É PRECISO VENCER O INIMIGO INTERIOR

Nós, de regra, não estamos preparados para derrota. Muito cedo aprendemos, por exemplo, que, numa disputa qualquer, é preciso ganhar.

Ouvi – e ainda ouço – de muitas pessoas a seguinte recomendação aos filhos: se apanhar na rua, apanha em casa também.

É dizer: a sociedade nos condiciona para a vitória. É feio perder. Tem que sair vencedor, nem que seja numa rinha de galo, onde os protagonistas não são os que tiram proveito da vitória.

Ninguém quer ser apontado como perdedor. Todos nós almejamos vencer. É assim na vida pessoal; é assim na vida profissional.

Mas a vida não se constrói apenas com vitórias. A vida é assim: perde-se aqui; ganha-se acolá. É preciso, pois, saber perder já que para vitória estamos preparados.

Essa máxima da vida, no entanto,  não se aceita com naturalidade, daí a razão pela qual há pessoas que, diante da derrota, seja ela de que dimensão for, se descabelam, praguejam, agridem, perdem o controle, se indispõem com os amigos e, até, com os parentes mais próximos.

Mas quando se entra numa disputa, seja ela de que nível for, tem-se que saber que podemos, sim,  perder.  Essa é uma verdade comezinha que nem todo mundo é capaz de entender.

Ser vencedor, sair vitorioso de uma contenda, sobrepujar o adversário faz bem à mente – e é o que todos almejamos, enfim, porque, como disse acima, a nossa personalidade foi forjada para vencer, daí as dificuldades de muitos de nós para conviver com a derrota, conquanto saibamos da sua inevitabilidade ao longo da nossa vida.

Claro, portanto, que todos nós queremos ganhar. Mas nem sempre é possível vencer, daí que deveríamos, desde a mais tenra idade, ser preparados para a possibilidade de derrota, em face da sua inevitabilidade, o que não ocorre, entrementes.

Diante da inevitabilidade de uma derrota nas mais diversas contendas da vida, recomenda o bom senso que se analise as razões da derrota para, nos novos embates, tentar sobrepujar o adversário, porque, afinal, a vida é assim: ela nos impõe constantes contendas para as quais nem sempre estamos preparados.

Essas questões são de fácil compreensão. Qualquer um de nós, com o mínimo de bom senso, procederia tal qual consignado acima. Todavia, nem sempre é assim, nem sempre o bom senso preside as nossas ações.

Mas até aí é tudo compreensível. Entra-se numa batalha para perder ou ganhar. Faz parte da vida, ainda que haja, o que é natural, os que não aceitam a derrota.

O bicho pega é quando nós perdemos a batalha para nós mesmos. É quando somos derrotados pelas nossas próprias fraquezas. É quando deixamos que a nossa mente nos leve à lona, quando somos nocauteados pelas nossas próprias idiossincrasias.O conflito que travamos com nós mesmos, com efeito, é o conflito mais difícil da administrar.

Nesse panorama, temos que ter força interior para enfrentar os nossos medos, as nossas angústias, as nossas fraquezas, o que, convenhamos, não é fácil, daí porque, algumas vezes, somos compelidos à busca de ajuda.

Eu, muitas vezes, não soube enfrentar essas questões. Sucumbi, muitas vezes, como um gladiador derrotado numa arena. Apresentei-me para mim mesmo como um forte contendor, mas o que constatei depois é que fui adversário de mim mesmo. E perdi. Saí da pugna machucado, sofrido, vilipendiado, arrasado, um trapo, um resto de gente.

Foi aí que decidi que, para enfrentar o mundo exterior, para enfrentar o inimigo, eu precisava primeiro vencer os meus medos, as minhas angústias, o meu açodamento, a minha ansiedade. Só depois de vencer essas batalhas foi que pude sobrepujar os inimigos externos.

A minha maior batalha  foi travada, pois,  comigo mesmo; a minha maior vitória foi, não tenho dúvidas, contra mim mesmo.

Assim é a vida. É assim que tem que ser.

Mas eu não fui sempre assim. A vida para mim não era algo tão simples, pois  viver, desde a minha complicada percepção da vida, era algo muito mais complexo.

A verdade é que só passei a entender a beleza e a simplicidade da vida quando superei os meus medos, as minhas fraquezas, as minhas angústias.

Eu só passei a entender e viver bem comigo mesmo e com o meu semelhante, quando passei a entender que eu, como todo ser humano,  tinha inúmeras virtudes e incontáveis defeitos.

Viver pode não ser algo tão terrível, se nos damos conta de que, a cada desafio e diante de cada derrota, antes de nos fragilizar, temos que nos fortalecer interiormente, ao invés de simplesmente sucumbir e chorar o leite derramado.

Não adiante a armadura de um gladiador, o revólver do Zorro, as mágicas do Mandrake, a ambição do Tio Patinhas, os cabelos de Sansão, o estilingue de David, a perspicácia do Mickey, a destreza do super-homem,  as teias do Homem Aranha e  a força do Hulk,  se não  tivermos a capacidade de enfrentar o inimigo que acomodamos em nosso interior.

 

SIMPATIA E GENTILEZA NÃO COMBINAM COM A DIFÍCIL MISSÃO DE JULGAR

contatos

jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.br

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Tenho medo que as novas gerações, diante de tanta impunidade, de tanta lassidão, de tanta omissão, de tanta discriminação, cheguem à conclusão que não vale à pena agir com retidão.
No exercício da difícil missão de julgar, nós, magistrados, não precisamos ser simpáticos. Simpatia e gentileza não combinam com a difícil, quase impossível arte de julgar; o magistrado, desde meu olhar, só precisa mesmo é ser justo, firme e decidido.
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Nada me agasta mais, ou melhor, poucas coisas me causam mais aborrecimento – até revolta, às vezes – que a falta de consciência de quem exerce uma função pública.

O execício da função pública não é para deleite pessoal, para desfilar vaidades, para regozijos ou patuscadas. É para servir mesmo! É assim que compreendo as coisas e é por isso que, às vezes, sou compelido a desabafar; desabafo que, não raro, é confundido com arrogância pelos que não têm a exata dimensão do que é a coisa pública.

Desde sempre tenho sido assim. Só ainda se surpreende com as minhas posições quem teima em não dar importância – ou não conhece – as minhas convicções pessoais.

Quem me conhece sabe que nunca fui de evasivas, rodeios ou subterfúgios. Nunca fui de procurar atalho, o caminho mais fácil. Não sei, definitivamente, ser sinuoso. O meu caminho é reto, frontal, proeminente.

Sou de encarar as coisas de frente. Não sou do tipo que joga pedra e esconde a mão. Isso não fica bem para um magistrado.

No exercício das minhas funções, pouco importa os que me compreendam mal, os que me julgam em face da falta que a simpatia me faz. Não sou mesmo palatável aos que não têm a exata dimensão do múnus. A minha obsinação em torno dessas questões me fazem mesmo indigerível.

No exercício da difícil missão de julgar, nós, magistrados, não precisamos ser simpáticos. Simpatia e gentileza não combinam com a difícil, quase impossível arte de julgar; o magistrado, desde meu olhar, só precisa mesmo é ser justo, firme e decidido.

Tenho entendido – e, por isso, não raro, fico indignado – que nada pode ser mais deletério para o conjunto da sociedade que a impunidade ou sensação dela, máxime se decorrentes da lassidão, da pachorra, da falta de espírito público de determinados agentes do Estado.

 

 

 

CONTINUAR

O PREÇO DA OUSADIA

tjmaDevo dizer, preliminarmente, que este artigo não é um libelo a favor de qualquer arbitrariedade, de qualquer ação que possa abespinhar direitos dos acusados, mesmo que o seja a pretexto de fazer Justiça, de combater a criminalidade ou para proteção da sociedade, pois, num Estado Democrático de Direito, não se pode contemporizar com o vilipêndio dos direitos e garantias individuais de quem quer que seja.

Feito o registro, à guisa de esclarecimento, começo estas reflexões mencionando um fato que já é do conhecimento de todos: historicamente, a justiça criminal brasileira, assim como a da maioria dos países, só puniu – e continua punindo – os miseráveis, que representam a sua clientela preferencial.

Nesse panorama, nós, responsáveis pelas instâncias persecutórias, temos servido bem à consolidação dessa cultura discriminadora. E, o que é ainda mais grave, não são poucos os que sequer se dão conta dessa grave distorção, de tão sedimentada que está em nossa cultura punitiva.  Os menos favorecidos, de regra, não têm mesmo a quem recorrer, conquanto se deva destacar, nos dias atuais, o elogiável trabalho dos defensores públicos. Mas isso é coisa recente, sem o condão de modificar a realidade.

Contudo, todos têm notado que essa nefasta cultura está mudando aos poucos, de forma lenta, é verdade; a passos de cágado, todos percebem. Todavia, o que importa mesmo é que está mudando, em que pese a timidez das nossas ações quando se trata de punir uma figura de destaque, como se a prisão fosse incompatível com quem tem uma posição social proeminente, ainda que pratique crimes de especial gravidade, muitos dos quais com consequências danosas e imensuráveis para o conjunto da sociedade.

Vejo com naturalidade, portanto, as reações de grande parte da sociedade, acostumada a passar à ilharga da persecução criminal, com a mudança de cultura que estamos experimentando, com os bons ventos que sopram desde Curitiba, cujos agentes públicos passaram a ser vistos pela quase totalidade da sociedade como heróis, enquanto são criticados, no mesmo passo, como algozes e arbitrários por uma parcela diminuta, que se faz representar por advogados bem pagos e preparados para a crítica mais mordaz, feita muito mais para confundir do que para esclarecer.

Entrementes, tenho dito, esse é o preço da ousadia. E assim, enquanto o povo aplaude a Lava Jato, meia dúzia a quem ela atinge com os seus tentáculos, pelos seus mais destacados representantes, tenta desqualificar as suas ações. Conforme tenho dito, ninguém muda uma cultura discriminadora e perniciosa, complacente com uma pequena parcela privilegiada da sociedade, sem pagar o preço da ousadia.

A verdade é que, enquanto as instâncias de controle formal – Ministério Público, Polícias Civil e Militar, e Juízes – tinham as suas ações voltadas – o que ainda, lamentavelmente, é uma regra – apenas para os miseráveis (que, repito, continuam sendo a clientela do Direito Penal), não se ouvia falar tanto em direito à intimidade, à privacidade, à inviolabilidade de domicilio, à dignidade da pessoa humana, em presunção de inocência ou em prisão como extrema ratio da ultima ratio.

O que sempre assistimos – e continuamos a assistir, com certa naturalidade -, desde sempre, para satisfação dos que tiravam proveito do quadro discriminatório, é a exibição de miseráveis, como troféus, nos programas policiais no final de tarde, sem que uma única voz se levantasse em sua defesa, salvo em honrosas exceções.

As prisões arbitrárias, as torturas, não se há de negar, só pontual e circunstancialmente recebiam a reprovação de uns poucos, acostumados que foram a assistir a esses espetáculos afrontosos da dignidade da pessoa humana como se fosse algo normal, como se as franquias constitucionais se destinassem apenas a uma elite, acostumada a fazer tabula rasa das leis do país, cientes e conscientes da impunidade que sempre vicejou como regra.

Hoje, cada prisão, ainda que fundamentada, de forma que atenda as expectativas da sociedade, é sucedida de uma chuva de críticas acerbas, porque essas prisões, felizmente, hoje se voltam, também, contra os que sempre estiveram imunizados em face das ações das instâncias penais.

Articulistas de renome, cientistas dos mais variados matizes, filósofos, sociólogos, antropólogos, uma plêiade, enfim, de profissionais que antes assistiam às prisões dos mais humildes como um espetáculo com o qual se deleitavam no final de tarde nos programas de rádio e de televisão, hoje se esmeram na produção de artigos densos nos quais destilam críticas, as mais mordazes, às prisões que são veiculadas na mídia, exatamente porque agora elas já atingem pessoas que sempre passaram ao largo das ações das instâncias de controle, historicamente covardes quando se trata de agir contra os poderosos.

Nos dias presentes, como que por milagre, não são poucos os que descobriram, como que por encanto, os efeitos deletérios das prisões provisórias, em que pese elas se multiplicarem, desde sempre, em face dos menos favorecidos. A diferença é que, agora, elas atingem os que antes se julgavam inatingíveis, introduzindo em todos nós a esperança de que, finalmente, começamos – é só o começo, sim – a testemunhar o respeito ao apotegma segundo o qual todos são iguais perante a lei.

Prisões provisórias, cárceres fétidos, tratamento desumano, violência policial, torturas, todos sabem, sempre foram uma prática comum, contra a qual, repito, poucos se insurgiram; bem diferente do que se vê agora, a cada prisão de uma nova figura proeminente da política nacional. Artigos sobre esses temas, com efeito, inundam, nos dias presentes, todos os jornais e as revistas, especializadas ou não.

Vivemos a intoxicação de reflexões acerca de temas que pareciam povoar apenas o mundo acadêmico. Hoje, todos falam em presunção de inocência, ampla defesa, contraditório, trânsito em julgado e outras categorias penais, fruto da mudança de cultura que estamos experimentando, e que almejo, sofregamente, não seja apenas o começo, mas que se torne um processo contínuo, até que, finalmente, as pessoas venham a entender que prisão é uma consequência natural em face da prática de um crime e que ela pode, sim, alcançar qualquer um, ainda que seja o mais poderoso dos mortais.

É PROIBIDO DESPERDIÇAR AFETOS

 

18104931_hiul9Há pessoas que – a gente percebe, no primeiro contato – vivem amarguradas, de mal com a vida, com sérias dificuldades para compartilhar os seus sentimentos, muitas das quais deixam logo transparecer que não são felizes. Essas não aprenderam a lição que a vida ensina e que pode ser traduzida na frase de Machado de Assis, que tomo de empréstimo como inspiração para o titulo dessas reflexões, segundo o qual  na vida “não vale a pena desperdiçar afetos” ou no sentido de que “a moeda do coração não se deve nunca reduzir a troco miúdos nem despender em quinquilharias” (Helena)

Tenho procurado, com algum sucesso – por isso sou feliz, imagino – não desperdiçar o meu afeto, a minha consideração, o meu respeito e o meu carinho em face das pessoas que fazem parte do meu mundo, que estão ligadas a mim pelos mais estreitos laços de amizade, amor e fraternidade, que vivem, enfim, no meu mundo, muito próximas, achegadamente, compartilhando comigo os mais inspirados e reveladores sentimentos.

Todas as minhas horas, mesmo as expendidas com o trabalho, são dedicadas, prioritariamente, às pessoas para as quais dedico a minha afeição, pois é com elas que me realizo e é em razão delas – e por elas – que a minha existência se justifica, pois somente elas – as pessoas que amo e considero verdadeiramente e que sei que me amam com a mesma intensidade – são capazes de me fazer feliz, definitivamente, pois o seu amor e a sua dedicação são incondicionais, sujeitos a trovões e tempestades.

Não dá pra viver, definitivamente, sem a companhia das pessoas com as quais partilho as minhas angústias, as minhas vitórias e, com muito mais razão, as minhas derrotas, a partir do compartilhamento dos meus afetos, como uma premente necessidade.

E, se não fosse assim, penso, a vida, pelo menos para mim, não teria sentido. Só faz sentido viver para mim se tiver com quem distribuir e compartilhar, no mesmo passo, os meus afetos, ou seja, a quem externar as minhas mais efusivas manifestações de apego e carinho, a quem demonstrar, com ações positivas, o quanto sublimo a convivência fraterna e amiga com as pessoas que amo.

Eu acredito, definitivamente, no amor verdadeiro, na convivência fraterna entre irmãos e entre amigos – falo de amigos verdadeiros, claro -, ante a certeza de que só a partir desse sentimento e dessa convivência solidária e compartilhada podemos construir uma sociedade mais humana, menos egoísta, mais fraterna e amiga; tenho apostado nisso, pois não creio que se construa uma sociedade fraterna e amiga vivendo a obsessão da matéria ou volúpia do querer mais, sem medir as consequências das ambições desmedidas, sempre ressabiados com as relações que dimanam dos interesses meramente materiais.

Por pensar e agir assim é que tenho usado esse espaço para transmitir mensagens voltadas para sublimação da família e da solidariedade entre os homens, para, no mesmo passo, condenar os que insistem em olhar o mundo por um espelho, na equivocada esperança de visualizar apenas a sua imagem refletida, numa abominável, condenável postura egocêntrica e narcísica que nada constrói de positivo.

Compreendo, com a sanidade que me resta, que viver a vida é um exercício permanente de trocas, de mútua solidariedade, de concessões, de muita compreensão e de pouco egoísmo, afinal ninguém se basta por si só.

Quando falo em trocas, advirto, no mesmo passo, que é preciso ter limite no exercício do escambo. Não se troca a honra por poder. Não se deve ceder ou aquiescer, sem pudor, sem discernimento e sem limites. Não se troca a dignidade do cargo por favores ou benefícios indecorosos. Não se mercadejam decisões, quando se tem como principal labor dar a cada um o que é seu.

Tenho vivido a vida valorizando as coisas simples.  É preciso, sim, viver a vida valorizando as coisas simples. É preciso se imunizar em face das facilidades que o exercício do poder proporcionam, porque os que vivem a volúpia do poder e o que ele tem de encantador, dificilmente deixará de desperdiçar os seus afetos.

É preciso, ademais, muita cautela em face da esnobação, da exibição que decorre do exercício poder, da ilusão de estar podendo, da vaidade que a muitos aniquila, da ilusão de uma conta bancária recheada, pois não são poucos os que, tomados por essas tentações, esqueceram que não se troca a moeda do coração por quinquilharias.

Os que só pensam em poder e em ostentação, descurando-se dos afetos, mais dia, menos dias – quando mais inebriados estiverem em face dos que lhes prestam reverência, por pura conveniência, em face do poder que abre portas e que facilita as ações obsequiosas e interesseiras – poderão viver a experiência do personagem principal de O Último Condenado, de Victor Hugo, que, desesperado em face do cárcere e ante a iminência da execução, dirigiu-se a Deus pedindo-lhe piedade, rogando-lhe que lhe fosse enviado aos menos um passarinho que, pousado à beira do telhado, pudesse aplacar-lhe a dor com o seu chilreado, ou, noutro cenário, quando apenas limitou-se a implorar por perdão, para que, livre da guilhotina, lhe fosse permitido viver a vida para ver o sol.

Para encerrar essas breves reflexões sou levado, quase que inapelavelmente, inexoravelmente à pieguice, só para ressaltar, conquanto desnecessário, que somos muitos os que, tomados pela ambição, premidos pela exiguidade do tempo, pela correria do dia a dia, pela pressa que o mundo impõe, pela busca incessante e necessária de meios de sobrevivência, não se dão conta da beleza do sol e do chilrear de um pássaro, coisas que parecem simples e desimportantes, mas que, diante de um infortúnio, ganham um alcance  difícil de se dimensionar.

AS PESSOAS PODEM FALAR TUDO QUE PENSAM?

rolling-stones-lingua1Eu estava retornando de Brasília, não lembro o número do voo, mas me recordo que estava sentado na poltrona C, na primeira fila, no chamado assento +, da TAM.

Na fila 02, lado oposto, assento D, havia uma senhora loira, com uma criança morena, de cerca de 02 anos.

Essa criança, certamente muito saudável, deslumbrada com o ambiente, corria e gritava muito. Era só alegria.

Comecei a curtir a alegria da criança embevecido, afinal ver uma criança feliz é um alento, tanto que parei de ler para curti-la.

A comissária de bordo, contagiada com a alegria da criança, começou a brincar com ela, o que açulou ainda mais a sua desenvoltura.

A mãe, preocupada com os gritos da criança, tentou, incontáveis vezes, controlá-la, em vão.

Da poltrona que se seguia à minha, fila dois, poltrona B, uma pessoa do sexo masculino, incomodada com os gritos da criança, dirigiu-se à mãe dela e lhe disse na lata, indelicadamente:

-Se ela dessa idade não lhe obedece, espere  pra ver quando ela crescer.

A mãe da criança, estupefata com aquela manifestação, olhou para o mesmo, com ar de indignação, visivelmente constrangida, limitando-se a dizer-lhe:

-Moço, ela é apenas uma criança de dois anos.

Incomodada, pediu à comissária que lhe trocasse de lugar.

Distante, lá atrás, a criança, como que sentindo o constrangimento pelo qual passara a sua mãe, calou-se o resto do voo.

A indagação que faço, a propósito desse acontecimento, é se temos o direito de dizer tudo o que pensamos ou se as regras de educação nos impõem limites.

 

PREFEITO TEM PAI?

200px-gracilianoramosDepois das eleições municipais todos buscam explicação para o que pretendeu dizer o eleitor com o seu voto. As análises são as mais diversas, muitas das quais sem nenhuma base científica.

Eu prefiro, de meu lado, uma reflexão, digamos, mais literária, por isso aproveito o ensejo para uma mensagem que vem de Graciliano Ramos e que deveria servir de exemplo aos nossos alcaides.

Pois bem.

Graciliano Ramos,. prefeito de Palmeiras dos Índios, mandou recolher os animais que ficavam soltos nas ruas. O funcionário encarregado de cumprir a determinação disse não tê-la cumprido integralmente porque deixará de recolher os cachorros do pai de Graciliano, que, na oportunidade, reprovando-o pela atitude, disse-lhe, curto, grosso e objetivo:

-Prefeito não tem pai, meu filho.

 

EGOS DESCONTROLADOS

 

7243789636_50a2d6cd91Vou iniciar essas reflexões, lembrando de uma lição que extraí do romance Casei com um comunista, de Philip Roth: “Temos de tirar o chapéu para a vida, em homenagem às técnicas de que ela dispõe para despojar um homem de toda a sua relevância e esvaziá-lo completamente do seu orgulho” (personagem Murray Ringold, professor de inglês, irmão de Ira Ringold, destruído em face de suas convicções, no pós-guerra, quando a febre do anticomunismo contaminava a política americana).

Vou relembrar, também, uma expressão que minha mãe gostava muito, sempre que nos flagrava num desvio de conduta: “Nada melhor que um dia atrás do outro”, ou então, “a vida é quem ensina a viver”, nos advertindo sobre o que mundo reservava aos que agem impensadamente ou que se deixam levar pelo orgulho e/ou pela vaidade.

Feitas essas observações, à guisa de ilustração, para que nos lembremos sempre de que nenhum orgulho resiste às vicissitudes da vida, devo dizer que, como todos sabem, conviver com os contrários, com quem pensa e age diferente de nós, é um aprendizado que requer paciência e exige de todos nós uma certa dose de perseverança. Todavia, todos nós sabemos que não é fácil contemporizar com posições antípodas, que tendem a ser mais frequentes, quanto mais plural for a sociedade.

No mundo plural em que vivemos, portanto, é preciso saber ouvir, refletir, com respeito e sem prepotência, sobre o que dizem aqueles que pensam diferente de nós. Não é humilde, mas uma lamentável e abominável arrogância, só dar ouvidos à sua própria voz, ofertando ao interlocutor “ouvidos de mercador”.

Qualquer pessoa minimamente atenta já deve ter percebido que habitamos num mundo onde pontificam, para o desconforto das relações, os que não sabem ouvir, os que desprezam os argumentos do interlocutor, como se fossem senhores absolutos da razão, a reclamar, urgentemente, uma revisão de conceitos, pois, muito provavelmente, quando se derem conta de que a verdade não tem dono e que talvez tenham se apropriado de uma mentira, ao fazerem tabula rasa das verdades que tentaram neles introjetar, sentir-se-ão como aquele sujeito que, apesar do poder que tinha, não podia mudar a cor da luz do semáforo, se submetendo, nesse cenário, às mesmas restrições impostas ao mais humilde semelhante, como de resto acontece em várias passagens da vida.

Não é democrático, nem razoável, definitivamente, o não saber ouvir, o não tolerar a adversidade. O pensamento único e a verdade absoluta não habitam o mundo da relatividade, que não tolera os que só olham o mundo de acordo com as cores da sua lente, conforme as suas idiossincrasias, com os valores que incorporou e a partir dos quais forjou a sua personalidade.

Viver, conviver, compartilhar as inquietações, as angústias com os que pensam de modo diferente, com os que têm visão de mundo oposta à nossa, é um exercício de humildade que todos nós deveríamos cultivar.

É um erro grave de convivência não aceitar a divergência, a tentativa de impor um ponto de vista. Não é, definitivamente, construtivo nem faz bem para a relação quando uma das partes pensa ser dona da verdade, sabido que a verdade não tem dono. Entrementes, todos os dias, ainda nos deparamos com essas pessoas, como se existissem verdades expostas para a venda numa gôndola de supermercado.

Na construção de uma tese ou na sua antítese, é bom para as relações e engrandece as amizades a compreensão de que discordar faz parte da vida e que é a partir da aceitação das divergências de ponto de vista que podemos, definitivamente, construir uma sociedade fraterna e plural.

Tenho uma especial admiração pelo Doutor Dráuzio Varela, o que me leva a acreditar facilmente em tudo o que ele diz. As posições dele, as recomendações que ele faz, tudo que ele diz eu assimilo como se fossem conselhos de um amigo fraterno.

A minha admiração pelo Dr. Dráuzio Varela se solidificou quando, em seu livro Carcereiros, deparei-me com a passagem em que ele lamentava ter perdido contato com o mundo marginal.

Diz ele, a propósito, que a falta de contato com os presídios deixava a sua vida mais pobre, pois, de tão envolvido com esse universo,não suportava ter que passar agora o resto da vida convivendo exclusivamente com pessoas da mesma classe social e valores semelhantes aos dele, sem a oportunidade de se deparar com o contraditório, com o avesso da vida que levava, sem poder conviver com a face da mais indigna desigualdade social, sem poder ouvir histórias que não passariam pela cabeça do ficcionista mais criativo, sem conhecer a ralé desprezível que a sociedade finge que não existe, a escória humana que compõe a legião de perdedores que um dia imaginou realizar seus anseios pela via do crime, e acabou enjaulada num presídio.

Essa, sim, é uma lição de vida para os que só querem ouvir a sua própria voz e abominam, no mesmo passo, os argumentos contrários. Esses, tenho dito, têm o ego descontrolado.

NÃO QUERO PERDER A DIREÇÃO

justiça por marília chartuneDa obra de Lewis Carol, a imortal e atemporal Alice no País das Maravilhas, há dois personagens que gosto de destacar. Um deles, o coelho, que assim como nós, ou, pelo menos, como eu, vive correndo, olhando sempre para o relógio, assumindo estar sempre atrasado. Eu também sou assim. Não transijo bem com atrasos, não gosto de impontualidade. Acho uma falta de respeito não cumprir horário.

O outro personagem é um gatinho esperto. Pelo fato de eu amar gatos, não tive dificuldades para me apaixonar pelo gatinho da obra, que protagoniza uma passagem interessante. Ele vive no alto de uma árvore. Há momentos em que desaparece; outros em que se mostra por inteiro. Há momentos, no entanto, que exibe apenas a sua vistosa calda.

Há uma cena em que Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta aonde vai dar a estrada pela qual estava passando. O gato formula outra indagação, antes da resposta:

-Para onde você quer ir?

Ela responde:

-Não sei; estou perdida.

O gato, esperto, não titubeia:

-Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve.

A lição que se extrai dessa passagem da obra de Lewis Carol – pelo menos essa é a interpretação conveniente que me permito fazer desse fragmento para ilustrar essa crônica – é que não são poucos os que, nos momentos de dificuldades pelos quais passam, terminam perdendo o rumo, o prumo, a direção, e seguindo por caminhos que antes não imaginavam passar, o que, muitas vezes, em face das circunstâncias, é até perdoável e compreensível.

Ademais, de rigor, ninguém pode dizer que diante de uma dificuldade da vida não seria capaz de se perder, de seguir sem direção, às escuras, por um caminho que não idealizou, mas que é uma consequência inevitável em face das escolhas que fez.

A verdade é que ninguém pode afirmar que, por essa ou aquela razão, jamais mudará de direção, o que não é de causar nenhuma inquietação, no caso de saber aonde quer ir, ou se houver razões que autorizem a busca de uma via alternativa.

Conforme já disse acima, a mudança de rumo está a depender das circunstâncias. Sendo assim, feliz daqueles cujas vicissitudes da vida não os tenham compelido a mudar de rumo, levando-os às cegas a lugar nenhum.

Decerto que alguns mudam de direção porque anteveem um caminho menos íngreme, que possa levá-los às conquistas que almejam, às ambições que o atormentam, à realização dos seus sonhos. Essa é a mudança de direção que tenho com benfazeja, suscetível de ocorrer com todos nós, indistintamente.

Contudo, há, também, os que mudam de rumo, não em face de uma intercorrência, de uma intempérie ou por motivos de força maior, mas porque optam, voluntariamente, pelo caminho mais rentável do ponto de vista material, o caminho que os levam à obtenção de vantagens indevidas, sem se importarem com as consequências em face das escolhas que fizeram. E, quando se dão conta, estão sem rumo, sem direção, sem saber para onde ir, sem opção, perdidos e, talvez, arrependidos pelas escolhas equivocadas que fizeram.

E são muitos os que fazem escolhas erradas, levados por impulso, por vaidade ou ganância, para, depois, lamentarem pelas escolhas que fizeram. Mas aí, com muita probabilidade, pode ser muito tarde, como ocorreu, por exemplo, com os que optaram por assaltar a Petrobras, muitos dos quais só depois de presos, sem poderem optar por outra direção, lembraram, tardiamente, que tinham famílias e que elas precisavam ser preservadas.

Esses são os inescrupulosos, os oportunistas para os quais o que vale mesmo é levar vantagem.  Para eles, mudar de rumo, seguir na direção equivocada, sem pensar nas consequências das escolhas que fizeram, pouco importa, desde que, nessa senda, alcancem os seus objetivos.

Muitos desses, todos haverão de concordar, só depois de encalacrados, desmoralizados e expostos à execração pública se arrependem do que fizeram, pois, afinal, expuseram a si e a sua família à exposição pública que podia ter sido evitada.

Para esses, a ganância é tamanha, que eles chegam a se perder pelo caminho, perdem a noção do sentido da ética e da honradez, pela busca frenética e tenaz do ganho fácil; perdem a dimensão das coisas e, dessa forma, pavimentam o caminho que os levará ao cadafalso.

Por esperteza e ambição, eles se perdem nos labirintos do poder, são engolidos pelo sistema, e quando, finalmente, percebem os erros das escolhas, aí já é tarde, restando, nessa hora, apenas apelar para que as ignomínias praticadas não os façam perder o caminho da volta, pois, além deles, são as famílias que terminam por pagar o preço das escolhas erradas, embora que, muitas vezes, elas próprias compactuem com os desvios de conduta, por comodidade ou vaidade, por prazer ou mesmo por ganância.

O Brasil é, culturalmente, um país que favorece esse tipo de mudança de direção, sendo que só recentemente uma determinada casta se deu conta de que, ao se perder pelo caminho, terminou se encontrando na carceragem da Policia Federal.

A vida pública, é consabido, proporciona a muitos uma mudança de direção, sobretudo aos que, estando nela, agem como meros oportunistas, os quais, no primeiro impulso, à primeira facilidade, trilham o caminho da perversão, da licenciosidade, da corrupção, da exação ou tráfico de influência.

Espero nunca ter que mudar de direção. Mas se mudar, por alguma razão maior que as minhas forças, prefiro não saber aonde ir, como personagem de Alice, pois, pior do que perder a direção, é, de forma consciente, percorrer o caminho que possa levar à perversão ou degradação moral.