OS SONHOS NÃO ENVELHECEM

Os que me veem envolvido e determinado à frente da Corregedoria-Geral de Justiça se indagam – e indagam a mim – onde encontro estímulos, força de vontade e determinação para, quase quarenta anos depois de ter ingressado na magistratura, continuar lutando com a mesma determinação, apesar de todas as frustrações, de todas as dificuldades pelas quais passamos para o desempenho do nosso desiderato, na medida em que temos problemas estruturais, de todos conhecidos e quase insuperáveis, apesar dos avanços que temos testemunhado, fruto das sucessivas e exitosas administrações do Poder Judiciário do Estado do Maranhão.

Os que estão no meu entorno, ademais, se surpreendem com a minha inquietação na busca de caminhos que possam nos levar à entrega mais rápida do provimento jurisdicional, de cuja inquietação nasceram os projetos Juiz Extraordinário, Analista Extraordinário, Secretaria Extraordinária, Oficial de Justiça Extraordinário e Processo em Movimento, pensados para minimizar as nossas reconhecidas deficiências e, por consequência, alcançar melhores índices de produtividade, do que resultará, como almejo para esses dois anos à frente da Corregedoria-Geral de Justiça, a produtividade extraordinária que todos queremos e sonhamos.

Apesar de desalentado, algumas vezes, com as dificuldades que impedem os nossos magistrados de alcançarem a produtividade que a sociedade espera do Poder Judiciário, persisto – persistimos todos, afinal – na mesma faina, sem perder a esperança, que, afinal, no arsenal das desgraças colocadas pelos deuses na caixa de Pandora (metáfora invocada para ilustrar) nela foi mantida, para o nosso alento e para que nunca percamos a fé diante dos infortúnios que a vida nos reserva.

A propósito e para os que ainda se surpreendem com a minha determinação, já caminhando para deixar a ribalta, tenho verbalizado, nas minhas diversas manifestações, que os sonhos não envelhecem, que a minha determinação segue inabalada, que sou movido pela esperança, crendo, sinceramente, que, com determinação, criatividade e boa vontade é possível fazer muito mais do que temos feito, e os números que temos alcançado estão aí para provar que tenho razão.

Na linha de compreensão que todos temos de que os sonhos envelhecem, destaco que Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo, atualmente Deputada Federal, política nordestina de conduta exemplar, ao completar 90 anos, disse, sem perder a fé, que a idade não tem peso para ela, que isso não a incomoda e que ainda vive pelo compromisso com a mudança. Disse, ademais, com especial sabedoria, que a esperança é revolucionária, para, adiante, arrematar, definitiva: “O sonho não cabe numa vida. Você parte e ele continua com as novas gerações”.

Aos setenta e um anos de idade, nos estertores da minha trajetória profissional, já tendo vivido mais do que me resta para viver, também sou movido pela esperança, pela fé inabalável que tenho de que, com um pouco mais de boa vontade e de determinação, podemos fazer muito mais, daí que, assim como a exemplar política nordestina, vou continuar lutando, tentando fazer o melhor que minha capacidade cognitiva me permite fazer, pois que é imorredoura em mim a minha crença de que dias melhores virão, ciente de que todos nós podemos ser melhores do que somos, seja na dor, seja no amor, como diz a conhecida canção popular.

É isso.

CARISMA E FASCINIO

Não se há de negar que há pessoas que, naturalmente, exercem fascínio sobre as outras, sem que compreendamos por que isso acontece. Há outras tantas que, sem nenhuma capacidade de atração, passam pela vida da gente sem que fixemos em nossa mente qualquer dado relevante da sua personalidade. Essas, algumas vezes exercendo cargos públicos de alta visibilidade, simplesmente são do tipo que “nem fede e nem cheira”.

Quem viveu os tempos idos que vivi testemunhou, por exemplo, o fascínio que Roberto Carlos exerceu – e exerce – nas multidões. Jovens de todas as classes sociais, com efeito – muitas das quais lhe seguem até os dias atuais com o mesmo entusiamo -, se descontrolavam com a simples aparição dele na televisão nas tardes de domingo, sendo sua apresentação a que causava maior frisson, a ponto de obscurecer a participação de tantos outros ídolos, para os quais restavam apenas as migalhas das atenções voltadas para o ídolo, coroado “Rei” de uma geração inteira, embalada e sensibilizada pelas suas canções, nas quais fala de amor como ninguém foi capaz de fazê-lo.

Muitos são os que se aventuram ao protagonismo nas mais diversas áreas, mas somente uns poucos exercem fascínio e carisma sobre as pessoas do seu entorno, muitas vezes de modo tão arrebatador que podem se tornar um perigo em face das pregações que fazem, da liderança que exercem, cujos exemplos mais cintilantes desse fascínio nefando, e que me vem agora à lembrança, foram Hitler e Mussolini.

Na vida pessoal, como acima antecipado, também é assim. Nos ambientes familiares há sempre uma pessoa que, pelo seu carisma e pelo seu fascínio, se torna o alvo das atenções, para a qual dispensamos especial atenção à fala, as suas ponderações e posições.

Para citar um exemplo mais distante, para não mencionar, por prudência, qualquer homem público dos dias presentes, ficou registrado na história o fascínio exercido por Osvaldo Aranha, sedução atestada em quase todos os relatos dos que com ele conviveram.

Osvaldo Aranha era quase uma unanimidade quanto ao seu carisma e encanto pessoais, reconhecidos, inclusive, pelos seus desafetos e por observadores mais severos de sua personalidade. Carlos Lacerda, a propósito, disse, certa feita: “Conversar com esse homem que fazia do charme um ponto de honra era um privilégio e um encanto”. Jânio Quadros, de seu lado, dizia: “Quem não quiser admirá-lo que evite conhecê-lo”. João Goulart: “Um verdadeiro colecionador de amigos e admiradores”.E por aí vão as manifestações em face do encanto, do poder de atração e do carisma de Osvaldo Aranha.

Diante dessa constatação, que poderia ser ilustrada com vários outros exemplos de pessoas igualmente fascinantes, a pergunta que importa para essas reflexões é por que umas pessoas são tão fascinantes e encantadoras e outras, tão boas quanto, tão bonitas quanto, tão elegantes quanto, não exerce a mesma sensação de deslumbramento?

Ninguém tem resposta para essa indagação, pois o carisma é inato. Quem é carismático nasce carismático.

Importa, a propósito, persistir indagando.

O que devem fazer os que, como eu, nascem sem nenhum poder de sedução?

De minha parte tento, pelo menos, quase sempre embalde, ser minimamente simpático, ainda que tenha consciência de que os que, como eu, nasceram casmurro, não seja uma tarefa fácil.

É isso.

A VIRTUDE PODE SER ENSINADA?

Respondendo à indagação, entendo que sim.

Adiante, as razões desse entendimento, sob uma perspectiva filosófica.

Pois bem. Sócrates, tido como os mais sábios dos homens, entendia que a virtude, assim como o conhecimento, pode ser ensinada – e, no mais das vezes, assimilada; e a prática de vida está aí mesmo para provar que o filósofo tinha razão, bastando a constatação de que as famílias virtuosas tendem a perpetuar o sentido da virtude por gerações.

Sócrates ia além, a propósito. Ele também ensinava que o controle sobre os próprios impulsos e desejos é crucial para uma vida virtuosa, no que também está certo, na medida em que, constatamos todos os dias, não são poucos os que, por impulso, e, noutro giro, em face de desejos incontidos/inconfessáveis, se afastam de uma vida virtuosa, que significa, numa compreensão bíblica, uma vida honrada e honesta.

É do mesmo filósofo a conclusão de que a virtude leva a uma vida de integridade e sabedoria, disso inferindo-se a relevância da indagação/título dessas reflexões, cuja resposta, creio, resulta de uma obviedade, ou seja, de que a virtude se aprende, sim.

Importa dizer, ademais, que a virtude, além da possibilidade de ser aprendida na convivência diária, deve, outrossim, funcionar como uma bússola interna, ou seja, como um guia para cada indivíduo em suas decisões diárias e nas suas relações com o semelhante, o que, nada obstante, não se tem observado, daí a constatação da existência dos conflitos que testemunhamos, nos seus mais variados matizes, no dia a dia, quer nas relações familiares, quer nas relações profissionais.

A virtude, como o conhecimento, exige, importa reconhecer, autoconhecimento e muita reflexão, pois que, só assim, o indivíduo poderá compreender os valores e princípios que norteiam uma vida que sempre se espera permeada de valores morais, que são os princípios que orientam, verdadeiramente, a conduta das pessoas em sociedade, os quais se revelam na oposição do bem em face do mal, e do correto em oposição ao errado.

Tenho entendido, a propósito do tema sob retina, que o ser humano, para cultivar a virtude, deverá, todos os dias e sempre, buscar uma imersão interior, ou seja, questionar, ponderar, refletir, intensamente, sofregamente, sobre a sua conduta e o seu comportamento ante as questões morais – altruísmo, honestidade, liberdade, igualdade, lealdade, tolerância – para, definitivamente, encontrar o caminho iluminado da virtude.

É preciso consignar que, nessa linha de pensar, nós nunca estaremos sozinhos, e que, como seres sociais, nunca deixaremos de ser influenciados, às vezes profundamente, pelas pessoas que estão em nosso entorno, daí, repito, a relevância da família, onde podem vicejar as virtudes que nos levem a sublimar os valores morais.

Diante dessa constatação, é forçoso, imperativo mesmo que construamos uma rede de relacionamentos virtuosa e saudável, do tipo que sublime justiça, equidade e respeito pelo semelhante.

É isso.

A ÁGUIA E O CORVO

A águia (nome popular dado a diferentes espécies de aves de rapina que se destacam por serem eficientes na captura de suas presas) tem pouquíssimos inimigos; um deles é o corvo (ave da família dos corvídeos, normalmente caracterizada por sua plumagem escura, popularmente interpretado como o sinal místico de mau presságio).

Para atacar a águia, o corvo se põe entre as suas asas, próximo à sua cabeça, quando ela está em pleno voo. Nessa privilegiada posição, é impossível a águia se defender dos ataques, mantendo-se o corvo infenso a qualquer reação, pondo-se a bicar-lhe a cabeça, incessantemente.

O que faz então a águia para se defender, diante dessa situação desfavorável? Desce ao chão para tentar se safar das bicadas? Ou permanece voando se submetendo às inclementes agressões?

Nem uma coisa e nem outra.

A águia, em sua defesa, sobe até uma altura que possa submeter o corvo à carência de oxigênio. Sem oxigênio, o corvo sucumbe e águia retorna a situação que lhe permita seguir em frente, livre das agressões.

Essa história serve como uma lição de vida para o enfrentamento das nossas dificuldades. É dizer, quando você se sentir atacado em pleno voo, nas mais diferentes situações da vida, você só tem duas alternativas: ou desce, se fragiliza, sucumbe, assume a derrota, ou sobe, altivo, definitivo e determinado, para, das alturas, com dignidade, com nobreza, vencer os adversários e as adversidades, infligindo derrotas aos inimigos, para, depois, seguir sua jornada. O pior a fazer é deixar tudo como está, permanecer inerte, não reagir.

Tenho tentado agir assim. Mas reconheço, nada obstante, que, às vezes, atacado pelos corvos (recutis: desafetos), tenho dificuldade de levá-los às alturas para tirar-lhes o fôlego, para, de consequência, derrotá-los. Ao reverso, reconheço, desalentado, que, muitas vezes, diferente da águia, me deixo abater em pleno voo, tamanha a minha fragilidade emocional diante dos reveses da vida, máxime os que vêm em detrimento da minha história – pessoal ou profissional.

É que, diante das adversidades, diante dos problemas da vida, eu simplesmente fico a remoer os pensamentos, fico a me martirizar, penso sempre no pior, faço projeções negativas, alimento a minha vida de maus pensamentos, incapaz que sou de enfrentar as intempéries da vida, conquanto saiba inevitável no mundo marginal em que vivemos, onde parcela significativa e perniciosa vive de maldades, perfídias, maquinações, de desprezo pela paz interior do semelhante.

Epiteto (filósofo grego estoico que viveu a maior parte de sua vida em Roma como escravo, nascido em Hierápolis, Turquia, falecendo em 135 d.C., em Nicópolis, Grécia) concluiu pela inevitabilidade de a vida nos esmagar, pouco importando quem somos. Diante do inevitável, deixou como legado, para o seu enfrentamento, três lições que destaco a seguir:

Lição I: Você não controla quase nada na vida;

Lição II: A única coisa que você controla é a sua mente; e

Lição III: O desejo te faz prisioneiro, por isso não deseje nada.

Importa para essas reflexões a segunda lição.

A propósito, nas minhas palestras tenho tentado me apresentar como um estoico. Mas vejo que, diferente de um estoico, eu não tenho nenhum controle sobre a minha mente, sobre os meus pensamentos, o que contrasta, ademais, com a visão de Marco Aurélio (ex-imperador romano, integrante da corrente estoicista) que ensinava que a virtude do homem é a aceitação das circunstâncias que não podem ser controladas, e que a qualidade dos seus pensamentos faz a diferença, na esteira do que ensinava Epiteto.

Pois bem. Eu nem sou de aceitar, passivamente, aquilo sobre o qual não tenho controle, nem tampouco tenha a capacidade de qualificar os meus pensamentos, incapaz que sou de depurá-los para me permitir ter qualidade de vida.

Diante de um problema, portanto, só sei remoer, só sei sofrer, povoando a minha mente de pensamentos desqualificados que terminam por me fragilizar, a deixar transparecer que, diferente do que prego, não sou estoico coisa nenhuma, e que, as vezes, diferente de uma águia, desço além do necessário, me tornando presa fácil aos corvos da vida.

É isso.