A VITÓRIA DOS MELIANTES

O presidente da República editou um decreto que, na prática, facilita a posse de arma de fogo, uma das promessas de sua vitoriosa campanha.
Depois do decreto, o debate foi intenso – e continua aceso -, em face das consequências da facilitação da posse de armas de fogo para o conjunto da sociedade.
Nesse sentido, há antevisões/opiniões para todos os gostos, razão pela qual também me aventuro fazer algumas reflexões em torno do tema, em face do que entrevejo como consequência mais evidente do afrouxamento da posse de arma de fogo e, no futuro, do porte.
Por conta dos debates em torno das consequências do polêmico decreto, há os que apostam no aumento da criminalidade, sob o argumento – que flerta com a realidade – de que, quanto mais armas em mãos dos cidadãos, maior a probabilidade de violência, ainda que o decreto trate apenas da flexibilização da posse.
Há outros que, ao reverso, acreditam que, estando o cidadão de posse de uma arma de fogo – em sua residência ou em seu comércio, por exemplo -, o meliante pensará duas vezes antes de agir, disso decorrendo, por consequência, que a violência contra a pessoa e contra o patrimônio, por exemplo, tenderá refluir.
Noutros ambientes onde o mesmo tema é tratado, há os que entendem, numa outra perspectiva, que a posse de arma estimulará, dentre outras consequências danosas, a violência doméstica, antessala do feminicídio, tão presente nos dias atuais.
Para o meu espanto, ainda há, por outro lado, os que acham que a só liberação da posse de arma de fogo ainda é pouco para desestimular a prática de crimes. Nesse sentido, não são poucos os que almejam, ademais, a liberação do porte de arma de fogo, sempre sob o argumento de que, armando a população, a violência urbana tenderá a arrefecer.
Eu, cá do meu canto, com a experiência que acumulei, devo dizer, tão somente, que, quanto mais armas, mais crimes, e que, ademais, não acredito em solução mágica para enfrentar a criminalidade; como, de resto, ninguém de bom senso acredita.
Nesse panorama, a única certeza que tenho, numa visão diametralmente oposta aos que defendem a posse e o porte de arma de fogo, é que, quanto mais flexível o controle, mais crimes violentos serão praticados.
Desde o meu olhar, em razão da flexibilização da posse de arma de fogo – e do seu porte, no futuro -, numa análise bem particularizada da questão, a mais provável consequência que disso advirá é que ela passará, doravante, a ser o novo sonho de consumo dos meliantes, o novo objeto de desejo dos assaltantes, a potencializar a nossa exposição em face da criminalidade violenta.
Creiam – e espero muito estar errado -, logo, logo, os meliantes, que, antes, atacavam as pessoas nas ruas, nas paradas de ônibus, no comércio e nas residências em busca, preferencialmente, de aparelhos celulares e coisas que tais, flexibilizados o porte e a posse de arma de fogo, voltarão as suas ações, fundamentalmente, para a subtração desse espetacular instrumento de intimidação.
O que poderá resultar, portanto, da flexibilização que se almeja é que, em face dela, os meliantes serão contemplados com mais facilidades para o acesso às armas de fogo, para, depois, infernizarem a nossa vida, em cada logradouro público, em cada esquina da cidade, quando, numa outra perspectiva, o que é mais grave, não estiverem a serviço das organizações criminosas.
É claro, pois, desde a minha compreensão, que, o estar de posse – ou portando – uma arma de fogo, em vez de se traduzir em maior segurança ao cidadão, como, equivocadamente, pensam muitos, se traduzirá em mais violência, ante a perspectiva de que os facínoras serão os verdadeiros beneficiários da flexibilização em comento.
O problema da arma de fogo não é estar em poder – porte ou posse – das pessoas de bem, as quais, por óbvio, não vão sair por aí assaltando nem matando ninguém, salvo em situações excepcionais, mas em mãos de meliantes ou servindo às organizações criminosas, que serão, ao fim e ao cabo, os verdadeiros beneficiários das medidas que favorecem a posse e o porte de arma de fogo.
O tempo dirá se estou com a razão.
Todavia, espero, sinceramente, que a minha análise da questão esteja equivocada, e que, com mais armas em poder do cidadão, testemunhemos o refluir dos índices de criminalidade, no que, definitivamente, não acredito.
É isso.

A VERSÃO DO DIABO

Samuel Butler, escritor britânico, do século 19, disse, certa feita, que Deus escreveu todos os livros, mas ninguém se preocupou em ouvir a versão do diabo sobre o que realmente aconteceu. E assim, não foram poucos os que já tentaram decifrar o que efetivamente o escritor pretendeu dizer.

Os que circunscrevem a análise do seu pensamento sob o aspecto puramente religioso o fizeram apenas opondo Deus ao diabo, numa clara visão reducionista do seu pensamento.

Nesse sentido, há os que afirmam, por exemplo, que a frase traduz tão somente que Deus é a verdade, e o diabo, a mentira. Já outros concluem, simplesmente, à luz do pensamento do autor consolidado na frase, que o pensamento do diabo foi colocado de lado porque Deus não gosta dele. Além desses, há, também, os radicais que, por outro lado, concluem, tão somente, que ouvir a versão do diabo vai fazê-los queimar no inferno.

Como muitos já tiraram as suas conclusões sobre a pretensão do autor, penso que também posso apresentar as minhas, na certeza de que será apenas mais uma, no universo amplo e mais inteligente das que já foram apresentadas.

Pois bem. Cá do meu lado, entendo que uma das conclusões que se pode tirar do pensamento do autor é que ele pretendeu chamar a atenção para a necessidade de que, para se tirar uma conclusão, para se fazer um julgamento justo, devem ser ouvidos os dois lados, isto é, faz-se necessário que se estabeleça o contraditório, para que não julguemos as pessoas sem dar a elas a oportunidade de se contraporem à versão apresentada em seu desfavor.

É dizer: é preciso ter cuidado com os prejulgamentos, com os julgamentos precipitados, com as conclusões de chofre, pois, somente quando se oferece à parte contrária a possibilidade de se manifestar sobre tal ou qual assunto, é que se pode inferir, tirar uma conclusão tão justa quanto possível, pois, se assim é no processo, assim é na vida também. Logo, é preciso ter presente que uma coisa é o fato, ou seja, o que efetivamente ocorreu. Outra, bem diferente, é a versão, a impressão, a conclusão que outrem tira do fato, à luz de suas idiossincrasias.

Em face da inobservância dessas cautelas mínimas de convivência, é que, muitas vezes, somos julgados injustamente. E as pessoas, lamentável dizer, parecem ter uma especial capacidade de julgar antes de ouvir a parte contrária, antes de dar a ela o direito de sobre tal ou qual acusação se manifestar. E quando, finalmente, se dá ao imputado o direito de se contrapor às acusações, a malquerença, a má repercussão e a má impressão sobre a sua conduta já se instauraram. Aí, de nada adiante dar a ela o direito de se defender, pois já está definitivamente condenada pela opinião pública.

O bom seria mesmo, mas aí já seria esperar muito do ser humano, que ninguém se precipitasse diante de uma informação, de uma censura, que, muitas vezes, contata-se ter sido apenas mais uma leviandade, própria dos dias que estamos vivendo.

A constatação óbvia é que, num mundo povoado de halters, permeado de notícias falsas, onde se dissemina o ódio gratuitamente, mais do que nunca é preciso ouvir o outro lado. Daí a necessidade de checar, perscrutar, avaliar a informação, ver a credibilidade da fonte, uma vez que não se pode dar ouvidos e acreditar na primeira informação.

Tenho reafirmado essa prudência, sobretudo na condição de Ouvidor do Poder Judiciário do Maranhão. Ouço as reclamações para, como sói ocorrer, ter o cuidado de, antes de adiantar uma posição, ouvir o reclamado, estabelecendo assim o necessário contraditório. E como acontece regularmente, depois de ouvir a parte adversa, tirar uma conclusão diferente daquela que poderia ter alcançado se não tivesse tido a cautela de, antes, ouvir o reclamado. Dessa forma, na itinerância da Ouvidoria, em várias comarcas, tenho podido reafirmar a necessidade de checarem-se as informações.

Para usar a expressão do escritor antes mencionado: preciso, sim, ouvir também o diabo, antes de chegar a uma conclusão. É preciso, pois, receber com cautela a primeira informação. Eu, de meu lado, prudente, checo tudo; tanto no trabalho quanto na vida pessoal, pois não me aventuro, com efeito, a acreditar na primeira informação, ainda que ela pareça fidedigna, real, levando o incauto, muitas vezes, a enganar-se.

Não é o que temos testemunhado, no entanto. As pessoas, sem nenhum pudor, sem nenhum cuidado, não só acreditam na primeira versão, como tratam logo de levá-la adiante, as vezes por pura maldade, por espírito mesmo de emulação, sobretudo quando se trata de informação contra as pessoas eleitas como desafetas ou em relação às quais nutrem alguma antipatia.
Todavia, repito, é preciso ouvir a versão do diabo, estabelecer o necessário e prudente contraditório, se se pretende formar um juízo minimamente justo em face dessa ou daquela informação.

É isso.

 

 

FAMÍLIA E CONTROLE SOCIAL

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“[…]Todavia, é triste admitir, as instâncias informais – a família, sobretudo – também têm falhado muito. Daí não ser incomum que uma família inteira se envolva com práticas criminosas, razão pela qual é de rigor que assumamos a nossa parcela de responsabilidade frente a muitas transgressões que poderiam ser evitadas, se formássemos cidadãos de bem nos ambientes familiares.
Quando se planeja e executa um assalto nos moldes do praticado recentemente em Bacabal, quando os gestores públicos tomam de assalto o Estado e quando licitações são fraudadas a olhos vistos, no afã de dilapidar o patrimônio público, para ficar apenas nesses poucos exemplos de transgressões, podem ter certeza de que tudo isso é estimulado pela certeza que todos têm de que só excepcionalmente serão alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Daí a necessidade de que as instâncias informais, com destaque para a família, funcionem como a primeira e mais relevante trincheira de luta contra os desvios de conduta[…]”

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A grande maioria das pessoas não age de forma criminosa; isso é fato. Se não fosse assim, a vida em sociedade seria verdadeiramente uma tragédia.
As razões que levam as pessoas a optarem pelos desvios de conduta são diversas, o que torna impossível, pois, descrevê-las neste pequeno espaço. Contudo, posso dizer que a escola e, principalmente, a família, concorrem, decisivamente para a paz social, atuando ambas, de forma preventiva, como instâncias informais de controle.
É de sabença que, se as instâncias formais e informais de controle social (Poder Judiciário, Policias, Ministério Público, família, escola, igreja, sindicatos etc) funcionam a contento, tem-se, por consequência, índices de criminalidade quase desprezíveis, face à elementar constatação de que a formação moral do cidadão, somada à (quase) certeza da punição, inibem, geralmente, as práticas criminosas.
Portanto, o funcionamento simultâneo e eficaz das instâncias de controle social é tudo o que uma sociedade civilizada almeja, pois, quando pelo menos uma delas não desempenha bem o seu papel (e isso ocorre com frequência), os desvios de conduta recrudescem, tornando a vida em sociedade, por vezes, muito difícil.
No Brasil, admitamos, as instâncias formais de controle – Poder Judiciário, Ministério Público e Polícias – não funcionam como todos desejamos. E quando o fazem, agem de forma seletiva, a favor de uma classe de privilegiados imune às ações persecutórias.
Todavia, é triste admitir, as instâncias informais – a família, sobretudo – também têm falhado muito. Daí não ser incomum que uma família inteira se envolva com práticas criminosas, razão pela qual é de rigor que assumamos a nossa parcela de responsabilidade frente a muitas transgressões que poderiam ser evitadas, se formássemos cidadãos de bem nos ambientes familiares.
Quando se planeja e executa um assalto nos moldes do praticado recentemente em Bacabal, quando os gestores públicos tomam de assalto o Estado e quando licitações são fraudadas a olhos vistos, no afã de dilapidar o patrimônio público, para ficar apenas nesses poucos exemplos de transgressões, podem ter certeza de que tudo isso é estimulado pela certeza que todos têm de que só excepcionalmente serão alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Daí a necessidade de que as instâncias informais, com destaque para a família, funcionem como a primeira e mais relevante trincheira de luta contra os desvios de conduta.
As pessoas de bem aprendem nas escolas, no ambiente familiar e nas igrejas – para mencionar apenas as mais relevantes instâncias informais de controle -, como devem se comportar. E assimilam, nesses ambientes, as boas lições para sua vida. E assim, não são poucos os que optam por uma vida de retidão, em face desse aprendizado.
Nessa perspectiva, devemos, sim, apostar as nossas fichas na família, como principal e definitiva instância de controle, com capacidade de fazer desestimular a prática de crimes. E digo isso porque é, principalmente, no ambiente familiar, instância primária de socialização, que a criança aprende desde muito cedo as lições que vai levar para a vida, já que o Direito Penal é residual e, por isso, só deve ser chamado a agir quando as demais instâncias de controle falham.
O processo de socialização no ambiente familiar é tão relevante e intenso, que uma criança bem formada é capaz até, de absorver, de se expressar corporalmente a partir do comportamento dos seus pais, disso inferindo-se a relevância, para sua formação, de viver num ambiente familiar digno e reto.
Sem perder de vista a importância da escola e das igrejas, é no ambiente familiar, portanto, que se forma o ser humano, num processo contínuo e permanente de socialização, em vista dos exemplos dados pelos adultos, com a transmissão de formas de comportamentos julgadas corretas pela sociedade.
Ademais, é com esse processo primário de socialização que a criança aprende as boas práticas, ou seja, o que é certo e o que é errado, tendendo, com efeito, a ser um cidadão de bem, se for orientada nesse sentido, o que torna ainda mais relevante a atuação da família no combate preventivo às práticas transgressivas
Se, noutra perspectiva, as lições ministradas aos filhos forem em sentido oposto, o processo de socialização tende a levá-los às condutas desviantes, a exigir, agora do Estado, por suas instâncias de controle, a necessária reação, com a inflição de penas, das quais, sabe-se, não resulta a esperada recuperação, por razões de todos conhecidas.
Se cada um de nós, no ambiente familiar, ministrarmos doses diárias de retidão aos nossos filhos, em pouco tempo, pouco tempo mesmo, teremos formado uma geração de homens de bem, a tornar obsoleta, démodé e desnecessária a ação dos órgãos de persecução.
A propósito do exposto, encerro essas reflexões com uma frase lapidar e definitiva que li numa entrevista ao jornal O Globo, do fantástico cantor e compositor pernambucano Lenine, a propósito dos seus filhos: “Os admiro por serem competentes e éticos, isso me enche de orgulho. Vejo as pessoas perguntando que mundo querem deixar para o filho, mas não sobre o filho que querem deixar para esse mundo. Precisamos criar seres humanos melhores.”
Alguém duvida?

IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

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“[…]Logo, é fundamental, para tipificação do ilícito, que haja dolo e que a vítima empreste o seu dissenso.
Se assim não for, ou seja, se a parte ofendida não emprestar o seu dissenso e se o autor do fato não o fizer conscientemente, com a finalidade, portanto, de satisfazer a sua lascívia ou de outrem, crime de importunação sexual não haverá, pois o consentimento da ofendida ou inexistência de dolo afastam a própria adequação típica do ato praticado.
É preciso, pois, compreender, e faço questão de reiterar, em face dos tempos de intolerância que estamos vivendo, que, havendo consentimento e sem que o autor do fato tenha agido com a intenção de importunar sexualmente a vítima, não se há de falar em contrariedade ou ofensa à liberdade sexual da pessoa[…]”

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Por já ter vivido muito, posso dizer que já vi de tudo um pouco. Portanto, é natural que eu não me surpreenda mais com certas notícias, com certas atitudes, pois, afinal, tenho dito, do homem pode-se esperar qualquer coisa.
Conhecendo, com alguma profundidade, a alma humana, fruto da minha experiência como filho, pai, irmão, avô, advogado, promotor de justiça e magistrado, eu sempre afirmei que, de todos os animais que há sobre a terra, o menos confiável, o mais surpreendente, o mais traiçoeiro, o mais dissimulado é o homem, que por isso mesmo é, para mim, o mais perigoso.
Pois bem, quando eu supunha que nada mais seria capaz de me surpreender em face das ações do homem, eis que a imprensa, no ano passado, noticiou que um determinado indivíduo ejaculou no pescoço de uma passageira de transporte coletivo, de cuja atitude resultou enorme alarido. E eu, que pensava não mais me surpreender com o homem, mais uma vez fui surpreendido por ele.
Como profissional do direito, cuidei de examinar onde se enquadrava, no Direito Penal, a ação libidinosa do referido indivíduo, nitidamente voltada à satisfação da lascívia própria.
Contudo, não encontrei no ordenamento jurídico um enquadramento típico para essa ação degradante e aviltosa; grave atentado à dignidade sexual da vítima, vilipendiada e humilhada por uma conduta repugnante.
Depois desse episódio, ficamos todos sabendo que esse tipo de importunação sexual não era um caso isolado, e que várias mulheres, nos transportes coletivos, já teriam experimentado desconforto dessa natureza, quase sempre caladas, temerosas da reação do seu algoz ou até mesmo para não serem submetidas a constrangimento público.
As vítimas desses abusos, de regra mulheres – mas pode também ser o homem -, como sói ocorrer, ficam impotentes diante do inusitado porque não sabem como se defender, visto que, muitas vezes, por uma ou outra razão, ainda são acusadas de serem responsáveis pela importunação, como se fosse possível justificar esse tipo de conduta condenando a vítima e não o ofensor.
Diante das noticiais em torno do tema, busquei, embalde, no sistema jurídico nacional, como disse acima, o enquadramento típico para esse tipo de ação, sem, no entanto, encontrá-lo com a necessária precisão e com a preconização de pena proporcional ao gravame.
Essa busca inquietante por uma adequação típica finalmente acabou com a promulgação da Lei 13.718/2018, que altera o Código Penal, para inserir o artigo 215-A, que tipifica o crime de importunação sexual, redigido nos seguintes termos:
“Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
A pena cominada para o ato é de reclusão de 1 (um) a 5(cinco) anos, se não constituir crime mais grave.
A providência do legislador ordinário preenche, assim, uma grave lacuna em nosso sistema penal, entregando aos órgãos de controle uma legislação que, se não for capaz de coibir a prática deletéria da importunação sexual, decerto possibilitará que, doravante, o executor de tão degradante afronta à dignidade sexual da mulher seja punido exemplarmente, desde que as vítimas se predisponham a denunciá-los.
Todavia, é preciso alguma cautela ante uma ação que só aparentemente se constitui crime de importunação sexual.
Vou explicar.
O crime em comento tipifica como conduta delituosa qualquer ato de libidinagem e não apenas o já clássico caso da ejaculação.
Nesse sentido, é também considerado crime de importunação sexual o chamado “encoxamento”, que é uma das práticas mais corriqueiras nos transportes coletivos, ou mesmo quando alguém, sem que a vítima perceba, apalpe as suas regiões pudendas (nádegas, seios, pernas, genitália etc).
Mas, atenção!
Não é qualquer contato físico que pode tipificar o crime de importunação sexual, pois que é preciso que o autor do fato o faça dolosamente, de forma consciente, isto é, com a vontade deliberada de satisfazer à sua lascívia ou de outrem.
Noutro giro, é necessário, ademais, para tipificação do crime em comento, que a vítima não empreste a sua aquiescência, o seu consentimento.
Logo, é fundamental, para tipificação do ilícito, que haja dolo e que avítima empreste o seu dissenso.
Se assim não for, ou seja, se a parte ofendida não emprestar o seu dissenso e se o autor do fato não o fizer conscientemente, com a finalidade, portanto, de satisfazer a sua lascívia ou de outrem, crime de importunação sexual não haverá, pois o consentimento da ofendida ou inexistência de dolo afastam a própria adequação típica do ato praticado.
É preciso, pois, compreender, e faço questão de reiterar, em face dos tempos de intolerância que estamos vivendo, que, havendo consentimento e sem que o autor do fato tenha agido com a intenção de importunar sexualmente a vítima, não se há de falar em contrariedade ou ofensa à liberdade sexual da pessoa.
O só fato, com efeito, de uma pessoa estar próxima da outra, como ocorre com frequência nos coletivos, não configura, por si só, o crime de importunação sexual, se faltar ao pretenso criminoso, como efetivamente ocorre na absoluta maioria das vezes, a vontade consciente de importunar sexualmente a vítima.
Ressalte-se, pois, que não é qualquer evento, qualquer situação, qualquer contato físico num determinado ambiente, especialmente nos coletivos, que tipifica o crime de importunação sexual.
Faço a advertência para que as pessoas não saiam por aí denunciando o crime de importunação sexual em face de situações que somente na aparência se configuram crimes, sob pena de, também por isso, se contribuir para transformar a vida em sociedade cada dia mais insuportável.
É isso.

A PERIGOSA SENSAÇÃO DE QUE VALE A PENA TRANSGREDIR

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“[…]É de se compreender, com efeito, que sempre que as instâncias de controle atuam efetivamente, elas não só alcançam os transgressores, como desestimulam os que têm propensão para o ilícito, ante o receio de que possam ser alcançados por elas, o que não ocorre, infelizmente, no Brasil, já que somente uma parcela diminuta, quase insignificante dos transgressores, recebe a devida resposta penal; e quando a recebe, os criminosos sabem que o tempo de prisão é muito pequeno e que, logo, logo, estarão na rua para, mais uma vez, transgredirem a ordem, com grande probabilidade de não serem alcançados novamente pelas instâncias persecutórias[…]”

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Dou início a essas reflexões anotando que elas têm como ponto de partida a minha conclusão de que a lei penal se constitui um imperativo categórico (Kant), que deve ser aplicada como um fim em si mesmo, em face da necessidade de se castigar quem cometeu um delito, na perspectiva de sua utilidade, como medida de defesa social.
Nesse sentido, para cada delito deve(ria) corresponder, efetiva e eficazmente, à imposição de uma pena, como uma resposta ao sentimento de justiça, como uma retribuição mora, que, em face de sua exemplaridade, atuaria sobre o espírito sensível da população, afastando dela a atraente sensação de que é vantajosa a prática delituosa ( Miguel Reale Júnior), como se deu, por exemplo, como a política de Tolerância Zero, sobre a qual me deterei a seguir.
Pois bem. Antes da implantação da política de Tolerância Zero, nos EUA, baseada na Teoria das Janelas Quebradas, Nova York convivia com uma epidemia de crimes. Nesse ambiente, para ficar apenas num dos exemplos mais expressivos, a cidade arcava com prejuízos, só com passagens de metrô, anualmente, da ordem US$ 80,000, 000.00.
Com esteio na Broken Windows Theory, o prefeito de Nova York passou a combater essa situação, colocando policiais à paisana junto às catracas do metrô. Assim é que, quando um grupo pulava as catracas sem pagar, todos recebiam imediatamente voz de prisão. Em seguida, eram conduzidos à delegacia, identificados, revistados, fichados, intimados para depor e então liberados.
O simples fato de pular uma catraca de acesso ao metrô, para eximir-se do pagamento da passagem, não era motivo suficiente para manter alguém detido. Desobedecer a uma intimação para depor, entretanto, autorizava a prisão. Assim sendo, aquele que descumprisse a intimação para prestar depoimento, que precedia a soltura, em uma segunda detenção, agora sim, poderia ser preso e assim permanecer.
A população que pagava regularmente a sua passagem, começou a aplaudir cada vez que aconteciam essas conduções em massa. Daí, foi-se disseminando a compreensão de que valia a pena agir dentro da lei, valia a pena agir corretamente, pois, afinal, a Polícia estava agindo de acordo com a lei e garantindo o seu cumprimento.
Com essa simples medida e com a percepção das pessoas de que valia a pena agir de acordo com a lei – o que não ocorria antes, num ambiente de verdadeira anarquia -, o número de pessoas que pulavam as catracas diminuiu drasticamente, sob os aplausos das pessoas de bem.
Digno de registro é que uma parcela significativa dos que pulavam as catracas portava armas ou drogas, ou estava sendo procurada por crimes anteriores. É dizer, as pessoas que optavam pelo expediente de pular as catracas para não pagar as passagens, já tinham um histórico de transgressão; contudo, não pagar as passagens, para elas, acostumadas a outros desvios de conduta, era apenas mais um desvio, que, decerto, não sendo combatido com tenacidade, servia de estímulo às pessoas com propensão à transgressão.
O certo é que, com o combate efetivo e eficaz de uma pequena transgressão – pular as catracas do metrô para não pagar – as autoridades responsáveis pela política de Tolerância Zero fizeram com que criminosos refluíssem da prática de outras transgressões mais graves, como porte ilegal de armas de fogo e de drogas, assaltos e homicídios, tudo isso em face da percepção de que os órgãos de controle estavam agindo e, principalmente, em face da percepção de outras pessoas potencialmente perigosas de que não valia a pena transgredir.
Com o Tolerância Zero, compreendeu-se que o melhor mesmo é andar de acordo com a lei, a evidenciar que, com a ação efetiva e eficaz das instâncias de controle, desestimula-se a criminalidade, porque as pessoas acabam por se convencer de que o ideal mesmo é andar na linha, é fazer o correto, é não transgredir, não vilipendiar a ordem.
É de se compreender, com efeito, que sempre que as instâncias de controle atuam efetivamente, elas não só alcançam os transgressores, como desestimulam os que têm propensão para o ilícito, ante o receio de que possam ser alcançados por elas, o que não ocorre, infelizmente, no Brasil, já que somente uma parcela diminuta, quase insignificante dos transgressores, recebe a devida resposta penal; e quando a recebe, os criminosos sabem que o tempo de prisão é muito pequeno e que, logo, logo, estarão na rua para, mais uma vez, transgredirem a ordem, com grande probabilidade de não serem alcançados novamente pelas instâncias persecutórias.
De mais a mais, é de se reconhecer que o Brasil sofre de um mal crônico, que estimula a grande delinquência, que condiz com a seletividade do sistema, que só pune mesmo os miseráveis, deixando impune a quase totalidade dos criminosos de colarinho branco, para os quais prisão é apenas uma quimera, uma hipótese excepcional, que de tão excepcional só mesmo o azar os faria ser alcançados. Daí que, tenho dito, a persistir, como ocorre no Brasil, salvo uma ou outra exceção, o combate seletivo e discriminatório da criminalidade não mudará o rumo da nossa história, pois, nesse cenário, não há como se criar a necessária e profilática cultura de que fazer o correto é o melhor caminho.
A continuar as coisas como sempre foram, haverá sempre os que tendem a seguir transgredindo, estimulados pela impunidade, cientes, enfim, de que as instâncias de controle não os alcançarão, porque, afinal, essa é a regra, constatação que se pode inferir em face, por exemplo, das incontáveis fraudes aos processos licitatórios, das quais decorrem significativo desvio de dinheiro público, sem que os fraudadores sejam punidos exemplarmente.
E não o são porque a interpretação que se dá ao comando legal é sempre em benefício dos transgressores e em detrimento do interesse público, pois sempre haverá quem argumente que não houve prejuízo ao erário, em face da aprovação das contas do gestor, ou que, noutro viés, não restou provado o dolo específico, como se uma aprovação de contas tivesse o condão de provar a inexistência de mau uso dos recursos públicos, ou como se, no caso do dolo, algum transgressor viesse a juízo, num rasco de sinceridade, admitir que fraudou uma licitação com o fim específico de desviar dinheiro público.
É de sabença que todo e qualquer transgressor – e falo aqui dos que têm capacidade cognitiva – avalia os riscos e o sucesso de uma empreitada criminosa. Sopesado os prós e os contras, ele se decide pelo crime ou aborta a empreitada.
No Brasil, no entanto, a quase certeza da impunidade, a proverbial tolerância das instâncias de controle, a probabilidade de, ao fim e ao cabo, receber o criminoso uma pena diminuta, e a certeza, finalmente, de que em breve tempo estará em liberdade para novamente delinquir, funcionam, definitivamente, como um estimulo à prática de ilícito e fazem de nós uma nação marcadamente frouxa quando o assunto é combate à criminalidade, a incutir nas pessoas – dentre elas uma enormidade de gestores públicos – a sensação de que transgredir vale a pena.
É isso.

CONVICÇÕES OPORTUNISTAS*

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“[…]Nessa faina oportunista e, sobretudo, inescrupulosa, os postulantes levam a reboque o eleitor, sobretudo o incauto, que vai assimilando o discurso pendular, sem se dar conta que está sendo envolvido em uma artimanha.
Essa demonstração explícita de total falta de convicção dos candidatos é de tamanha envergadura que, do que se vê e se extrai dos discursos, a única convicção que eles parecem ter é a de que, pelo poder, o melhor mesmo é não ter convicção[…]”

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Em notas preliminares – antes, portanto, do tema que elegi para hoje -., vou narrar um fato e fazer um breve registro.
O fato, para ilustrar; o registro, à conta de cautela.
O fato condiz com a minha passagem pela sétima vara criminal; o registro, em face do momento em que estamos vivendo, e em vista da necessidade que tenho de preservar a minha isenção diante de questões políticas.
Primeiro, o fato.
Como juiz da 7ª Vara Criminal convivi com excelentes Defensores Públicos – classe que, pelo zelo e brilho, tem a minha total admiração.
De um determinado Defensor me lembro especialmente por algo que costumava dizer a mim, em face das minhas decisões:
-Posso não concordar com o senhor em muitas coisas, mas reconheço que senhor não surpreende.
Fácil explicar a afirmação.
É que, diante da mesma quadra fática e da mesma conformação jurídica, eu sempre decidia – como o faço até hoje – da mesma forma.
Simples assim.
Não podia – e não pode – ser diferente.
Com essa postura, o juiz prestigia a segurança jurídica e reveste de previsibilidade – e credibilidade, consequentemente – as suas decisões.
É dizer: procuro decidir à vista das minhas convicções.
Sou, enfim, um profissional de convicções, das quais decorrem, às vezes, algumas incompreensões.
Agora, o breve registro.
Não trato de política nos meus artigos.
É o mínimo, aliás, que se espera de quem tem a difícil, árdua e nobre missão de julgar.
Quero ser livre para julgar, sem estar atrelado, preso a uma manifestação imprópria que tenha feito no passado.
Assim agindo, não se poderá apanhar, no passado, uma manifestação da minha autoria que possa colocar em dúvida a minha imparcialidade.
Compreendo que todos nós – magistrados especialmente – devemos ter postura.
É o mínimo que se espera do juiz.
De um juiz se espera, ademais, que seja prudente, que tenha pudor, que seja equilibrado e sensato; esses atributos, decerto, emprestam maior credibilidade às suas decisões.
Pensando assim, ao escrever, escolho temas que me permitam expor o meu pensamento, sem deixar que as minhas preferências aflorem.
Consciente do meu papel e da relevância da palavra, sobretudo da escrita, imponho a mim restrições que não me permitem sair por aí palpitando impensadamente
Não me furto, no entanto, de refletir sobre alguns temas relevantes que permeiam a nossa vida, com o único empenho de instigar, de fazer as pessoas refletirem.
Nesse afã, pretendo hoje expender o meu pensamento sobre algo que tem sido cada vez mais raro, sobretudo entre os que almejam uma outorga popular.
Refiro-me à falta de convicção de muitos candidatos, ou melhor, sobre as convicções de ocasião, as convicções de araque, diria; aquelas que vão sendo apresentadas ao sabor das circunstâncias.
Nesse sentido, observo, com certa descrença, que os candidatos desdizem hoje o que afirmaram ontem, numa atitude arrivista que me leva ao desânimo.
Nessa faina oportunista e, sobretudo, inescrupulosa, os postulantes levam a reboque o eleitor, sobretudo o incauto, que vai assimilando o discurso pendular, sem se dar conta que está sendo envolvido em uma artimanha.
Essa demonstração explícita de total falta de convicção dos candidatos é de tamanha envergadura que, do que se vê e se extrai dos discursos, a única convicção que eles parecem ter é a de que, pelo poder, o melhor mesmo é não ter convicção.
Mudar ao sabor das circunstâncias é o comando, porque, afinal, o que vale mesmo, deve concluir o postulante à outorga, é fingir acreditar naquilo que o eleitor quer que ele finja que acredita.
Nesse cenário, a mim me transparece translúcido que as convicções que dizem ter os candidatos, são, na verdade, apenas a face mais perversa de um oportunismo político que incomoda.
Nesse ambiente, temas relevantes – maioridade penal, pena de morte, tortura, aborto, liberação da maconha, dentre outros – vão sendo, apresentados, geridos, discutidos de acordo com as conveniências impostas pela pugna eleitoral, sem a mínima convicção.
Nesse panorama desalentador, lembro, à guisa de exemplo, que alguns, que outrora tinham a mais firme convicção de que a Lava-Jato era um ambiente de pérfidas arbitrariedades, hoje, por pura esperteza, destacam a sua importância no combate à corrupção.
Ademais, os que outrora usaram de fakes news para delas tirar proveito eleitoral, hoje, constrangidos, e em situação adversa, as abominam com todas as forças de suas “convicções”.
Vou além, em vista do que tenho testemunhado.
Os que ontem renegaram o juiz Sérgio Moro, muitos dos quais o apontavam até como um criminoso digno de cadeia, hoje, “convictos”, enaltecem o seu trabalho, apontando-o como um exemplo de magistrado, reservando a ele apenas críticas pontuais.
Testemunho, ademais, com a mesma inquietação, que os que ontem esbravejavam contra as prisões provisórias e as delações premiadas, hoje, pasmem, pregam, por interesse político, a imediata prisão de desafetos, para forçarem-lhes, quem diria, a aderirem à deleção premiada.
Não param por aí as convicções de conveniência.
Com efeito, os que antes queriam distância das forças de Centro do espectro político, nos dias que antecederam ao pleito que hoje se encerra delas se aproximam e agora veem nelas as virtudes que antes não viam.
Da mesma forma, movidos pelos mesmos sentimentos, os que pregaram outrora contra o Bolsa Família, hoje pensam até em ampliá-la, prometendo o que o orçamento público não poderá suportar.
Com essas e outras tantas manifestações oportunistas, que transformam o pleito eleitoral numa batalha de convicções de conveniência, vamos às urnas eleger o novo presidente da República, na certeza de que, seja qual for o eleito, a sua escolha se dará em face das convicções que ele não tem, mas que, por conveniência, finge ter.
O bom de tudo isso é que essas convicções oportunistas se dão num ambiente democrático, que deve sempre ser enaltecido, cumprindo lembrar, por oportuno, um velho adágio segundo o qual “A cura para os males da democracia é mais democracia”.
É isso.

*Artigo veiculado no Jornal Pequeno no dia do segundo turno da eleição presidencial

INTERDIÇÃO DO PENSAMENTO

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“[…]A verdade é que, nos dias presentes, não se vê, por parte do Estado, interdição de discursos, óbices às manifestações do pensamento, impedimentos às manifestações culturais, conquanto, aqui e acolá, algum controle se mostre necessário, o que não deve ser confundido com censura, nos moldes que testemunhamos nos regimes ditatoriais[…]”

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Reconheço, e acho que sobre isso ninguém tem dúvidas, que vivemos numa democracia, que, por essas paragens, pode não ser a melhor do mundo – às vezes relativizada, às vezes absoluta, algumas vezes ameaçada em face de uma ou de outra ação intempestiva, por razões que não vale a pena declinar neste espaço, porque desbordariam do tema que elegi para este artigo -, mas que, de rigor, é sim, uma democracia, com as imperfeições de toda obra do homem.

Hoje, não se há de negar, podemos dizer – salvo alguma autocontenção, própria do momento em que vivemos, questão sobre a qual me deterei mais adiante -, pela via escrita ou oral, o que nos apraz, o que nos convém, na certeza de que podemos vir a ser responsabilizados pelos excessos que viermos a cometer, pois, afinal, num ambiente democrático podemos muito, mas não podemos tudo. É que há limites, há regras, escritas e não escritas, que nos impõem limites. E é bom que assim o seja. E é bom que todos saibamos disso. Em cada um de nós deve mesmo ser cultivado um espaço de racionalidade.

A verdade é que, nos dias presentes, não se vê, por parte do Estado, interdição de discursos, óbices às manifestações do pensamento, impedimentos às manifestações culturais, conquanto, aqui e acolá, algum controle se mostre necessário, o que não deve ser confundido com censura, nos moldes que testemunhamos nos regimes ditatoriais.

Todavia, paradoxalmente, a intolerância, nos dias atuais, por parte da própria sociedade, em face do que pensamos e externamos, tem funcionado como um limitador da nossa capacidade de pensar e externar o que pensamos, a interditar, ou, pelo menos, limitar a nossa criatividade. É que as pessoas, nos dias presentes, como lembra o ex-ministro Carlos Ayres Brito, confundem faca nos dentes com pensamento afiado.

Nesse ambiente de intolerância, potencializado em face da divisão da sociedade entre os “de cá” e os “de lá”, fruto de um discurso político irresponsável, a gente nunca sabe mesmo, em face da toxicidade do momento, como a nossa mensagem será recebida.

A intolerância que todos nós temos testemunhado é de tal envergadura – sobretudo a que decorre das manifestações odientas que encontram ressonância nas redes sociais – que consegue, sim, interditar as nossas manifestações, nos reprimir, inibindo a nossa capacidade de pensar e de traduzir em palavras o que pensamos.

Nesse panorama, é cediço que, de certa forma, todos nós – pelo menos comigo isso ocorre – , sobretudo os que escrevem para uma parcela relevante da sociedade, estabelecemos os nossos próprios limites, que condizem com o excesso de cautela com as palavras, temerosos das consequências de uma expressão mal colocada, sabido que aquele que lê um texto pode ser o mesmo que, de uma janela, se detém na lama que se esparrama pela rua, em vez de elevar a sua vista para a beleza do céu estrelado.

Nos dias atuais, reafirmo, não há uma ditadura estatal sendo exercida sobre o pensamento, sobre as nossas escritas, sobre as nossas posições em torno desse ou daquele assunto. Isso é fato. Nesse cenário, cada um de nós tem liberdade de dizer o que quiser, de escrever o que deseja escrever, cabendo a cada brasileiro, de outra banda e com efeito, decidir o que quer ler ou o que deseja assistir.

Apesar da inexistência de censura oficial, é preciso convir que há, sim, substituindo-a, no seu lado mais tenebroso, erupções de ódio, que são, a meu sentir, pelas suas nefastas consequências sobre o pensamento e a liberdade de expressão, uma forma de censura protagonizada, importa reafirmar, com espanto e inquietação, pela própria sociedade, a mesma que viveu os rigores da censura estatal no período ditatorial de triste memória.

Nesse cenário desalentador, proliferam, marcada e precipuamente, nas redes sociais, os insultos, as maledicências, a perfídia, os ataques despropositados em face dessa ou daquela posição assumida, a inibir, importa repetir, as mais diversas manifestações do pensamento e mesmo as manifestações culturais, o que, admitamos, é de lamentar, a considerar que o Estado, em boa hora, recolheu as suas armas censórias e que, como anotei no preâmbulo dessas reflexões, vivemos numa democracia, onde, de rigor, a todos os cidadãos deveria ser assegurado, substancialmente, o direito de se expressar como bem lhe aprouvesse, tendo em contrapartida, tão somente, assumir o ônus em face dos excessos que praticar.

Eu mesmo, cá do meu canto, que tenho compartilhado o meu pensamento com um número razoável de leitores, vejo-me, aqui e acolá, me autocensurando, com receio de não saber como vai ser recebida essa ou aquela manifestação, sabido, reafirmo, que vivemos uma quadra de intensa e despropositada intolerância, a inibir a criatividade das pessoas.

Situações como as que temos vivenciado, impondo a nós um comportamento de absoluta cautela – para não dizer autocensura -, em face daquilo que pretendemos dizer em nossos escritos, são inibidoras da nossa capacidade criadora, sobretudo a considerar que, na língua portuguesa, não são poucos os termos abertos, de cuja amplitude de sentido resultam as mais variadas interpretações, muitas delas, dependendo do intérprete, marcadamente maledicentes.

É difícil, num ambiente desses, deixar a liberdade de pensamento fluir. Nesse ambiente perigoso e, às vezes, violento, não há como o pensamento emergir na sua inteireza. E por mais inspirado que seja o articulista, a possibilidade, sempre presente, de ser incompreendido, funciona como uma óbice que não deixa o pensamento vicejar.

Ressalte-se que a triste realidade é que vivemos uma quadra de tamanha insensatez e intolerância que as pessoas só defendem, com unhas e dentes, o direito de o semelhante dizer o que pensa, até o momento em que começam a ouvir aquilo que não querem ouvir.

É isso.

TUDO PARA DIZER QUE EU QUERIA SER J. R. GUZZO

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“[…]Dos analistas, tenho uma especial preferência por Ricardo Boechat, pela manhã, e por Vera Magalhães, à tarde; o primeiro na Bandnews, e a segunda, na Jovem Pan.
Boechat e Vera Magalhães são dois comentaristas na medida certa.
Os dois têm postura, são equilibrados e fazem comentários com base em fatos, mas não são tendenciosos; não brigam com os fatos. Fazem deles a sua inspiração; ajudam-me a compreendê-los.
Mas ouço também os radicais, pois é preciso ouvir os extremos para poder filtrar, tirar conclusões.
Há deles que, de tão radicais, de tão parciais, são risíveis; às vezes, irritantes[…]

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Sou homem de rotina; me satisfazem as coisas simples.
Hábitos comuns os tenho.
Sou assim!
Levo uma vida simples; simples mesmo!
Nada de ostentação; não faz a minha cabeça.
Obsessão pelo poder? Não a tenho. Exerço-o como algo natural em face dos meus ideais, das minhas conquistas.
Meus dias parecem iguais; iguais para quem os testemunha a distância.
Para mim, todavia, a sensação é que estou sempre fazendo algo novo.
Sinto-me a cada dia mais motivado para fazer o que gosto.
Ler um bom romance e assistir a um bom filme, por exemplo, é estar além da rotina, do trivial; é como embarcar numa aventura. Várias, incontáveis aventuras. Nesse sentido, posso dizer que vivo de aventuras; então, não há rotina.
Gosto das coisas simples. Dos ambientes simples. Das pessoas simples.
Todos os meus programas são familiares.
Sou intenso, forte nas minhas convicções; pareço, às vezes, passar do ponto na defesa das minhas posições.
Não sou um fanfarão; um bufão não sou.
Eu nem sei conviver com gabarola.
Inicio o dia, sempre, ouvindo o noticiário radiofónico.
Rádio, para mim, é uma necessidade vital.
Ouvindo rádio eu espanto qualquer tipo de solidão;e mesmo estando só, não me sinto solitário, se estou sintonizado numa emissora de rádio.
Minha paixão pelo rádio é tamanha que ainda sonho comandar um programa de rádio, onde eu possa compartilhar com os ouvintes as minhas inquietações.
Ainda tenho a esperança de comandar um programa de rádio, com uma única condição: liberdade de expressão.
Não assisto, pela manhã, aos jornais televisivos; prefiro ouvir as notícias e as análises políticas nas emissoras de rádios.
O rádio é prático; tenho-o em qualquer lugar, e só preciso ocupar os ouvidos.
Estando em casa, se não estou lendo, estou sempre sintonizado em alguma emissora de rádio.
Com frequência faço caminhadas, bicicletadas e corridas; ouvindo rádio.
Rádio, que é entretenimento para muitos, para mim, é uma quase necessidade; tenho-o por insuperável.
Agora, com a tecnologia, ouço-o no smartphone ou nos tablets.
A Internet exorcizou o chiado, a dificuldade de sintonia.
Não ouço músicas em rádio; gosto de debates, análises políticas, entrevistas etc.
Dos analistas, tenho uma especial preferência por Ricardo Boechat, pela manhã, e por Vera Magalhães, à tarde; o primeiro na Bandnews, e a segunda, na Jovem Pan.
Boechat e Vera Magalhães são dois comentaristas na medida certa.
Os dois têm postura, são equilibrados e fazem comentários com base em fatos, mas não são tendenciosos; não brigam com os fatos. Fazem deles a sua inspiração; ajudam-me a compreendê-los.
Mas ouço também os radicais, pois é preciso ouvir os extremos para poder filtrar, tirar conclusões.
Há deles que, de tão radicais, de tão parciais, são risíveis; às vezes, irritantes.
Por serem radicais, parecem (?) não ter limites. Usam expressões grosseiras, elegem desafetos, são deselegantes, fazem do microfone uma trincheira para desonrar as pessoas que elegem inimigas.
E, o que é pior, muitas vezes brigam com os fatos, para, nessa lida, caírem no descrédito.
Minha preferencia por rádio, sobretudo AM, não tem limites; paixão que começou ainda na minha infância, tentando captar, num transglobe de oito faixas, o som das rádios Globo, Tupi e Nacional, do Rio de Janeiro.
No dia a dia, com a cumplicidade da tecnologia, vou sintonizando, via aplicativo, as mais diversas emissoras de rádio: Jovem Pan, CBN, Bandeirantes, Bandnews, Tupi, Globo, Gaúcha e outras.
Aos finais de semana, dou um tempo às estações de rádio e me debruço sobre os grandes jornais e revistas do Brasil.
Leio a Folha e o Estadão, de São Paulo, e O Globo, do Rio de Janeiro.
Quanto às revistas semanais, leio Época, Veja, Carta Capital e Istoé.
Leios sempre sob o filtro do bom senso, para formar a minha convicção em torno desse ou daquele tema.
Tenho preferência por alguns colunistas: Hélio Schwartsman, Merval Pereira, J. R. Guzzo, Elio Gaspari, Mário Prata, dentre outros.
Os artigos que eu gostaria te ter escrito são os assinados por J. R. Guzzo. Imperdíveis, insuperáveis, absolutos.
Sempre que leio um artigo de Guzzo me dá uma enorme frustração por não ter a menor capacidade de escrever como ele escreve, de desenvolver o racicínio que ele desenvolve, de ser definitivo, absoluto como só ele sabe ser.
Por culpa dele, as minhas maiores frustações enquanto articulista.
Ele é meu norte, meu rumo, meu prumo – e a minha frustração também.
Nele deposito a minha mais benfazeja inveja.
Como articulista, eu queria ser ele.
Mas como não sou ele, vou escrevendo, tentando dizer o que penso, sem a mesma capacidade, sem a mesma perspicácia, sem a mesma inteligência, sem o mesmo descortino, sem a mesma elegância, sem o mesmo brilho.
A cada artigo que escrevo, fica sempre a sensação de que eu podia ter feito melhor. Por isso, depois de publicado, não os leio mais.
Sou o maior crítico das bobagens que escrevo.
Apesar disso, vou insistindo.
Sei que nunca serei um Guzzo, porque me falta e inteligência e cultura para sê-lo.
No entanto, tenho a convicção de que, por ser verdadeiro nas minhas reflexões, mesmo não sendo um José Roberto Guzzo, posso me dar ao direito de persistir expondo as minhas inquietações, sendo pelo menos José.
É isso.