O magistrado, o acusado, o interrogatório, o tratamento arrogante e o direito ao silêncio

 

Cuida-se de artigo no qual reflito sobre a maneira que são tratados determinados acusados.

A seguir, antecipo um excerto do aqui refletido.

 

  1. Acho, sinceramente, uma covardia o magistrado se valer de sua condição para compelir o acusado a usar termos que não conhece, a tratá-lo, v. g., de Excelência ou meritíssimo. Essa injustificável exigência tem alimentado as piadas de mau gosto acerca da atuação de determinados juizes.
  2. Digo mais, o direito de não se auto-incriminar não fica circunscrito ao acusado. Nem mesmo a testemunha está obrigada a afirmar qualquer coisa que possa lhe incriminar. É por isso que, feita a advertência de praxe, é defeso ao magistrado obrigar a testemunha a dizer algo que possa lhe incriminar. O direito ao silêncio, devo grafar, deve ser reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere)
  3. O direito ao silêncio não pode ser meramente formal. Não basta ao juiz advertir o acusado de que não está obrigado a se auto-incriminar, que tem assegurado, constitucionalmente, o direito ao silêncio. É preciso muito mais. É preciso que se lhe dê condições para exercer esse direito.
  4. Não pode o direito ao silêncio ser uma quimera, uma ficção. Não passará de uma ficção, nada obstante, ser o acusado for sufocado pelo magistrado, que, mais culto, procura tirar proveito da ignorância de quem se posta à sua frente.
  5. É claro que, aqui e acolá, podemos, sim, extrapolar os limites nas nossas inquirições. Assim já procedi algumas vezes e tenho vergonha de não ter tido a capacidade de me policiar. Muitas vezes excedemos os nossos limites por circunstâncias, às vezes, insuperáveis. Afinal, somos todos seres humanos e, por isso, imperfeitos. Diante das nossas imperfeições – e da ciência delas – é que devemos nos policiar, o quanto possível for, para que esses equívocos, essas grosserias e as nossas idiossincrasias não se transformem em arbitrariedades – pura e simplesmente.

A seguir o artigo, por inteiro.

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O dia-a-dia de um magistrado

CAPITULO IIII-

 

A PRODUÇÃO DO DIA.

 

Hoje, dia 07 de abril, sexta-feira, cheguei já depois das oito horas da manhã no fórum. Cuidei logo de concluir a resposta à representação formulada por Nelma Costa, cunhada de Sarney.Ela quer, a qualquer custo, me punir porque chamei Sarney de mentiroso. É o mau vezo do posso, mando, quero, faço, próprio das pessoas arrogantes e prepotentes como ela. O que é compreensível, porque foi forjada muito próximo daqueles que serviram à ditadura.Na resposta, que você já encontra nesse blog, fiz ver a ela que não sou homem de me intimidar com pouca coisa. A minha escora, a minha base, a minha retaguarda para me defender é, tão-somente, a minha história de vida. Sem nódoa, sem mácula, sem falcatrua, sem deslize.

Bom, mas se amigo leitor quiser saber mais, leia a resposta adiante. Vale à pena. É longa, é verdade, mas vale à pena se deleitar na sua leitura.

Vou retomar ao meu dia.Realizei hoje sete interrogatórios. Os réus estão todos presos. Os crimes tratados hoje são roubo qualificado e homicídio qualificado. Dois crimes gravíssimos. Aliás, a grande maioria dos processos em tramitação cuida de roubo. Os acusados se sentem estimulados pela impunidade. É que são presos hoje e, amanhã, já estão na rua assaltando outra vez.Claro que, aqui, na sétima vara, isso não acontece.Realizar sete interrogatórios foi, para mim, um bálsamo. Sinto-me feliz quando vejo que produzi. Eu vinha de várias tentativas infrutíferas de realizar audiência. Eu já estava, sinceramente, angustiado. Foi um ótimo dia para encerrar a semana de trabalho.

 

II-O QUE MAIS ME MARCOU NO DIA DE HOJE.


Num dia exaustivo como o dia hoje, várias coisas nos marcam. Mas o que mais me marcos, nos sete interrogatórios que realizei, foi a acusação, em detalhes, de tortura feita pelos acusados contra policiais civis e militares. Um dos acusados, inclusive, chorou muito, ao descrever as torturas que sofreu. Disse ele quem foi agredido com vasilhame de refrigerante de dois litros, cheio de água. Disse, também, que, para que não visse os seus algozes, lhes colocaram um saco de plástico sobre a cabeça. Disse mais, que, em conseqüência das agressões, colocou pus pelo ouvido e está respirando com dificuldade.A ser verdadeira a acusação, é uma ignomínia, uma covardia, valer-se de um preso para torturá-lo. É dizer, o mesmo Estado que sentiu agredido com o crime, é que age da mesma forma, criminosamente. O Estado, que tem o dever de cuidar da integridade física do custodiado, é o mesmo que lhe açoita. Todos ficamos indignados com o crime. Mas isso não nos autoriza usar de violência contra o acusado.

 

III-AS PROVIDENCIAS QUE ADOTEI.

 

Diante dessa notícia, determinei que fosse o mesmo submetido a exame de corpo de delito. Não para detectar as lesões, porque estas já desaparecerem, mas preservar a sua integridade física, em face das denúncias que fez. Determinei, ademais, que, cinco dias depois, fosse o mesmo submetido a novo exame, ainda objetivando a preservação de sua integridade física.

 

IV-OUTRO FATO QUE ME MARCOU.


No mesmo processo, outro fato me marcou profundamente. Um dos acusados, por tudo que disseram os outros dois réus, não teve qualquer participação no ilícito. Esse acusado foi pego pela polícia apenas para que restasse tipificado o crime de formação de quadrilha, que pressupõe a união de mais de três acusados, pois que, assim, poderiam lavrar o flagrante. È que, em relação ao crime de roubo, por ter ocorrido há vários dias, não poderiam autuar os acusados em flagrante.Esse mesmo acusado protagonizou uma cena indescritível. Ao sair da sala de audiência, algemado, deparou-se com seus filhos menores, os quais, ao verem o pai nessa situação, começaram a gritar e chorar compulsivamente, gritando o seu nome.Essa cena me marcou profundamente, pois o tempo de convívio com essas questões não me fez perder a sensibilidade; sobretudo quando há o envolvimento de crianças.Decidi, logo após a audiência, que vou colocar em liberdade esse acusado. É o mínimo que posso fazer para minimizar o seu sofrimento e de sua família. Infelizmente, como saí tarde do fórum, não pude resolver essa questão, que ficará para segunda-feira.Tratamos hoje, também, de um crime de homicídio, por estrangulamento, ocorrido na Unidade da Maiobinha, onde ficam internados os menores infratores.Segundo a denúncia, dois menores, amarraram um pano no pescoço de outro menor, para, depois, cada um puxando uma extremidade, estrangulá-lo. O réu que foi ouvido negou a autoria, atribuindo-a a o outro menor.Já depois das doze e trinta, finalmente recebi uma manifestação da Corregedoria, em face dos pleitos que tenho feito no sentido de que designem mais um oficial de justiça para sétima vara criminal. Quem me ligou foi o próprio Corregedor, Des. Raimundo Cutrim. Ele me fez ver que as nomeações não dependem dele, mas do presidente.É certo que não apresentou solução. Mas já foi um alento saber que atentou para minhas reivindicações. Infelizmente, ao que senti, não vou ter solução a médio prazo.Para completar a manhã, estando na sala de audiências, ouvi disparos de arma de fogo dentro do Fórum. Fiquei sabendo que sido na direação de um latrocida que tinha fugido de lá.Foi um dia estafante, mas, só em ter realizado os sete interrogatórios, posso dizer que foi um dia feliz.Ah! Ia esquecendo!A promotora de justiça, ante as denúncias de tortura, pediu extração de peças para serem encaminhadas as Promotorias de Investigação Criminal.Vamos aguardar o resultado.Eu abomino qualquer forma de tortura. Quem assim procede é covarde e deve ser afastado do serviço público.Tortura me faz lembrar da ditadura. Entendo que não se precisa tortura para se esclarecer um crime. Basta usar a inteligência, já que a polícia não dispõe de aparato técnico para esse fim.Agora, só segunda-feira.

 

 

Resposta à representação da Des. Nelma Costa

Entendo que o juiz só se credenciaria à promoção se tivesse uma produtividade mínima. Não bastaria ser simpático e palatável. Se não a tiver, nem tiver como justificar por que não a alcançou, ele nãopoderia sequer ser votado; se votado, esses votos seriam anulados. Com isso só seriam promovidos os magistrados que efetivamente trabalhassem. Não é justo e nem correto se exigir de um juiz que, para compor uma lista, tenha que deixar o seu trabalho para suplicar a sufrágio do seu nome. Repito que, no passado, me submeti a essa degradação. Não mais me submeterei a ela, reafirmo, ainda queem detrimento de eventual promoção.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeidsa
Titular da 7 Vara Criminal
Como prometi, segue, abaixo, o inteiro ter da resposta que apresentei á Corregedoria-Geral de Justiça, em face de uma representação formulada pela Des. Nelma Costa contra o signatário.
Lendo a resposta, o leitor se dará conta da sua pretensão, própria das pessoas prepotentes e que pensam que tudo pode.

Antecipo alguns excertos.

 

  1. Aos inimigos, releva dizer, costumo apenas destinar o meu desprezo. Do inimigo quero distância.
  2. Eu não fui forjado no mundo da falcatrua, da pantomima, da tapeação. Os inimigos os quero bem distantes de mim. Só passo bem distante deles. Não faz bem à alma um inimigo por perto. É por isso que não sei ser hipócrita. Não cumprimento e não faço questão de ser cumprimentado pelo inimigo. Dele quero distância, muita distância. Nada mais que isso.
  3. Confesso que se soubesse que ao desmentir o Senador Sarney teria que pagar o preço que estou pagando de ter que conviver – ainda que só na lembrança -, com pessoas que bomino, preferiria ter deixado que a mentira prevalecesse, afinal ela tem sido o mote, o norte, o rumo daqueles que se julgam dono do Poder e da verdade neste pobre e infeliz Estado.
  4. Nenhum de nós está acima de qualquer suspeita. Nenhum de nós pode se julgar melhor do que os outros. A história registra, para nos alertar, vários exemplos de soberba no exercício de determinado cargo, estando o detentor do cargo prestes a sucumbir diante de uma doença fatal.
  5. Esses exemplos, infelizmente, não têm servido de lição para muitos. As pessoas ascendem ao poder e se imaginam imunes a qualquer intempérie. As pessoas ascendem ao poder, sabe-se lá como, para dele fazer uso para perseguir, para fazer o mal. Essas pessoas não temem sequer a Deus, porque se julgam o próprio Deus.
  6. As pessoas, é preciso que lembrem os déspotas, não são eternas; os cargos podem sê-lo. Mais cedo do que se imagina, podemos ser substituídos nos cargos que exercemos, em face de uma intercorrência. Por isso mesmo, a vaidade e a prepotência não são boas conselheiras.
  7. Acerca da atuação judicante da representante e de nós outros, sempre houve e sempre haverá comentários negativos, desairosos, ainda que nos imaginemos acima do bem e do mal. É que nós, juizes – alguns contaminados pelo vírus da vaidade – não somos melhores que ninguém, nem mesmo em relação ao nosso mais humilde jurisdicionado, que, às vezes, tem lição de retidão a ministrar.

 

Atente leitor para o excerto em que aponto o uso do Poder para servir aos amigos.

Abaixo, o inteiro teor da inaudita representação.

Deleite-se com a sua leitura. Continue lendo “Resposta à representação da Des. Nelma Costa”

O dia-a-dia de um magistrado


CAPÍTULO -I I  

Hoje, dia 06 de abril, como de hábito, cheguei às 7:15 da manhã no Fórum. Havia pouquíssimas pessoas. Fui direto para o meu gabinete, pois tinha algumas pendências que precisavam ser resolvidas hoje mesmo. Para revolvê-las eu precisava fazer nas primeiras horas do expediente, quando o movimento é menor. Continue lendo “O dia-a-dia de um magistrado”

O dia-a-dia de um magistrado-I

A partir de agora, todos os dias, a menos que não ocorro fato novo, pretendo descrever o meu dia-a-dia como magistrado. Acho que o leitor gostará de saber como vivemos, como decidimos no nosso labor diário. As nossas dificuldades para decidir, os entraves burocráticos e má vontade dos dirigentes também merecerão considerações.

Continue lendo “O dia-a-dia de um magistrado-I”

A lei 9271/96, o réu hipossuficiente e a par conditio

A presença do acusado no curso da instrução, a necessidade que se lhe dê ciência da acusação, as inovações, enfim, estabelecidas com a lei 9271/1996, de nada adiantarão se o acusado permanecer sem efetiva condição de lutar, com paridade de armas, com o MINISTÉRIO PÚBLICO.
Somente o equilíbrio de armas garante, verdadeiramente, a contraposição dialética. Contraposição dialética que se espera em todos os processos criminais e não somente nos que, eventualmente, figurem no pólo passivo um detentor de capital.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Cuida-se de artigo no qual reflito sobre citação ficta   e    ampla defesa.
Em determinado excerto consignei.
  1. Malgrado a importância da defesa para o equilíbrio processual, pese a relevância da DEFENSORIA PÚBLICA, para que se (re) estabeleça a paridade de armas, a verdade é que o Poder Executivo pouco tem se importado com essa questão, decorrendo da omissão do Estado-Administração de os magistrados, na quase totalidade das Comarcas do Maranhão, terem que nomear defensores dativos, que, como se sabe, não cuidam, com denodo, da defesa do hipossuficiente.
  2. Em face do diminuto número de Defensores Públicos, tenho assistido, aqui na capital, os poucos em atuação se desdobrando em várias varas ao mesmo tempo, fazendo duas ou três audiências simultaneamente, do que resulta, impende compreender, uma defesa criminal capenga – por mais que se esforcem; não por faltar-lhes condições técnicas, mas por faltar-lhe condições de trabalho.Não posso compreender, sinceramente, como se estabelecer a par conditio com tantas disparidades, sob todos os aspectos – menos o intelectual -, entre os dois agentes estatais – Ministério Público e Defensoria Pública – responsáveis pela representação das partes.
A seguir, o artigo por inteiro.

A falta de alegações finais – nulidade relativa ou absoluta ?

 Nenhum juiz que tenha presidido uma instrução, que vivencie um processo, que inquiri as testemunhas com os olhos voltados apenas para esclarecer a verdade, que não decide com os olhos voltados para as estatísticas, condena um réu apenas porque lhe faltou uma defesa mais eficaz.

Nenhum juiz que não tenha perdido a sua sensibilidade de ser humano e que tenha a exata compreensão dos efeitos de sua decisão, precisa de uma peça final de defesa para formar a sua convicção.

Juiz  José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Cuida-se de artigo no qual refleti sobre a falta das alegações finais e suas consequencias.
Em determinados fragmentos anotei.

 

  1. Em face do entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão ficamos aqui embaixo, no primeiro grau, enfrentando toda sorte de esperteza, de manha e de artimanha, para conseguir julgar um processo, quando se poderia pacificar o seguinte entendimento, na linha de pensar do STF: intimado o procurador do acusado e se esse se fizesse silente, julgar-se-ia o processo, condicionada a anulação da decisão à prova, quantum satis, do prejuízo.
  2. Entendo que, se presumindo o prejuízo e inviabilizando-se o julgamento do processo sem as alegações finais da defesa, estimula-se a trampolinice, a solércia.
  3. Na linha de entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão, diametralmente oposta à minha, tem ocorrido, com freqüência, que, intimado o acusado para constituir novo procurador, em face da omissão do seu advogado, a artimanha se evidencia, pois que, nesse caso, tem ocorrido, com freqüência, que o advogado, até então omisso, peticiona para reafirmar que continua patrocinando a defesa do acusado. Diante da reafirmação do patrocínio, não há alternativa que não se lhe reabrir o prazo, para ofertar as alegações finais – como se reabriria, sem escapatória, se fosse outro o advogado a se habilitar.
  4. Tradução do exposto: o advogado, com essa manobra, ganha o prazo em dobro, eterniza a demanda, em detrimento da ética, do interesse coletivo e da credibilidade das instâncias responsáveis pela persecução criminal.
  5. Um parêntese. Qualquer processo que sofra percalço em seu andamento, considerando a infinidade de outros processos no aguardo de providências, pode ficar em cartório, aguardando novo despacho, por até um ano – numa visão otimista – não estando o acusado preso, é claro.
     
A seguir, o artigo por inteiro.

Removendo os obstáculos – Carlos Lacerda, Policarpo Quaresma, “Coronel” João Duque e a Politica no Maranhão

Numa campanha eleitoral fazem de tudo. Atacam pela frente, atacam pelas costas, compram votos, mentem, iludem, fazem promessas delirantes, traem a confiança dos eleitores, montam esquemas inimagináveis para amealhar votos.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Cuida-se de crônica na qual reflito sobre eleiões.

Antecipo o seguinte excerto.


  1. Pelo menos aqui no Maranhão é assim. Comprade fica mal com comprade, filho desonra pai, irmão desonra irmão, cunhado(a) ataca cunhada(a), sócio rompe com sócio, adversários se unem, correligionários rompem, agridem Juiz, agridem Promotor, atacam delegados de Polícia, derrubam Secretário de Estado, contratam advogados para processar adversários, não pagam os advogados contratados, se casam, descasam, fazem panfletos, fundam jornais, atacam o Poder Judiciário quando perdem uma demanda, para, no mesmo passo, o elogiar se o sucumbente foi o adversário. O bom juiz de ontem é o canalha, o desonesto e corrupto de hoje, bastando que decida contrariando os seus interesses. Ninguém presta e todo mundo presta. Ninguém tem honra e todo mundo a tem. Tudo depende das circunstâncias e dos interesses em jogo.
  2. Pobre Maranhão!

 

A seguir, a crônica por inteiro

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