A FELICIDADE NÃO É UMA OPÇÃO

Você sabia que a zebra, quando acorda, já o faz sabendo que tem que correr mais que o leão se quiser se manter viva, e que, de outro lado, o leão, todas as manhãs, acorda sabendo que deve correr mais que a zebra se não quiser morrer de fome?

Pois é. Todos os animais gastam energia com as suas necessidades.

Com o homem, portanto, não podia ser diferente.

De nossa parte, parcela relevante das nossas energias gastamos na busca da felicidade; felicidade, nada obstante, nem sempre alcançada, pelos mais variados motivos, me levando a conclusão de que a felicidade, definitivamente, não é uma opção, inobstante reconheça que há pessoas que, com suas ações, concorram para a sua própria desdita.

À vista da constatação supra, é de rigor a conclusão de ser um equívoco, uma singular falta de sensatez imaginar que alguém acorde pela manhã e decida que será, ou não, feliz, simplesmente porque não temos controle sobre o que pode acontecer em nosso entorno.

Na vida, é forçoso admitir, as circunstâncias se impõem, daí que, em face delas e a partir delas, podemos, ou não, alcançar momentos de plenitude espiritual, de consciência plenamente satisfeita, pelo que, a meu sentir, se equivoca quem afirma que a felicidade está ao alcance de qualquer um e que basta trabalhar em favor dela que tudo se resolve.

Numa visão, tanto quanto possível, racional da realidade, ninguém é infeliz porque almeje ser infeliz e ninguém é feliz apenas porque deseja sê-lo, a considerar que a realidade se impõe, em face da qual, muitas vezes, pouco ou quase nada podemos fazer.

Fosse possível escolher entre ser feliz ou infeliz, a vida não seria tão amarga para alguns, já que a cada um seria dada a opção de escolher o que melhor lhe aprouvesse; e o melhor que apraz a cada um de nós é ser feliz, estado de conforto mental cada dia mais difícil para uma expressiva parcela da população que despende grande parte de sua energia na tentativa de ao menos sobreviver.

A verdade é que vivemos num mundo tão complexo e tão impregnado de armadilhas que, não raro, ainda que não seja a nossa vontade, não temos escolhas diante das adversidades que a vida nos impõe.

Os fatos se sucedem e sobre eles a maioria de nós não tem controle, pelo que é de rigor a compreensão de que, na vida, nenhuma sensação de prazer é duradoura, nenhum bem-estar se perpetua, os momentos de contentamento são efêmeros e, nesse alvitre, nem sempre é possível a satisfação das nossas aspirações.

As relações que construímos, mesmo as que decorram de um sentimento verdadeiro, podem, sim, ser bombardeadas pelos acontecimentos, disso resultando que, o que nos proporciona felicidade nos dias presentes, pode nos levar a uma inaudita infelicidade nos dias vindouros, não deixando margem para outra solução que não seja seguir a correnteza.

Nessa perspectiva, importa concluir que, se a vida é uma sucessão contínua de fatos em razão dos quais não temos nenhum controle, nas relações interpessoais não é diferente, daí que não são poucos os que, mesmo vivendo em permanente conflito, são obrigados, pelas circunstâncias, a manter a relação pactuada, da mesma forma que há os que, conquanto movidos por um sentimento convergente, sublime e verdadeiro são compelidos a seguir por caminhos diversos, simplesmente porque, como dito acima, ser feliz não é, como muitos pensam, uma questão de escolha.

É isso.

NEM TUDO QUE PARECE É O QUE PARECE SER

A frase que tomo de empréstimo para título dessa crônica é de todos conhecida.

Ela encerra um ensinamento para a vida, pois tendemos, sim, ante uma circunstância que dimana das relações sociais, imaginar estar diante do que aparenta ser o quê, na verdade, não é.

Ressabiado, diante de tantas decepções vividas, lembro que, determinada época, tive, no corpo de funcionários sob o meu comando, um(a) funcionário(a) que, de tão eficiente, de tão atencioso(a), despertava em mim uma inquietação.

Pensava, com meus botões, a propósito, que ele(a) – o(a) funcionário(a)- devia ter algum defeito grave que eu ainda não havia percebido, já que, pela minha experiência de vida, não existia no mundo alguém que fosse tão certinho(a) como ele(a) aparentava ser, ou seja, que tivesse tantas qualidades quanto as que eu via nele(a).

Com o tempo, lamentavelmente, confirmei o que mais temia, ou seja, ele(a) não era mesmo o que aparentava ser. Como todo ser humano, tinha defeitos – alguns graves e insuperáveis – os quais impuseram o seu afastamento do corpo de servidores.

Esse é um fato que, em face do ambiente em que foi gerado, não teve maiores repercussões, pois que dele resultou apenas a minha decepção com o ser humano; mais uma, apenas.

Numa outra perspectiva de reflexão – mas dentro do contexto das relações humanas -, é de rigor a constatação, ademais, que, muitas vezes, o que aos nossos olhos se revela, à primeira vista, como uma boa intenção, uma ação magnânima, pode trazer embutida uma armadilha, uma maldade, a partir da qual reafirma-se, a toda evidência, uma face tenebrosa – dentre tantas – do ser humano.

Uma passagem da nossa história para ilustrar a minha constatação.

Evaristo da Veiga, autor da letra do Hino Nacional, fundador da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, propunha o fim do tráfico negreiro, o que, em princípio, se mostrava uma benemérita atitude. Mas, lamentável dizer, todavia, não era uma manifestação humanitária. Visava, na verdade, segundo sua ótica, estancar de imediato a infusão de sangue africano – tido por ele como raça estúpida e rude – na população brasileira, esquecido que rudeza e estupidez são apanágios de quem escraviza e não em face de quem é escravizado.

José Bonifácio de Andrada e Silva, de seu lado, tinha ideia semelhante, que, do mesmo modo, não decorria de uma visão humanitária, mas para proteger os brasileiros, segundo ele, da imoralidade, dos vícios, da falta de honradez dos “infames negros escravizados”, indignos de liberdade, desconsiderando que o que os tornava indignos não era a sua natureza, mas a natureza dos que, sem escrúpulos, os escravizava.

Diante de situações que tais – e tantas outras que permeiam as nossas relações – é que devemos estar sempre atentos, para nos proteger, desse duplo padrão comportamental, donde se vê que não são poucos os que, infelizmente, mediante desfaçatez, fingem ser o que não são, na medida em que suas ações revelam, definitivamente, a alma que têm e em razão da qual agem sem escrúpulos e sem controles.

Importa concluir, com essas reflexões, que o homem – e sua infinita capacidade de dissimular, de mentir, de fraudar e escamotear as suas verdadeiras intenções – encontra campo fértil para as suas mais perversas maquinações na incapacidade que muitos de nós temos de perceber a realidade, ou mesmo em face de uma deficiência cognitiva conveniente que nos impossibilita de ver – e querer ver – as perversas intenções que subjazem quando a realidade não convém aos nossos interesses.

É isso.

A CULTURA DA DISCRIMINAÇÃO

É comum falar em preconceito quando julgamos uma pessoa pelos mais variados motivos.

Na verdade, ao pé da letra, não é bem preconceito, na medida em que preconceito nada mais é do que um conceito formado antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos.

Mas, reconheço, do preconceito pode vir a discriminação, que ocorre quando destacamos uma pessoa em face de uma condição especial ou quando pretendemos – ou tentamos, pelos menos – estabelecer uma separação, uma apartação ou segregação dessa mesma pessoa, nas mais variadas circunstâncias e pelos mais diversos motivos.

A recente discriminação, na busca de apartação, de algumas jovens universitárias da Bauru, São Paulo, em face de uma aluna “velha”, de 45 anos, que causou furor e indignação nacional, levou-me a essa reflexão.

Entendo, examinando os fatos numa outra dimensão, que é preciso analisar o comportamento dessas jovens para além da situação fática subjacente.

A maioria, claro, justificadamente, criticou, com veemência, o comportamento das jovens.

E acho que deve mesmo ser criticado, face à intolerância nele contido, a contribuir para a situação conflituosa na qual estamos todos inseridos nos dias atuais, potencializada pela internet (rectius: redes sociais), que, como diz Umberto Eco, celebrado autor de “O nome da rosa”, deu voz a um legado de imbecis.

O que quase ninguém atentou – que é o que importa mesmo para essas reflexões – é que, na verdade, essas jovens são produto de uma cultura discriminatória há muito sedimentada na sociedade.

A verdade, translúcida e insofismável, é que a nossa sociedade foi construída com base em preconceitos que nos levaram às situações discriminatórias como a que me reportei acima, tornando a vida em sociedade mais conflituosa.

Essa cultura, nos dias de hoje, apenas se potencializou no mundo sem controle da internet, que tem abrigado, como sói ocorrer, os mais condenáveis comportamentos.

O que testemunhamos hoje, com as redes sociais, é o que todos fazem intramuros, nas rodas seletas de amigos, cuja repercussão e consequente condenação moral só corre quando a discriminação ultrapassa o umbral da privacidade.

A verdade é que todos, de certa forma, em determinado momento da vida, em determinadas circunstâncias, discriminamos o semelhante.

Essas jovens, portanto, são o resultado de um caldo de cultura nefando, do que se pode inferir que, de rigor, elas apenas externalizaram, nas redes sociais, o pior da nossa formação cultural.

É bem de concluir-se, pois, que elas não agiram em face do nada.

Elas não inventaram a discriminação.

Elas são, tanto quanto nós outros, produto de uma cultura que se sedimentou com o tempo, convindo lembrar, à guisa de ilustração, que, por muito tempo, o branco considerou o negro como um ramo à parte da espécie humana (Laurentino Gomes, Escrivão III).

Elas agiram, portanto, em face do que aprenderam nos ambientes que vivem ou frequentam, nos quais o preconceito e a discriminação são algo natural, na medida em que, em face deles, podem-se dar boas risadas escarnecendo o semelhante.

Elas só não entenderam que os tempos são outros.

Elas não se deram conta que o preconceito e a discriminação, tolerados intramuros, recebem, nos dias de hoje, veemente condenação moral, sobretudo quando veiculados em redes sociais.

A verdade é que discriminamos em face de quase tudo; isso é fato.

Eu mesmo sofri várias discriminações na minha vida.

Fui discriminado até pelos defeitos que nunca tive.

A vida em sociedade tem sido assim.

Discrimina-se pela estatura, pela cor, pela origem, pela falta de cultura, pelo excesso de cultura, pelo peso, pela opção sexual, pela posição assumida, pela posição não assumida etc.

Em face desse cenário, a mudança depende de cada um de nós.

É isso.

MINHA FÉ NA BONDADE HUMANA

Tenho tido dificuldade de conviver com exibições de irracionalidade decorrentes de um radicalismo exacerbado que contamina e cega as pessoas, mesmo as que supúnhamos, no passado, dotadas de algum senso crítico.
A fala irresponsável e mentirosa nunca teve tanta repercussão quanto nos dias presentes; nunca, em tempo algum, foi tão valorizada a desinformação, disso resultando que a fraude da verdade tem repercutido numa dimensão e com consequências estupefacientes, permeando a vida social de uma toxidade jamais sentida.
Dirão alguns, numa visão reducionista, que tudo isso é apenas uma das consequências mais visíveis do nosso atraso, quando, na verdade, digo eu, é resultado de uma crise moral sem precedentes que contamina uma parcela expressiva e barulhenta da sociedade, pois a mentira não se confunde com atraso ou ignorância, mas com falta de caráter de quem a veicula e de quem, no mesmo passo, se encarrega de replicá-la nas redes sociais.
Empatia, solidariedade, altruísmo? Nada disso importa aos extremistas, aos protagonistas das notinhas tendenciosas e mendazes que são veiculadas, pois que o objetivo é mesmo confundir, fazer rebuliço na mente do incauto cidadão, sobretudo o que acredita em mentiras, máxime as oficiais, que são as que estão a merecer de todos nós maior repúdio.
A percepção que tenho, nesse quadro desalentador, é que o Estado, por seus órgãos de controle, perdeu a força que antes detinha e impunha; perdeu o rumo, está sem direção.
Daí que cada um diz o que quer, veicula o que quer, vale-se das redes sociais, terra de ninguém, para disseminar inverdades, atacar desafetos, destruir reputações, ciente da impunidade.
Não defendo a censura. Ninguém minimamente racional a defende. Mas é chegada a hora, para romper com esse grave quadro de degradação pelo qual passamos, da adoção de providências tendentes a obstar a veiculação de falas e raciocínios insanos.
Nesse sentido, as instâncias de controle devem reagir com eficiência para, sempre que veiculada uma nota irresponsável, retirá-la das redes sociais, sabido que, nos dias presentes, há uma parcela relevante da sociedade que se informa apenas de notinhas de internet, espaço privilegiado de disseminação de inverdades.
A verdade é que uma notícia falsa, máxime a que recebe a chancela de uma liderança política, pode ter efeitos desastrosos. Não é por outra razão, por exemplo, que nunca se falou e questionou tanto as urnas eletrônicas e o resultado das eleições brasileiras, ainda que o processo eleitoral brasileiro seja o mais seguro e o mais elogiado do mundo, digno
dos mais acerbos elogios.

A realidade é que qualquer asneira dita por um líder político, sobretudo os que não têm compromisso com a verdade, pode ser – e é – um perigo em potencial para a sociedade, cujos exemplos despontam a toda evidência e a toda hora, criando um clima de instabilidade institucional da qual só tiram proveito os maus feitores, os que apostam no caos para dele tirar proveito.
Está insuportável viver num mundo povoado de radicais, pouco importando se de direita ou de esquerda. É preciso abrir espaço à contemporização, à concórdia, à compreensão, à empatia, às ações altruístas e à racionalidade, num momento tão difícil das nossas vidas.
O momento pela qual passamos é difícil e merece de nós, racionais, detida reflexão.
Eu, de minha parte, repetindo Anne Frank, digo, apenas, que, apesar de tudo que tenho testemunhado ao longo de uma longeva vida dedica a resolver conflitos, ainda creio na bondade humana.
É isso.

ANO NOVO, VIDA NOVA


Refletindo em face do título acima, devo dizer, de logo, que não
sou daqueles que se deixa levar por essa percepção, daí a minha conclusão de
que tudo tende a ser como sempre foi, na medida em que a vida nova que a
humanidade reclama não resulta das datas convencionadas, mas da mudança de
comportamento do ser humano.

A verdade é que o homem tende a ser o mesmo de sempre
(homo homini lups), pouco importando se se trata de ano novo ou ano velho, o que me faz concluir que a mudança convencionada pelo calendário deve ser analisada na dimensão que efetivamente tem: nada mais que uma simples divisão de tempo, que não implica, necessariamente, em mudança de rumo.

É bem de ver-se, pois, que a mudança que importa não está, assim compreendo, na mera mudança de datas, que decorre apenas de uma sucessão de dias, em vista da percepção de que a transformação definitiva, capaz de ressignificar a existência do homem e, por consequência, sua relação com o semelhante, só ocorrerá quando compreendermos que, acima de tudo, é preciso
amar as pessoas como se não houvesse amanhã (Renato Russo).

Nessa medida e nessa perspectiva, tendo a concluir que, sem
amar o próximo, incondicionalmente, passam os anos, a vida passa e tudo tende a ser como sempre foi, constatação que não decorre de uma visão pessimista, mas em face da realidade que se revela diante dos meus olhos.

A maldade do homem, em todas as suas dimensões, razão de tantas desavenças, de tantos infortúnios, de tanto sofrimento, tende, independentemente do calendário, a permear, doravante e como sempre foi, as nossas relações, a fazer concluir, com o perdão do clichê, que, se é verdade que só o amor constrói, não é menos verdadeiro que o ódio e a maldade do homem estão presentes para solaparem os nossos sonhos.

Exemplos da maldade humana, sobretudo quando a questão condiz com a busca de vantagem material – para ficar apenas numa vertente dentre as diversas faces nas quais ela se manifesta – estão aí a olhos vistos para dar sustentação a essas reflexões, sendo oportuna, nessa senda, a conclusão de
Edilson Mougenot Bonfim, segundo a qual, se o homem não vivesse o instinto de dominação, nas suas mais variadas concepções, poderíamos beber água do
mesmo rio, mesmo um sendo lobo e o outro, ovelha.

A verdade é que a luta do homem é quase sempre em face do
próprio homem. Nesse sentido, vivemos lutando contra a inveja, o preconceito, a vingança, o ódio, a perfídia, a prepotência, a arrogância, a perseguição, a maldade e o fanatismo, que são sentimentos que, triste concluir, continuarão a permear as nossas vidas, pouco importando o que marca o calendário, que nada mais é do que um sistema que serve à contagem e ao agrupamento de dias, no afã de atender às necessidades civis e religiosas de uma cultura.

É preciso admitir, ainda que se possa entrever nessa afirmação uma inquietante manifestação de pessimismo, que nenhum animal que habita a terra é capaz de infligir, conscientemente, tanto mal ao semelhante quanto o próprio homem, muitos dos quais, com uma certa dose de cinismo/insensibilidade, praticam maldades em nome daquele que veio à terra para ensinar e pregar o
amor incondicional ao próximo.

O homem incapaz de amar ao próximo nunca será capaz de considerá-lo um irmão, posto que o tem como um desafeto, um inimigo em potencial, sobretudo se obcecado em face de uma paixão desmedida, dessas que, temos testemunhado no dia a dia, de tão intensa, lhe oblitera a capacidade
cognitiva.

É de se compreender, portanto e em arremate, que se o calendário muda, mas o homem permanece o mesmo, não nos iludamos, pois tudo tende a ser como sempre foi.
É isso.

DIAS DIFÍCEIS

Vivemos dias difíceis, dificuldades que decorrem, sobretudo, da assunção
de posições radicias por parte de muitos de nós, as quais nos têm levado, no mesmo passo, à adoção de posições extremadas, à luz de uma percepção distorcida da realidade, comprometida com a veiculação, sem limites, de inverdades nas redes sociais, a exemplo da interpretação equivocada do artigo 142 da CF.

Diante da constatação que encerra a afirmação acima, e as consequências dela decorrentes, não serão poucos o que, decerto, indagarão, movidos por um sentimento de obviedade: qual a novidade de que os dias serão difíceis?

Eu, cá do meu canto, respondo: nenhuma novidade, afinal, as dificuldades dos dias presentes saltam aos olhos dos que querem vê-las, conquanto, muitas vezes, elas não sejam devidamente dimensionadas, disso resultando as
incompreensões que todos temos testemunhado, com graves consequências para as relações interpessoais e, até, para as nossas instituições.

Para superação dessa quadra triste da nossa história, que nos tem levado aos dias difíceis que vivemos, o que importa para essas reflexões é perquirir por
que, sendo racionais, muitos de nós não somos capazes de compreender – e de agir de acordo com essa compreensão – que não é razoável nos contaminar por paixões exacerbadas e por falsas pregações, na medida em que elas podem nos conduzir – como efetivamente têm conduzido muitos – a uma falsa percepção da realidade e à tomada de posições inauditas e dignas de reproche, como as que resultaram no já famigerado dia no qual atos golpistas foram encetados na capital da República?

Diante do que testemunhamos no último dia 08 de janeiro, e de tantas outras posições açodadas/equivocadas/extremadas que nos têm conduzido aos dias
difíceis pelos quais passamos, o que importa agora é resgatar, sem mais demora, a sensatez e o bom senso que nos foram subtraídos, de cujo resgate, tenho certeza, resultará a mudança de direção que poderá nos conduzir à a uma convivência fraterna.

Infelizmente, o que tenho testemunhado, em face dos momentos
turbulentos pelos quais passamos, é que há uma forte resistência de muitos em admitir, à luz dos fatos, estar equivocados, ante uma compreensão daninha de que a reavaliação de conceitos, na atual quadra de esgarçamento das relações sociais, seria, no mesmo passo, fornecer munição aos que estão na trincheira oposta, numa visão apequenada da realidade.

De minha parte, devo dizer que, diante de uma realidade factual que me
convença de ter assumido uma posição desfocada da realidade, não tenho dificuldades de assumir posição diversa, disso resultando que, concluindo não estar de acordo comigo mesmo, rendo, sem hesitação, vassalagem aos fatos, assumindo posição consentânea, pouco importando como serei julgado pelos radicais para os quais o recuo nada mais é que uma ação covarde.

Não é isso, nada obstante, o que tenho verificado, sobretudo quando a
questão envolve posição/paixão política denodada, da qual resultem ificuldades
cognitivas que obliteram a mente, anuviando a capacidade de discernimento que todos devemos ter e que nos diferencia dos demais animais que habitam a terra.

O que todos temos visto, nos momentos difíceis pelos quais passamos, é uma enorme dificuldade que muitos têm de admitir o erro, de retroceder, de reavaliar posições, como se fosse uma tibieza, quando, em verdade, deve ser entendida como uma demonstração de grandeza que só não se espera mesmo dos radicais.

É isso.

A VERDADE NÃO É APENAS UM DETALHE

Há alguns anos, quando ainda não se falava em fake news, dos efeitos
deletérios e da força de sua veiculação nas redes sociais, escrevi uma crônica com reflexões sobre a mentira, a partir da minha inquietação com as inverdades contadas por testemunhas nos processos criminais.

Eu disse, na oportunidade, que “[…] nada é mais nefasto para as relações
que travamos, seja em casa, seja no trabalho, do que não acreditar no interlocutor […]”. E prossegui, expondo minha inquietação: “[…] é desalentador ouvir uma história e não poder confiar naquele que a conta, assim como é desanimador constatar que, dependendo do interlocutor, não é possível acreditar na desculpa apresentada […]”.

E, mais adiante, amenizei: “[…] decerto que, algumas vezes, é preciso
apresentar uma desculpa, tergiversar aqui e acolá, no afã de preservar uma relação ou de evitar um aborrecimento. Mas isso não pode ser a regra, pois mentir deve ser sempre uma excepcionalidade […]”, para noutro excerto, concluir: “[…] a regra, em face da qual não se pode fazer concessões, é a verdade […]”

Pois bem. É lamentável constatar: de lá para cá nada mudou. Aliás, piorou.
E muito! Nunca se mentiu tanto, com efeitos nefastos para o conjunto da sociedade, cujo exemplo mais cintilante foi a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 08 de janeiro, fruto das mentiras veiculadas, à exaustão e sem pudor, sobre as urnas eletrônicas, para deslegitimar o processo eleitoral.

É impressionante a aceitação que a mentira e o mentiroso encontram nas
bolhas que se formaram na sociedade em face, sobretudo – sendo essa a face mais perigosa do cenário -, da polarização política que testemunhamos, onde o ódio encontra campo fértil para irradiar seus efeitos.

É surpreendedora a constatação de que há pessoas que se alimentam de
mentiras, vivem de mentiras, não se acanham em veicular mentiras, sem escrúpulos, sem medir as consequências das inverdades que propagam, a considerar que a sua difusão contamina uma massa ignara, estúpida e ensandecida de fanáticos, para os quais a verdade é apenas um detalhe.

Nunca, em tempo algum, as inverdades foram tão galanteadas pelos
radicais/extremistas – de todos os espectros políticos, devo registrar -, os quais, conquanto minoria, fazem barulho e criam instabilidades sociais de efeitos devastadores para o conjunto da sociedade.

Há, sim, nos dias atuais, uma horda fanatizada que se alimenta de mentiras,
vive das mentiras que professam e de algumas fantasias nas quais elas se assentam. Nessa faina, as concebem e as disseminam sem constrangimento, dando a sua contribuição para a situação conflituosa que se verifica, até nos ambientes familiares, outrora civilizados e harmoniosos.

Diante desse quadro desolador, a constatação mais inquietante é que há
pessoas, que outrora supúnhamos com capacidade de discernimento, com alguma sensatez e equilíbrio, que se revelaram perigosas para o convívio social, na medida em que agem sem peias e sem controle, sem medir as consequências de sua ação.

A disseminação de fake news por um incauto, por um ignorante, é até
perdoável, conquanto reprovável. Mas é inconcebível e causa inquietação a disseminação de notícias falsas por quem tem discernimento e acesso às informações verazes, máxime se o agente difusor das verdades falseadas tem o poder de influenciar pessoas, em face de sua liderança.

O grave em face do exposto é que não se vislumbra, a curto prazo, uma
solução para esse grave problema, daí a relevância da atuação, sem tréguas, dos órgãos de controle, ante a consideração de que a mentira, o achincalhe, as agressões verbais e as imputações criminosas – numa visão mais ampla do espectro dessas reflexões -, sobretudo no ambiente das redes sociais, que deu voz e espaço aos bem e mal-intencionados, não estão albergadas pela liberdade de expressão, a considerar que a liberdade de expressão que contempla a nossa Carta Magna não pode servir de estímulo à prática de crimes, muitos dos
quais voltados ao abespinhamento dos direitos da personalidade, que goza de igual proteção constitucional.

É isso.

TEMPO DE REALIZAR


É do genial John Lennon a conclusão de que a vida é aquilo que se passa enquanto fazemos planos para o futuro.

Claro que, na minha idade, fiz muitos planos, deixei a vida passar e realizei menos do que podia – e devia – realizar, disso resultando que, para mim, o futuro, agora, se confunde com o presente.

Vi a vida seguindo o seu curso natural, sem me dar conta de que permaneci muito tempo – agora vejo que desnecessariamente – consumido por problemas que eu próprio criei e em face dos quais, podendo fazer, deixei de realizar.

Diferente do que podia ter feito, compliquei as relações, perdi tempo com
desinteligências, desperdicei energia emocional desnecessariamente, para, finalmente, provecto, chegar ao (quase) equilíbrio que hoje preside as minhas ações e as minhas relações, resultando disso uma vida mais
leve e mais prazerosa.

Como bem pontuado na bela canção “Epitáfio”, dos Titãs, agora olhando para o
passado, a conclusão óbvia, que só os insanos não percebem, é que eu bem que podia ter amado mais, chorado mais, ter visto o sol nascer.

Devia, sim, ter arriscado mais, errado mais.
Eu bem que podia, sim, ter feito o que eu queria fazer, mas que não fiz, por incompetência, intolerância, falta de descortino.

Se é verdade que todos os dias quando acordamos não temos mais o tempo que passou (Renato Russo), é verdade, também, que só há um dia de morrer e que os demais são dias de viver (Mário Cortela), – e de realizar, digo eu -, daí a minha conclusão de que, com o coração pulsando fortemente, com a sensatez em dia, com a lucidez a toda prova e com a disposição idem, concluo que ainda há muito o que fazer – e pretendo fazer, sim.

Essas reflexões são tão somente para dizer que, agora, na presidência do Tribunal Regional Eleitoral, tenho convicção que é preciso realizar, daí que estou dedicado – com a minha valorosa equipe -, quase tempo integral, despendendo a minha melhor energia, para fazer um trabalho que
justifique a minha passagem pela presidência do TRE/MA, não para deixar uma marca indelével, mas que dele (do trabalho) possam resultar benefícios aos jurisdicionados.

Forte nessa convicção, pretendo voltar as minhas ações, fundamentalmente, para o julgamento das demandas represadas – sem descurar, claro, das novas demandas -, não só para tentar cumprir as Metas do CNJ, mas, principalmente, para atender as expectativas da sociedade, vítima involuntária da disfuncionalidade dos órgãos públicos.

Nesse afã, tracei as diretrizes para o período no qual estarei presidente do TRE, a quase totalidade delas voltada para a nossa atividade-fim, ou seja, para entrega, tão breve quanto possível, da prestação jurisdicional, priorizando todos os processos em curso, máxime os que possam levar à cassação
e/ou a inelegibilidade, e aqueles que estão há mais tempo em curso.

Para esse desiderato, conto com o apoio dos membros da Corte Eleitoral, bem assim do digno Procurador Regional Eleitoral, e, fundamentalmente, do nosso qualificado quadro de funcionários/assessores, na compreensão de que todos, tanto quanto eu, têm a exata dimensão da relevância das nossas ações para o conjunto da sociedade.

O professor Mário Henrique Simonsen, de saudosa memória, costumava repetir que, “formulado de maneira correta, o problema mais difícil do mundo um dia será resolvido; formulado de maneira incorreta, o problema mais fácil do mundo jamais será resolvido”.

Forte nessa compreensão é que, a partir de um estudo pormenorizado, e com a adoção de providências tendentes a valorizar a nossa precípua atividade, creio que teremos condições, agora, de voltar as nossas ações para tentar dar uma resposta à sociedade, tão rápido quanto possível, julgando, a
tempo e hora, os diversos feitos que potencializam as nossas taxas de congestionamento, no primeiro e no segundo graus.
É isso.