ou se safar de uma abordagem corriqueira feita, por exemplo, por um agente público, no exercício regular de sua atividade.

A prática da carteirada, é preciso ter em conta, é uma manifestação inequívoca do nosso atraso, e resulta, na maioria das vezes, da pobreza de espírito de quem se julga superior ao semelhante e, por isso mesmo, merecedor de tratamento diferenciado, ainda que para tanto seja preciso sobrepujar a lei.

No Brasil, lamentável a constatação, as pessoas valem muito pouco quando ostentam apenas sua condição de cidadão, acostumados que fomos, culturalmente, a bradar o “sabes com quem estás falando?”, para o bem e para o mal, como fez o colega desembargador de São Paulo.

No Brasil, triste dizer, assim sempre foi e sempre será, ou seja, é preciso mais, muito mais, para fazer valer um direito. Daí que, nesse ambiente deteriorado por práticas nefandas de exibição de poder, vicejam, no mesmo passo, as ações dos que vão além dessa exibição de força e poder, objetivando se safarem do cumprimento de uma obrigação comezinha de respeito ao próximo e à lei.

Lamentavelmente, em terras brasileiras, é necessário, como dito acima, “estar podendo”. Por isso a prática atrasada e incivilizada da carteirada, que, pelo que ela tem de mais repugnante, termina por incutir nas pessoas, mesmo aquelas que só, eventual e circunstancialmente, estejam em posição de destaque, ser a alternativa mais fácil para se livrar do desconforto proporcionado por uma abordagem qualquer.

É isso.

CABEÇAS-DURAS

Os dias presentes me autorizam a retomar um tema sobre o qual já tratei em artigos anteriores, que condiz com o que chamo de controles morais seletivos, que avulta de importância nesses dias estranhos permeados por intensa e, às vezes, irracional paixão política, com destaques para os chamados cabeças-duras, que mesmo testemunhando os desatinos dos seus lideres teimam em não reconhecê-los e os seguem cegamente, como se fosse um pecado retirar-lhes o apoio.

Inicio com um excerto relevante da obra ficcional “Não verás país nenhum”, de Ignácio Loyola Brandão, publicado originalmente em 1981. Nela, o protagonista, um ex-professor de História, aposentado à força pelo regime, um burocrata metódico e entediado, faz, logo no início, no primeiro capítulo, uma grave confissão, como se fosse a coisa mais simples do mundo, mas que traduz um pouco do que somos culturalmente. Os fragmentos da confissão estão nos seguintes termos:

“Quatro para as oito; se não corro, perco o ônibus. Não fosse esta perna, eu teria uma bicicleta, como todo mundo. Uma artrose no joelho me impede de pedalar. Tive de passar por dezenas de exames, centenas de gabinetes, paguei gorjetas, conheci todos os pequenos subornos.” (Trecho de: Ignácio de Loyola Brandão. “Não Verás País Nenhum.” iBooks).

O que se vê dos excertos acima transcritos são, pura e simplesmente, a tradução da realidade, ou seja, a toda hora são praticados, por pessoas dos mais variados espectros sociais, pequenos desvios de conduta, pequenos ilícitos, permeados de uma dose não desprezível de mentiras, objetivando superar obstáculos ou levar alguma vantagem, estando a merecer reproche, como tenho testemunhado, apenas os desvios daqueles com as quais não nos identificamos, pelos mais variados motivos.

A par dessa realidade, é fácil constatar, sem surpresa, que costumamos exigir das pessoas, sobretudo dos adversários, aquilo que, muitas vezes, não exigimos de nós mesmos e das pessoas com as quais nos aliamos, por convicção ou conveniência, a traduzir as nossas indissociáveis contradições.

É dizer: não são poucos os que são rigorosos, severos juízes da conduta alheia, do comportamento do outro, mas frouxos quando se trata da sua própria conduta, ou das pessoas às quais aderem incondicionalmente, como se constata no ambiente político, onde só os inimigos têm defeitos.

Nesse cenário, penso, com efeito, que se fôssemos capazes de impor limites a nós mesmos, de colocar em ação os nossos próprios freios morais, e se tivéssemos o necessário descortino para reconhecer os defeitos dos nossos políticos de estimação, como fazemos com os que elegemos como inimigos, a sociedade, o mundo e o nosso futuro seriam diferentes, e a nossa história teria sido escrita sob uma outra perspectiva.

Em face da crise moral que vivenciamos e das contradições que são próprias do ser humano, o que se observa – sem estupefação, com uma dose significativa de parcimônia, o que torna a questão mais grave ainda – é uma espécie de apologia descarada do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, caradurismo de quem se impõe uma química de resistência que o impede de ver a realidade como ela se apresenta.

Todavia, se queremos mudar o rumo da história, se pretendemos construir uma nova sociedade, não podemos ser seletivos nas nossas ações morais e na condenação dos desvios de conduta de outrem, pois a condenação às condutas desviantes não pode ser oportunista, conveniente ou seletiva.

Nessas questões, como em tantas outras, não se deve ser dúbio e incoerente em face dos nossos interesses pessoais. Ou bem assumimos uma postura retilínea nessas questões, acionando os freios morais independentemente de quem seja o condutor das ações descontroladas, ou não teremos condições morais de acioná-los em face do inimigo, apenas porque é um inimigo.

Se for nossa intenção contribuir para a mudança, o nosso juízo crítico deve ser o mesmo, quer se trate de um inimigo, quer se trate de um amigo, quer seja em face de um aliado, quer em face de um desafeto, pois os controles e os juízos morais seletivos são uma grave deformação da personalidade de quem os emite e não contribui em nada para nossa evolução como seres humanos.

Nosso juízo crítico tem que ser retilíneo, sem relativizações oportunistas, daí que não podemos ser cínicos, insensíveis, amorais e transigentes com os nossos, os que estão guardados no lado esquerdo do peito, e rigorosos, moralistas, sensíveis e intransigentes com os que não gozam da nossa afinidade.

E como ninguém nessa vida está livre de um desvio moral, convém estarmos atentos. Portanto, os nossos controles internos não podem ser frouxos, devendo estar sempre de prontidão, para, constatado o desvio, impor a nós mesmos a correção de rumo que julgamos deva ser imposta aos outros; nesse quesito não é de bom alvitre o cabeçadurismo.

É isso.

O DIREITO DE SE CONTAMINAR

Chamo a atenção, de logo, para o seu direito – ainda que o exercício desse direito seja uma excentricidade perigosa – de, querendo, se expor à contaminação pelo coronavírus; decisão que, de rigor, não há como ser controlada, conquanto seja razoável, em face dos riscos decorrentes da Covid-19, evitar, na medida do possível, expor-se à contaminação.

Na mesma toada digo, no entanto, que você não tem o direito de, conscientemente, expor outras pessoas à contaminação, porque dessa ação voluntária e consciente pode resultar, sim, consequências legais/morais.

Dito isso, digo, agora, ingressando no tema que trago à reflexão, que, nas situações adversas e extremadas, o homem se revela – para o bem ou para o mal.

Lembro-me, à guisa de ilustração, de um filme a que assisti recentemente, intitulado “Até o último homem”, de Mel Gibson. É um drama biográfico, de nacionalidade Australiana/americana, disponível nos melhores serviços de streaming de vídeos.

Nele, o protagonista, um médico do exército americano, durante a Segunda Guerra Mundial, se recusa a pegar em arma para matar pessoas, pelo que é incompreendido e, até, desrespeitado.

Todavia, durante a Batalha de Okinawa, na ala médica, ele, superando todas as adversidades, salva 75 homens, a reafirmar o que eu disse no início, ou seja, que, diante das adversidades, o homem se supera, para o bem ou para o mal.

Em relação à pandemia que vivenciamos nos dias presentes, há, da mesma forma e com a mesma intensidade do exemplo ilustrativo acima narrado, profissionais de saúde superando as adversidades para salvar vidas; superação para o bem, portanto.

Mas há, noutro giro, diante da mesma tragédia dos dias presentes, os que se revelam para o mal, com destaque, nessa perspectiva, para os que não se colocam no lugar do próximo, destituídos de sentimentos básicos que devem permear as relações entre as pessoas.

Falo, nessa senda, dos que afrontam o novo coronavírus e se expõem à infecção como um desafio, sem medir as consequências que decorrem da possibilidade de expor outras pessoas à contaminação, inclusive de sua própria família, esquecidos que, em termos difíceis, exige-se sacrifício compartilhado (Thiago Bronzatto, filósofo americano).

Um dia desses, acreditem, assisti, no YouTube, um cidadão dizendo não estar nem aí para o coronavírus, e que era preciso enfrentá-lo como homem, repetindo o que ouviu de uma determinada liderança política.

No mesmo YouTube, vi um grupo de jovens, todos aparentemente saudáveis, num iate portentoso, num ambiente animado – e ao que tudo indica, regado a muito álcool -, em plena pandemia, trocando beijos e carícias, e, pasmem, debochando do sars-cov-2.

Diante de comportamentos dessa natureza, reafirmo o que eu disse no início deste artigo: o cidadão (?), ainda que isso flerte com a irracionalidade, tem o direito de se expor à Covid-19, mas não pode nem deve expor outras pessoas à contaminação.

As cenas dantescas descritas acima revoltam, mas a mim não surpreendem, pois apenas reafirmam a minha constatação: há pessoas que se superam na capacidade de fazer o mal, como há, da mesma forma, as que se superam pela capacidade de fazer o bem.

No cenário devastado pela Covid-19, não são poucos os que, embora podendo não o fazer, se expõem ao novo coronavírus, quase como um capricho, como um desafio, até mesmo para dar vazão aos seus sentimentos mais egoísticos.

E, o que é mais grave no quadro acima delineado, é que não são poucos os que o fazem por birra (acredite!), por alinhamento político, ideologizando o novo coronavírus, apontado, nesse afã, como consequência de uma ação de esquerdistas.

A que ponto chegamos?!

É preciso ter presente que, diante de um inimigo tão poderoso e devastador, todos devem assumir padrões de comportamento adequados. E é bom que esqueçam – se é que é possível aos radicais – que não há coronavírus de direita ou de esquerda, na medida em que, seja qual for a ideologia do seu portador, a Covid-19 pode levar à morte.

Lembro, agora, que, se é verdade que todos nós temos o direito constitucional de ir e vir – argumento dos negacionistas para descumprirem o isolamento social –, não é menos verdadeiro que nenhum direito é absoluto. Ademais, temos que ter respeito pelo próximo, sobretudo por aqueles que, racional e responsavelmente, têm-se mantido isolados, não porque queiram, mas pelo fato de ser necessário fazê-lo, para preservarem tanto a si quanto ao próximo e aos seus entes queridos.

Repito, já temendo pela exaustão, as pessoas, diante do inusitado, costumam se superar, para o bem e para o mal; os exemplos citados acima e o mais que tenho testemunhado todos os dias reafirmam essa verdade elementar.

A propósito dos dias que vivemos e do comportamento insano dos que, mesmo podendo, não deixam de se expor ao novo coronavírus, lembro, inspirado no poeta popular, que “ninguém destrói essa guerra plantando brisa e colhendo vendaval”, música/tema (do saudoso Moraes Moreira) da novela Roque Santeiro, que a minha geração conhece muito bem.

É isso.

É PRECISO RESISTIR

Para ilustrar, um fato histórico.

Adolf Eichmann, como sabido, foi o principal responsável pelo transporte de milhares de judeus para os campos de concentração. Ele estava radicado em Buenos Aires desde 1950, onde vivia com identidade falsa sob o nome Ricardo Klement.

Contra Eichmann, no entanto, havia um inquérito instaurado com provas de sua contribuição para o massacre do povo judeu. Ao lado disso, havia a determinação de David Ben-Gurion – primeiro chefe de governo de Israel, como sabido – de levar todos os nazistas a julgamento no território israelense. Com esse objetivo, Ben-Gurion encarregou a polícia secreta israelense (A Mossad) de sequestrar e levar Adolf EIchmann para ser julgado em Israel, o que efetivamente foi feito.

O julgamento de Adolf Eichmann, no entanto, em face de suas peculiaridades, recebeu inúmeras críticas, dentre elas a falta de legitimidade de se submeter alguém a julgamento, sendo conduzido à força ao Tribunal, contra as vigentes regas de Direito Internacional. Além da questão atinente à violação das normas, o governo argentino protestou formalmente pela violação de sua soberania.

Na Alemanda Ocidental, o chancelar Konrad Adenaur repreendeu publicamente Israel pelo sequestro, e os editores dos principais jornais do país exigiram que o criminoso nazista fosse extraditado e julgado por juízes e não por vingadores. Como sabido, o caso foi levado pela Argentina à Organização das Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança condenou a ação israelense e recomendou que fosse feita a devida reparação.

Contudo, de nada adiantou, pois, apesar de lamentar a violação das leis argentinas, Ben-Gurion anunciou que Eichmann seria, sim, julgado em Israel, o que efetivamente ocorreu.

Mas o questionamento mais importante em face desse fato histórico, e que me levou a essas reflexões, foi a posição assumida por Hannah Arendt, judia de origem alemã, filósofa política e uma das pessoas mais influentes do século XX. Ela sustentou, com efeito, que o réu não era propriamente um monstro, mas um homem que se considerava mero cumpridor de ordens ou uma simples engrenagem da máquina estatal que produziu o Holocausto.

Na visão de Arendt, qualquer pessoa poderia agir como Eichmann, desde que se encontrasse imersa num ambiente destituído de questionamentos quanto à violação dos direitos humanos, pois nesse ambiente há uma inversão de valores, e a brutalidade passa a ser vista como algo normal. Nesse sentido, estaria consolidada a banalização do mal, uma espécie de letargia na qual a pessoa se exime da capacidade de pensar e de questionar tudo o que se passa em sua volta.

Na visão particular de Arendt sobre essa questão, a referida passividade pode produzir uma massa de seres incapazes de formular juízos críticos (Os Grandes Julgamentos da Historia, by José Roberto de Castro Neves), o que me leva a algumas reflexões, como anotei acima, em face da realidade que se descortina sob os meus olhos.

No caso brasileiro, por exemplo, em face da corrupção endêmica que tomou conta do país, o cidadão, diante desse cenário moral devastador, estaria autorizado a também se engajar nesse processo, impedido de exercer um juízo crítico e de se insurgir em face dele?

A engrenagem estatal brasileira que institucionalizou a corrupção impediria que as pessoas de bem resistissem as investidas dos corruptores, em face de, contaminadas pelo ambiente pernicioso, terem perdido o juízo crítico?

Num ambiente contaminado pelos desvios de conduta, todos que nele vivessem teriam, inapelavelmente, que a ele aderir, segundo se pode inferir – num juízo preliminar, claro -, em face das conclusões de Arendt?

Nas pugnas eleitorais, onde prevalece o uso de expediente pouco recomendáveis, para dizer o mínimo – compra de votos, falsas promessas, acordos espúrios etc –, todos estariam compelidos à adesão como um imperativo moral, impedidos, assim, de pensar, em face de um gravíssimo estado de letargia e degeneração moral?

Diante de tais questionamentos, eu, de meu lado, compreendo, inobstante, que a história está aí para provar em sentido diverso do que pensou Arendt, pois não foram poucos os que, mesmo sob pressão, não cederam à tentação de desviar a conduta, refutando, nesse afã, as práticas morais reprováveis.

 E os exemplos são vários, não comportando mencioná-los nesse espaço, bastando dizer, entrementes, para ilustrar, que no ambiente moral devastador revelado pela Lava-Jato, não foram poucos os que, tendo oportunidade, se abstiveram das práticas morais condenáveis

Posso dizer, com convicção, que não foram poucos – e não são poucos nos dias atuais – os brasileiros que, mesmo vivendo em ambientes impregnados de desvios morais, exerceram – e exercem –  um juízo crítico atilado, se recusando a aderir às práticas imorais que contaminam vários ambientes corporativos em nossa sociedade.

Portanto, diante dessa constatação, eu, cá do meu lado, sem pretender parecer arrogante e prepotente, me permito discordar, respeitosamente, da grande Arendt, por entender que se não formos capazes de resistir, mesmo em ambientes onde preponderam os desvios de conduta, não mudaremos o curso da história, pois, mesmo entre os contaminados pelo ambiente nazista, para ficar no exemplo que me levou a essas reflexões, houve os que emprestaram o seu dissenso em face do holocausto.

Nós não devemos, sob qualquer pretexto, emprestar a nossa aquiescência em face do errado. Errado é errado e ponto, e em face do erro, mesmo estando contaminado o ambiente, devemos reagir sempre, com a necessária obstinação.

Logo, é preciso, sim, resistir. E resistir com tenacidade, sob pena de banalizarmos o errado.

É isso.

QUEM PODE MAIS CHORA MENOS

A seletividade do Direito Penal no Brasil sempre esteve presente em nossas vidas, como uma chaga difícil de ser expungida.

Antes, para ilustrar, um dado histórico, para reafirmar a seletividade do sistema penal no Brasil, ao que tudo indica, tende, depois de um período de alvíssaras (Lava Jato), a se perpetuar, em face de algumas posições adotadas nas mais diferentes esferas de poder e sobre as quais farei menção adiante.

Pois bem. No Brasil colônia, a seletividade da Justiça não era apenas escancarada, mas também prevista em lei. Assim sendo, em 1731 foi criada em Vila Rica (olhem só) uma Junta dedicada exclusivamente “aos“ delinquentes bastardos, carijós, mulatos e negros”. Trinta e oito anos depois, o governador de Minas Gerais baixou instruções determinando a prisão imediata dos “vadios e facinorosos” sem qualquer formalidade anterior. Já os “homens bons”, os “bem reputados” e as “pessoas bem morigeradas”, esses não deveriam ser incomodados com processos judiciais e muito menos com prisão, mesmo que por algum “caso acidental” tivessem cometido crimes. (from “O Tiradentes: Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier” by Lucas Figueiredo).

Em que difere o país atual do Brasil de antanho? No que se refere à seletividade do Direito Penal, estou convicto, muito pouco. É que por aqui a igualdade penal é mera formalidade, para ludibriar mesmo. Dessa forma, tudo está como sempre foi; prende-se muito e prende-se mal –  preferencial, e prioritariamente, os miseráveis.

Aos miseráveis, reconheçamos, destinamos, quase com exclusividade e até com certa obsessão, as nossas forças, as nossas energias, sem o menor constrangimento, e com isso incutimos nos desavisados a falsa sensação de que estamos operando para combater a criminalidade.

Depois do período de esperança sobre o qual me reportei acima, é bom que não nos iludamos quanto à expectativa que criamos de combate linear criminalidade, de destinação da lei penal a todos indiscriminadamente.

É que há, sim, nos dias atuais, à vista de todos, um panorama que permite entrever que, doravante, será quase impossível – a não ser excepcionalmente –  punir os tubarões da criminalidade. E os exemplos estão aí, à vista de todos: fim da prisão em segunda instância; lei de abuso de autoridade; limitação das deleções premiadas; restrições à prisão preventiva; juiz de garantias etc.

A prisão, tão somente depois de esgotadas as vias recursais, por exemplo –  uma jaboticaba brasileira – inviabilizará inapelavelmente, a punição dos criminosos do andar de cima, ainda que se considere a relevância da recente decisão do STF, num caso isolado, de interrupção do prazo prescricional após a condenação em segunda instância.

Diante de tudo isso, é bom encarar a realidade: nenhum criminoso que disponha de condições financeiras será preso no Brasil, a não ser, repito, excepcionalmente, a persistir – como tudo indica persistirá –  a necessidade de esgotamento das instâncias recursais.

A propósito da prisão em segunda instância, que tanto contribuiu nos anos pretéritos no combate aos crimes de colarinho branco, importa anotar, à guisa de ilustração, que nações do mundo civilizado a contempla –  Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França e Espanha. Daí a minha conclusão de que a sua implementação no Brasil, antes de se constituir um abespinhamento de garantias penais, como se tenta fazer crer, se constitui, sim, num excepcional instrumento a serviço do tratamento igualitário aos transgressores da ordem.

Noutro giro, no que condiz com o juiz das garantias, o que se pretende, da mesma forma, é dificultar o combate à criminalidade graúda, pois com ele cria-se uma esdrúxula instância que contribuirá para a postergação dos processos. Ademais, pondere-se que esse famigerado juiz das garantias jamais seria cogitado se as instâncias persecutórias não tivessem ousado atingir os criminosos do andar de cima, uma vez que a sua implementação, só não ver quem não quer, não passa mesmo de mais um antídoto a inviabilizar o tratamento igualitário de todos perante a lei penal.

Chamo a atenção para o fato de que a prova antes produzida pelo mesmo juiz a quem cabia julgar a causa penal, aos olhos dos mais destacados juristas, nunca tinha sido, antes da Lava Jato, alvo de preocupação de ninguém, até que, finalmente, chegou-se ao andar superior da criminalidade; e lá chegando, descobriu-se que o juiz que produz a prova com ela se contamina.

É bom que se diga, e aqui falo em face da experiência acumulada em mais de três décadas julgando na área criminal, que em face do mau julgador, do julgador venal, faccioso e descomprometido, nada se pode fazer. E não será com a figura do já famigerado juiz das garantias que se assegurará a sua imparcialidade, que já nasce comprometida em face do seu caráter.

O juiz das garantias, podem crer, é apenas mais um engodo, um instrumento por meio do qual obstáculos serão criados à persecução penal, em face dos grandes criminosos, cumprindo lembrar, a propósito, o que disse o Ministro aposentado Carlos Veloso, segundo o qual tratar-se-ia de uma excrescência surgida sabe Deus ou o diabo por quê.

Sob ataques inauditos, é bom que se diga à guisa de alerta, que a primeira instância, de onde ainda saem decisões corajosas de combate à corrupção, nunca mais será a mesma, sobretudo se for aprovada, como parece que será, a proibição a juízes de primeiro grau de decretarem medidas cautelares contra deputados e senadores, outra excrescência também gestada para perpetuar a impunidade da classe de cima.

No Brasil, infelizmente, ainda prepondera – e preponderará por muitos anos – a velha máxima de que quem pode mais chora menos.

É isso.

PEDE AUXÍLIO AO GOOGLE, MEU IRMÃO

É de J.R. Guzzo a seguinte constatação:

“Previsões sobre o que vai acontecer amanhã sempre ficam melhores quando são feitas depois de amanhã. O que temos na vida real é o hoje, só isso – e o grande problema é chegar a alguma conclusão coerente sobre o que está realmente acontecendo hoje. Há uma sugestão honesta para resolver isso; porém, infelizmente, ela dá trabalho, exige esforço mental e não pode ser encontrada no Google. Como não há o mais remoto acordo sobre o dia de hoje – as coisas estão melhores que ontem, ou nunca estiveram tão horríveis? – a única ferramenta disponível para ter alguma ideia decente das coisas é pensar. E pensar, como se sabe, é uma das atividades humanas mais odiadas neste país, sobretudo por aqueles que imaginam saber o que estão falando”.

Perfeito! Mais preciso impossível!

As pessoas se recusam a pensar sobre o hoje. E, para as que se recusam a pensar sobre o hoje, não há o recurso que resolva; nem mesmo o Google é capaz.

Se é verdade que sobre o hoje e sobre o estímulo à reflexão não há disponibilidade nesse site, as informações sobre o ontem estão escancaradas nessa importante fonte de pesquisa.

O grave, daí a razão pela qual estou fazendo essas reflexões, é que, segundo parece, há muitos que, além de se recusarem a pensar sobre o presente, se recusam a dar um passeio no passado, ainda que disponham – e quase todos dispõem – de uma ferramenta de pesquisa da envergadura de um Google.

Creio que se os que pregam hoje – e são muitos! – a volta da ditadura, talvez pensassem melhor se voltassem ao passado, se acessassem o Google e se inteirassem das consequências nefastas de um regime de exceção.

Aquele que pede a volta da ditadura decerto que, ou não a vivenciou, ou não tem a mínima noção do que significa um regime de força, pois, se tivesse, não apelava para a sua volta – nem de brincadeira.

Ditadura não faz – e nem fez – bem a ninguém, em nenhuma parte do mundo. Só mesmo quem não tem a dimensão do que seja uma ditadura pode apelar pela sua volta. Só quem não sabe o que é censura, falta de liberdade de expressão, processos sumários, torturas, desrespeito aos direitos mais elementares pode pedir a volta da ditadura.

É verdade que há em todos nós um sentimento de desesperança em face da ação – ou inação – de muitos que estão no poder, sem a exata dimensão do que significa o exercício desse mesmo poder. Todavia, ainda assim, é melhor que busquemos o aperfeiçoamento da nossa democracia, que construamos uma nova realidade, mas sob o signo de liberdade em vez de um regime de força.

Aos que apelam pela implementação de um regime de força, faço as seguintes indagações:

Você tem a exata dimensão do que significa um regime de exceção, máxime se sob o comando de um desequilibrado e inconsequente?

Você já parou para pensar, desapaixonadamente, que esse desequilibrado pode sufocar a sua liberdade de pensamento e que eventuais mazelas decorrentes do exercício sem peias do poder sequer podem ser denunciadas?

Você já parou para pensar do que é capaz um homem que legisla, julga e executa ao mesmo tempo?

Você nunca se informou do que fizeram as ditaduras sanguinárias pelo mundo?

Você nunca parou para pensar que liberdade não tem preço e nem condição?

Que tal, então, ir ao Google?

Que tal se inteirar sobre o que ele tem a dizer sobre ditaduras pelo mundo?

Você acha justo não eleger seus representantes, ainda que eles não sejam lá essas coisas?

Você já pensou que, se não forem bons, você pode substitui-los no próximo pleito e que isso não seria possível num regime de exceção?

Você já parou para pensar que os nossos problemas decorrem muito mais da nossa incapacidade de escolher bem que em face do regime democrático?

Você já parou para pensar que democracia não tem preço e nem condição?

Você prefere viver em um Estado que protege os seus direitos ou num Estado que os solapa, sempre de acordo com a vontade de um ditador de plantão?

Você tem noção da relevância de poder protestar, gritar e de se insurgir contra o que não concorda ou você prefere ter seu grito contido pelas forças repressivas do Estado?

Se você tem dúvidas, dê um Google aí, amigo.Volte ao passado, via Google; é fácil e está ao seu alcance, bastando um clic no seu smartfone.

Não precisa esforço mental descomunal.

Não precisa sair da cadeira.

Não precisa de força física.

Antes de pedir ditadura, golpe militar, regime de força etc., pegue o seu aparelho celular e vá ao Google para que você tenha uma dimensão do que representa um regime sem liberdades.

Pesquisando sem muito esforço em face do mesmo tema, você poderá conhecer um pouco de Mao-Tsé-tung, de Joseph Stalin, de Adolf Hitler, de Kubiai Khan, de Leopoldo II, de Chiang Kai-shek, de Gengis Khan, de Hideki Tojo e de Pol Pot, só para mencionar apenas nove dos mais sanguinários ditadores que o mundo já abrigou.

Contudo, se depois de auxiliado pelo Google, ainda assim persistir clamando por um ditador, aí o quadro é mais grave.

Eu, de meu lado, com todas as mazelas, com todas as dificuldades, ainda que considere a deformação da nossa representação, ainda assim prefiro um regime democrático, pois quero ter o direito de errar e me corrigir.

Ademais, quero ter o direito de me expressar e responder pelos meus excessos, sempre ao abrigo da lei e em face da ação das instituições democráticas.

Eu quero ser julgado por uma lei que não foi o juiz quem fez.

É sob o império da lei que quero viver.

Se você é do tipo que, como anotou Guzzo, tem preguiça de pensar no presente, que, pelo menos, tenha a humildade de pedir auxílio ao Google para se inteirar do passado.

É isso.

SEM RADICALIZAR

A inspiração para essas reflexões surgiu em face do ambiente de radicalismo que se instalou no país, onde despontam, em linhas opostas e inconciliáveis – ainda que em jogo o interesse público – os radicais de direita e de esquerda, incapazes, pela obliteração da mente e do pensamento, de verem as virtudes dos que elegeram como adversários/inimigos, bem assim os defeitos daqueles que elegeram como aliados/amigos.

Feito o registro, passo às reflexões.

Antes, considerando eventual incompreensão em face da minha condição de magistrado, a exigir de mim muito mais cautela e recato na emissão do pensamento, devo dizer, como Eugênio R. Zaffaroni, jurista argentino de nomeada, que é insustentável pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de ideias, que não tenha compreensão do mundo, uma visão da realidade. Daí que, para o ilustre penalista, juiz eunuco político é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica.

É do mesmo jurista a constatação de que juiz não pode ser alguém neutro, porque não existe neutralidade ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência de pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e menos ainda de um juiz.

À luz das egrégias colocações do ilustrado jurista portenho e sendo elas a minha linha de compreensão, importa dizer que, desde que ingressei na magistratura, venho expondo, destemidamente, a minha visão de mundo.

Eu sempre tive a pachorra de expor o meu pensamento, pois não sou do tipo que guarda no recôndito da alma o que pensa da vida, do mundo e das relações. Também não sou daqueles – que não critico e respeito – que se acomoda apaticamente sob as talares. Ao contrário disso, eu sempre mostrei a minha cara – algumas vezes, até a alma. E por agir assim, já fui, por isso, compreendido e incompreendido. Aliás, mais incompreendido do que compreendido.

Não consigo, definitivamente, ficar sem assumir posição em torno dos mais variados temas. Ademais, não sou do tipo que acha que juiz, pelo fato de ser juiz, só deva falar nos autos, como se fosse um pecado pensar e dizer o que pensa e sente.

Eu só sei ser intenso, forte nas minhas inabaláveis convicções, e sinto necessidade de expor o meu pensamento, como o faço agora, para dizer que estamos carentes de um juízo de ponderação e equilíbrio, a fim de que as relações, mesmo as familiares, não se tornem insuportáveis.

Confesso que, nos dias atuais, com tanto ódio permeando as relações, num ambiente político que já extrapolou os limites do bom senso, do equilíbrio e da sensatez, incomoda-me o fato de ter que ler os meus artigos, incontáveis vezes, com receio de ferir suscetibilidades, de provocar uma reação intempestiva e agressiva, como costuma ocorrer.

Nos dias atuais, por uma imperativa necessidade de preservação em face de ataques inauditos, eu até me recuso a opinar sobre determinados temas de interesse público, para não dar vazão à paranoia que tomou conta do país, com a malfazeja e radical divisão entre os de lá e os de cá, que conduz os radicais mais  inconsequentes a concluírem, sem juízo crítico, que os de cá, ou seja, os que se alinham ao seu pensamento, estão sempre certos e o que deles divergem – estando, portanto, do lado de lá – o fazem porque são seres humanos de pouca ou nenhuma virtude.

Pelo fato de eu não ser um juiz asséptico e acrítico, em incontáveis crônicas e artigos publicados na imprensa local – e no meu blog –  eu já me mostrei por inteiro. Contudo, apesar disso, repito, recuso-me a me filiar, cega e incondicionalmente, a qualquer corrente de pensamento de linha radical. Assim é que, estando certo, aplaudo; estando errado, critico, pouco me importando a ideologia do protagonista do erro ou do acerto.

Dessa forma, faço questão de anotar: eu sou exatamente o que digo, sem tirar nem pôr. Mas, no mundo em que despontam os halters mais afoitos, eu, muitas vezes, prefiro me recolher, para não opinar, para não estimular reações, muitas das quais obnubiladas pelo radicalismo que tem permeado a vida em sociedade, de onde surgem grupos de fanáticos, tanto num quanto noutro espectro político.

Sou intenso, sou veemente, sim, na defesa das coisas nas quais eu acredito, mas sem radicalizar. E nos dias atuais, com muito mais razão, pelo que imponho a mim mesmo uma necessária autocensura.

Mesmo ponderado, ainda há os que acham que sou muito intenso nas minhas posições. Para aqueles que pensam assim, registro que a intensidade com que defendo os meus pontos de vista não é predicado apenas dos homens pouco inteligentes como eu.

A propósito, uma historinha para ilustrar e finalizar.

Certa feita, no STF, Aliomar Baleeiro comentou a intensidade de Evandro Lins e Silva na defesa do seu ponto de vista.

Evandro, diante do comentário, anotou, como eu o faria, certamente:

“Não veja V. Exa. na minha veemência outro motivo que não seja o natural ardor na defesa do meu ponto de vista. É uma convicção firmada como juiz, sobretudo como juiz da Corte Suprema, encarando também o interesse público que está em causa”.

Eu, cá do meu canto, vou, da mesma forma, fazendo a defesa das minhas ideias e crenças, sem receio do que possam pensar os que preferem o conforto do silêncio, os que acham que juiz só fala nos autos, mas sempre com muita cautela para não acirrar os ânimos, num país já conflagrado em face da nefasta da qual falei acima.

É isso.

O VÍRUS DA INSENSATEZ

Ao lado da pandemia proporcionada pelo novo coronavírus, testemunhamos, no Brasil, com consequências graves,  a contaminação do ambiente político pelo do vírus da insensatez, da ignorância, da arrogância e da prepotência, tema sobre o que pretendo refletir, aqui e agora.

Pois bem. Basta confrontar as notícias, ou dar um passeio nas redes sociais, para constatar que, no Brasil, vivemos em permanente estado de guerra; e não somente aquelas protagonizadas pelas facções criminosas, bandos associados ou facínoras individualmente considerados. Ademais, vivemos, em tempos de coronavírus, uma grave guerra de informações, de orientações e de posições, travada, daí a sua especial gravidade, por determinados atores políticos, com os olhos fincados, lamentável constatar, nas próximas eleições, pouco lhes importando o interesse público.

Ainda que as manifestações/orientações/posições decorram de garantias constitucionais – liberdade de culto e de expressão, por exemplo -, muitas são irresponsáveis – quando não criminosas-, pois que, por mais paradoxal que possa parecer, desinformam e desorientam, levando os incautos e crédulos a crerem, por exemplo, que, como disse um determinado bispo de uma determinada igreja evangélica – consta que depois se retratou -, o novo coronavírus é tão somente coisa do Satanás, que se combate apenas com orações, o que pode ser considerado, para dizer o mínimo, uma irresponsabilidade.

É preciso ter em conta que a sociedade civil entra em colapso quando se descontrola, quando se desorienta, quando é levada ao erro em face das pregações/orientações/posições oportunistas de falsos líderes, máxime quando batem de frente com a ciência, convindo lembrar, para ilustrar, que Yuval Noah Harari já advertia para o menosprezo das conquistas científicas, muito antes da pandemia decorrente do novo coronavírus.

Nesse cenário, todos nós perdemos. Perdem os tolos e os incautos, mas perdem, da mesma forma, os que estão no entorno destes, os quais são levados, do mesmo modo, na correnteza de insensatez da qual resultam desinformações ou das informações oportunistas, as quais, de rigor, só interessam mesmo àqueles que delas se beneficiam.

 A constatação é que estamos diante um inimigo invisível, como especial poder de destruição,  que tem tirado a vida de muitos dos nossos irmãos, mas que tem servido, no mesmo passo, aos interesses de uns poucos espertalhões/oportunistas/negacionistas/, nos mais diversos espectros, como testemunhamos no programa Fantástico do último domingo, e como temos testemunhado, de resto, no noticiário em geral, donde se constata que nem mesmo a responsabilidade do cargo impõe limites aos que não têm nenhuma grandeza diante de situações de tamanha gravidade.

É triste constatar que, sobretudo nos momentos de dificuldades pelos quais passamos, ainda tenhamos que conviver com a tenacidade dos aproveitadores, que, sem peias e sem recato, tentam, seja qual for o espectro em que atuem, tirar uma lasquinha, uma vantagem indevida, um proveito político ou material, pouco importando as consequências, os efeitos daninhos de sua ação, como ocorreu, por exemplo, com o prefeito de Teotônio Vilela, AL, fato amplamente noticiado.

Em momentos difíceis como os que enfrentamos nos dias presentes, não precisamos de espertalhões/oportunistas/negacionsitas/terraplanistas, os quais as pessoas de bom senso abominam. Precisamos, sim, de solidariedade, de altruísmo, de boa vontade, de empatia, de liderança e, sobretudo, de lucidez.

Conhecendo o ser humano como conheço não tenho dúvidas de que há muitos que flertam com o caos para, objetivamente, tirar proveito da situação, o que é grave e detestável, a fazer nascer em todos nós um inexorável sentimento de repulsa, quando não de revolta.

A verdade é que situações graves como as que testemunhamos nos dias presentes desafiam os nossos sentimentos e a nossa capacidade de amar o semelhante, de sermos solidários com esse mesmo semelhante. Daí que, em nome da tolerância e em favor da nossa felicidade e do semelhante, devemos, com todas as nossas forças, desprezar os que só pensam com os seus botões, no seu beneficio pessoal ou em face de um projeto de poder.

Noutro giro, mas efeito da mesma causa, tenho lido nas redes sociais muitas manifestações de pessoas que se dizem agastadas pela imposição da convivência mais amiúde com os membros da sua própria família, o que, para mim, é de uma gravidade muito próxima da incivilidade, que não difere em nada da falta de pudor que açula as ações oportunistas às quais fiz menção acima, e que, por isso, está a merecer, da mesma forma, destaque nessas reflexões.

No cenário acima descrito, sou instado a concluir que o homem, definitivamente, perdeu a capacidade de conviver com o semelhante, de respeitar o próximo, ainda que este seja integrante de sua própria família, a reafirmar que situações como a que estamos passando desafiam a nossa capacidade de compreender e ser compreendidos.

Definitivamente – e admito ser mera obviedade -, é diante das adversidades que testamos os nossos níveis de tolerância, pois é em face delas que nos é imposta a necessidade de abrir o corpo e a mente para o vírus da sensatez, da benevolência e da temperança, sem receio de contaminar o semelhante.

Em situações como a que enfrentamos no momento é  que testamos a nossa capacidade de renunciar aos nossos interesses pessoais, ou até mesmo à nossa liberdade individual, em favor da coletividade; e o que vale para qualquer cidadão vale, no mesmo passo, e com muito mais razão, para quem circunstancialmente exerça o poder, cujas palavras/orientações sempre repercutem, positiva ou negativamente, o que resulta na necessidade de pensar, refletir, contar até mil antes de falar uma bobagem ou de  colocar projetos pessoais acima dos interesses da coletividade.

 É isso.