A ANGÚSTIA DA ACELERAÇÃO DA VIDA-FINAL

A obsessão de acertar, descurando, muitas vezes, da minha condição de ser humano, o afã de ser correto num mundo complexo como o nosso, me fez envelhecer mais rapidamente ainda, antecipando a minha maturidade, com consequências que hoje entendo desnecessárias para quem teve pouco tempo de viver a juventude, na medida em que, ante duas possibilidades, sempre optei pela que mais exigiu de mim. Agora, não tem mais jeito. O meu futuro é agora. Agora é viver. Não dá para brincar de viver; nunca brinquei de viver, na verdade. Eu até poderia viver brincando, não tivesse feito opção por uma austera forma de ser; austeridade que me fez muito mal interior, mas que me ajudou a construir uma história que, se não é digna de elogios, pelo menos não está permeada de deslizes graves que possam deslustrá-la.

Todavia, olhando em volta, relembrando de tudo que passei, assumo a culpa de não ter deixado crescer em mim a consciência, que só hoje tenho, de que nada é para sempre, e que estar vivo, desfrutando de cada momento, é, em si mesmo, um milagre que deve ser, todos os dias, sublimado.

Olho em volta e, às vezes, não me reconheço, principalmente porque sinto as dores no corpo que antes desconhecia. Admito, assim, que meu corpo dói e muitas vezes nem durmo direito.

Mas, ainda assim, levanto-me e vou à luta, buscando, com a mesma determinação, completar a história que iniciei há décadas, que me levou a não ter tudo que sempre quis, é verdade, mas levou-me a ter e gozar do que foi possível construir.

Nos registros de antanho me vejo ali: vinte, trinta, quarenta anos atrás, jovem, vivendo os espasmos da juventude que não aproveitei, pois o meu espírito envelheceu rapidamente, premido pelas circunstâncias da vida.

A verdade é que tive que me tornar adulto antes do tempo.

Agora, estou eu aqui aos setenta, vivendo com a certeza de que entre os sentimentos que experimentei – e que movem a minha vida até hoje -, o mais representativo do ser humano que sou é o amor que modulou todas minhas ações.

Doem-me as costas, os joelhos, os cotovelos; às vezes o corpo inteiro.

Dói-me quase tudo. Mas não me dói a alma.

As dores no corpo são próprias de quem envelheceu, sem saber envelhecer, sem se cuidar, sem pensar no porvir.

Tentei envelhecer com dignidade; acho, até que envelheci, sim, com dignidade.

Eu não quero enfrentar a velhice como um castigo; quero, sim, me sentir lisonjeado por ter vivido tanto e poder, agora, colocar no meu regaço os filhos do meu filho, e deles cuidar como cuidei e cuido dos meus próprios filhos, os quais vieram ao mundo para dar à minha vida outra dimensão, daí a conclusão de que, se a minha vida não é perfeita, estou feliz em poder vivê-la.

Olho para trás e vejo a longa estrada percorrida.

Nessa estrada deixei parte dos meus sonhos por realizar.

Nessa longa estrada eu também realizei muito.

Nessa estrada construí a minha história, permeada de contradições, de tristezas e alegrias – e de desejos reprimidos.

Nessa mesma estrada forjei a minha personalidade e aprendi muitas lições, dentre as quais a de que nunca estive preparado para entender o mundo e as suas complexas relações, muito por incapacidade mental e, muito mais ainda, por me assumir frágil e covarde diante das adversidades.

A única certeza que tenho, depois de tantos anos vividos, é que não tardará o dia em que vou deixar a ribalta e que serei apenas uma lembrança remota de um personagem complexo, mas que viveu para fazer o bem.

Para encerrar, digo, em arremate, que, para mim, o que importa agora é a história que construí e que deixarei como legado para os que virão, na qual estão consignados os meus erros e os meus acertos, as minhas virtudes e os meus defeitos, através dos quais revelo verdadeiramente o que sou: um sobrevivente que um dia ousou acreditar ser possível mudar as pessoas pelo exemplo.

É isso.

NÓS SOMOS UM POUCO O QUE AS PESSOAS ACHAM QUE SOMOS

É de rigor a constatação de que nos sentimos bem quando reconhecem em nós as nossas virtudes.

A mim me apraz muito ser bem avaliado por parcela relevante da sociedade em face, por exemplo, da minha ação enquanto magistrado, porque, afinal,passar pelo escrutínio público com algum reconhecimento significa estar fazendo a coisa certa, o que, para um magistrado, não é pouca coisa.

Todo e qualquer profissional, todo ser humano, enfim, gosta de ser reconhecido por uma atitude ou em face de uma realização; comigo, portanto, não podia ser diferente.

Nesse sentido, não há quem, de rigor, não se regozije com um elogio,com uma exaltação em face do reconhecimento/destaque de uma virtude, de uma realização, enfim.

Admito – não por vaidade, mas em face dos meus compromissos de homem público – que me envaidece, sim, o reconhecimento que se faz da minha atuação profissional, e, no mesmo passo, de como procedo na vida pessoal.

O que não me fascina, consigno, é o elogio gratuito, a exaltação sabuja, subserviente ou servil, ante a constatação de que o elogio fortuito/adulatório, nunca é precedido de um sentimento nobre.

Se é perceptível que todos gostamos de ser elogiados, é de rigor a conclusão, noutro giro, de que não gostamos de ser criticados, de ouvir algumas verdades que nos incomodam, dos conceitos que são emitidos em face da nossa pessoa, daí a minha conclusão de que aquele que diz receber uma crítica ou uma avaliação negativa de sua personalidade com naturalidade, não o faz com sinceridade.

Conquanto nos agastemos com a crítica ácida ou em face dos conceitos que são emitidos em razão de nossa pessoa, é preciso admitir que muito do que se diz sobre nós traduz o que o efetivamente somos; e, nesse sentido, pouco importa a nossa contrariedade, pois os fatos são mais eloquentes que a nossa eventual insatisfação.

Falo com propriedade sobre o tema.

Explico. Eu fui, muitas vezes, acusado de ser arrogante.

Nunca gostei da pecha, porque, em face dela, algumas portas se fecharam para mim; fui sendo estigmatizado, estereotipado, enfim, a ponto de ser prejulgado em face dos preconceitos que decorreram da etiqueta.

Mas hoje, passados os anos, admito que, inobstante não me desse conta, com algumas atitudes eu deixei transparecer, sim, ser uma pessoa arrogante, daí a minha inquietação com o defeito moral apontado, decorrente dessa constatação, hoje, não tenho dúvidas, de que, de rigor, sou, sim, um pouco daquilo que as pessoas acham que sou, razão pela qual me sentia incomodado com a balda apontada.

A constatação, fruto da minha experiência de vida, é que tendemos, sempre que alguém destaca em nós um defeito que sabemos que temos – mas que não admitimos que temos -, a reagir com certa inquietação, porque o ser humano tem dificuldade de conviver e de aceitar os seus próprios defeitos, fruto de um autoconhecimento enviesado.

Mas é preciso admitir que, de regra, os conceitos, as avaliações que as pessoas fazem da gente podem, sim, com muita probabilidade, ser verdadeiros, ainda que não gostemos, ainda que em face deles nos sintamos desconfortáveis.

A verdade é que nenhuma má fama, nenhuma avaliação negativa resulta precedida do nada; elas, muito provavelmente, decorrem do que efetivamente somos, conquanto, muitas vezes, não admitamos.

As avaliações que fazemos do semelhante, os conceitos que emitimos sobre o próximo, ainda que pareçam injustos, tem a precedê-los uma história que foi sendo construída com as suas atitudes, daí a reafirmação do óbvio, ou seja, que podemos ser, sim, com muita probabilidade, admitamos, ou não, aquilo que as pessoas acham que somos.

É preciso reconhecer, a propósito dessas reflexões, que o que nos falta, na verdade, é a capacidade de nos autoavaliar, de nos autoconhecer, pois que é a partir de um autoconhecimento, sem maquiagem, que reavaliamos os nossos conceitos, mudamos a nossa postura, levando as pessoas, no mesmo passo, a reavaliarem os seus (pre) conceitos sobre nós.

Se não formos capazes desse autoconhecimento – de fazer um exame crítico das nossas atitudes ante os fatos da vida, das nossas inclinações, das nossas emoções e das nossas reações em face delas, dos sentimentos que nos movem e o que somos capazes de fazer em face deles -, não seremos capazes, do mesmo modo, de admitir que somos, sim, um pouco daquilo que as pessoas dizem que efetivamente somos, gostemos ou não.

É isso.

A ANGÚSTIA DA ACELERAÇÃO DA VIDA-FINAL

A obsessão de acertar, descurando, muitas vezes, da minha condição de ser humano, o afã de ser correto num mundo complexo como o nosso, me fez envelhecer mais rapidamente ainda, antecipando a minha maturidade, com consequências que hoje entendo desnecessárias para quem teve pouco tempo de viver a juventude, na medida em que, ante duas possibilidades, sempre optei pela que mais exigiu de mim. Agora, não tem mais jeito. O meu futuro é agora. Agora é viver. Não dá para brincar de viver; nunca brinquei de viver, na verdade. Eu até poderia viver brincando, não tivesse feito opção por uma austera forma de ser; austeridade que me fez muito mal interior, mas que me ajudou a construir uma história que, se não é digna de elogios, pelo menos não está permeada de deslizes graves que possam deslustrá-la.

Todavia, olhando em volta, relembrando de tudo que passei, assumo a culpa de não ter deixado crescer em mim a consciência, que só hoje tenho, de que nada é para sempre, e que estar vivo, desfrutando de cada momento, é, em si mesmo, um milagre que deve ser, todos os dias, sublimado.

Olho em volta e, às vezes, não me reconheço, principalmente porque sinto as dores no corpo que antes desconhecia. Admito, assim, que meu corpo dói e muitas vezes nem durmo direito.

Mas, ainda assim, levanto-me e vou à luta, buscando, com a mesma determinação, completar a história que iniciei há décadas, que me levou a não ter tudo que sempre quis, é verdade, mas levou-me a ter e gozar do que foi possível construir.

Nos registros de antanho me vejo ali: vinte, trinta, quarenta anos atrás, jovem, vivendo os espasmos da juventude que não aproveitei, pois o meu espírito envelheceu rapidamente, premido pelas circunstâncias da vida.

A verdade é que tive que me tornar adulto antes do tempo.

Agora, estou eu aqui aos setenta, vivendo com a certeza de que entre os sentimentos que experimentei – e que movem a minha vida até hoje -, o mais representativo do ser humano que sou é o amor que modulou todas minhas ações.

Doem-me as costas, os joelhos, os cotovelos; às vezes o corpo inteiro.

Dói-me quase tudo. Mas não me dói a alma.

As dores no corpo são próprias de quem envelheceu, sem saber envelhecer, sem se cuidar, sem pensar no porvir.

Tentei envelhecer com dignidade; acho, até que envelheci, sim, com dignidade.

Eu não quero enfrentar a velhice como um castigo; quero, sim, me sentir lisonjeado por ter vivido tanto e poder, agora, colocar no meu regaço os filhos do meu filho, e deles cuidar como cuidei e cuido dos meus próprios filhos, os quais vieram ao mundo para dar à minha vida outra dimensão, daí a conclusão de que, se a minha vida não é perfeita, estou feliz em poder vivê-la.

Olho para trás e vejo a longa estrada percorrida.

Nessa estrada deixei parte dos meus sonhos por realizar.

Nessa longa estrada eu também realizei muito.

Nessa estrada construí a minha história, permeada de contradições, de tristezas e alegrias – e de desejos reprimidos.

Nessa mesma estrada forjei a minha personalidade e aprendi muitas lições, dentre as quais a de que nunca estive preparado para entender o mundo e as suas complexas relações, muito por incapacidade mental e, muito mais ainda, por me assumir frágil e covarde diante das adversidades.

A única certeza que tenho, depois de tantos anos vividos, é que não tardará o dia em que vou deixar a ribalta e que serei apenas uma lembrança remota de um personagem complexo, mas que viveu para fazer o bem.

Para encerrar, digo, em arremate, que, para mim, o que importa agora é a história que construí e que deixarei como legado para os que virão, na qual estão consignados os meus erros e os meus acertos, as minhas virtudes e os meus defeitos, através dos quais revelo verdadeiramente o que sou: um sobrevivente que um dia ousou acreditar ser possível mudar as pessoas pelo exemplo.

É isso.

A ANGÚSTIA DA ACELERAÇÃO DA VIDA – PARTE II


Aqui e agora, a continuação das minhas reflexões em face do meu aniversário, no último dia 02, quando completei 70 anos; parcialmente bem vividos, admito, na medida em que somente parte das minhas idiossincrasias administrei com alguma competência, de modo a preservar a minha sanidade e dos que estão no meu entorno.

A barba e os cabelos encanecidos, a pela flácida, as marcas no rosto, a saudade candente e lancinante, em face do que vivi e do pouco que usufrui da vida que me foi ofertada, pelos mais diversos motivos, dão a exata dimensão da relevância do tempo vivido; tempo que, em mim, consolidou a certeza de que, mais importante que ter razão, é ser feliz, e que, ademais, um dia a mais na minha provecta existência me dá a sensação de viver uma bênção que não se concede a muitos.
O tempo passou, claro – e passou sem fazer concessões, como sói ocorrer. Devo a ele a eterna gratidão de me permitir viver o suficiente para poder compreender que devemos olhar muito mais a alma do ser humano que a sua aparência e modo de ser, para não ser levado a preconceitos e prejulgamentos.
O tempo me ensinou, dentre outras coisas, ser uma insensatez desperdiçar o melhor da vida complicando as coisas simples, descurando da importância de cada momento vivido, para só entendê-lo, muitas vezes, quando ele já se transformou em recordações. É que, como diz o sábio, o tempo passa, a vida passa, permanecendo em nós apenas as memórias, exceto, claro, as que não fomos capazes de guardar, quiçá em face de sua irrelevância.
Consciente de ter envelhecido, quero, agora, conduzir a minha vida em paz, até onde o tempo me premiar com sua generosidade, pois há algum tempo me dei conta que um dia mais é, na verdade, um dia a menos.
Velhinho capeta, mal-humorado, criador de caso, não sou – não quero ser.
Não sei ser assim, afinal.
Velhinho simpático?
Também não sou.

Se não fui simpático na juventude, é muito pouco provável que o seja na velhice.
Mas eu tenho arroubos de simpatia, sim – espasmos de simpatia, alguns dizem.
O que fica de lição, depois de tudo, é que, se não podemos parar o tempo, devemos, ao menos, com o tempo vivido e com o tempo que nos resta, amar o próximo, respeitar as diferenças, afagar quem precisa de afago, ajudar a minimizar a dor de quem sente dor, dar carinho a quem dele necessidade, ser solidário com o sofrimento alheio; e, se possível, viver sem drama, sem conflito e sem estresse – em paz com a vida e com fé no que virá.
Olho, mais uma vez, para o meu corpo e vejo que não cuidei de mim como deveria.
Não cuidei da matéria – e nem cuidei da alma.
Sei que é impossível, mas queria, sim, voltar no tempo, para poder reparar os erros que, podendo, não deixei cometer.

Queria, sim, voltar no tempo para pedir perdão as pessoas que magoei e que não podem mais me perdoar.

Queria, sim, fazer muita coisa diferente do que fiz, porque, reavaliando a minha trajetória, sei que poderia ter sido melhor do que fui – e sou.
Se voltasse no tempo, faria muitas coisas diferentes, sim.
Diferente dos arrogantes, eu admito, sim, que não faria tudo outra vez.
Eu faria só parcialmente o que fiz.

Eu, no mínimo, faria a mim as concessões que não fiz e seria mais tolerante com os erros dos outros – e com meus próprios erros, em razão dos quais me impus desnecessário sofrimento.
Eu, muitas vezes, fui rude comigo mesmo, por birra e insensatez, admito.
Exigi de mim muito mais do que deveria.
Nessa questão estive próximo da irracionalidade.
Eu sou, sim, esse ser contraditório e complexo que as palavras desnudam.

É isso.

A ANGÚSTIA DA ACELRAÇÃO DA VIDA-PARTE I

Se me perguntarem hoje, 2 de julho, dia do meu natalício, quantos anos tenho, respondo que tenho os anos que me restam; os que vivi já não os tenho mais.
A certeza que tenho é que envelheci.
Há muito tenho a idade dos que têm prioridade nas filas de atendimento.
Daí a inevitável conclusão: a juventude de mim se distanciou; e, confesso, nem me dei conta, tamanha a rapidez.
Sobre a questão tenho agido de forma pendular: há momentos que sinto estar velho; há outros que me vejo fagueiro, altivo, projetando realizações para o futuro junto às pessoas que amo.
Tudo, porém, são confusões da minha mente, porque , afinal, envelhecer termina sendo um privilégio, daí que tento encarar a velhice com naturalidade.
Ou não?
Não sei.
Pode ser que sim; pode ser que não.
Compreendo que só em estar refletindo sobre a questão já evidencia que não encaro a velhice com a naturalidade que gostaria; e, se tento, não consigo.
Aquela história de que o tempo parece que não passou, para mim não cola.
O tempo passou, sim.
E como passou.
E como foi rápido.
E como deixou marcas em mim.
Vejo-as por toda parte: no rosto, nos braços, nas pernas…

Agora, vejo, também, as consequências da aceleração da vida na mente: minha memória, que nunca foi boa, está mais seletiva que nunca.
Não me desespero, porém, diante dessa realidade.

Será?
Nessa questão sou bem resolvido.
Será?
Nem eu mesmo sei por que faço essas afirmações ao tempo em que me questiono em face delas, pois quem me conhece sabe dos meus conflitos com a passagem inclemente do tempo.
Eu não sou bem resolvido nessa questão; preciso admitir.
Como não posso voltar no tempo, só quero mesmo é viver bem o tempo que me resta. E, numa perspectiva realista, não é muito, mas o suficiente, talvez, para desfrutar da companhia das pessoas que são revelantes da minha vida.
A verdade, e é fácil concluir em face dessas reflexões, é que eu só queria viver sem conflito com o tempo; conflito inevitável em face dos planos que ainda teimo em fazer para o futuro.
Vivo em conflito com o tempo, admito.
Mas não esqueço, entrementes, que foi o tempo que me fez realizar o que realizei. Foi o tempo quem me fez encontrar e conviver com pessoas especiais que dão sentido a minha vida.
Valeu então ter vivido tanto.
Importa indagar agora: fiz por merecer tantos anos vividos?
Creio que sim.
Mas admito que fiz menos do que podia ter feito.
Todavia, ainda assim, realizei alguma coisa.
Irrelevante a minha história?
Para mim, não.
Mas admito que devia ter sido mais audacioso.
Tempo é tempo e nada se pode fazer para impedir o seu curso.
Eu não posso, ninguém pode domar o tempo.
Quisera poder domar o tempo. Dizer: espera um pouco. Eu ainda tenho muito coisa importante para fazer.
Mas, contraditoriamente, penso comigo: pra quê parar o tempo se as coisas são como são, se o destino está traçado?

Destino?

Bem, essa é outra questão.

Não dá pra misturar as coisas.
O melhor mesmo é aceitar que o tempo flua e entender que é assim mesmo que tem que ser.
E que cada um saiba viver o seu tempo, o seu momento, a sua história, afinal somos os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos.
O natural mesmo é viver e ver o tempo passar.
O hoje será, inevitavelmente , o ontem e o amanhã, a Deus pertence.
E eu, se possível, viverei mais algum tempo para testemunhar o que virá.
Apesar da idade, eu vivo a perspectiva do que virá, sim, ainda que saiba que existe uma grande possibilidade de não viver o porvir.
Até quando posso esperar para viver o que espero que um dia virá ?
Não sei.
Só sei que não tenho muito tempo de espera; e isso me aflige.

É isso.

UM PAIS DIVIDIDO

Principio essas reflexões com uma obviedade: somos um país dividido,
fruto do ódio/radicalismo que tem permeado as discussões/ações políticas, nos mais diversos ambientes – familiar, inclusive -, a contaminar as relações sociais.

Já tendo vivido muito, testemunhei – como eleitor, como advogado,
professor, promotor de justiça e magistrado – muitas disputas políticas, sobretudo depois da redemocratização; testemunhei, portanto, de tudo um pouco.

Ainda assim, me surpreendo com o que tenho assistido nos dias de
hoje, vendo o radicalismo político tomar conta do debate, tornando-o incivilizado, agressivo e, consequentemente, improdutivo.

O que tenho testemunhado, lamentável dizer, é a disseminação do
ódio, sobretudo nas redes sociais, campo fértil no qual vicejam as incompreensões, as desinteligências e a intolerância.

Chegamos a uma situação de tamanha insensatez que, tenho
constatado, estamos autorizados, nos ambientes familiares – pasmem! – assacar críticas contra os próprios pais que elas ainda assim serão toleradas.

O que não é permitido, triste reconhecer, é dirigir críticas a
determinadas lideranças políticas, ungidas à condição de intocáveis, de semideuses até.

A situação aqui descrita, importa reafirmar, é grave.
O cenário sob os nossos olhos, e dos que ainda guardam alguma lucidez, é constrangedor e preocupante, a exigir detida reflexão.

Como não estou impedido de pensar, fico imaginando que, para que o
nosso país volte à civilidade e à união, só mesmo uma situação de ameaça externa, conquanto ainda tenho dúvidas sofre a sua eficácia, tamanhas as paixões, tamanhas as dissenções, considerando que a radicalização nos levou ao paroxismo, a revelar uma triste realidade: quem assume posição no espectro político se transforma, no mesmo passo, em inimigo de quem está no espectro político oposto, em face da preponderância da máxime do “nós contra eles” que tem norteado o debate político.

Para ilustrar, cito uma passagem da nossa história que, outrora, uniu o
país; penso que ela servirá para justificar a linha de pensamento acima adotada.
Pois bem. Na famigerada Guerra do Paraguai, os brasileiros de cor
branca lutaram ao lado de escravos, negros, mulatos, índios e mestiços; ribeirinhos da Amazônia e sertanejos do Nordeste encontraram-se e se uniram, pela primeira vez, aos gaúchos, catarinenses e paulistas.

A guerra em comento, portanto, produziu um sentimento de unidade
nacional que o Brasil jamais havia testemunhado, mesmo no tempo de sua
independência, cumprindo anotar que até o imperador se deslocou para a frente de batalha, enfrentando o frio e a intempérie numa barraca de campanha.

Essa passagem da história me leva a conclusão de que talvez uma
causa nacional nos unisse, ainda que se admita uma certa dúvida, visto que, no
caso da pandemia de Covid, por exemplo, testemunhei, estupefato, a sociedade
dividida entre os que apostavam na ciência e os negacionistas, para os quais a
vacina só traria malefícios a quem se dispusesse a entregar o braço para a sua
infusão.

O que espero, cá do meu canto, é que, nesse cenário desalentador que
hoje se apresenta, surja uma liderança que tenha o bom senso e pregue a
concórdia, para, no mesmo passo, refutar a beligerância.

Lembro, a propósito do bom senso e do equilíbrio que deveriam
presidir as ações das nossas lideranças, da reação de Benjamim Constant, quando o alfares Joaquim Inácio, radicalizando, propôs o fuzilamento de D. Pedro II, por ocasião das tratativas para a Proclamação da República. Na oportunidade, ante a desabrida proposta de execução do imperador, o militar brasileiro reagiu nos seguintes termos: “O senhor é sanguinário! Ao contrário, devemos rodeá-lo de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício muito digno”.

Não é essa sensatez, entrementes, que tenho visto nos dias atuais, lamento concluir.
É isso.

A VIDA É UMA ESCOLA, MAS SO APRENDE QUEM QUER

Se é verdade que a vida é uma escola, não é verdade, no entanto, que as pessoas estejam dispostas a aprender as lições que ela ministra.

Em face dos fatos da vida, a realidade mostra, fácil ver, que não são poucos os que, mesmo tendo levado bordoadas da vida, persistem cometendo os mesmos erros, infringindo as mesmas normas de conduta.

A constatação, nessa linha de compreensão, fruto da minha experiência de vida, é que as pessoas, como regra, aprendem apenas aquilo que lhes convém, daí que cometem erros, apanham da vida, lamentam o leite derramado, sucumbem em face dos erros, têm dificuldades de se erguer em face deles, sofrem as reprimendas que a sociedade impõe em face dos desvios de conduta, todavia, ainda assim, persistem errando, às vezes sob o pueril argumento de que errar é humano, como se estivéssemos autorizados a cometer sucessivos erros apenas e tão somente em face da nossa condição de seres humanos.

Fosse verdade que as lições que a vida ministra resultassem em mudança de comportamento, muitos não repetiriam os mesmos equívocos em face dos quais testemunharam o mundo se transformar em um moinho, triturando sonhos e reduzindo as ilusões a pó, como advertia o inesquecível Cartola.

A convicção de que a vida ensina, mas que nem sempre aprendemos as lições, está à vista de todos, bastando, para constatar a veracidade do que digo, olhar em volta, ou, indo além, revisitar a história, de onde vem as lições mais estupefacientes de que, com a escola da vida, nem sempre estamos dispostos a aprender, daí a reiteração de erros e de condutas equivocadas.

Para ilustrar, um exemplo que vem da escravidão, uma das páginas mais vexaminosas das muitas protagonizadas pelo ser humano em detrimento do semelhante.

Pois bem. O escravo José Francisco dos Santos conquistou a liberdade, depois de anos de trabalho forçado na Bahia, vendo-se livre da escravidão comprando, ao que tudo indica, a sua própria carta de alforria. É dizer, depois do inaudito sofrimento a que foi submetido pela sua condição de escravo – foi tirado de sua terra natal, jogado num navio e trazido amarrado para uma terra estranha -, finalmente “Zá Alfaiate”, como ficou conhecido, em face de sua profissão, estava livre.

Livre das agruras próprias da escravidão, esperava-se que “Zé Alfaiate” engrossasse as fileiras dos que lutavam contra o comércio de escravos.

O que fez, no entanto? Passou a operar o mesmo comércio do qual fora vítima, tendo, nesse afã, voltado à sua terra e se tornado um traficante de escravos, especulando-se se o fez por um desejo de vingança, na tentativa de repetir com outras pessoas o que ele próprio sofreu, ou se o fez, o que é mais provável, porque viu no comércio de escravos uma chance de ganhar dinheiro.

O certo é que, por um viés ou por outro, o que importa mesmo para essas reflexões, como o exemplo acima, é que de nada adiantou o sofrimento infligido a si e aos seus irmãos africanos, pois, livre, passou a agir em defesa dos seus interesses, a revelar o lado mais perverso do ser humano, para quem o que importa mesmo é seu bem-estar.

“Zé Alfaiate”, como muitos de nós, fez pouco caso das lições que a vida ministrou, a reafirmar o que eu disse no início dessas reflexões, ou seja, de que cada um aprende com a vida apenas as lições que convém aos seus interesses.

Não é por outra razão que não são poucos os que – examinando a questão, agora, sob a perspectiva do Direito Penal -, tendo cometido crimes e suportado as mazelas da prisão, voltaram a delinquir, o que me remete a Beto Guedes, segundo o qual “A lição sabemos de cor. Só nos falta aprender.”

É isso.

EMPATIA

Empatia não pode ser apenas um conceito.

Empatia, ou seja, a capacidade de sentir o que a outra pessoa sente, de compreender emocionalmente o ponto de vista e as ações das outras pessoas, só têm relevância se for além do seu conceito.

Mas a verdade é que, para muitos, empatia não tem relevância, na medida em que há muitos entre nós que se importam apenas com seus interesses pessoais, pouco importando se, em face deles, possa infligir sofrimento ao semelhante, à luz de uma lógica de vida daninha: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Compreendo, no entanto, que os empáticos fazem a diferença numa sociedade marcadamente competitiva, na qual vale mais o ter que o ser.

É preciso experimentar, pelo menos compreender, de forma objetiva e racional, o que sente o semelhante.

É necessário, sim, perscrutar, emocionalmente, o sentimento de quem de quem pensa diferente.

É de rigor, sim, tentar, pelo menos, ser racional com as atitudes das outras pessoas.

Compreendo que somente assim podemos construir uma sociedade movida por conexões comportamentais edificantes.

A empatia não pode ser pontual, circunstancial, conveniente; deve ser uma prática de vida.

As manifestações empáticas não devem ocorrer apenas diante das tragédias.

Posso dizer, por tudo que tenho testemunhado, que, nada obstante, os comportamentos empáticos têm sido uma exceção, bastando, para compreender a minha inquietação, voltar um pouco aos momentos mais tenebrosas da pandemia decorrentes da Covid, durante a qual vivenciamos, com estupor e revolta, situações que revelaram a face mais perversa alguns seres humanos, que vão do negacionismo nefando ao desvio de verbas públicas destinadas a combatê-la.

Tenho convicção, por essas e outras condutas de igual jaez, que, nos momentos mais desafiadores, muitos se revelam, desnudando o pior de sua alma.

Nesse sentido, é sempre estarrecedor testemunhar que há, sim, quem, despudoradamente, aproveite os momentos de dor proporcionados pelas tragédias para delas tirarem proveito.

Definitivamente, não foi pra isso que Jesus Cristo veio à terra; não foi essa a mensagem que deixou.

Me predisponho a refletir sobre o tema porque sou, sim, excessivamente empático, do tipo que assume as dores do semelhante, que se coloca no lugar de quem sofre em face de um infortúnio.

Sou do tipo que, em face de eventos magnos – terremotos, tsunamis, deslizamentos, fome etc – sou tomado de intensa aflição e sofrimento em face da dor infligida ao semelhante.

Nesse sentido, por força da empatia, eu crio, sem perceber, conexões emocionais muitos fortes com as outras pessoas, o que me faz concluir que somente a pessoa empática é capaz de fortalecer as relações interpessoais, na medida em que, sendo assim, tem mais capacidade de compreender o semelhante, diferente do que ocorre com as pessoas que consideram o ser humano é descartável.

As reações, as atitudes, o modo de encarar os conflitos, tudo, enfim, é diferente se o protagonista for uma pessoa emática.

O diálogo entre pessoas empáticas é, também, mais edificante, na medida em que o empático ouve com mais atenção e procura compreender, com mais sensibilidade, o que o outro tem a dizer

Sei, no entanto, que não é assim que a banda toca.

Há pessoas frias e insensíveis. E é em face da frieza e da insensibilidade de muitos de nos que chegamos onde chegamos, ou seja, num cenário em que as pessoas, em face de paixões desmedidas, torcem pelo insucesso e pelo sofrimento dos que elegem adversários/inimigos, revelando, assim, o lado mais perverso do ser humano.

Aliás, o sentimento que as pessoas nutrem pelos que elegem inimigos é tão forte que basta que ouse pensar diferente para que a falta de empatia se revele, na sua face mais perversa.

É isso.