Abaixo, a exortação que fiz, por ocasião da cerimônia de casamentos dos sobrinhos Luciana Almeida e Bruno Benatti.
“Quando fui convidado para fazer a presente exortação, pensei com meus botões, sem me deter, por pura displicência, na verdadeira essência da oração. Pensei: que barbada! Falar de e sobre Luciana é mão na roda, como diz o provérbio popular. Falar sobre casamento, família, filhos e tudo o mais que envolva união a dois sob o mesmo teto é outra barbada. Nessas questões eu sempre tirei de letra. Afinal, são trinta anos de convivência com a mesma pessoa, depois de enfrentar, com ela, as mais difíceis situações que uma vida a dois proporciona, a desafiar, às vezes de modo inclemente, o amor que um dia nos uniu.
E Luciana? Bem, Luciana é rainha, é exemplo, é luz, é brilho, é sensatez, é paciência, tolerância – seu olhar, seus gestos, sua lucidez transmitem paz. É filha pródiga da natureza. Ela, para os meus olhos, e de muitos, é única, espécime quase perfeitamente acabada, espécie escolhida, esculpida pela natureza, um presente dos céus – e linda, singularmente linda. Como enfrentar dificuldade para refletir sobre algo que envolva alguém com tantos predicados, com tantos atributos?
Eu que já escrevi sobre inveja, vaidade, violência, intolerância, sordidez, criminalidade, impaciência, vingança, perfídia, bandalhas, iniquidades, tolices, avareza, mãe, pai, amor, falta de escrúpulos, abuso de poder, etc, não poderia mesmo enfrentar dificuldades para compor uma oração cujo personagem central seria Luciana e suas bodas.
Bem. Mas havia um detalhe elementar que não podia ser deslembrado: Luciana não estava contraindo núpcias consigo mesma, mesmo porque não há duas Luciana Salles Branco de Almeida. Pensei, então: Luciana vai convolar núpcias com um cidadão nominado Bruno Benatti, paulista de quatro custados, a quem conheceu – e por quem se apaixonou – em solo distante do seu torrão natal, mas tão brasileiro quanto.
Parei, agora, pra pensar, com mais detença, no já há algum tempo estimado, cativante e querido Bruno.
Conhecendo-o tão pouco, porque pouca é a nossa convivência, não tive, contraditoriamente, nenhuma dificuldade de encontrar, no agora paulista/maranhense – e brasileiro, acima de tudo – Bruno, muitos dos atributos, das qualidades da nossa amada Luciana.
Bruno, pude analisar e concluir, com o meu faro aguçado para analisar pessoas, pela experiência e pela convivência que tenho com o ser humano dos mais diferentes matizes, também é belo e tem uma alma igualmente bela. É o par perfeito – ou, moderando o exagero, quase perfeito. É generoso, solidário e, como sói ocorrer, gregário. Sabe, tem demonstrado que sabe, o que é viver em família; e saberá viver para a família; família que construirá com sua amada esposa Luciana.
Bruno, da mesma forma que Luciana, e me perdoem o aparente exagero, é espécie escolhida, daquelas que fazem as pessoas que lhes amam parecer tolas. É cria pra ser lambida. É cria que se educa e entrega para fazer bonito pelo mundo a fora.
Bruno é um alvo fácil de encômios. Dispensa maiores comentários. Tem tudo para compor uma bela família, como se fora uma bela sinfonia, a embalar uma linda história de amor.
Bruno, a exemplo de Luciana, apesar de forjado, construído em outra sociedade, em tudo diferente da nossa, aqui encontrou a extensão de sua casa e, agora, já nos pertence também, já faz parte da nossa vida. Juliano e Rita de Cássia, de algum tempo, se acostumaram a dividi-lo conosco. E, o que é mais importante, não tem vício de fabricação, não tem defeito de fábrica, dispensa recall. Foi criado e educado no seio de uma família em tudo semelhante à família de Luciana. Os dois, Luciana e Bruno, não terão, por isso, dificuldades de adaptação. É o que espero, é o que esperamos.
Mas, para tornar a relação sólida, prazerosa e definitiva, haverão de ter em mente algumas regrinhas básicas sobre as quais vou refletir mais adiante.
Nós, todos nós, estimado Bruno, temos muito orgulho e a melhor expectativa ao recebê-lo entre nós, de tê-lo como partícipe das nossas moderadas tertúlias, de vê-lo, definitivamente, como membro da nossa confraria. Aliás, para nós, você de há muito faz parte da nossa família. Você, hoje, apenas oficializa essa condição.
Conquanto reconheça nos dois todos os predicados que acima enumerei, não exaustivamente, sinto-me no dever de, nessa hora, adverti-los, como o fazem os pais, os amigos mais próximos, movido pela mais nobre intenção, de que a vida em comum exige muito mais de nós do que somos, às vezes, capazes de imaginar.
Os nossos predicados, as nossas virtudes, solitários, são uma coisa; os mesmos predicados, as mesmas virtudes, numa relação a dois, sem a observância de algumas regras de convivência, podem nada significar, podem, até, ser deletérios, causa de desarmonia.
Digo-lhes, pois, a guisa de contribuição e aconselhamento, objetivo principal desta exortação, que, na vivência e convivência diária, é preciso semear, edificar, fincar as bases da relação, com sofreguidão mesmo, tendo por norte, seguindo a trilha, empunhando sob as mãos, como se fora um amuleto a proteger contra a má-sorte, uma palavra mágica chamada tolerância .
Os intolerantes não edificam. Os intolerantes não constroem uma vida a dois sem graves turbulências; turbulências que podem levar ao desenlace.
Os intolerantes fincam as escoras da relação em bases frágeis, por isso ela desmorona. Ela só sobrevive ao primeiro verão. Talvez não sobreviva ao primeiro verão, à primeira borrasca. É como se a relação fosse construída sobre um castelo de areia, como se fora um tapete de neve que uma rajada de vento destrói. Tolerância, pois, estimados Bruno e Luciana. Muita tolerância. Só os tolos, os brutos e insensatos são incapazes de conjugar esse verbo.
Bruno e Luciana, o amor vale muito. O amor ainda é o mais flamejante, o mais candente, o mais nobre, o mais forte, o mais significativo dos sentimentos. É por isso que se diz, sem muita criatividade, na balada do mais manjado dos clichês: que só o amor constrói. Todavia, sozinho, a meu sentir, não constrói. É por isso que me aventura nessas reflexões.
A vida a dois não se sustentará, tenho certeza, ainda que o amor seja extremado, sem que cultivemos, sem que semeemos, sem que atentemos para o real significado de outra palavra mágica, de significado extremo numa relação, chamada paciência.
Cultivem a paciência, todos os dias, como se fora um hábito matinal, como se fosse uma necessidade física. Pratiquem , na convivência diária, o ouvir, o dar valor ao que o parceiro tem a dizer, ainda que não seja o que você deseja ouvir. Ouça, todavia. Pratique o exercício da paciência. Se assim o fizeres, navegarás em águas calmas. Deixem as turbulências das águas para quem não tem a capacidade de resistir a uma adversidade.
Tolerância e paciência, imbricadas, formam uma porção mágica na relação a dois. E se tem a lhes emprestar o conforto do amor, aí constrói-se tudo –ou quase tudo.
Os intolerantes e os impacientes são marcadamente infelizes.
Outra palavra de extrema magia que deve estar presente nada vida de quem quer construir uma relação a dois, sólida e definitiva, é solidariedade. E a solidariedade é sentimento que deve se mostrar por inteiro e com mais eficácia na dor, nos momentos mais difíceis. Solidariedade na festa, na pachorra e na saúde é moleza. A solidariedade que constrói é a solidariedade que se manifesta na adversidade, no infortúnio, no aborrecimento, na dor, na borrasca.
Mas paciência, tolerância e solidariedade, isoladamente, podem não significar a estabilização de uma relação a dois. É preciso mais. Muito mais.
Diante de uma desventura, de um estresse, de uma desatenção, de uma provocação, de uma agressão sem propósito, que decerto virá, em face da nossa condição de seres imperfeitos, saber calar.
O silêncio, muitas vezes – olha outro belo clichê – vale mais que as palavras.
Às vezes, diante de determinadas circunstâncias, é preferível o monólogo que o diálogo, ouvir que falar – calar e consentir, ainda que seja para, só depois, manifestar a discordância.
Temos que ter a capacidade de não falar quando somos impulsionados por alguma emoção. As palavras, ditas ao sabor das circunstâncias, ao sabor da emoção, podem destruir uma relação.
Numa vida a dois, digo, noutro giro, não se deve disputar poder ou a prevalência das nossas idéias. Essa é outra, digamos, norma de conduta de quem pretende construir um relação duradoura. Nenhuma relação se estabiliza com disputa de espaço, a qualquer custo, de qualquer sorte. A disputa, no sentido menor da palavra, não edifica.
Numa relação a dois nem tem contendores, não tem vencedores. Vencemos e perdemos juntos. Só o amor deve vencer sempre. Ele, o amor, deve preponderar sobre todas as coisas.
A alegria, a felicidade, os prazeres, as conquistas da pessoa que amamos, são as nossas conquistas, são a nossa felicidade.
É assim, com esse espírito, que se constrói uma relação que se prolonga no tempo. E se, com a observância dessas regras, ainda existe o amor, aí a relação é definitiva, imorredoura, para sempre.
É preciso, na construção de uma vida a dois, valorizar os detalhes da relação. Mas detalhes que sirvam para solidificar a relação, nunca para desunir, separar.
Bruno, Luciana, uma última reflexão.
Vivemos uma quadra difícil. Às vezes fico pensando que não há mais jeito. Às vezes sinto que estou perdendo a esperança. O mundo lá fora está cada dia mais inclemente. É por isso que, para mim, a família é a única salvação.
A nossa casa, palco onde desfilamos os nossos sentimentos mais profundos, deve ser sublimada, pois que é o nosso canto, o nosso abrigo, o nosso refúgio – o nosso tudo.
Para mim, sair para o trabalho só é relevante, só tem importância porque me possibilita voltar para casa.
Partilhar, compartilhar, ceder, conceder, ouvir, dizer na hora certa, calar, perscrutar, apoiar nas horas difíceis, ter paciência, ser solidário e tolerante são os ingredientes de uma relação saudável.
A família não é algo que nos é dado de uma vez por todas, mas nos é dada como uma semente que necessita de cuidados constantes para crescer e desenvolver-se.
Quando casamos, sabemos que, entre outras coisas, temos essa semente que pode germinar e um dia dar fruto: ser uma família de verdade.
Devemos, portanto, estar conscientes de que é preciso trabalhá-la e cultivá-la sempre, constantemente, e com muito amor.
A família transcende a qualquer partido político, sociedade, associação ou a qualquer outro gênero de agrupamento humano: porque ela, diferente de todas as outras, é constituída por relações de amor! Na origem de tudo, há um amor conjugal que chama a vida a participar desse amor.
Bruno e Luciana, o amor lhes uniu e lhes chamou à construção de uma família. Agora, é viver o amor intensamente, na certeza de que, em nome desse amor – e por esse amor – vocês darão significativa contribuição para construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Em meu nome e da minha família e dos presentes a esse ato, desejamos-lhe toda a sorte do mundo.
E que sejam felizes, cultivando o amor e cativando um ao outros todos os dias, todas as horas, em quaisquer circunstâncias.”