Valho-me do velho aforismo jurídico para responder às medidas, anunciadas pelos meios de comunicação, proibindo o uso e venda, para menores de 18 anos, das chamadas “pulseiras do sexo”. Transformadas em sinais sexuais conforme as cores, quando arrebentadas por um conhecido ou estranho (to snap away), dá-lhe o direito, como se fosse um jogo, de receber uma recompensa, que pode ser desde o simples beijo até o momento consumativo da saciedade libidinosa. Suspeitas de serem a causa de estupros de jovens que as usavam, viraram caso de polícia.
De acordo com as notícias, Rio de Janeiro, Manaus, Campo Grande, Sertãozinho, Florianópolis e Maringá proibiram o acessório, sendo as ordens determinadas pelos Juizados da Infância e da Juventude, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. No caso de seu descumprimento por escolas públicas e particulares, às quais se confere a obrigação de observância e vigilância, são previstas multa e cassação de alvarás de funcionamento. É verdade: ameaçam fechar as escolas desobedientes.
Às pulseiras de silicone conferiu-se, pelo visto, uma ambígua função erótica. Atraem por ser um adereço simples, barato, colorido e descartável e, ao mesmo tempo, oferece um produto segundo um código perverso. Nem sempre braços inocentes de nossas crianças e adolescentes ostentam o adorno com o pleno conhecimento sobre o novo significado que a loucura humana lhe atribuiu.
Proibir o uso das pulseiras não anula a presença de uma patologia social que, fatalmente, se manifestará de outra forma: de pulso para pescoço; de pulseira para brinco.
O abuso sexual, ao lado de outros tantos, é a ponta de um dos muitos icebergs que se enroscam nos alicerces de nossas instituições, bem lá no fundo, neste mar encapelado que é a sociedade. Como ocorre no Direito Penal, pretende-se, com uma nova lei incriminadora, reduzir a prática delituosa, esquecendo-se de combater a verdadeira fonte do mal.
Não há pessimismo em minhas observações, mas, quando a Polícia e o Ministério Público são instados a interferir em determinado fenômeno social, é sinal de que as partes já esgotaram sua capacidade de conciliação: a agressão física ou moral à pessoa já se configurou. Há uma situação de fato.
Proibir a causa imediata de algo que consideramos errado nos põe a pensar. Estariam as jovens, portando as pulseiras, provocando os homens à prática sexual, sendo, por isso, responsáveis pelas ocorrências? Creio que não. Estão desprezando, nesse contexto, da questão de coibir o arrebatamento do adorno, na maioria esmagadora praticado pelo homem. Pensam da seguinte forma: se a jovem não usar pulseira, não haverá ataque. Logo, proíba-se o uso. Então, elas são culpadas pelo fato? Quer dizer que não têm capacidade de reger o próprio corpo? Engano. Melhor do que a proibição é a educação, o que algumas escolar estão fazendo por intermédio de panfletos, palestras etc.
Matutando sobre o assunto, como dizia meu pai, lembrei que nos tempos de enchente, ao represar a água, sabemos que está contida e temos o domínio técnico sobre ela. E, empregando esse controle de modo a canalizá-la para aquilo que é o desejável, ela continua lá, com toda a sua força pressionando a barragem que a contém. No caso das bijuterias coloridas, proibindo o uso porque existe abuso é imaginar que, como o represamento da água, iremos estagnar o fenômeno. Essa medida, contudo, não vai alterar a conduta sexual dos nossos menores.
Na cidade de São Paulo, os homicídios, só no primeiro trimestre deste ano, cresceram 12% em relação ao mesmo período de 2009, conforme informa a Secretaria de Segurança Pública. Ora, se começarem a praticar venefícios (homicídios por envenenamento), proibiremos a venda de venenos? No trânsito, estamos matando cerca de 35 mil pessoas por ano. Seria, então, caso de proibirmos a fabricação de automóveis? O caminho, por certo, não é esse.
Nossas crianças e jovens estão na linha de frente: são os alvos prediletos de anormais de toda espécie: traficantes de drogas, internautas bandidos e personalidades doentias, muitas vezes com o dever de garantir-lhes segurança e proteção,. Por que as crianças e jovens? Porque acreditam serem os mais vulneráveis, e o são. E, por que o são? Faltam-lhes, na maior parte dos casos, saúde física e mental, educação informal e formal. Aprendem, desde cedo, um falso conceito de sabedoria: sabido é o esperto; esperto, o que se dá bem. E “dar-se bem” nem sempre é sinônimo de viver honestamente. É nesse tecido social desfiado que crescem nossas crianças.
Está proibido o uso? Muito bem, então não mais se usa pulseira, minissaia, calçados e cintos coloridos, lenços nos bolsos, colar, distintivo, unhas pintadas de cores diferentes, cabelos coloridos, lenço de cabelo, decote, anel, brinco, biquíni, broche, boné, peruca colorida, laço no pescoço. Mas, e daí? Proibir o uso resolve alguma coisa? Só vamos mudar endereço corporal do adereço: pescoço, pés, tornozelos, orelhas. E o próprio adereço: boné, brinco etc.
Continuo considerando urgente uma revisão de valores, uma atualização de conceitos, uma educação verdadeiramente redentora para efetivamente dar a cada um a capacidade e o direito de saber o que fazer e o que não fazer com o próprio corpo.
Matéria capturada no sitio Carta Forense.