Espaço aberto

Sob o título “A Justiça para 2013?, o artigo a seguir é de autoria de Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Tornou-se enfadonho clichê a repetição sobre a morosidade dos juízes e de que a solução seria a modernização e democratização do Poder Judiciário. Já é quase um requisito para ser nomeado ministro do STF ou para os demais tribunais superiores de Brasília que o candidato tenha um discurso afinado com essas críticas sustentadas na enganosa ideologia de que cabe ao Judiciário promover a pacificação social. Por certo que durante o ano de 2013 haverá variações sobre o mesmo tema, mas nada que realmente venha por mostrar a realidade da vida em sociedade como causa efetiva de tanta litigiosidade a ser resolvida pelo Judiciário.

Ninguém pergunta a razão disso e é nessa medida que a crítica da morosidade passa a ser superficial; e por assim ser, pois que cultivada numa “doxa” populista, ela se presta ao serviço de encobrir a verdadeira causa eficiente da demora judicial e dessa forma contribuir para sedimentar o estado de ignorância sobre a realidade da vida na sociedade contemporânea que, em última análise, gira em torno da satisfação de vaidades, dinheiro e poder.

Vivemos a era da informação, da pós-modernidade, da era das “relações líquidas”, copiando Bauman, em que produto e consumo ditam as regras para o bom viver, ou seja, tudo se transforma em produto para consumo, inclusive o próprio homem.

A partir desta premissa sociológica é fácil compreender porque o Judiciário passa a ser visto, não como um órgão público social cujo precípuo fim é buscar o justo entre as partes, mas como uma máquina, um sistema mecânico, cujo produto final é a decisão rápida e eficiente para o seu novo fim: a pacificação social!

Não é por acaso, portanto, que para um teórico paulista, doutor em ética judicante, o juiz deve ser um obreiro, um operário obrigado a produzir centenas de decisões por dia de trabalho.

Ainda em data recente, pude ouvir de um desembargador do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no calor dos debates para se decidir sobre os destinos de um réu, que era preciso que o presidente da sessão pusesse logo um fim nos ditos debates porque o dia seria longo e outros tantos processos deveriam ainda ser julgados antes que o por do sol fizesse a escuridão descer sobre o vetusto plenário.

Bem a propósito, vejamos a preciosa análise feita pelo ilustre advogado Eduardo Boccuzzi, in CONJUR, de 28.12.12:

“Vivemos hoje, no Direito, uma época de grandes números, principalmente devido ao fenômeno da concentração de empresas. Essas cresceram muito e seus números se agigantaram. Assim, temos empresas com 50.000 processos em determinada área do Direito, mais 30.000 em outra e assim por diante.

Muitos escritórios de advocacia, de seu turno, também se modificaram e cresceram para poder atender a esse novo tipo de cliente. Assim, vemos hoje inúmeros escritórios com mais de 100 advogados, estruturados exclusivamente para atender a essa massa de processos das empresas.

A concorrência entre os escritórios que se adaptaram para atuar com contencioso de massa também se acirrou sobremaneira. E, aparentemente, as empresas acham que estão tirando bom proveito disso.

A contratação de honorários junto a muitos desses escritórios se dá por um valor fixo por mês, por processo. O escritório, ao aceitar os processos, os recebe como uma mercadoria e, em sua maioria, sem qualquer análise prévia dos mesmos, enquanto que as empresas, de seu turno, miram apenas no custo por mês, por processo.

Já se escuta aqui e acolá que o escritório “X” aceitou receber R$ 10,00 ao mês por processo, outro R$ 8,00 e assim por diante. Todavia, não existe mágica: esse aviltamento dos honorários pagos aos escritórios tem como contrapartida advogados trabalhando em péssimas condições, constantes perdas de prazo com o consequente aumento do custo do seguro profissional, advogados processando escritórios para exigir direitos trabalhistas desrespeitados, altíssima rotatividade de profissionais e, mais recentemente, escritórios quebrando, quer em decorrência do atraso no pagamento dos honorários pela empresa, quer porque os honorários recebidos não são suficientes para fazer frente aos custos.

Por óbvio que se criou um discurso para justificar essa sistemática de contratação de escritórios, na qual o que importa é o preço. Com efeito, alegam as empresas que na Justiça do Trabalho, por exemplo, o empregado sempre tem razão; então, para que pagar por um profissional bem qualificado se o resultado será sempre o mesmo? Os escritórios, por seu turno, em face desse discurso, também se sentem desobrigados de mostrar bons resultados; em gíria futebolística poderíamos dizer que estão todos “cumprindo tabela”. O que importa unicamente é não perder prazo; o Direito mesmo é colocado de lado.

A situação chega a ser risível em algumas audiências, quer em Juizados Especiais, quer na Justiça do Trabalho: profissionais que se sentam à mesa de audiências sem jamais terem tido qualquer contato com o processo da empresa cujos interesses estão lá para defender”.

Eis o retrato triste da nossa realidade, isso sem falar da criminalidade já praticamente fora de controle e da superpopulação carcerária. Note-se, por exemplo, por outro lado, a busca de uma justiça sazonal, qual seja, aquela que é lembrada nos meses de janeiro e fevereiro quando desce morro abaixo o aguaceiro.

O que se tem, portanto, é uma explosão de litígios, muito embora este fenômeno nunca seja posto em mesa de debates como a razão eficiente da demora judicial.

O raciocínio a ser feito a respeito seria até simplista: Se ocorre a explosão de conflitos é porque alguma coisa está errada no convívio social. Mas, entretanto, esse pensamento entre causa e efeito é desprezado. Prefere-se a ideia superficial de que, em sendo a finalidade da decisão judicial um produto que visa à pacificação social, impõe-se que ela seja proferida rapidamente, sugerindo-se implicitamente não ter muita importância se é justa ou não, ou se há direitos e garantias constitucionais a serem observados. O que interessa é pôr fim o conflito. Mas os fatos se contrapõem à ideia: por mais rápidas que sejam as decisões judiciais, ou por mais que se criem juízos e tribunais tem se verificado que o volume invencível de feitos e conflitos de toda ordem aumenta numa desproporção alarmante.

Apela-se então, com faz o CNJ, para a conciliação judicial ou para a mediação, esta largamente empregada nos Estados Unidos, como as únicas saídas possíveis para a falsa equação “solução rápida dos litígios” igual “pacificação social”.

A história nos dá exemplos de como o fascismo italiano e, entre nós, o fascismo de Getúlio Vargas criou a Justiça do Trabalho como meio de conter os conflitos entre os trabalhadores e os patrões; ou porque não dizer também, na nossa história mais ou menos recente, a criação dos Juizados Especiais. São soluções de resultado que, todavia, não logram resolver a causa eficiente da demora judicial já que os litígios continuam a brotar do solo fértil das desigualdades sociais e da relativização dos valores ditadas pelo binômio ideológico produção/consumo.

De resto, no caso da Justiça, a ideologia da pacificação social traz a deletéria consequência do descrédito e decadência do Direito como fundamento do justo, passando ser este um mero instrumento, como quer a teoria da instrumentalidade do processo e bem demonstrada pelo ilustre advogado Eduardo Boccuzzi.

Por fim, é oportuno lembrar que em fevereiro começa a funcionar a justiça eletrônica no Estado de São Paulo. Grandes problemas surgirão com certeza, como, por exemplo, estudar na tela do computador um processo com muitos volumes.

Já ponderou um ilustre desembargador paulista, o negócio é trabalhar com duas telas: uma para exame dos elementos dos autos e outra para preferir a decisão. Ao final, contudo, aos trancos e barrancos, tudo se assentará, mas nem por isso a Justiça será mais rápida visto que as velhas questões processuais continuarão existindo, acrescidas das inúmeras que surgirão com o novo sistema informatizado. E não adianta querer lutar contra o novo senhor o computador, como fizeram os ludistas ingleses contra as máquinas no tempo da Revolução Industrial.

Acordo judicial, mediação, modernização das leis processuais, justiças itinerantes, justiças de pequenas causas, modernização da máquina judiciária com a sua informatização, estatísticas, planos de metas, prêmios de produtividade aos juízes, etc. e tal, são instrumentos autoritários de extinção rápida dos conflitos e por assim serem nada resolvem já que numa sociedade de consumo, intrinsicamente injusta, a causa eficiente de tantos litígios são, em síntese, a decadência dos valores humanos e falta de Justiça Social.

Portanto, resignem-se os juízes. Nada mudará em 2013 e nem nas próximas décadas! Sejam rápidos! É o que quer a ideologia dominante. É o que quer a sociedade. É o que quer o CNJ.

Matéria captura no blog do Frederico Vasconcelos

A pequena e a grande mentiras

Há pessoas (aparentemente) obcecadas  pela verdade; ainda que seja do tipo que, na sua vida pessoal, se valha, muitas vezes, da mentira,  pelos mais diversos motivos.

Essa afirmação faço apenas a guisa de introdução – para instigar, provocar mesmo  – , em face do tema que vou abordar a seguir.

Eu, cá do meu canto, fico perscrutando se vale a pena dizer- e saber – , sempre,  a verdade; se não é preferível ouvir uma mentira, aqui e acolá, circunstancialmente; que não sejam, claro, mentiras como as protagonizadas pelo Grande Irmão, como na ficção de George Orwell.

Não! Não é isso!

O que cogito é saber se a mentira banal, a mentira sem importância, que não prejudique, que não cause danos à honra e ao patrimônio das pessoas pode ser contada, aqui e acolá, porque, afinal, falar sempre a verdade, não dar vazão ao, digamos,  mentiroso que há dentro de cada um de nós, pode não ser  o mais aconselhável nas nossas relações.

É que, desde a minha compreensão, nem sempre as pessoas estão preparadas para uma verdade. É por isso que, algumas vezes, é preferível a mentira. Mentiras, nessas circunstâncias, não são mais que pecados venais.

Compreendo, sim, que, nas nossas relações, há momentos, há ocasiões que se deve, pelas circunstâncias, mentir ou, se for preferível, ocultar a verdade.

Eu conta as minhas mentiras. Já me vi, muitas vezes, compelido a mentir; às vezes, para não magoar, para não fazer sofrer.

Você, certamente, também já contou a sua.

A verdade é que todos nós mentimos, dependendo das circunstâncias.

O que não se deve é levar a mentira às últimas consequências. Não se deve mentir para tirar proveito, para ludibriar, para derrubar um colega, para destruir a reputação de um congênere.

O grave, entrementes, é que, dentre nós, há, sim, os que mentem por prazer, para menoscabar, embaciar, desmerecer, empanar, obscurecer o brilho do colega.

Conheço pessoas que chegam ao orgasmos contando uma lorota, mentindo sobre um colega, criando histórias mirabolantes, objetivando colocar mal perante as pessoas aquele que ele elege como desafeto, em face, exclusivamente, de sua mente doentia.

Aliás, ouso dizer, que o loroteiro adora uma plateia. E, com plateia, ele se esbalda. Mente pelos cotovelos. Mentindo, ataca a honra das pessoas, sem nenhuma cerimônia, sem nenhum escrúpulo. O grave é que não tem medo de nada. Pensa que o poder a tudo favorece, a tudo encobre.

Eu já fui vítima desse tipo.  Eu mesmo já testemunhei, sem nenhum prazer, a atuação desse tipo peçonhento em detrimento de outras pessoas.

Eu, cronista

Nunca me considerei um jurista. Sou um estudioso, mas limitado. Seria uma pretensão descabida, uma vaidade injustificável. Nós não temos o direito de enganar a nós mesmos. Eu sei de mim. Por isso faço essa afirmação, que é muito mais uma constatação. Não sou inteligente! Tenho dificuldades de assimilar as coisas que leio, conquanto admita ter uma especial capacidade de discernimento. Me pego, muitas vezes, lendo o que já li como se fosse novidade. Daí se pode inferir a minha deficiência cognitiva. Não faço, por isso, muito bem o que me proponho. Mas faço com esforço. Os pouco inteligentes têm que ser, pelo menos, esforçados. Magistrados, sobretudo, além dos predicados morais, têm o dever de estudar; estudar muito, registro.Eu procuro fazê-lo, com regularidade, repito, por ter ciência das minhas limitações.

Dia desses, lendo comentários em determinado blog da cidade, deparei-me com o comentário de um leitor,elogiando o meu trabalho, dizendo, dentre outras coisas, que eu sou um jurista criminal da melhor qualidade. Li e fiquei pensando, preocupado, de como as pessoas criam fama, sem merecer a fama. Eu não mereço, definitivamente, o epiteto de jurista. Não sou jurista! Sou um ser voluntarioso, que procura, dentro de suas limitações, fazer bem o que for  possível.  Faço essas ponderações apenas para reiterar que o que gosto mesmo é da crônica. Eu adoraria mais ser respeitado como cronista que como jurista. Me fascina ver a vida passar só para sobre ela e sobre as coisas que se passam diante dela, poder refletir, dizer o que vi e o que senti. Eu estou sempre antenado com o mundo em minha volta. Eu estou sempre analisando, perscrutando, deduzindo, expondo as minhas reflexões acerca das coisas da  comunidade. Gosto disso! Eu um dia, se me for dada a oportunidade, ainda deixo de julgar para  fazer crônicas, apenas.

O óbvio que alguns não querem ver

themisNão há missão mais difícil do que a de julgar o semelhante. Quem julga um parecente  não pode, por exemplo,  estar mutilado emocionalmente. Para julgar – e julgar bem! – , o magistrado tem que estar em paz, tem que estar de bem com a vida; magistrado enfezado, mal-humorado, com ódio do mundo, em conflito com os valores morais, de conduta pessoal reprovável e com a mente em desarmonia, não pode julgar o seu semelhante; não tem condições emocionais de dizer o direito, de decidir uma demanda, por mais simples que seja, pois que, para esse fim, exige-se dele, magistrado, além do conhecimento, discernimento, tirocínio, equilíbrio e sensatez, que lhes falta nessas circunstâncias.

É por isso que digo que para ser um bom magistrado não basta passar num concurso público; não basta ostentar títulos, ter um curriculum invejável.  É preciso, além do estofo intelectual e moral, ser uma pessoa equilibrada,  sensata, ponderada, de fino trato, respeitosa, cordial; tem que, ademais, ser do tipo que confia nas instituições, que tem as suas ações, mesmo as pessoais, resolvidas civilizadamente,  sem se valer de expedientes escusos.

Para julgar um igual, repito, sem temer pela exaustão, é preciso estar em paz consigo mesmo, ter convicção nas coisas que faz, e, sobretudo, tem que ter introjetado dentro de si o sentimento do justo, do que seja equidade, e, principalmente, tem que ter em mira que as partes envolvidas no conflito são sujeitos de direito e que, apesar de eventual sucumbência, em face do direito material deduzido, ou mesmo que venha a ser condenado em face de uma imputação criminal, não perde a sua dignidade, valor-guia que deve nortear  as ações das instâncias persecutórias.

Na Antiguidade – como, infelizmente, nos dias atuais – a dignidade das pessoas era medida  pela sua posição social. É dizer, em  face desse visão deformada, a sociedade, infelizmente,  é composta, para o bem e para o mal,  de  pessoas mais ou menos dignas, o que é uma grave distorção.

A dignidade, tenho dito, em votos e em várias crônicas, não pode ser sequer renunciada, quando mais alienada, razão pela qual não se pode nem mesmo em pretensão de reconhecimento da dignidade de uma pessoa, pois que se trata de um atributo que lhe é inerente, que decorre de sua própria condição de ser humano.

Toda pessoa tem uma dignidade que lhe é inerente que, para ser reconhecida, não depende de nenhuma critério; a única condição é que se trate de ser humano. É por isso que todos os tratados internacionais, ainda que o seja à luz do positivismo jurídico, incorporam o valor dignidade da pessoa humana.

Nessa linha de pensar, consigno que a dignidade da pessoa não é um patrimônio individual, mas sobretudo um patrimônio social que deve ser preservado, que deve ser protegido pelo Estado, daí por que nenhuma autoridade, nem mesmo o magistrado, tem o direito de abespinhar o cidadão, malferindo-lhe a dignidade.

A dignidade, tenho dito sistematicamente, é valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, gozando, por isso mesmo, de inegável primazia na nossa arquitetura constitucional.

É de Guilherme de Souza Nucci o escólio: “nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade da pessoa, base sobre a qual todos os direitos e garantias individuais são erguidos e sustentados” ( Manual de Direito Penal Geral e Especial, p. 84, 7ª edição)

Espaço aberto

DIREITO DE DEFESA

Deixem em paz o princípio da presunção de inocência

Por Pierpaolo Cruz Bottini

“É mais fácil formular uma acusação que destruí-la, como é mais fácil abrir uma ferida que curá-la” (Faustin Helie, 1866).

Escrever sobre a presunção de inocência pareceria, a princípio, tarefa fácil, uma vez que a garantia é consagrada pela Constituição, sacramentada por diplomas internacionais e repetidas vezes destacada em decisões judiciais como elemento fundador de um Estado de Direito.

No entanto, é preciso sempre indicar a importância, os fundamentos dos princípios e regras, mesmo que consolidados, para resguardar sua existência. E com mais veemência quando observamos frequentes manifestações pela relativização da garantia em questão, apontando-a como causa da impunidade e da tibieza estatal no combate à criminalidade.

Por isso, inauguramos a coluna em 2013 com algumas reflexões sobre o tema, talvez mais em tom de desabafo — ou de angústia — do que de análise técnica.

Leia o inteiro teor do artigo aqui

Estado patrimonial

Sabe-se que, ao final da idade média, começou a se formar o modelo institucional do qual resultaria o Estado moderno, unificado e soberano dos dias presentes. Antes, no entanto, deve-se atentar para uma  fase intermediária, o chamado Estado patrimonial, que, em alguns países, teria sucedido o feudalismo. Nessa fórmula, também referida como Estado corporativo, de ordens ou estamental, ainda se confundia(?) amplamente o público e o privado, o imperium ( poder político) e o dominium ( direitos decorrentes da propriedade), a fazenda do príncipe e a fazenda pública (Luis Roberto Barroso,  Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2011).

Com o aprofundamento das ideias iluministas e racionalistas, o mesmo autor, na mesma obra, aduz que restaram retomadas a distinção entre o público e o privado, entre o patrimônio do príncipe e do Estado, separação que irá consumar-se, na avaliação do mesmo autor, com o advento do Estado Liberal.

Aqui da planície, vivendo e convivendo com outra realidade, não tenha essa mesma impressão.

O que vejo e sinto é que, a cada dia, sobretudo nas prefeituras municipais, é mais do que comum a confusão que suas excelências fazem entre o público e o privado.

E, atrevo-me a dizer, é uma prática generalizada, que, infelizmente, tem suas cifras negras. É dizer: a maior parte do que é desviado das prefeituras sequer chega ao conhecimento das autoridades, pelos mais diversos motivos, dentre os quais destaco o exemplar maquiamento das prestações de contas feito por experts.

 A verdade é que, na maioria das prefeituras municipais, sobretudo nos Estados mais pobres, como o Maranhão, onde a verba federal é canalizada em maior volume, em face do IDH muito baixo, a confusão que se estabelece entre o público e o privado desponta a olhos vistos.

Nesse sentido, consigno, como já fizera em outra oportunidade,  que, na Polícia federal, fruto dessa confusão que tantos malefícios tem causada a população mais pobre, há mais de três mil inquéritos instaurados para apurar o desvio de verbas públicas pelas prefeituras municipais.

O dado que estarrece é que o Maranhão, que é o estado mais miserável da República, é onde mais se desvia verba pública, razão pela qual é onde tramita o maior número de inquéritos policiais( 644 inquéritos) com a finalidade de apurar os desvios, seguido da Bahia(490), Ceará (296), Piauí(285), Pará(196) e Pernambuco(194).

O CNJ e a Justiça

“CNJ veio para mudar a Justiça brasileira”

 Gláucio Dettmar/ Agência CNJ

“CNJ veio para mudar a Justiça brasileira”

O ministro Carlos Alberto Reis de Paula, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vai deixar o cargo de conselheiro em março quando assumirá a presidência do TST. No CNJ, ele preside a Comissão de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento cujo desafio é convencer os magistrados da importância do planejamento na administração dos tribunais. Para ele, a gestão estratégica é fundamental para “mudar a Justiça” e tornar a prestação jurisdicional mais eficiente. Em entrevista à Agência CNJ de Notícias, o ministro elencou os passos necessários para que os tribunais desenvolvam uma gestão profissional de seus recursos. Veja os principais trechos da entrevista.

Qual a importância da gestão estratégica para os tribunais?

Eu não me canso de dizer que o CNJ veio para mudar a Justiça brasileira. Um dos maiores fenômenos atuantes nessa mudança é colocar para os 90 tribunais do País que não se administra sem planejamento. A gestão tem de envolver o planejamento estratégico, que tem várias nuanças. Quem estuda administração, sobretudo administração pública, sabe que temos de fazer diagnósticos e, a partir destes, estabelecer objetivos, fixar os meios e fazer o acompanhamento para saber se estamos ou não caminhando em direção aos objetivos. Isso é de extraordinária importância. Para a gestão estratégica é preciso usar estatísticas, números valiosos, porque a partir daí você pode estabelecer as metas. Como mexemos com dinheiro público, tem de haver orçamento.

Os tribunais brasileiros já estão conscientes quanto à importância do planejamento e da gestão?

Temos de fazer uma diferenciação, porque há a Justiça Federal e a Estadual. Quando digo Justiça Federal, digo a Justiça Federal, a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral, os tribunais superiores e o Supremo Tribunal Federal, que está fora da jurisdição do CNJ. Em relação à Federal, temos o orçamento federal e a presença do CNJ fica mais fácil; já a Estadual vai depender de cada estado. O que temos de fazer é estabelecer rumos para o planejamento estratégico que se articulem com o governo estadual.

Fala-se que o juiz não é administrador, mas tem de administrar, principalmente quando assume a presidência de um tribunal. Isso está mudando?

O juiz não é administrador. Na prova para ingresso na magistratura não se exige conhecimento de administração. Mas o juiz tem de se qualificar para ser um administrador. A nossa Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho (Enamat) realiza cursos visando à formação, ao aprendizado daqueles que vão assumir a administração dos tribunais do Trabalho. Nós temos de viver o Brasil novo. O administrador tem de conhecer um pouco de administração, tem de ter formação, tem de entender de orçamento, tem de entender de empenho, de licitação, de gestão de pessoas. Não precisa ser especialista, mas ele dirige o trabalho, então tem de entender.

Há quanto tempo a Enamat promove esses cursos?

Desde que fui diretor da Enamat, em 2007, realizamos cursos de formação para aqueles que vão se tornar administradores de cada segmento do Poder Judiciário. No quadro de disciplinas que temos na escola, temos disciplina sobre administração das varas. O juiz substituto tem de entender como se administra uma vara, porque o juiz presidente da vara administra uma vara. As escolas federais foram criadas com a Emenda Constitucional n. 45, de 2004. Por orientação do CNJ, todos os tribunais estaduais devem ter escolas para formação e aperfeiçoamento dos magistrados. Vários as têm. A partir da Emenda n. 45, o juiz tem o dever de se formar e aperfeiçoar, não só no estágio probatório, mas durante todo período em que exercer a função jurisdicional. A sociedade tem o direito de cobrar a formação e o aperfeiçoamento do magistrado.

A comissão que o senhor preside no CNJ tem também atribuições relacionadas ao orçamento, que costuma ser um problema para os tribunais. Como o CNJ pode ajudar os tribunais a negociar melhor seus orçamentos?

Orçamento existe por se tratar de dinheiro público. Só posso gastar dentro da previsão orçamentária. Não posso gastar dinheiro de pessoal para comprar móveis, construir prédios. O orçamento no Brasil, na minha ótica, tem grave pecado: tirando algumas vinculações, como saúde e educação, há questão fundamental: o nosso orçamento não é vinculativo, é programático. Por exemplo, o orçamento pode prever que o governo tem de construir três milhões de casas, mas pode ser que não aplique nada, porque o orçamento é autorizativo. Os tribunais estaduais dependem das assembleias legislativas. O Orçamento da União deste ano, quando encaminhado pelo Supremo Tribunal Federal ao Executivo, previa reajuste de quase 8% para os magistrados no próximo ano. A presidenta da República o encaminhou ao Congresso com a ressalva de que daria só 5%, mas o Legislativo tem a palavra final e vai aprovar 5%. O problema é que orçamento é uma obra política. Então, depende da cabeça de cada Poder, se o Poder valoriza, ou não, o Judiciário. Aí está a resposta nos problemas enfrentados pelos 26 tribunais de Justiça dos estados.

Há vários anos o Judiciário Federal pede aumento de salário. O senhor acha possível conseguir melhorar os salários?

Não vai conseguir. Nós estamos sem aumento de salário há seis anos. O governo está propondo um reajuste e está nos tratando como se fôssemos servidores públicos. Está dando 5%, mesmo índice concedido aos servidores públicos federais. Nós estamos há seis anos sem reajuste, nossa defasagem chega a vinte e tantos por cento. O governo não vai dar aumento, vai dar reajuste. Mas isso é também obra de política, sob a coordenação do presidente do CNJ, também presidente do Supremo, mas a atuação de natureza política é feita na condição de presidente do CNJ.

O CNJ deveria, então, assumir a articulação política?

Deveria fazer. Nós criamos uma Comissão Permanente de Articulação Federativa e Parlamentar, presidida pelo conselheiro Bruno Dantas, da qual eu faço parte. Essa articulação também não visa ao aumento da dotação orçamentária. A questão de orçamento é do presidente do CNJ, com apoio e respaldo dos conselheiros. Isso é questão institucional, não é da comissão.

Em março o senhor assume a Presidência do TST. A experiência no CNJ vai ajudar de alguma forma o seu trabalho como presidente?

Sou professor da UnB (Universidade de Brasília) e me aposentei no dia 3 de dezembro. Vou me desligar do CNJ no dia seguinte à minha posse no TST, que será em 5 de março, porque terei na presidência do TST mandato de dois anos, mas só cumprirei por pouco mais de 11 meses (por causa aposentadoria compulsória aos 70 anos). Qual foi a importância do CNJ? Eu sou um homem abençoado: fui diretor da escola, após fui corregedor-geral da Justiça do Trabalho, cresci como juiz, conheci a Justiça do Trabalho brasileira na atuação correicional, para ajudar os tribunais a ter gestão. Fui para o CNJ e convivi com 14 colegas da mais alta qualidade técnica e profissional e seriedade, sobretudo nos compromissos constitucionais. Conheço um pouco da Justiça brasileira em todos os seus segmentos. É um privilégio. Conheci muito, mas tenho ainda muito a aprender na minha vida.

O presidente do TST é também presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Há impedimento à sua continuidade no CNJ?

Por questão regimental, o conselho é presidido pelo presidente do TST. O Conselho Superior da Justiça do Trabalho é um CNJ em miniatura, só que não tem poderes correicionais. O corregedor que temos aqui integra o quadro do tribunal. Não há impedimento legal a que o presidente do tribunal continue no cargo de conselheiro, mas há inviabilidade prática. Usando uma linguagem que as pessoas conhecem, eu não gosto de fazer nada à meia boca. Eu não conseguirei ser presidente do TST, cargo que pretendo exercer 24 horas por dia, com o mandato de conselheiro do CNJ. O conselho me absorve muito: presido uma comissão e participo de outras duas, tenho de atender a advogados e partes, tenho de acompanhar processo, não temos recesso, continuo levando o computador para casa. Não há no meu gabinete um processo atrasado. Não consigo manter isso sendo presidente do tribunal. O presidente do TST é coordenador da Justiça do Trabalho como presidente do conselho. Vou coordenar 24 tribunais regionais; incluindo os terceirizados, são quatro mil servidores só aqui em Brasília.

Gilson Luiz Euzébio
Agência CNJ de Notícias

 

Insucesso não penalizado

Derrota não gera dever de advogado de indenizar cliente

Por Jomar Martins

O advogado não pode ser responsabilizado pelo insucesso da causa, já que seu compromisso é de defendê-la com zelo, e não de ganhá-la. Logo, somente a comprovação de que agiu com dolo ou culpa grave no curso do processo poderia gerar responsabilização. Esse foi o entendimento da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao manter sentença que indeferiu Ação Indenizatória por Responsabilidade Regressiva movida por uma empresa contra dois advogados na comarca de Porto Alegre.

Para a Justiça, os profissionais não concorreram para o insucesso da demanda contra o cliente que atendiam, já que este não mostrou interesse em recorrer de uma sentença desfavorável na Justiça do Trabalho. Além disso, não houve prova de que o cliente entregou documentos para juntada nos autos, nem de que a conduta dos profissionais tenha sido reprovável, seja por falta de zelo, técnica ou diligência.

A relatora da Apelação na corte, desembargadora Ana Maria Nedel Scalzilli, disse que, além de provar que os profissionais agiram com desídia, a empresa teria que comprovar que possuía chances reais de sair vitoriosa na demanda, se os procuradores tivessem praticado os atos processuais essenciais para o êxito.

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