Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Dia 19 do corrente, por volta das 16h00, saí de casa e fui ao bairro Monte Castelo, mais precisamente à Rua das Patativas, onde passei a minha infância.
Absorto, como sói ocorrer, andei, lentamente: olhando para um lado e para o outro – mãos e pés gelados, dando a medida da minha emoção. Súbito, a dor (?) da saudade, tomou conta da minha lucidez.
Saudades que senti, saudades do que vivi; dessas que eu sei sentir como poucos. Dessas sobre as quais Chico Buarque disse, com algum exagero, ser “[…]”o pior tormento, “[…]”pior do que o esquecimento, “[…]” pior do que se entrevar […]”.
Nas Patativas, ou Joaquim Alfredo Ferandes, revi – em pensamento, como um filme antigo – os meus parceiros de atividades lúdicas. Vi, com uma nitidez de impressionar, os alcunhados “Nato”, “Chico”, “Borola”, “Lelé”, “Vevé”, “Marquinhos”, “Pedrinho”, “Paulinho”, “Bebete”, “Lambau”, “Portelinha”, “Guajá”, “Ribinha”, e outros tantos outros.
Nessa condição, ou seja, enlevado, coração disparado, parei em frente a casa na qual morei. Uma casa modesta, simples : a casa nº 52, da Joaquim Alfredo Fernandes.
Não desliguei o carro. Nele permaneci por alguns minutos, extasiado, tomado pela nostalgia: olhando para um lado e para o outro, buscando na mente o que os olhos não mais podiam ver.
Depois de algum tempo, arriei os vidros, para tentar voltar a realidade, pois o passado – olha que estranho! – estava quase me fazendo descurar do presente e parecia não permitir que eu vislumbrasse o futuro.
Mas era preciso voltar aos dias presentes, pois a saudade já se transformava em tormento, se apresentava pior que o esquecimento.
Diante desse quadro de verdadeiro estupor, numa súbita sensação de choque, quase desfalecido, meio paralisado, num quase delírio, quase desvario, não resisti: uma, duas, três lágrimas cairam no meu rosto, traduzindo, em gotas, a saudade fremente. Foi inevitável: lembrei Mario Quintana: “O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo[…]”.
Depois, sem outra alternativa, voltando à racionalidade – ou, pelo menos, tentando – me contive. Ou, pelo menos, pensei me conter. Sei lá! Tudo agora estava muito confuso. Mas eu precisava voltar à realidade – e voltei, enfim.
Pés fincados no chão, novamente, segui adiante. Virei o rosto para esquerda, para subtrair das minhas recordações a casa na qual passei momentos importantes da minha vida, na certeza de que tudo era mesmo passado; passado que, agora admito, só me atormenta, ante a constatação de que – obviedade irritante -, infelizmente, o que passou não volta mais.
É preciso viver o presente, disse a mim mesmo, me impondo o caminho de volta à realidade
– Agora, pensei, o que importa é o que virá. Nada justifica brigar, se atormentar, viver de lembranças, me aconselhei, sem me convencer, sem a mais mínima convicção.
Eu já estava quase nocauteado diante desse viagem fantástica que fazia ao passado.
O pensamento continuava me consumindo, machucando, ulcerando, me corrompendo a vontade.
Tirei o pé do freio, acelerei – e segui em frente. Era necessário partir dali, sem demora. Era preciso retomar a minha vida, com os pés baseados nos dias atuais.
Pensei, mais uma vez, com Chico Buarque, que “[…]a saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar[…]”.
Apesar de tudo, entendi não devesse ouvir os meus conselhos. Entendi, ao reverso, que devesse prosseguir vivendo esse momento mágico que só a saudade é capaz de proporcionar, sobretudo para quem tem sensibilidade.
Nessa volúpia, decidido a viver, intensa e contraditoriamente, todas as emoções, vi, do outro lado da avenida Getúlio Vargas, o imóvel onde funcionou o cine Monte Castelo – o antes imponente Cine Monte Castelo, agora deterirorado, com a aparência péssima.
Nesse vislumbre, fui remetido, inapelavelmente, às tardes de domingo, nas quais, fascinado, abobalhado mesmo, assisti, como se fossem reais, os werterns estrelados por Jonh Wayne, e as aventuras de Tarzan, marcadamente interpretadas por John Weissnuller, coadjuvado pela macada Chita e pela bela Jane, interpretada por Maureen O’Sullivan.
Os meus pés e as minhas mãos, gelados, continuavam dando a medida da carga emocioanal que me envolvia, a mais não poder.
A quase murchar, com as emoções quase desnutrindo o meu corpo, expondo a minhas fragilidades, não me detive. Já estava envolvido demais para recuar. Eu tinha decidido, agora, viver todas as emoções possíveis.
Segui em frente, afinal, todos sabemos, a saudade, “é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”, segundo Rubem Fonseca
Teimoso, embirrado, entrevi, transformado numa oficina, do lado oposto ao prédio do ex-cine Monte Castelo, o agora ex-Bar Deus é Grande, onde consumi, cheio de saúde – saúde que faz falta nos dias presentes – incontáveis doses de cachaça, única bebida que a nossas posses permitiam saborear, ainda que o fosse só pelo prazer de ficar “queimado”.
Eu poderia ter ido adiante. Ainda tinha muito a ser revisto. Mas não tive mais condições de prosseguir. Meus pensamentos eram o pura inquietude. Ora entendia devesse prosseguir; ora entendia devesse parar. Tava tudo muito confuso.
Decidi, nessa confusão, retomar o meu destino. Era o que de melhor podia fazer. Como essa crônica, a minha cabeça estava confusa.
Entendi que o que tinha visto e vivido nesses minutos, quase uma eternidade, tinha sido mais do que suficiente.
Depois de tudo que revi -e revive – nesse dia, a sensação que ficou, é que, dependendo do ângulo de observação, saudade pode ser mesmo “[…] amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida[…]”. (Pablo Neruda)