Somos informados, com muita frequência, de presos provisórios esquecidos no cárcere, sem julgamento em tempo razoável, numa afronta, a toda evidência, do princípio da dignidade da pessoa humana.
O fato se dá, mais ou menos, assim: o magistrado decreta a prisão de um determinado acusado – normalmente um desvalido -, para, depois, em face das incontáveis demandas, “esquecer” do processo, por tempo, às vezes, considerável.
Não se trata, importa consignar, de descaso; essa situação decorre dos inúmeros afazeres de um magistrado. Lembro, a propósito, que, ao tempo em que julgava em primeira instância, muitas vezes havia mais de cem réus presos, cujos processos exigiam de mim dedicação integral. Ainda assim, mesmo me dedicando full time, ocorreu, algumas vezes, de me deparar com réus presos, cujos processos estavam parados.
Inspirado na legislação portuguesa, o Senado Federal, ao tempo da tramitação do Projeto 4.208/2001, do qual resultou a Lei 12.403/2011, tentou a inclusão de um dispositivo determinando que o juiz ou tribunal que decretou a prisão ou manteve a medida cautelar, inclusive a prisão preventiva, a reexaminasse, obrigatoriamente, a cada 60 dias, para avaliar se persistiam os motivos que a ensejaram.
Sabe-se, no entanto, que antes da aprovação do projeto, o dispositivo em comento foi excluído, sob o argumento de que traria sobrecarga aos magistrados e de que, ademais, o ônus de provocar a revisão seria da defesa.
A sensação que tenho, diante de tais argumentos, é de que os nossos legisladores vivem no mundo da lua.
Convenhamos, se a persecução criminal, como sabido, se destina apenas – salvo uma ou outra exceção – aos miseráveis, os quais, de regra, não têm condições de constituir advogados, e não contam, noutro giro, com defensores públicos (onde há defensoria, claro) em número suficiente para garantir uma assistência mínima, como deixar ao talante da defesa o pedido de revisão, que, sabe-se, não será formulado?
A meu sentir, o ideal mesmo era que aos magistrados fossem obrigados, ex vi legis, a rever as medidas, de ofício, num determinado prazo, ainda que tal incumbência contribuisse para o retardo de outros julgamentos, pois não vejo, numa primeira análise, nenhuma afronta ao sistema acusatório, a considerar que a nossa Lei Instrumental está permeada de dispositivos que destoam do sistema em comento.
Ainda que não exista dispositivo impondo ao magistrado revisar as medidas cautelares, num prazo razoável, entendo que deve fazê-lo, em face mesmo dos efeitos do cárcere, máxime quando se trata de prisão provisória, ou seja, sem que o acusado tenha sido julgado em caráter definitivo.
Compreendo que, nesse mister, agiria bem o Ministério Público se, de seu lado, também emprestasse o seu labor no mesmo sentido, sabido que, de rigor, tem muito mais tempo e condições de exercer esse tipo de fiscalização que o magistrado.
Entendo, nessa linha de pensar, que o representante ministerial poderia, sim, sobretudo no período vespertino, no qual, de regra, não se realizam audiências, fazer incursões junto às secretarias judiciais, para, uma vez constatado o excesso, postular ao juiz o imediato relaxamento de prisão do acusado.
Fruto de minha experiência, posso afirmar, na certeza de não estar equivocado, que o Ministério Público tem, sim, condições de fazer esse tipo de fiscalização.
O que não é concebível é que as prisões se protraiam no tempo, sem que o Ministério Público e o juiz condutor do feito se dignem a reparar o constrangimento ilegal, no aguardo da manifestação da defesa que, sabe-se, dificilmente virá, pelas razões antes consignadas.
A prisão cautelar, todos sabemos, é marcada pela excepcionalidade – e é situacional -, razão pela qual deve ser, sim, periodicamente, avaliada, pouco importando os outros afazeres do magistrados e do próprio Ministério Público, este agindo, nesse caso, na condição de custos legis.
Compreendo que essa seria uma boa providência a ser implementada no âmbito das Corregedorias de Justiça.
O corregedor que implementar medida nesse sentido – quiçá pela via de provimento – prestará inestimável contribuição a reparação das prisões ilegais .