Ganância predadora da miséria humana

A ganância é defeito moral que precisa ser desencorajado. A ganância do homem tem sobrepujado os valores mais comezinhos. É por conta dessa ambição desmedida que temos sido vítimas dos que, no poder, não se impõem limites morais.  Agem como agem os meliantes, aproveitando-se das facilidades do cargo para satisfazer as suas ambições matérias, que só seriam compreensíveis se não extrapolassem os limites dos que nos permitem os ganhos lícitos.

O assalto à Petrobras, que está longe de ser um caso isolado, decorre dessa ganância, que é predado da miséria humana.

A ganância pelo poder e pelo dinheiro, nos tem infelicitado, tem infelicitado a sociedade, tem feito mal às nossas instituições, pois tem nos privado, por exemplo, de serviços de saúde e de educação de qualidade,  em detrimento, sobretudo dos mais carentes, daqueles que precisam das ações do estado.

 As pessoas parecem exercer o poder exclusivamente para tirarem proveito dessa situação, sem controle, numa ganância desenfreada, capaz de passar por cima de tudo que for considerado obstáculo.

Nessa volúpia, levam de roldão a própria família,  jogando o seu nome na lama, expondo-a à execração pública.

O grave é que, quando se está usufruindo das facilidades proporcionadas pelo poder, não há um só membro da própria família capaz de chamar a atenção para as consequências desse tipo de conduta. É como se todos apostassem na impunidade,  na inviabilidade de vir a ser descoberta a falcatrua, até que um dia a casa cai.

É preciso, urgentemente, dar um basta nessa ganância desenfreada. O homem não pode viver apenas para ambicionar a matéria. Há outros valores mais relevantes.

No mesmo passo, se não for possível coibir as ações gananciosas, é preciso que, ao lado das instâncias persecutórias, que a própria sociedade, ao invés de abrir as portar, valorizar as conquistas do malfeitor, que seja capaz de puni-lo socialmente, com o que reafirmará a sua virtude cívica.

Pantaleão, personagem central do romance Pantaleão e as visitadoras, de Mario Vagas Llosa, numa espontânea e realista confissão, admitiu ter traído a esposa por estar próximo da tentação.

Digo que, da mesma forma, estar no poder, lidar com as tentações do cargo, requer muita força moral;força moral que, infelizmente, poucos têm.

Para encerrar, lembro Tolstoi, segundo o qual todos querem mudar o mundo, mas ninguém quer mudar a si mesmo.

Conflito Negativo de Competência

É consabido que o FONAJE – Forum Nacional dos Juizados Especiais aprovou o enunciado nº 120, segundo o qual “O concurso de infrações de menor potencial ofensivo não afasta a competência do Juizado Especial Criminal, ainda que o somatório das penas, em abstrato, ultrapasse dois anos” (aprovado no XXIX FONAJE, MS, 25 a 27 de maio de 2011).

A despeito do Enunciado, no âmbito das Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, a corrente majoritário é em sentido contrário, isto é, restará afastada a competência dos Juizados Especiais quando as infrações penais, embora isoladamente consideradas, sejam de menor potencial ofensivo, e a pena resultante do somatório ou exacerbação ultrapassar o limite de dois anos (cf. HCs 27.068/SP e 82.258/RJ).

Essa questão foi enfrentada, recentemente, no Conflito Negativo de Competência de nº 034718/2014, na 2ª Câmara Criminal, do qual fui relato,  cujo voto condutor disponibilizado neste espaço, a quem interessar possa, para futuras pesquisas em torno do assunto.

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia — de — de 2015

Nº Único: 0000522-18.2013.8.10.0034

Conflito Negativo de Competência Nº 034718/2014 – Codó(MA)

Suscitante : Juízo de Direito da 3ª Vara da comarca de Codó
Suscitado : Juízo de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal da comarca de Codó
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº __________

 

Ementa. Penal e Processual Penal. Conflito Negativo de Competência. Concurso de infrações penais de menor potencial ofensivo. Pena resultante que ultrapassa o teto de 02 (dois) anos. Afastada a competência do juizado especial criminal. Declarada a competência da justiça comum.

  1. Os crimes de calúnia, difamação e injúria, isoladamente considerados, sujeitam-se à competência do Juizado Especial Criminal.
  2. No entanto, o concurso de infrações de menor potencial ofensivo (concurso material, formal ou continuidade delitiva), cuja pena máxima resultante, seja do somatório, seja da exasperação, ultrapasse o limite de 02 (dois) anos, previsto no art. 61, da Lei nº 9.099/95, atrai a competência da Justiça Comum. Precedentes do STF e do STJ.
  3. Conflito conhecido, declarando-se a competência da 3ª Vara da comarca de Codó.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade, em declarar competente a 3ª Vara da comarca de Codó, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida (Presidente), José Bernardo Silva Rodrigues e Vicente de Paula Gomes de Castro. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra.                 .

São Luís(MA), — de — de 2015.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

PRESIDENTE / RELATOR

Conflito de Negativo do Competência Nº 034718/2014 – Codó(MA)

Relatório O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de conflito negativo de competência, em que figura como suscitante o juízo de direito da 3ª Vara da comarca de Codó, e suscitado o Juizado Especial Cível e Criminal da mesma comarca.

Os autos do processo em questão dizem respeito à suposta prática de diversos delitos contra a honra, tipificados nos artigos 138, 139 e 140, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, imputados a Edmilson Viana de Abreu por Raimundo Leonel Magalhães Araújo Filho.

Do que é possível colher das iniciais acostadas às fls. 02/11 e nos apensos, Edmilson Viana de Abreu teria, em seu programa de televisão, ofendido a honra de Raimundo Leonel Magalhães Araújo Filho, em diversas oportunidades, acusando-o publicamente, inclusive, de praticar crimes de natureza eleitoral e criminal.

Em razão disso, foram ajuizadas 11 (onze) queixas-crime no Juizado Especial Criminal da comarca de Codó, o qual, após manifestação ministerial, entendeu devesse remetê-las à Justiça Comum, ao argumento de que há conexão entre as demandas, cujas penas cominadas aos crimes ultrapassam o teto legal previsto em lei para processamento e julgamento naquela unidade jurisdicional (fls. 41/41v.

O juízo de direito da 3ª Vara da comarca de Codó, ao receber os autos, suscitou o presente conflito, alegando, em suma, que “as onze queixas, embora envolvam crimes contra a honra e tenham a mesma vítima, versam sobre fatos ocorridos em dias diferentes. Assim, a reunião dos processos não se faz necessária, trazendo somente tumulto processual” (fls. 50).

Aduz, outrossim, que o juízo suscitado, ao aplicar a regra do crime continuado, insculpida no art. 71, do Código Penal[1], olvidou-se de observar a existência do liame subjetivo entre as condutas imputadas ao querelado, atendo-se, tão somente, aos requisitos objetivos, consistentes nas condições de tempo, lugar e modo de execução.

Por fim, ressalta que, no caso presente, verifica-se apenas a reiterada prática de crimes, de forma estável e duradoura, não havendo o que se falar, portanto, em continuidade delitiva.

Aportados os autos nesta Corte, determinei, às fls. 56, a notificação do juízo suscitado para manifestar-se, sobrevindo as informações de fls. 67/70, nas quais a autoridade judicial reafirma a posição inicialmente adotada, no sentido de que a competência para processar e julgar os feitos instaurados por Raimundo Leonel Magalhães Araújo Filho contra Edmilson Viana de Abreu pertence ao juízo comum, “porquanto os crimes foram praticados por meio de várias ações diferentes, contra uma mesma vítima pelo mesmo autor, com unicidade de desígnio, nas mesmas condições de lugar, tempo e meio de execução” (fls. 69).

Acrescenta, ademais, que “ainda que delito continuado não fosse, o que se argumenta, apenas por amor ao debate, teríamos crime em concurso material, cujo somatório das penas em abstrato também afastaria, pela mesma razão, a competência deste Juizado Especial para a Justiça comum” ().

Estabelecido o contraditório, a PGJ foi instada a se manifestar, e no parecer conclusivo de fls. 73/83, da lavra do Procurador de Justiça Krishnamurti Lopes Mendes França, opina pela fixação da competência da 3ª Vara da comarca de Codó, por entender que “os fatos expostos nas queixas-crime denotam a ocorrência da mencionada continuidade delitiva, restando imprópria a fixação da competência do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Codó” (fls. 82).

É o sucinto relatório.

Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de conflito negativo de competência, em que figura como suscitante o juízo de direito da 3ª Vara da comarca de Codó, e suscitado o Juizado Especial Cível e Criminal da mesma comarca.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente conflito de competência.

Consoante relatado, no caso vertente, o querelante Raimundo Leonel Magalhães Araújo Filho imputa ao querelado Edmilson Viana de Abreu a prática, em tese, dos crimes de injúria, calúnia e difamação, cujas demandas podem ser assim resumidas:

I – Processo nº 146/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 17/12/2010.

II – Processo nº 147/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 15/02/2011;

III – Processo nº 148/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 16/02/2010;

IV – Processo nº 150/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 139 e 140, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 03/03/2011;

V – Processo nº 149/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 16/03/2011;

VI – Processo nº 151/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 23/03/2011;

VII – Processo nº 152/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, fatos ocorreram em 25/03/2011;

VIII – Processo nº 153/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 28/03/2011;

IX – Processo nº 154/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 30/03/2011;

X – Processo nº 155/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 13/04/2011; e

XI – Processo nº 156/2011, relativo aos delitos previstos nos art. 138 e 139, c/c art. 141, III, todos do Código Penal, cujos fatos ocorreram em 27/04/2011.

Recebidas pelo juízo suscitado, as referidas queixas-crimes em espeque foram reunidas em razão da coincidência de partes, condições de tempo, lugar e modo de execução das infrações, e, então, encaminhadas ao juízo suscitante, o qual, por sua vez, alega que o critério utilizado como norteador da fixação da competência – crime continuado – não deve prevalecer na espécie, por não haver demonstração da unidade de desígnios entre as condutas imputadas.

Pois bem.

Diante dessas considerações, tenho que a controvérsia parece gravitar em torno da existência ou não de continuidade delitiva entre as condutas criminosas imputadas ao querelado, praticadas no período compreendido entre 17/12/2010 a 27/04/2011.

Após detida análise dos autos, concluo que é possível, sim, entrever a ocorrência de crime continuado, considerando o preenchimento dos requisitos legais descritos no art. 71, do Código Penal[2].

Por oportuno, trago à colação, a fim de compor o presente voto, trecho do parecer da Procuradoria Geral de Justiça que expressa o entendimento do qual compartilho (fls. 81/81):

[…]

A prática dos delitos em questão, pelo mesmo autor, tendo a mesma vítima, em um intervalo de tempo determinado, sob condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes, reforçam o entendimento da ocorrência de continuidade delitiva, devendo os delitos subsequentes ser havidos como continuidade do primeiro.

Destarte, infere-se, a princípio, que os fatos expostos nas queixas-crime denotam a ocorrência da mencionada continuidade delitiva, restando imprópria a fixação da competência do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Codó para processamento e julgamento dos feitos, em face do quantum da pena a ser eventualmente aplicada.

[…]

A discussão trazida a lume pelo suscitante diz respeito à aplicação da teoria mista, preconizada pela jurisprudência dos nossos pretórios, segundo a qual a continuidade delitiva somente se perfaz quando, além das condições de tempo, lugar e modo de execução, há um liame subjetivo entre as infrações.

Essa é a linha de pensar do Superior Tribunal de Justiça, como se vê do trecho de julgado a seguir colacionado:

[…]

  1. Segundo previsto no art. 71 do Código Penal, o crime continuado somente se verifica quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, sob semelhantes condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras características que façam presumir a continuidade.
  2. Na esteira do entendimento adotado por esta Corte Superior de Justiça, não basta a presença dos requisitos objetivos previstos no art. 71 do Código Penal, reclama-se também a unidade de desígnios, isto é, um liame, de tal modo que os vários crimes resultam de plano previamente elaborado pelo agente.
  3. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: imprescindível distinguir continuidade delitiva de habitualidade, pois a primeira hipótese trata-se de uma ficção jurídica criada por lei, por razões de política criminal, que propicia o abrandamento da penalidade, e a segunda hipótese, ao contrário, enseja o agravamento da punição, já que é indiciária de que o infrator transformou a atividade criminosa no seu meio de vida, o que denota maior reprovabilidade (REsp 369.718/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJ 17/11/03).

[…][3]

Sob esse argumento, o juízo suscitante refuta a tese de que há crime continuado na hipótese, e, por entender tratar-se de mera habitualidade delitiva de infrações de menor potencial ofensivo, a competência seria dos juizados especiais criminais.

Devo dizer, entrementes, que, a despeito disso, verifica-se, a par das condutas típicas encartadas nas queixas-crime, que há, sim, concurso de infrações de menor potencial ofensivo, a afastar a competência dos juizados especiais. Vejamos.

É consabido, de lege lata, que o parâmetro norteador da competência dos juizados especiais criminais baseia-se na noção de crime de menor potencial ofensivo, previsto no art. 61, da Lei nº 9.099/95[4], cujo delineamento legal considera a pena máxima cominada em abstrato ao delito, não superior a 02 (dois) anos[5], independentemente do rito a ser seguido.

Tal critério definidor da competência dos juizados especiais criminais, de matiz constitucional[6], é absoluto, o que implica impossibilidade de prorrogação.

Sem embargo da aparente clareza do parâmetro de fixação de competência estabelecido pelo legislador, divergências em torno da questão começaram a surgir nas hipóteses de concursos de crimes, cuja pena resultante, em tese, ultrapassaria o limite de 02 (dois) anos.

Apenas para ilustrar, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE – aprovou o enunciado nº 120, o qual dispõe, verbis:

ENUNCIADO 120 – O concurso de infrações de menor potencial ofensivo não afasta a competência do Juizado Especial Criminal, ainda que o somatório das penas, em abstrato, ultrapasse dois anos (Aprovado no XXIX FONAJE – MS 25 a 27 de maio de 2011).[7]

A despeito desse entendimento, na Corte Superior, no âmbito das Quinta e Sexta Turmas, a corrente majoritária é em sentido antípoda, de modo a afastar a competência dos juizados especiais quando as infrações penais, embora isoladamente consideradas, sejam de menor potencial ofensivo, e a pena resultante do somatório ou exacerbação ultrapassar o limite de 02 (dois) anos. Veja-se o seguinte precedente:

 […] 1. A Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, traz em seu art. 2º, parágrafo único, que devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei nº 9.099/95, aqueles a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa, sem exceção.

Entretanto, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, se em virtude da exasperação a pena máxima for superior a 2 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial Criminal. […][8]

Na mesma senda:

[…] 1. Compete à Justiça Comum o julgamento de crime de menor potencial ofensivo praticado em concurso formal com delito que não possui tal natureza, uma vez que na hipótese de concurso de crimes a pena considerada para a fixação da competência é a resultante da soma, no caso de concurso material, ou da exasperação, quando se tratar de concurso formal ou de crime continuado. […][9]

No STF, observo o aresto abaixo, na mesma balada:

“Habeas corpus”. Incompetência do Juizado especial criminal. – Havendo concurso de infrações penais, que isoladamente sejam consideradas de menor potencial ofensivo, deixam de sê-lo, levando-se em consideração, em abstrato, a soma das penas ou o acréscimo, em virtude desse concurso. “Habeas corpus” deferido, para declarar a incompetência do Juizado especial criminal, e determinar que os autos sejam encaminhados à Justiça Estadual comum.[10]

Tem-se, portanto, que o entendimento da jurisprudência dos nossos pretórios – ao qual me filio – trilha no sentido de aplicar a regra do concurso de crimes, seja ele material, formal ou continuado, na definição da competência do órgão julgador, e, caso a sanção corporal exceda ao limite máximo de 02 (dois) anos, o feito será da alçada da Justiça Comum. Esse é exatamente o caso dos autos.

Ora, uma simples leitura da peça inaugural de fls. 02/11, e das demais que seguem em apenso, autoriza a conclusão, sem qualquer esforço hermenêutico, que se trata de hipótese de concurso de crimes.

Isso porque o queixoso, para cada transmissão envolvendo o seu nome, imputa ao querelado – ora apresentador do programa de televisão onde ocorreu a suposta ofensa à honra do primeiro -, a prática de vários delitos ao mesmo tempo, capitulados nos arts. 138, 139 e 140, todos do Código Penal[11], sempre com o acréscimo legal decorrente do art. 141, III, do mesmo diploma legal[12].

Logo, havendo cumulação dos tipos penais acima descritos, e considerando, ainda, o acréscimo da causa de aumento disposta no art. 141, III, do Código Penal, é certo que a reprimenda resultante em cada queixa-crime descrita acima extrapola aos 02 (dois) anos previstos no art. 61, da Lei nº 9.099/95, o que afasta a competência funcional dos Juizados Especiais Criminais.

Não é demais reafirmar que os casos apresentados, ao que me parece, foram praticados em continuidade, tanto em razão da identidade de partes, condições de tempo, lugar e modo de execução, quanto pela ausência de indícios de que o querelado seja um criminoso habitual, estando tudo a indicar que tenha agido com o propósito único de atingir a integridade moral do querelante[13].

Desta forma, observo que o juízo suscitado – o Juizado Especial Cível e Criminal da comarca de Codó – falece de competência no caso em apreço.

Ante o exposto, conheço do presente conflito e, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, declaro a competência do juízo de direito da 3ª Vara da comarca de Codó, órgão suscitante, para processar e julgar o feito, nos termos do art. 436, do Regimento Interno desta Corte[14], sem prejuízo dos atos processuais já realizados pelo juízo suscitado.

É como voto.

Sala das Sessões da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, — de — de 2015.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

PRESIDENTE / RELATOR

[1] “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.

[2] “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

[3] STJ – HC 264.649/PR, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 27/11/2014.

[4] Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006).

[5] Após o advento da Lei nº 10.259/2001, já que a previsão original, na Lei nº 9.099/95, estabelecia esse teto em 01 (um) ano.

[6] Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[7] Extraído de: <http://www.fonaje.org.br/2006/enunciados.asp>

[8] STJ – RHC 27.068/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 31/08/2010, DJe 27/09/2010.

[9] STJ – HC 82.258/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 23/08/2010.

[10] STF – HC 80811, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 08/05/2001, DJe de 22/03/2002.

[11] Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

[…]

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

[…]

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

[12] Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

[…]

III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

[13] Em todas as queixas-crimes, é de ver-se, consta a seguinte assertiva: “a matéria veiculada, na verdade, faz parte de uma verdadeira campanha caluniosa e injuriosa que vem sendo desencadeada contra o Querelante, expondo-o ao ridículo e denegrindo sua imagem, ofendendo sua reputação e criando constrangimento de seus familiares e do próprio Querelante perante a sociedade codoense, da qual o mesmo é reconhecido pelos seus atos de benevolência”.

[14] Ao decidir o conflito, o órgão julgador declarará qual o juiz competente para a matéria, podendo reconhecer a competência de outro juiz que não o suscitante ou o suscitado e se pronunciará sobre a validade dos atos do juiz que oficiou sem competência legal.

Excesso de prazo que desautoriza o reconhecimento do constrangimento ilegal

Não há semana em que não nos deparemos com habeas corpus manejados ao fundamento de que o paciente está submetido a constrangimento ilegal em face do excesso de prazo para conclusão da instrução.

Tenho dito, beirando à obviedade, e reiteradamente, que cada caso deve ser analisado à luz de suas peculiaridades. Por isso, muitas vezes, as pessoas não compreendem por que determinado paciente foi colocado em liberdade nas mesmas condições nas quais não se reconhece que outro faça jus ao benefício.

Essa inquietação me remete, mais uma vez, à reafirmação de que cada caso deve ser examinado à luz de duas particularidades. Há, nesse sentido, mora processual que pode, ou não, levar ao reconhecimento do constrangimento ilegal, com a consequente soltura do paciente.

Ainda recentemente (HC nº 058284), a 2ª Câmara Criminal, em HC da minha relatoria, entendeu, à unanimidade, denegar uma ordem de habeas corpus, manejada em face de um latrocida ( E.M.A), a despeito da demora na entrega do provimento jurisdicional, e em que pese o parecer favorável do Ministério Público.

É que, como disse acima, as particularidade do caso concreto desautorizavam, desde a minha compreensão – e dos demais membros da Câmara, que seguiram a minha linha de raciocínio – a liberdade do paciente, porque, acima de tudo, a sua soltura representaria, à luz do caso concreto, uma ameaça iminente à ordem pública, sem perder de vista, claro, a gravidade concreta do crime.

E digo isso porque,  além do crime, cuja prática foi imputada ao paciente, consta que o mesmo responde a outros dois processos criminais, pela prática de crimes de roubo, a reclamar, desde a minha visão, maior rigor no exame da quaestio.

Mas não é só. Consta dos autos, demais, as informações da autoridade apontada coatora de que, conquanto tenha encerrado a instrução, constatou, ao tempo da entrega do provimento, que nos autos não constava o Exame Cadavérico do Ofendido, tendo, por isso, convertido o feito em diligências.

A pergunta que me fiz foi a seguinte: conquanto admita a falha das agências de controle, deve-se, só por isso, colocar em liberdade o paciente, em face do pequeno ou excesso, ou, ad cautelam, em face das particularidades do caso sub examine, deve-se denegar a ordem, para que a ordem pública não fique exposta às suas ações?

Em princípio, pese admitisse a existência do extrapolamento dos prazos processuais, não vislumbrei que dele decorresse o constrangimento ilegal mencionado no mandamus, a autorizar a colocação em liberdade de uma pessoa perigosa e expor, nesse passo, a ordem pública.

No voto, que publico a seguir, fiz questão de deixar assentado que as circunstâncias atinentes ao lapso temporal devem ser apreciadas em conjunto com as especificidades do caso concreto, concernentes ao acautelamento do meio social. Disse, outrossim, que, conquanto devam ser técnicas as decisões judicais, essa tecnicalidade não pode ser levada ao extremo, devendo, ao reverso, estar em harmonia com o fim precípuo do Direito Penal, de forma a garantir a harmonia social, desde que, claro, não se constate ofensa a direitos fundamentais.

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Sua Excelência o juiz Sérgio Moro

Esse filme eu já vi. Todas as vezes que um magistrado se destaca pela seu destemor, pela sua coragem de decidir, pela sua independência e imparcialidade, passa a ser alvo de críticas as mais acerbas, sobretudo, claro, pelos que têm os interesses contrariados em face de suas ações. É dizer: procura-se, às vezes com acusações levianas, imputar ao magistrado, com tem ocorrido nos dias atuais com Sérgio Moro, a pecha de justiceiro, vingativo, exibido, quando não desumano, porque ousou enfrentar os que sempre se colocaram acima da lei.

Tenho lido, triste, acusações, muitas delas até perniciosas, contra o colega, que, não se pode negar, tem dado uma extraordinária contribuição para a mudança de mentalidade sedimentada na sociedade brasileira no sentido de que só preto, pobre e prostituta são destinatário das cadeias.

É cediço que o juiz Sérgio Moro não está em busca de promoção pessoal, pois, tem-se visto, é uma magistrado que não é afeito a publicidades, que não tem buscado a mídia para promoção pessoal, é recatado, dedicado, estudioso, de conduta exemplar, e que vive para cátedra, o trabalho e sua família.

A verdade é que, gostem ou não os que se sentem prejudicados em face de sua ação destemida, não fosse a determinação de Sérgio Moro, que, afinal, é quem prende e quem solto, não  teríamos alcançado o sucesso que até aqui tem sido alcançado em face da Operação Lava-Jato, sem deslembrar, claro, o papel de suma importância desempenhado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

A experiência tem provado que de nada vale a ação corajosa das polícias ou do Ministério Público, se o juiz for covarde ou leniente. E o que temos assistido é que, em face da coragem e do destemor do digno juiz Sérgio Moro, a famigerada Operação Lava-Jato tem sido conduzida a bom termo, tudo levando a crer que, finalmente, os corruptores, se provada a sua responsabilidade penal, receberão do Estado as reprimendas que estão a merecer, numa exemplar quebra de paradigma que, tenho certeza, poderá ser um marco divisor entre a impunidade dos que julgam acima da lei e a efetiva comprovação de que, afinal, num Estado de Direito, sob todos iguais perante a lei.

A ação do juiz Sérgio Moro, definitivamente, marcará a história do combate à impunidade de uma elite que sempre se colocou à ilharga dos órgãos persecutórios. O combate à corrupção no Brasil, depois da Operação Lava-Jato, graças, sobreuto, à ação de uma magistrado digno, deixará de ser um quimera.

O que espero, movido pela fé mais otimista,  é que, doravante, as agências de controle, por seus agentes, sobretudo os que se acovardam diante da criminalidade graúda, deixem a leniência, inspiradas na ação exemplar de Sérgio Moro, mais dias, menos dias, com o mesmo denodo, num futuro que espero bem próximo, voltem as suas ações, definitivamente, para as administrações municipais, no sentido de desbaratar as quadrilhas que, sem pena e sem dó, surrupiam as verbas públicas, deixando os municípios em total indigência, proporcionando, nesse triste panorama, o enriquecimento ilícito de meia dúzia de espertalhões, que, ao invés de representarem os que os elegeram, defendem mesmo apenas os seus próprios interesses.

Claro que ações corajosas como as que decorrem em face da Operação Lava-Jato, proporcionam um certo frisson, sobretudo em face da graduação dos investigados, mesmo porque essa é uma prática incomum em nosso país.

É cediço, noutro giro, que o juiz Sérgio Moro não decretou as prisões e nem as manteve para compelir os acusados à delação premiada. Todavia, de uma coisa tenho a mais absoluta certeza, não fossem as prisões, não fosse a determinação do juiz Sergio Moro, delação premiada não haveria, disso inferindo-se que a sua determinação tem sido crucial para estancar a sangria dos cofres da Petrobras e para propiciar a punição dos que, pelo poder e pelo dinheiro, que a muitos compra e corrompe, se imaginavam acima do bem e do mal.

Do muito que se pode inferir de tudo o que acima expus, uma certeza para saltar ao olhos para advertir aos que abominam a prisão,  que, em alguns casos, ela, a prisão, conquanto seja a extrema ratio da utima ratio, é um mal necessário, afinal nada estimula tanta a criminalidade e até a justiça com as próprias mãos que a sensação de impunidade.

À noite andamos em círculos

O título dessas reflexões tomo emprestado do romance do peruano Daniel Alarcón (Tradução de Rafael Mantovani, Objetiva, 2014), um dos mais envolventes romances que li no ano que se findou, considerado, nos Estados Unidos, um dos melhores de 2014.

O romance, do peruano-ianque antes nominado, é montado como um jogo, num país andino da América do Sul, cuja questão central gira em torno de um grupo de teatro experimental, o Diciembre.

Para construir a narrativa, que se passa na cadeia, mais precisamente no maior presídio do Peru, Lurigancho, o autor passou uns dias no presídio, como jornalista, observando o comportamento dos detentos. E foi exatamente da observação do comportamento dos sentenciados que nasceu o título do livro. É que o autor observou que, à noite, depois do jantar, vários presos eram levados a um pátio, onde passavam a andar em círculos, devido ao diminuto espaço físico.

É possível, sim, à luz dos fatos que inspiraram o autor, refletir, metaforicamente, em face de outras situações que testemunhamos no dia a dia, que nos fazem andar em círculos, sem sair do lugar, sem nenhuma perspectiva.

Viver uma rotina, ir todos os dias aos mesmos lugares, tomar remédios de uso contínuo, fazer as mesmas viagens por ocasião das férias, dormir e fazer refeições no mesmo horário equivalem, sim, para as mentes mais inquietas, andar em círculos.

Valho-me da metáfora para argumentar que, no caso no Poder Judiciário, a sensação que tenho, depois de quase trinta anos de lida, é que estamos vivendo a mesma realidade dos personagens citados pelo autor peruano.

É que, por mais que façamos, por mais que nos dediquemos, por mais que julguemos, temos a sensação de estar agindo como quem enxuga gelo, já que o acervo de processos aguardando julgamento apenas aumenta, deixando na sociedade a triste e perigosa sensação de que não vale a pena recorrer ao Poder Judiciário, o que, em muitos casos, tem estimulado a autodefesa.

Nesse panorama, caminhamos celeremente para os 100 milhões de processos em curso nas mais variadas instâncias, sem a perspectiva de julgamento, a tempo e hora, causando uma grave instabilidade nas relações sociais.

Diante desse quadro, caminhando em círculos, as alternativas são, definitivamente, as vias alternativas de solução dos litígios, que temos implementado no Maranhão, com os Centros de Conciliação, e, agora, a fortiori, com a enorme e alvissareira perspectiva que se abre com o novo Código de Processo Civil, que estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, e que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados,defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, que busca valorizar, fortalecer e sistematizar, no âmbito nacional, os mecanismos de autocomposição.

Com o novo CPC, a audiência de conciliação será implementada na fase inicial da ação. Contudo, ainda que ela não seja alcançada nessa fase preambular, o juiz estará autorizado a tentar novamente um acordo durante a instrução do processo. Ademais, há previsão de instalação das câmaras de conciliação nos tribunais, com corpos especializados para essa finalidade. A conciliação, outrossim, também será pré-requisito na análise de pedidos de reintegração de posse que durarem mais de um ano e que envolvam invasões de terras e imóveis

É, definitivamente, uma enorme perspectiva que se abre. Acho que, com as soluções alternativas dos conflitos, inaugurada e implementada a cultura de conciliação, em face da hoje nefasta e sedimentada cultura da litigiosidade, imagino que, logo, logo, deixaremos de andar em círculos, que, já se sabe, não nos tem levado a lugar nenhum.

HC. Denegação

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL
SESSÃO DO DIA 22 JANEIRO DE 2015.
Nº ÚNICO: 0010414-19.2014.8.10.0000
HABEAS CORPUS Nº 056617/2014 – ESTREITO (MA)
PACIENTE : F. dos S. M.
ADVOGADO (S) : Luís Gomes Lima e Luís Gomes Lima Júnior

IMPETRADO : Juízo de Direito da Vara Única da comarca de Estreito
INCIDÊNCIA PENAL : Arts. 33, caput, e 35, da Lei nº 11.343/06, e art. 244-B, do ECA
RELATOR : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

ACÓRDÃO Nº ___________
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA ESTE FIM, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E CORRUPÇÃO DE MENORES. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR OCASIÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUPERVENIÊNCIA DE “NOVO TÍTULO”. ALEGAÇÃO DE CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NÃO ACOLHIDA. CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE DROGA. PERICULOSIDADE EVIDENCIADA. INCOMPATIBILIDADE COM AS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. PLEITO DE EXTENSÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO À CORRÉ NO PROCESSO DE ORIGEM. INVIABILIDADE. DECISÃO LIBERATÓRIA DAQUELA QUE NÃO SE FUNDA EM ASPECTOS PURAMENTE OBJETIVOS. ORDEM DENEGADA.

1. A manutenção da prisão preventiva por ocasião da sentença condenatória só materializa novo título da segregação quando modificado, substancialmente, os respectivos argumentos. Inalterada a quadra fática da ergástula, e reiterados seus fundamentos, é lícito ao magistrado mantê-la na sentença, por persistirem os motivos subjacentes. Precedentes do STF.
2. Imprestável a manutenção da prisão preventiva com espeque no art. 594, do CPP, pois se trata de norma já revogada, pelo art. 3º, da Lei nº 11.719/08.

3. As nocivas consequências inerentes ao crime de tráfico servem para sustentar o decreto prisional, quando cotejadas com a natureza e quantidade de droga apreendida (quinze cabeças de crack), que não pode ser considerada inexpressiva.

4. A quantidade de droga, para subsidiar um decreto de prisão preventiva, deve ser contextualizada às circunstâncias e especificidades do local onde se desenvolve a narcotraficância. Acautelamento da ordem pública devidamente demonstrado, diante da apreensão de mais de 01 Kg (um quilograma) de crack, em forma de tablete.

5. Não se afigura desprovido de verossimilhança, tampouco de justificativa idônea, o fundado receio de fuga do paciente, oriundo de outro Estado da Federação (Goiás), onde responde a dois processos criminais por posse e porte ilegal de arma de fogo; ademais, não comprovou, satisfatoriamente, vínculos com o distrito da culpa.

6. As medidas cautelares diversas da prisão revelam-se incompatíveis com a perniciosidade concreta da conduta, consubstanciada na elevada quantidade da droga e sua natureza (um quilo de crack, em forma de tablete), capaz de grassar os deletérios efeitos do tráfico em larga escala, mormente em comarcas interioranas, como é o caso dos autos.

7. Se a decisão liberatória da corré no processo de origem se funda, também, em aspectos subjetivos, reputados favoráveis pelo juízo impetrado, inviável acolher o pleito de extensão do benefício para o ora paciente.
8. Ordem denegada.

ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e em desacordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conhecer da ordem impetrada, e no mérito, denegá-la, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento o Excelentíssimo Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (Presidente), José Bernardo Silva Rodrigues e Vicente de Paula Gomes de Castro. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça ……………….
São Luís(MA), 22 de janeiro de 2015.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida
PRESIDENTE/RELATOR

HABEAS CORPUS Nº 056617/2014 – ESTREITO (MA)

RELATÓRIO – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Luís Gomes Lima e Luís Gomes Lima Júnior, em favor de F.dos S. M., contra ato proveniente do juízo de direito da Vara Única da comarca de Estreito/MA.
Narram as impetrantes, em suma, que o paciente foi condenado em primeira instância pela prática delitiva descrita nos arts. 33, caput, e 35, da Lei nº 11.343/06, e art. 244-B, do ECA, sendo-lhe negado o direito de apelar em liberdade, pois o juízo entendeu que persistem os motivos ensejadores da segregação cautelar outrora decretada.
Esclarecem que o presente writ não constitui reiteração de pedido idêntico, formulado no Habeas Corpus anterior (nº 05.558/2013), uma vez que neste, a parte alusiva à ilegalidade do decreto prisional não foi conhecida por deficiência instrutória, o que fora devidamente sanado nesta impetração.
Alegam que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal em seu jus libertatis, por ausência de fundamentação concreta alusiva à garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.
Sobre a garantia da ordem pública, enfatizam que a gravidade abstrata do crime não se prestar para sustentar o decreto prisional cautelar, esclarecendo que o paciente sequer foi flagrado com substância entorpecente.
Acrescentam que o paciente ostenta condições subjetivas favoráveis à concessão da ordem, pois é primário, tem residência fixa e ocupação lícita, não havendo razão plausível para justificar a aplicação para a assegurar a aplicação da lei penal, pois a instrução já se encontra concluída.
Acentuam que o magistrado apontado coator incorreu em equívoco, ao indeferir o pleito de liberdade provisória com fulcro na respectiva vedação legal da Lei de Drogas, e por se tratar de delito hediondo, posto que o STF já assentou que a restrição do direito de liberdade, por tais fundamentos, são inconstitucionais.
Acrescentam, ademais, que a corré Iara Rodrigues Sousa foi beneficiada com a liberdade provisória, mas o juízo dito coator não explicitou quais aspectos processuais justificaram não estender a benesse ao ora paciente.
Dizem, ademais, que o paciente tem um filho portador de necessidades especiais que demanda cuidados a serem dispensados pelo paciente, que está impossibilitado de fazê-lo do cárcere.
Concluem destacando que a prisão preventiva é considera a ultma ratio do sistema, sendo que a hipótese versada nos autos autoriza a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Com fulcro nesses argumentos, requerem a concessão da medida, para aplicar medidas cautelares diversas da prisão, expedindo-se o respectivo alvará de soltura, confirmando-a em julgamento meritório. Subsidiariamente, requerem a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Instruiu a inicial apenas com cópia integral dos autos do processo nº 0000713-57.2013.8.10.0036, destacando-se o decreto de prisão preventiva de fls. 97/99, e sua manutenção no decisum datado de 07/10/2013 (fls. 180/182), e na sentença condenatória (fls. 368), prolatada em 20/02/2014.
Indeferimento do pleito liminar, às fls. 485/489.
Informações dispensadas, uma vez que a dita coação ilegal provém de processo que já se encontra em grau de recurso, sob minha relatoria. Ademais, o presente writ está suficientemente instruído, com cópia integral dos autos do processo nº 0000713-57.2013.8.10.0036.
Em parecer conclusivo acostado às fls. 491/494, a Procuradora de Justiça Lígia Maria da Silva Cavalcanti opina pela concessão da ordem, aduzindo, em suma:
I – a segregação do paciente, atualmente, está consubstanciada na sentença condenatória de fls. 354/372;
II – o respectivo excerto que trata da ergástula carece de fundamentação, pois se funda no art. 594 , do CPP, revogado pela Lei nº 11.719/08; e
III – “a mera referência à garantia a ordem pública e à aplicação da lei não é suficiente à demonstração da necessidade desse ergástulo cautelar, não tendo sido explicitados os motivos pelos quais o nobre Julgador concluiu que a liberdade do ora paciente poria em risco à ordem pública ou a eventual aplicação da lei penal, tendo se olvidado da norma inscrita no parágrafo 1º, do Artigo 387, do Código de Processo Penal […]”.
É o relatório.

VOTO – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Luís Gomes Lima e Luís Gomes Lima Júnior, em favor de F. dos S. M., contra ato proveniente do juízo de direito da Vara Única da comarca de Estreito/MA.
Preliminarmente, conheço do presente writ.
Antes de incursionarmos nos exames alusivos à suposta ilegalidade da segregação do paciente, cumpre nos determos da questão alusiva ao título que, atualmente, mantém o paciente segregado, em virtude da advertência constante no início do parecer ministerial a esse respeito.
1. A questão do “novo título” da segregação
A premissa argumentativa do douto parecer ministerial se funda na absoluta ausência de fundamentação do decisum que, atualmente, mantém o paciente segregado, constante na sentença condenatória, às fls. 368, onde o magistrado sentenciante negou ao paciente o direito de recorrer em liberdade, nos seguintes moldes:
Quanto ao direito de recorrer em liberdade, nos moldes do artigo 594 do Código de Processo Penal, deve o réu permanecer preso, vez que, se encontra presente os motivos (Sic) de sua custódia cautelar preventiva, consubstanciada na necessidade de garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
(Destaques constam no original).
Pois bem.
Não olvido que a segregação do paciente, atualmente, se mantenha com base neste título, materializado na sentença condenatória.
Sucede que o presente título segregatório não é o único constante nos autos, de sorte que, apenas em seu aspecto formal, revela “novo título”.
Com efeito, entendo que a dicção “novo título” deve ser vista em seu aspecto substancial, é dizer, a nova decisão que mantém a prisão preventiva deve apresentar novos fundamentos, não bastando, para tanto, a mera sucessão de decisões, nas quais o juízo se limita a repetir ou reiterar os argumentos do decreto prisional primitivo.
O saudoso Min. Menezes Direito bem esclarece essa questão, no paradigmático aresto a seguir colacionado:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE DECRETOU PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PREJUDICIALIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. 1. O julgamento do habeas corpus impetrado contra decisão que decretou a prisão preventiva não fica prejudicado pela superveniência de sentença de pronúncia na hipótese em que esta simplesmente repetir os fundamentos declinados na ordem de segregação cautelar anterior. 2. A sentença de pronúncia que traz fundamentos novos ou complementares constitui, ao contrário, título de prisão cautelar autônomo que, por isso, deve ser atacado em via própria, cumprindo assim reconhecer prejudicado o writ anteriormente impetrado. 3. Quando não trazida aos autos cópia integral da sentença de pronúncia ou não reproduzido o seu conteúdo, não é possível cotejar os fundamentos indicados no decreto de prisão preventiva e na sentença de pronúncia. Também neste caso se impõe o reconhecimento da prejudicialidade. 4. Não é possível, de igual maneira, apreciar, originariamente, a legalidade da sentença de pronúncia por constituir, no caso concreto, questão não decidida pelo Superior Tribunal de Justiça, presente que assim é diante da ausência do título, tudo para evitar indesejada supressão de instância não autorizada. 5. A decisão impugnada não padece, portanto, de ilegalidade ou abuso de poder. 6. Habeas corpus denegado.
(sem destaques no original).
Feita esta ressalva, entendo que a segregação preventiva constante na sentença condenatória agrega fundamentos, ao mencionar o art. 594, do CPP, e reitera os anteriores, alusivos à necessidade da prisão preventiva, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.
De se notar, nesse contexto, que a impetração se insurge, especificamente, contra tais fundamentos da ergástula cautelar de sorte que, data venia, não podem ser desconsideradas para a presente análise.
Feito o registro, e dissentido das conclusões do douto parecer ministerial, passo a examinar, em conjunto, as decisões que decretaram a prisão preventiva do paciente.
2. Da manutenção da prisão preventiva com fulcro no art. 594, do CPP.
Neste ponto, aquiesço à lúcida argumentação do parecer ministerial, quanto à inaplicabilidade do art. 594, do CPP, para manter a segregação preventiva por ocasião da sentença condenatória, pois se trata de norma revogada pela Lei nº 11.718/08 , o que prescinde de maiores considerações a respeito.
Passo, doravante, a examinar os fundamentos do decreto prisional hostilizado, alusivos à garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.
3. Da prisão preventiva como garantia da ordem pública
Inicialmente, convém alertar que a alegação do impetrante, de que a droga sequer foi encontrada em poder do paciente, é matéria reservada à cognição do processo originário.
Outrossim, releva destacar que os policiais ouvidos durante a lavratura do auto de prisão em flagrante disseram ter visto a droga ter sido arremessada pelo muro, de dentro da residência do paciente e da corré Iara Rodrigues Sousa, sua esposa, o que é suficiente para a caracterização do fumus comissi delicti.
Feita o registro, passo examinar os argumentos da impetração que atacam o periculum in libertatis, da decisão hostilizada nesta via heroica.
Na decisão que indeferiu o pleito de revogação da prisão preventiva do paciente (fls. 180/182), reiterada na sentença condenatória, o magistrado enfatizou que foram apreendidos nos autos cerca de 01Kg (um quilograma) de crack, 01 (um) revólver calibre 38 e 02 (duas) balanças de precisão, dentre outros objetos.
Mais adiante, ele enfatiza que
Na região desta Comarca é alarmante o aumento da incidência de crimes afetos à lei nº 11.343; a comunidade atualmente vê seus adolescentes iniciando a vida no crack e, com isso, iniciando também a prática de pequenos furtos como forma de sustentar o vício. A sociedade hoje reclama a autuação energia (Sic) da Polícia e Poder Judiciário no sentido de encontrar e julgar aqueles que são responsáveis pela mercancia de substância entorpecente. Destaco, nesse sentido, que em poder do indiciado foi encontrada balança de precisão.
O decisum, como se vê, e ao contrário do que sustenta os impetrantes, não se apoia em argumentos meramente abstratos sobre a periculosidade da conduta do paciente, pois menciona os deletérios efeitos da droga, elemento de altíssima desagregação social, e que, sabidamente, fomenta a criminalidade em todos os aspectos.
Tal consideração não se encontra desvinculada de dados concretos, vez que o magistrado dito coator menciona em seu decisum que foi apreendido cerca 01Kg (um quilograma) de crack, 01 (um) revólver calibre 38 e 02 (duas) balanças de precisão, dentre outros objetos.
A natureza da substância, cujos efeitos são sabidamente devastadores, e sua quantidade, que não pode ser considerada inexpressiva, e evidenciam, sim, a perniciosidade da conduta do paciente, tudo isso apto a sustentar o decreto prisional.
No contexto de tutela à ordem pública nos crimes de tráfico de drogas, é ressabido que a sua grande quantidade constitui motivo suficiente para a decretação da prisão preventiva, por evidenciar acentuada periculosidade da conduta, revelando que o agente, ou trata-se de um grande traficante, ou está envolvido no tráfico organizado, praticado, geralmente, em larga escala.
A quantidade de entorpecente apreendida in casu deve ser sopesada com extrema cautela, evitando-se conclusões descompassadas com a realidade local da comarca (Estreito), a partir de premissas equivocadas sobre a quantidade de droga.
À guisa de exemplo, na cidade de São Paulo, sabidamente uma das maiores e mais desenvolvidas metrópoles da América Latina, a narcotraficância é praticada em escala infinitamente superior, quando comparamos, até mesmo, com todo o Estado do Maranhão.
Nesse sentido, a apreensão de algumas trouxinhas de crack, para a realidade de grandes metrópoles, pode, eventualmente, não caracterizar a traficância organizada ou em larga escala, apta, portanto, a evidenciar acentuada reprovabilidade e a necessidade de encarceramento preventivo.
Todavia, em uma comarca do interior do Maranhão, como Estreito, me parece que a apreensão de cerca de 01Kg (um quilograma) de crack, em forma de tablete, traduz cenário de traficância, pois, com esta elevada quantidade de narcótico é possível seu fracionamento em mais de quatro mil “pedras”, considerando que cada uma dessas, individualmente, pesa cerca de 0,25g , capaz, portanto, de grassar na sociedade local os deletérios efeitos das drogas, como elemento de altíssima desagregação social.
Situação deste jaez evidencia, a meu sentir, a periculosidade do traficante, e a acentuada gravidade em sua conduta, ambos concretamente aferidos pela quantidade de droga, o que autoriza, nesse passo, a decretação de sua prisão preventiva.
Esta e. Corte assim já se pronunciou em casos análogos (apreensão de algumas dezenas de pedras de crack):
[…] 2 – A prisão preventiva restou devidamente fundamentada, eis que, além de presentes os indícios suficientes da autoria e a materialidade delitiva, o ergástulo cautelar tem como suporte a garantia da ordem pública, uma vez que as informações constantes dos autos dão conta da apreensão de 28 (vinte e oito) “cabeças” de “crack” na casa onde se encontrava o aqui paciente, acompanhado de uma corré, havendo fundada suspeita de que a droga destinava-se à mercância. Além do que, há notícias de que, por ocasião da prisão, uma criança saiu correndo da casa em que se encontrava o paciente, com um embrulho nas mãos, contendo 05 (cinco) pedras de crack, tendo o referido pacote caído das mãos da criança e a polícia constatado que nele havia droga. […]
Desta forma, é imprescindível a contextualização da quantidade da droga e sua natureza às especificidades do caso concreto, para uma adequada compreensão da controvérsia, possibilitando, assim, dimensionar e distinguir, de maneira mais próxima possível da realidade, a pequena traficância daquela praticada de forma organizada ou em larga escala.
Nesse passo, afigura-se concretamente motivado o decreto prisional ora hostilizado, pois necessário ao resguardo da ordem pública, dada a elevada quantidade de droga apreendida, cuja propriedade se atribui ao paciente.
4. Da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal
Neste ponto, tal como enfatizado em sede preambular, reitero que o juízo impetrado, de forma fundamentada, justificou a necessidade da prisão preventiva em dados concretos, pois enfatizou que “o indiciado não demonstrou nos autos emprego fixo, já que juntou comprovante de pagamento de diárias, assim como não demonstrou possuir vínculos empregatícios com a empresa. Também devo considerar que a cidade de Estreito possui uma zona rural imensa, sendo Município que faz divisa como o Estado do Tocantins, e ainda, atravessada por rodovia federal; circunstâncias essas que são favoráveis à fuga do indiciado” (fls. 181).
Nesse passo:
[…] 1. A ausência de vínculo do paciente com o distrito da culpa, ensejando receio de fuga, é motivação suficiente a embasar a negativa da liberdade clausulada, para a garantia da aplicação da lei penal. […]
Acrescente-se, por oportuno, que o paciente, segundo consta nos autos, residia anteriormente no Estado de Goiás, e tramitam na Justiça deste Estado dois processos criminais em seu desfavor, consoante se vê na certidão acostada às fls. 267 .
Refuto, outrossim, a alegação do impetrante de que a prisão, sob este fundamento, estaria superada, com o término da instrução, pois é consabido que esta finalidade da ergástula é específica, de natureza endoprocessual, e, evidentemente, difere daquela, que visa assegurar a aplicação da lei penal. Enquanto não transitada em julgado eventual condenação, persiste a necessidade da segregação para assegurar a aplicação da lei penal, quando concreto, como no caso vertente, o risco de fuga.
Assim, não se afigura desprovido de verossimilhança, tampouco justificativa idônea, o fundado receio de fuga, acaso o paciente seja posto em liberdade.
5. Da aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Em sendo inviável a soltura do paciente, a impetração pede, subsidiariamente, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, enfatizando que o juízo dito coator desconsiderou o caráter de ultima ratio da segregação preventiva, na dicção do art. 282, do CPP.
O pedido ora examinado mostra-se absolutamente incompatível com a perniciosidade da conduta do paciente, concretamente demonstrada linhas acima, consubstanciada na elevada quantidade de droga apreendida.
Confira-se o entendimento jurisprudencial a esse respeito:
[…]2. A quantidade do estupefaciente apreendido em poder do envolvido – quase meio quilo de maconha – e as circunstâncias em que se deu a prisão em flagrante, são fatores que, somados ao fato de haver sido encontrado, também, apetrechos utilizados no preparo da substância ilícita para posterior comercialização, evidenciam que a manutenção da prisão preventiva encontra-se justificada e mostra-se necessária, dada a potencialidade lesiva da infração e a periculosidade social do acusado.
3. A prisão encontra-se justificada ainda em razão da existência de outros processos criminais anteriores por delito da mesma natureza, revelando a propensão à prática criminosa e a real possibilidade de que, solto, volte a delinquir.
4. Inviável afirmar que a medida extrema é desproporcional em relação a eventual condenação que o réu sofrerá ao final do processo que a prisão visa acautelar, isto porque, não há como, em sede de habeas corpus, concluir que o acusado será beneficiado com a fixação do regime aberto, ou com a substituição da pena corporal por restritivas de direito, especialmente em se considerando seu histórico criminal.
5. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada na periculosidade acentuada do denunciado, dada a probabilidade concreta de continuidade no cometimento da grave infração denunciada.
6. Habeas corpus não conhecido.
Desta forma, a segregação revela-se medida compatível com os vetores necessidade-adequação, dada a gravidade concreta da conduta delitiva imputada ao paciente.
6. Da decisão liberatória da corré Iara Rodrigues Sousa e a extensão da benesse ao ora paciente.
Já em sede prefacial, visualizei a inviabilidade de acolher referido pleito, em razão de a decisão liberatória da corré Iara Rodrigues Sousa não se fundar, exclusivamente, em aspectos objetivos.
Agora, em aprofundamento cognitivo, reitero tal sorte de ideias, uma vez que a decisão de fls. 100, que concedeu a liberdade provisória à corré Iara Rodrigues Sousa ressalta aspectos de cunho subjetivo, reputados favoráveis pelo magistrado impetrado (residência fixa, primária, etc.).
Nesta mesma decisão, o juízo dito coator também levou em consideração que o filho da corré Iara Rodrigues Sousa é portador de transtornos que demandam cuidados especiais, o que também justificou sua soltura.
Este mesmo motivo invocado pelo impetrante, com efeito, afigura-se, a princípio, insuficiente para justificar a sua soltura, já que a mãe da criança foi posta em liberdade levando-se em conta esta peculiar situação.
Desta forma, a par do exposto, concluo que a prisão preventiva, inobstante gravosa, ainda se mostra necessária, como meio indispensável ao acautelamento da ordem pública, e para garantir a aplicação da lei penal.
Com essas considerações, conheço do presente habeas corpus, e, em desacordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, denego a ordem impetrada.
É como voto.
Sala das Sessões da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luís, 22 de janeiro de 2015.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida
RELATOR

Agradecimento

Apesar de ter deixado de postar matéria com regularidade, decisão que tomei depois de concluir estar sendo repetitivo nas minhas colocações, a par das minhas convicções, observo, nos dados estatísticos do blog, que as pessoas continuam acessando ao mesmo e curtindo os poucos artigos que tenho postado.

Sendo assim, sinto-me quase na obrigação de continuar postando matérias com mais frequência, o que farei doravante, mas, claro, sem a mesma impetuosidade de antes.

Agradeço, portanto, aos que continuam compartilhando comigo as minhas reflexões, na certeza de que elas retratam, com fidelidade, a minha prática de vida.

Perdão judicial numa perspectiva humanista

Inicio essas reflexões lembrando que não existe decisão judicial preta prêt-à-porter. Decisão judicial não se compra em shopping. Decisão judicial se constrói. E nessa construção vale muito a posição do intérprete, a sua visão de mundo, os seus valores, a sua ideologia e as suas idiossincrasias. Por isso que, diante da mesma quadra fática, sob as mesmas leis, existem decisões díspares, sem que se possa dizer ao certo que uma esteja errada e a outra, certa.

Feita a observação, passo a discorrer sobre o tema que elegi para reflexão, que é o perdão judicial, numa visão antropocêntrica.

Pois bem. O perdão judicial é uma das causas de extinção de punibilidade, prevista no inciso IX, do artigo 107, do Código Penal Brasileiro, aplicável, dentre outros, ao homicídio culposo Art. 121, § 5º, do CP, “se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. É, portanto, um instituto jurídico que dá ao juiz o poder discricionário de abrir mão, em nome do Estado, do direito de punir, em determinadas circunstâncias, por se tratar de direito subjetivo do acusado.

Com efeito, em face do instituto em comento, o magistrado pode deixar de aplicar pena ao autor de uma conduta típica, ilícita e culpável, mesmo reconhecendo a prática do crime, em razão de circunstâncias excepcionais que tornem desnecessária a imposição de pena, como se pode inferir do texto legal acima transcrito, com o que, reafirmo, se extingue a punibilidade do acusado.

No Direito Positivo brasileiro, a aplicação do instituto se dá no momento da prolação da sentença. É dizer: em face desse marco legal, sob uma perspectiva puramente legalista e em vista das correntes doutrinárias e jurisprudenciais prevalecentes, ainda que as circunstâncias excepcionais desautorizem a imposição de pena, o acusado envolvido com a prática do fato típico deve se submeter às agruras da persecução criminal, que vai da abertura do inquérito policial à sentença, com todos os seus consectários, para que, só então,o juiz decida pelo perdão.

Nesse sentido, por maior que tenha sido a dor infligida ao autor do fato, em face do crime, o réu, ex vi legis, será submetido a um sofrimento, que entendo desnecessário, exatamente porque, numa visão puramente dogmática da questão, o perdão não pode ser aplicado no nascedouro da persecução criminal, o que, em face de determinadas circunstâncias, chega a ser injusto ou até mesmo desumano.

Para argumentar em defesa do meu ponto de vista, certamente censurável em face da prevalência de posições antípodas, tomemos o exemplo dos pais que eventualmente sejam responsabilizados pela morte dos filhos que deixaram, por negligência, no interior de um veículo, como noticiado recentemente,

É justo, convenhamos, que esse pai, impregnado de dor em face da ocorrência – talvez a maior das que se possam infligir ao ser humano -, seja submetido à persecução criminal, para que o magistrado condutor do feito, só depois, ao cabo da persecução – por ocasião da sentença -, extinga a punibilidade pelo perdão, em obediência estrita a um formalismo que, nesse caso, se mostra desumano e cruel?

Por que, diante das circunstâncias, evidenciado que o autor do fato não pretendia o resultado, que tudo se deu em face de circunstâncias invencíveis, não aplicar logo o instituto? Por que esperar a oportunidade da sentença para aplicar o perdão? Por que não arquivar, de logo, o inquérito policial, por falta de justa causa, sobretudo a considerar o fato notório, isto é, do conhecimento público, cujas circunstâncias estão a recomendar a não punição?

Para que não se imagine que aqui se estaria a cuidar de uma heresia jurídica, recentemente, o TJ/SP, em um crime de homicídio culposo (trânsito) extinguiu antecipadamente a punibilidade da ré, ao argumento de que o perdão pode ser reconhecido em qualquer momento do processo, segundo os argumentos esposados pelo desembargador Souza Nery. Para esse magistrado, o sofrimento de uma mãe que perde o filho em face de uma conduta negligente, provoca tanta dor, tanto transtorno, tanto sofrimento, que se equipara a uma pena ou mesmo ao dissabor de responder a um processo, tese que, nas mesmas condições, acolho sem restrição.

No caso específico dos pais que esqueceram os filhos no carro, entendo, na mesma linha de pensar, que o mais justo seria o imediato trancamento do IP, por falta de justa causa, ou, noutro giro, a extinção antecipada da punibilidade, na hipótese de já ter sido deflagrada a persecução criminal na sua segunda fase.

É claro que os legalistas, os que sublimam a lei acima de qualquer coisa, haverão de discordar dessa minha posição. Todavia, em defesa da tese, recordo que até recentemente, os magistrados extinguiam a punibilidade pela prescrição em perspectiva, antecipando o julgamento de uma infinidade de processos criminais, a pretexto de não prolongar o desconforto dos acusados, sabendo-se antecipadamente do desfecho, em situações nada parecidas com a de uma mãe ou pai que tenha, por descuido, esquecido do filho no interior do veículo, em razão do que veio a óbito.

Para concluir, consigno que não estou pregando que em tais situações o Estado deva, sempre, abdicar do processamento do autor do fato, já que, desde a minha visão, cada caso deve ser analisado em vista das suas particularidades, a partir das quais se pode, ou não, antecipar o perdão.