“Culpa pela morosidade da Justiça não é só do juiz”

themisCapturada no consultor jurídico

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POR MARINA ITO

“Um juiz, um promotor e um advogado juntos mudam o mundo se quiserem. É preciso saber se querem.” A frase é da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, ao falar sobre morosidade no Judiciário. Ela participou, nessa sexta-feira (6/11), do evento Diálogos com o Supremo, na FGV Direito Rio, onde expôs sua opinião sobre diversos temas relativos ao Direito e ao Judiciário.

“A morosidade da Justiça é um problema do Judiciário ou tem mais gente interessada nela?” A ministra afirmou que, na época em que era advogada, acreditava que era interesse acabar com a demora no julgamento dos processos. Mas depois de se tornar juíza ficou a dúvida, sobretudo ao se deparar com processo no Supremo com mais de 20 anos de tramitação no Judiciário e com 11 recursos apresentados somente na mais alta Corte do país.

“Quem é que não deixa acabar? O juiz?” Ela também citou o caso de um processo que começou em 1991 em SP, já passou por juiz federal, pelo TRF, STJ, sendo que ela já deu três decisões com prioridade e vai para a quarta, pois foram apresentados embargos. “Eu que não deixo acabar? Ou há muitos bons advogados que não deixam acabar?”, perguntou.

Cármen Lúcia afirmou que esse é o motivo pelo qual é contra nova reforma do Judiciário. Para ela, é hora de transformar a comunidade jurídica. “O dia em que acabar a morosidade, o estado vira mesmo de direito.”

Sem milagre
Ao falar sobre a Constituição Federal, a ministra disse que a de 1988 é aberta e a ideia de Justiça, dinâmica. Mas, alertou, Constituição em aberto não significa que cada um pode fazer o que quiser. Nas horas de grandes emoções, há pessoas que pedem pena de morte. “O juiz mostra mais sua coragem na hora de grandes emoções populares, porque o Direito é a barreira entre a razão que se põe para que a emoção não tome conta e a mais ampla injustiça seja cometida.” Nessa hora, disse a ministra, é o juiz que vai ser o antipático a agir de acordo com a razão.

Cármen Lúcia disse que, hoje, as pessoas conversam sobre a Constituição e as decisões do STF. Mas, disse, o Direito não faz milagre. Para ela, quem pode fazer é o cidadão ao aplicar as normas. Do que adianta, perguntou, exigir que Estado respeite a Constituição se o próprio cidadão não respeitar o vizinho?

Questionada sobre o rigor da lei, a ministra afirmou que, se as pessoas soubessem como funciona a estrutura do Poder Judiciário, seria mais fácil perceber o que os juízes estão fazendo, o que podem e o que não podem fazer. “As leis são severas.”

Considerada “mão pesada” em matéria penal, a ministra disse que não se pode deixar uma pessoa presa sem sequer ser interrogada. Citou o caso de um Habeas Corpus, em que uma pessoa presa em março de 2003 até então não tinha sido interrogada. Ela disse que como só há notícia dos que foram soltos pelo Supremo, a sociedade acaba entendendo de modo equivocado o que está acontecendo.

A ministra chamou a atenção ainda para a questão de como as pessoas serão punidas. Ela contou que uma vez por mês vai a penitenciárias visitar quem não recebe visita. “O brasileiro não tem ideia do que é uma prisão.” Ela disse que não é “coisa de bicho”, já que este não fica amontoado. E mais: mandar para a cadeia quem furtou – que tem de ser punido – é fazer com que um infrator eventual se transforme em um infrator permanente.

Isso porque, explicou, quando ele sai da prisão, não consegue emprego. “Temos de pensar programas sociais para o egresso.” Segundo ela, a estrutura atual é “jogar na cadeia” e achar que está resolvendo o problema. “Não está.”

No que ela chamou de “crime paradigmático”, que se refere ao que é público, entende que a aplicação da lei tem de ser célere. “Não é rigor. Tem de ser célere para que se dê uma resposta”, disse.

Efetivação dos direitos
Para a ministra do Supremo, passados 21 anos da promulgação da Constituição, as instituições estão funcionando. Cármen Lúcia disse que a hora não é de buscar mais direitos, mas efetivar os que já foram conquistados. “A Constituição não é cartilha, aviso; é lei. E lei é para ser cumprida.” Para isso, não basta só o texto, mas que as regras sejam efetivas.

A ministra também falou das decisões judiciais que determinam a entrega de remédio ou a realização de procedimentos cirúrgicos. É obrigação do Estado, disse, garantir o mínimo existencial aos cidadãos. “Quando chega liminar para garantir um remédio, a tendência do juiz é deferir”, disse.

Ela reconheceu que há abusos. Citou o caso de um pedido que chegou ao Supremo com a descrição do medicamento e com o discurso de que era em nome da dignidade da pessoa humana. Contou que telefonou ao seu médico e descobriu que o remédio era o viagra.

A ministra também citou o caso de um governador que diz que 20% do orçamento do estado estava destinado a cumprir liminares obtidas no Judiciário por cerca de 120 pessoas. Cármen Lúcia lembrou, ainda, que há outro princípio na Constituição que é o da reserva do possível. “Se a conta não fecha, não tenho como realizar o que está previsto na Constituição, porque ela não faz milagre.”

Segundo ela, o juiz não vai correr o risco de deixar o paciente morrer, pois considerará o indivíduo ao se deparar com o pedido. “Quem tem dor, tem pressa. Quem tem fome, tem urgência. É isso ou a morte. E o Direito existe para a vida. É a tal da escolha trágica.”

Para a ministra, apesar de achar excessivos os conflitos no Judiciário, ela entende que a mudança é positiva. A pessoa, diz, vai ao Judiciário buscar seu direito. “É uma forma de acreditar nas instituições”, constata.

A palestra seguida do debate foi acompanhada pelo ex-conselheiro do CNJ, Joaquim Falcão, pelos desembargadores Marco Faver, Henriqueta Lobo e Leila Mariano, do Tribunal de Justiça do Rio, pela ex-conselheira e juíza Andréa Pachá, pelo juiz Luiz Roberto Ayoub, pelo presidente da Associação dos Juízes Federais, Fernando Mattos, por professores e estudantes da FGV Direito Rio.

Desembargadores paulistas se desentendem em sessão

Li no Consultor Juridico

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Por Fernando Porfírio

A temperatura estava alta na tarde desta quarta-feira (4/11) na capital paulista. O calor subiu um pouco mais durante a sessão administrativa do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. O debate ficou acalorado quando da defesa prévia apresentada pela juíza Isabel Cardoso da Cunha Lopes Enei, da Vara Da Infância e Juventude de Ribeirão Pires, na Grande São Paulo.

A juíza respondia a sindicância disciplinar em que era é acusada de atrasar julgamento de processos, de irregularidades no exercício da função, de favorecer a uma promotora de justiça e irregularidades formais na devolução da guarda de duas crianças ao pai e à madrasta, e que foram mortas pelo casal.

A defesa da juíza ficou a cargo dos advogados Arnaldo Malheiros Filho e Eduardo Pizarro Carnelós. Eles sustentaram que sua cliente era inocente de todas as acusações que pesavam contra ela na Corregedoria Geral da Justiça. Enfatizaram a dedicação da juíza ao trabalho, afirmando que a magistrada se envolvia de corpo e alma nas questões que envolviam infância e juventude na comarca onde atuava.

O termômetro subiu de vez quando o relator do recurso, desembargador Reis Kuntz, que ocupa o cargo de corregedor-geral da Justiça, questionou os colegas se haviam lido seu voto. Kuntz passou, então,  à leitura integral do voto e, depois, de forma pouco elegante, voltou a criticar os desembargadores acusando-os de não se darem ao trabalho de ler seu voto antes do julgamento.

Impaciente, Kuntz acusou os colegas de darem pouca atenção a suas manifestações. Disse que a leitura antes da sessão daria agilidade aos julgamentos. “Mandei cópia para os senhores todos e pelo que parece não leram meu voto”, disse Kuntz, que se manifestara pelo recebimento total das acusações contra a juíza.

A primeira manifestação contra o destempero verbal de Kuntz partiu do desembargador Boris Kauffmann, que advertiu o colega de que os integrantes do Órgão Especial têm liberdade para votar da maneira como manda sua consciência. O ataques mais duro, no entanto, partiu do desembargador Eros Picelli que disse que não aceitava e não admitia as palavras dirigidas ao colegiado pelo corregedor-geral da Justiça.

“É falta de educação e de cortesia”, disse Picelli, um ex-oficial da Polícia Militar conhecido pela elegância com que trata a todos os que o procuram. “Vossa Excelência é corregedor de primeiro grau e não dos desembargadores”, completou Picelli. Segundo ele, o corregedor-geral precisava aprender a ficar vencido nos processos em que atuava como relator.

A ira verbal de Picelli não prosseguiu porque a turma do deixa disso entrou em ação e porque Kuntz não retrucou. O colegiado, por maioria de votos, decidiu acolher parcialmente os argumentos apresentados na defesa prévia da magistrada. Ficaram vencidos os desembargadores Reis Kuntz, Vallim Bellocchi (presidente), Munhoz Soares (vice-presidente) e Marrey Uint.

Com a decisão, o Tribunal de Justiça decidiu abrir processo administrativo disciplinar para apurar de se a juíza violou regras relativas a horário de expediente e produtividade no trabalho. O processo disciplinar vai apurar suposto excesso de prazo e de processos nas mãos da juíza à espera de decisão.

Morte das crianças
No caso do procedimento adotado pela juíza na guarda das crianças, o desembargador Luiz Tâmbara, corregedor-geral em exercício, afastou qualquer responsabilidade da juíza pelas mortes.

O caso aconteceu em setembro de 2008, quando os irmãos João Victor e Igor (de 12 e 13 anos) foram asfixiados, mortos e esquartejados pelo pai e pela madrasta. De acordo com a Polícia, os autores do crime foram o vigilante João Alexandre Rodrigues e sua mulher, Eliane Aparecida Rodrigues. Os corpos foram encontrados, dentro de sacos de lixo em frente à casa da família, em Ribeirão Pires (SP). Após passar nove meses em um abrigo, os meninos haviam voltado a morar com o pai e a madrasta. Dois dias antes, as crianças haviam sido levadas à Delegacia por um guarda-civil que as encontrara abandonadas na rua. O conselho tutelar foi acionado, mas elas acabaram devolvidas à família.

O caso caiu nas mãos da juíza Isabel Cardoso, em abril de 2007. Com base em denúncias de que os irmãos sofriam maus-tratos, ela determinou que os dois fossem para um abrigo. Em maio decidiu tirá-los do local, mas revogou a decisão porque as crianças pediram para ficar. Em janeiro do ano passado, a juíza decidiu pela volta das crianças para casa — apesar de o Ministério Público ter denunciado o pai e madrasta por tortura, depois pedindo a desclassificação para o delito de maus tratos.

Procedimento nº 89.620/2008
Relator: desembargador Reis Kuntz — Voto 18.584

Os viciados em trapaças

Em face de sua atualidade, republico, a seguir, artigo da minha autoria, veiculado no Jornal Pequeno no ano de 2007.

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O ser humano tem vícios – no sentido de relaxação, hábito – para o bem ou para o mal. Se é viciado em trabalho, não sabe viver sem laborar. E se, por alguma razão, fica impossibilitado de desenvolver o seu mister profissional, adoece. O viciado em trabalho não sabe ser diferente. É por isso que muitas pessoas, ao se aposentarem, caem em depressão, perdem a qualidade de vida e abreviam a morte. Para essas pessoas, viver sem trabalhar é um calvário. Noutra vertente, há pessoas que só sabem viver na folgança. Para essas pessoas o trabalho é sua via-crúcis. O trabalho, para elas, se traduz em sofrimento, irritação, angústia. Essas pessoas gostam mesmo é da pachorra, da lassidão, do folguedo.

Assim como entre os humanos há, num extremo, os indolentes e, noutro extremo, os desvelados e diligentes, há, também, os viciados em retidão e os viciados em falcatrua, em bandalheira. Se o ser humano recebe, diariamente, doses de retidão e probidade, tende a, em adulto, ser, também, reto e probo; se, ao reverso, ver imperar em sua volta a falcatrua, a bandalheira, a corrupção, tende a, também, seguir velejando nas mesmas águas. Me parece que é a ordem natural das coisas. Claro que haverá, sim, exceções. Mas essas só servem para confirmar a regra.

Nessa linha de pensar, não deveria surpreender que as pessoas de personalidade mal formada vivessem à margem da lei. É que essas pessoas são viciadas em improbidade, em falcatrua. Para essas pessoas, a retidão, o desvelo no trato da coisa pública não importa, é irrelevante. Essas pessoas são viciadas e formaram a sua personalidade transgredindo, profanando a ordem, sem remorso, sem dor na consciência.

Aquele que recebe doses diárias de retidão, tende a refutar o mal proceder, a farsa o embuste. Mas aquele que durante toda a sua formação moral acostumou-se à pantomima, ao ardil e à fraude, navega nessas mesmas águas, sem remorso, sem padecimento. Às vezes, de tão viciado na impostura, sequer se dá conta de que vive à margem da moralidade e da lei. Para essas pessoas a trapaça e a velhacaria são uma rotina, estão sedimentadas em sua formação moral.

Para exemplificar, anoto que aquele que, todos os anos, frauda o fisco, por exemplo, de tanto repetir a pantomina, já procede com naturalidade. Para esses, fraudar ou não fraudar é irrelevante. É que ele viciou na prática dessa empulhação e supõe que jamais cairá na malha fina, até que, um dia, a casa cai. Da mesma forma, quem se acostumou, deste de sedo, a usar o cargo que ocupa em benefício pessoal e dos amigos, vai agir sempre assim, pois que não tem a dimensão da importância do cargo que exerce. Para um profissional da saúde, uma morte a mais ou a menos, uma fratura exposta aqui e acolá, não mexe, significativamente, nas suas emoções, porque está acostumado a conviver com esse tipo de tragédia. É que ele, de tanto convir com essas excrescências, acostumou-se e age com, até, indiferença.

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Da mesma forma que o autor de uma maracutaia, se viciado nessa prática, não tem receio de praticar outras ilicitudes, os cidadãos, de tanto verem prosperar a impunidade, a roubalheira de agentes do poder público, a violência, a corrupção, tendem a não mais se indignarem. Não é por outra razão que no mundo da política há quem faça apologia do apotegma “rouba mas faz”.

No mundo em que vivemos, acostumados com a falta de probidade de agentes públicos, às vezes – ou quase sempre – não nos indignamos quando se tem notícia de um enriquecimento ilícito. O agente público, vê-se no dia-a-dia, ascende ao poder, para, pouco tempo depois, ostentar uma vida de gastos desregrados, sem que as pessoas manifestem qualquer inconformação diante dessa profusão de iniqüidades. Tanto é verdade que, no próximo pleito, sem enleio, voltar a sufragar o nome do agente público perdulário e esnobe.

Tenho dito, nas minhas pregações diárias, que nós, vítimas dessas tapeações, não podemos perder a capacidade de indignação. Se ficarmos anestesiados diante de tantas ilicitudes, de tantas imoralidades que se praticam no exercício do poder, não tenho dúvidas de que não evoluiremos.

Nós, cidadãos, não podemos nos quedar inertes diante de tanta roubalheira, de tanta lassidão, de tanta esnobação com o dinheiro público. Nós precisamos dizer aos assaltantes do erário, que não aceitamos essa prática e que estamos atentos e vigilantes. Nós temos que demonstrar que, se eles viciaram em falcatrua e nada mais temem, nós, do lado oposto da trapaça, do ludibrio, não viciamos, não nos comprazemos com a impunidade.

Tenho dito, admitindo que, aqui e acolá, também cometo os meus erros, que nós não podemos assistir impassíveis a tanta licenciosidade, a tanta falta de escrúpulo de alguns – quiçá, a maioria – dos nossos representantes. É preciso sair desse estado de letargia. Os cargos públicos não foram concebidos para atender os interesses pessoais de quem eventualmente o exerça. Nós não devemos sentir vergonha de ser honesto. Mas, para isso, é necessário, também, que, demonstremos que não somos viciados em pantomima, que somos capazes de, no exercício do nosso mister, agir com retidão. Não se pode apontar os erros do semelhante com o dedo envolto em sacanagem.

Reafirmo que, nas nossas relações diárias, até mesmo em face da nossa condição de seres humanos, cometemos erros – alguns mais; outros menos graves. Mas a diferença entre os que cometem erros no seu labor diário e aqueles de fazem apologia do embuste. É que os primeiros agem de boa-fé e quando se dão conta do erro cometido, reavaliam os seus conceitos e mudam o curso de suas ações; o que fazem apologia do embuste, do ardil e da maquinação, viciados que são, não são capazes de mudar a direção. Esses persistem navegando em águas turvas: roubando, maquinando, empulhando, ulltrajando a ordem, malferindo a lei, traindo, enganando, sem peso na consciência. É que esses, diferente da maioria das pessoas, são viciados em falcatrua. Esses não são de retroceder. Esses, de tanto maquinarem, de tanto embustear e empulhar, perderam, definitivamente, a sensibilidade. Esses ilaqueadores da ordem, muito provavelmente, estão contribuindo para deformação do caráter dos que estão em sua volta. Essas pessoas, vítimas do embuste, abastecidos diariamente com doses cavalares de tapeação, passam a agir da mesma forma que os seus pais, porque não têm outro paradigma.

Justiça em ação

IMAGEM-THEMISNós, juízes, de regra, não prestamos contas da nossa produtividade a ninguém. A gente até envia uns relatórios à Corregedoria. Todavia, ao que saiba, ninguém é instado a justificar as razões de uma baixa produtividade. E ainda que isso eventualmente ocorra, tenho certeza de que não haverá nenhuma consequência prática. Os vencimentos, com efeito, serão pagos, integralmente. E, mais grave ainda, o juiz com baixa produtividade pode, sim, até ser promovido por merecimento. Sempre foi assim e, acredito, assim tem sido até hoje. Talvez essa seja uma das muitas razões da nossa falta de credibilidade. Mas não será assim eternamente. É verdade que, aqui e acolá, malgrado todas essas incoerências, há, sim, os que são promovidos porque efetivamente o façam por merecer. Mas não é a regra.

Compreendo, contudo, que juiz não pode prestar contas apenas à sua consciência. É por isso que tenho usado o espaço que me proporciona a internet para, de certa forma, prestar contas das minhas ações, enquanto magistrado.

Tal como prometido, e nessa linha de compreensão, registro que, nesse feriadão, julguei os processos da relação abaixo, da famigerada Meta II, conquanto esteja gozando de licença prémio.

Espero que o leitor receba essas informações na sua exata dimensão, qual seja, como uma humilde prestação de contas de um servidor público.

Das decisões apanhei apenas o dispositivo, pois o objetivo é, tão-somente, comprovar, com dados fidedignos, o que estou afirmando..

1-Processo nº 167082003

Tudo de essencial posto e analisado, julgo improcedente a denúncia, para, de consequencia, absolver o acusado Josenilton Silva Moreno, devidamente qualificado, o fazendo com espeque no artigo 386, VII, do Digesto de Processo Penal.

2-Processo nº 216572002

Tudo de essencial posto e analisado, declaro, por sentença, extinta a punibilidade do acusado Severiano Pereira de Freitas, brasileiro, solteiro, desempregado à época do fato, filho de Benedito Gomes da Rocha e Maria Merce Pereira de Freitas, residente e domiciliaod na Rua 12, quadra 56, casa 06, Cidade Olímpica, o fazendo com espeque no inciso IV, primeira figura, do artigo 107, e inciso V, do artigo 109, ambos do Código penal.

3-Processo nº 207992003

Tudo de essencial posto e analisado, declaro, por sentença, extinta a punibilidade do acusado Ivaldo Barbosa Pereira, brasileiro, solteiro, pedreiro, filho de Basílio Braga Pereira e Maria das Mercês Barbosa Pereira, residente e domiciliado na Rua da Jaqueira, nº 29, Vila Lobão, o fazendo com espeque no inciso IV, primeira figura, do artigom107, e inciso V, do artigo 109, ambos do Código Penal.

4-Processo nº 66162005

Tudo de essencial posto e analisado, provadas a existência do crime e a sua autoria, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, pronunciar o acusado N. R. F. F., vulgo “Moreno”, por incidência comportamental no artigo 121, c/c o artigo 14, II, ambos do Digesto Penal, tudo de conformidade com o que estabelece o artigo 413 do Digesto de Processo Penal, para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri.

5-Processo nº 191192005

Tudo de essencial posto e analisado, provadas a existência do crime e a sua autoria, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, pronunciar o acusado D. A., vulgo “Duca”, devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 121,§2ºII, do do Digesto Penal, tudo de conformidade com o que estabelece o artigo 413 do Digesto de Processo Penal, para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri.

6-Processo nº 55332003

Tudo de essencial posto e analisado, provadas a existência do crime e a sua autoria, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, pronunciar o acusado J.S.G., acima qualificado , por incidência comportamental no artigo 121, c/c o artigo 14, II, ambos do Digesto Penal, tudo de conformidade com o que estabelece o artigo 413 do Digesto de Processo Penal, para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Vou cintinuar julgando. Faltam poucos processos da Meta II.

Voltarei com nova prestação de contas.

Lorotas de um bufão

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Reconheço que sou quase o caso perdido de obsessão pelo trabalho.

Mas já nem gosto de tratar desse assunto, pois pode transparecer pura arrogância.

As pessoas, muitas vezes, não compreendem que trabalhar é apenas uma obrigação e que quando faço esse tipo de registro objetivo apenas prestar contas das minhas ações, enquanto servidor público.

Estou de licença, todos já sabem. Todavia, ainda assim, estou ligado, preocupado com o trabalho. Esse é, talvez, o mais graves dos defeitos que tenho. Eu só me afasto do trabalho materialmente.

Mas que fique consignado, com a devida ênfase: não me regozijo e nem sou feliz por ser assim. Ao reverso, me penitencio, me autoflagelo, algumas vezes.

Eu bem que podia ser diferente, depois de tantas “porradas” que já levei.

Mas não tem jeito! Não arredo o pé!

Quando estou de férias – ou de licença, como estou agora – fico sempre com a sensação de que falta alguma coisa, que não deveria ter me afastado, que me descurei de minhas obrigações.

Hoje, pela manhã, ainda há pouco, como prova da minha obsessão, da minha inquietação, liguei para o meu gabinete e me fiz ciente da situação dos processos da Meta II que ainda aguardam providências.

Conversei com a analista e a secretária e me cientifiquei de tudo. Mas ainda não estou em paz. Eu quero saber mais, muito mais.

É por isso que, apesar de cientificado de tudo, ainda assim entendi devesse verificar, pessoalmente, a quantas andam os processos ainda pendentes de solução.

Amanhã, pela manhã, muito cedo, para dar vazão a esse sentimento de culpa que quase me atormenta, estarei no fórum, tomando pé da situação, em face da famigerada Meta II.

Eu não tenho dúvidas: apesar de estar afastado, minha mente só sossegará quando eu constatar que foram julgados todos os processos da Meta II. Eu sou assim. Infelizmente!

É compromisso assumido: à medida que forem chegando as alegações finais, vou trazer os processos – da Meta II – para casa, para julgá-los, cujas decisões, por óbvias razões, só serão publicadas no dia 17 de dezembro, data do encerramento da minha licença.

O prazo para que se cumpra a Meta II, todos sabem, é 31 de dezembro. Até lá, tenho certeza, todos os processos serão julgados, ainda que, em face disso, tenha que sacrificar os meus dias de licença.

Devo sublinhar que não estou em busca de reconhecimento. Assim o faço por dever de ofício. É a minha consciência que me impõe, que me conduz, que me leva a ser assim.

Claro que para os que não me conhecem, tudo isso pode parecer bravata. Os que me conhecem, no entanto, sabem que sou assim mesmo.

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Indagar-se-á, todavia:

Mas há necessidade de fazer o registro?

De rigor, respondo que não. Claro que não precisava fazer o registro.

E por que o faço, então?

É que nós, magistrados, somos tão mal-amados, somos tão malvistos, mal-afamados, malconceituados, que, muitas vezes, sinto necessidade de demonstrar que não somos – a grande maioria, pelo menos – todos iguais.

Claro que tudo isso pode parecer bobagem. E é mesmo uma bobagem.

Mas quem disso que não sou um bobo?

É possível ler o que acabo de escrever sem ter a sensação, pelo menos, de estar ouvindo lorotas de um bufão?

Os tolos no poder

A crônica que (re) publico a seguir, foi veiculada na edição do dia 1ºde novembro, do Jornal Pequeno.
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Sébastian Roch Nicolas Chamfort, que viveu no século XIX, foi um dos mais brilhantes satíricos de sua época. Suas máximas, publicadas depois da sua morte, revelaram-no um mestre do aforisma e um crítico voraz e impiedoso.

Nicolas Chamfort tinha intensa aversão aos tolos, sobre os quais definia, depois de indagar:

– O que é um tolo?

Para, impiedosamente, responder:

– Alguém que confunde seu cargo com sua pessoa, seu status com seu talento e sua posição com uma virtude.

Depois, diagnosticava, com a mesma acidez:

– Um tolo, ansiando com orgulho por alguma condecoração, parece-me inferior a esse homem ridículo que, para se estimular, fazia com que suas amantes pusessem penas de pavão em seu traseiro.

Basta olhar em volta para ver que, nos lugares por onde andamos, nos ambientes que frequentamos, nas rodas de bate-papo, nas confraternizações, em qualquer ambiente, enfim, estamos, quase sempre, próximos de muito tolos, travestidos de autoridade.

Quem convive com as autoridades submergidas em tolices, sabe do que estou falando.

É mais comum do que se imagina, encontrar um ser humano fantasiado de autoridade, mostrando-se, no mesmo passo, aos olhos dos circunstantes, como apenas mais um bobalhão.

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Não é incomum encontrar, encarapitados no poder, tolos que sublimam as virtudes que não têm, para chamar a atenção para suas idiossincrasias, para as suas abomináveis, execráveis fanfarronices.

O mais grave nessa questão é que, por serem tolos, não são capazes de perceber o que todos percebem, ou seja, que não passam de uns babacas, que pensam que têm o talento que não têm.

Conforme tenho constatado, os tolos esquecem que só o cargo, que o poder apenas, a vaidade e a prepotência, jejunas de sensatez e inteligência, não fazem milagres.

É comum, mais do que comum – e não se há de negar, não se há de obscurecer – conviver com autoridades que pensam que são o próprio cargo; por isso, são mesmo uns tolos, uns bobocas embriagados e desnorteados em face do naco do poder que têm sob controle.

É por isso que, quando os tolos assumem um posto de relevo, adicionam ao seu nome a autoridade que nele se revela. O magistrado Estulto Estúpido da Silva, por exemplo, se é ungido à 2ª ou 3ª instâncias, incorpora ao seu nome o título que decorre do cargo, passando, doravante, a ser nominado desembargador ou ministro Estulto Estúpido da Silva. E não ouse chamá-lo apenas de Estúpido ou Estulto, pois ele costuma encarar essa atitude como uma ofensa, uma afronta, um desrespeito. Ele exige do inferior hierárquico, ou de qualquer outra pessoa que supõe ser inferior, subserviência incondicional.

A verdade, a mais cristalina verdade é que, como bem definiu Sébastian Chamfort, depois da ascensão, o tolo pensa que, por milagre, tornou-se um virtuoso, um homem talentoso e cheio de bons predicados.

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É ou não é assim? Ou estou enganado?

Você, caro leitor, conhece, ou não, tolos fantasiados de autoridade? Conhece, ou não, um mentecapto imaginando-se talentoso em face do cargo que exerce?

Você, amigo leitor, já se deparou, ou não, com um paspalhão que, tendo ascendido – sob quaisquer condições, pisando no pescoço dos adversários, jogando o jogo rasteiro da gentalha -, imagina-se o mais capacitado, o mais competente dos homens, apenas em razão da posição que ostenta, circunstancialmente?

Pare, pense e responda às indagações supra. Creio que não encontrará nenhuma dificuldade, pois, muito próximo de você, há algum desses “virtuosos”, ostentando um baita rabo de pavão.

*Juiz Titular da 7ª Vara Criminal

e-mails: jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

Blog – www.joseluizalmeida.com

O distante sonho da igualdade

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Diálogo com professora de política Chen Shulian, nas aulas que tratavam da história do comunismo e das idéias políticas de Mao-Tse-Tung:

-Nosso chefe Mao foi o único a colocar em prática a filosofia comunista de Marx. Ele vai nos levar ao primeiro estágio do comunismo – disse, certa feita, aos seus alunos, dentre os quais Li Cunxin

-Estamos chegando ao primeiro estágio do comunismo? – quis saber um aluno.

-Sim, mas a estrada é longa. Ainda temos muito o que trabalhar.

-Qual o estágio final do comunismo? – perguntou outro anluno.

-Ah, é o definitivo país das maravilhas! Não há fome, nem distinção entre as classes, nem longas horas de trabalho. A igualdade é total. Todos trabalham com afinco e dividem os ganhos igualmente. Não há ganância nem preguiça. Não há fraudes nem injustiças. Todos têm o melhor. É a completa felcidade!

Não custa nada sonhar.

Folgança

A partir de terça-feira, dia 03 de novembro, estarei usufruindo de 45(quarenta e cinco) dias de licença-prêmio. Todavia, o que para muitos é uma mera folgança, momento da mais rigorosa relaxação, para mim parece um martírio.

É sempre muito difícil, para mim, me afastar do meu trabalho.

Digo com sinceridade: não sei como sobreviveria se não pudesse estar todos os dias, pela manhã e pela tarde, no Fórum despachando, julgando, ouvindo…cumprindo a minha obrigação, enfim.

Não sei o que seria da minha lucidez se olhasse para os lados e não visse nenhum processo para julgar. É por isso que, mesmo de licença, estou levando para casa (não é comendável, mas faço) vários processos para julgar neste período, sobretudo os da chamada Meta II, que estão aguardando apenas as alegações finais das partes. Parece estranho, mão não o é todavia. Eu quero julgá-los! Eu quero cumprir esse desafio!

Afastar-me do trabalho tem lá as suas compensações, pois, afastando-me, repenso a minha a minha vida, a minha história, a minha luta – quase inglória, decerto solitária – por uma sociedade mais fraterna e justa.

Pensando e repensando, vou deixando fluir a minha imaginação. Vou vendo onde errei, onde acertei, se devo mudar de rumo, sem mudar a minha história.

Nesse exato instante penso em algo que não gosto de pensar: promoção. Mas tenho que pensar, pois, a cada dia, ela se faz mais iminente.

Mas, convenhamos, vale a pena, no meu caso, desamado como sou, pensar em promoção? Será que, sendo promovido, me realizarei ? Uma pessoa com a minha personalidade, solitária, algumas vezes, até, individualista, saberá conviver com tantos contrários? Estou preparado, aos cinquenta e seis anos, para esse desafio?

Importa dizer, nessa linha de pensar, que, para mim, ser promovido, ou não, nos dias atuais, é indiferente. Diferente de muitos, o poder não exerce fascínio sobre mim. Por isso, não sou capaz de fazer qualquer coisa para ascender. Eu deixo as coisas acontecerem. Eu, tenho que admitir, não sei jogar o jogo do poder. Disputar, avançar, ascender significam para mim o mesmo que negociar, fazer concessões, se incompatibilizar, perder a paz…morrer um pouco, enfim.

Mas vamos lá! Vamos jogar esse jogo, sem perder a personalidade, sem ser a qualquer custo, de qualquer maneira, sob quaisquer condições.