POR QUE, NÓS, MAGISTRADOS, SOMOS, AO QUE PARECE, TÃO ODIADOS?
Por José Luiz Oliveira de Almeida*
Confesso que me preocupa, a quase doer, o (quase) ódio, o (quase) desprezo que a população parece(?) nutrir pelos magistrados, especialmente pelos de segunda instância – ao que se ouve e lê, aqui e acolá.
Todas as vezes que se noticia um deslize, uma má conduta, desse ou daquele magistrado, quer de primeiro, quer de segundo grau, aqui e alhures, o povo se manifesta, nos mais diversos veículos de comunicação, sobretudo nos blogs e nas rádios AM, de forma desrespeitosa, como se fôssemos todos bandidos, gentalha da pior espécie – como se fôssemos todos iguais, enfim.
Por que será que isso acontece? Afinal, se prestamos um serviço tão singular para a sobrevivência das sociedades civilizadas, por que nos tratam – ao que se ouve e que se lê , repito – com tanto desprezo?
Esse desapreço, essa falta de consideração e cortesia decorreriam, tão-somente, do descrédito pelo qual passam todas as instituições? Ou tudo isso decorre da nossa incapacidade de resolver os conflitos submetidos à nossa intelecção, a tempo e hora?
Onde erramos? Onde nos omitimos? O que fazer para reverter esse quadro?
Acho, sinceramente, que está na hora de nos reunirmos, com o espírito desarmado, com humildade, com a responsabilidade do nosso cargo, à luz da relevância das nossas funções, empunhando a bandeira da sensatez, sem arrogância, sem ódio, sem rancor, despidos da toga, para avaliarmos essas questões.
O certo e recerto, ao que vejo e ao que sinto, desde o meu ponto de observação, é que precisamos, urgentemente, mudar a nossa imagem junto aos jurisdicionados. Ela, definitivamente, não nos iludamos, não é boa. Cá e lá; aqui e acolá, tanto faz. De norte a sul, de leste a oeste, o descrédito é o mesmo. Uns mais, outros menos, é verdade. Mas descrédito é descrédito. E a alma de uma instituição é a sua credibilidade.
Todavia, para mudar o rumo, é preciso perscrutar, ouvir, refletir, reavaliar os nossos conceitos, a nossa postura. É necessário, enfim, detectar onde está a nossa falha, qual o nosso pecado.
Claro que haverá os que discordarão das minhas, digamos, inquietações. Haverá os que dirão que exagero, afinal nem todos querem ver o óbvio. Muitos preferem enterrar a cabeça no chão para não ver a realidade. Esses, digo contristado, apenas se iludem, ou imaginam, equivocadamente, que, estando bem na fita, individualmente, pouco importa o esfacelamento da instituição. Isso, bem se pode ver, é o individualismo levado ao paroxismo.
Mas a questão que coloco, não se descure, transcende ao individual. Essa não é uma questão solitária. Essa questão envolve toda uma instituição; instituição, reafirmo, com irritante obviedade, essencial à vida social.
O exercício do cargo, por mais relevante que seja, não pode obnubilar a nossa mente; obliterar a nossa capacidade de discernir não pode,
Sugiro que nos reunamos, sem mais tardança, sob a coordenação da Associação dos Magistrados – urgentemente, pra ontem, pra já, agora -, para, se for o caso, refluir, assumir os nossos erros, corrigir os nossos rumos, admitir as nossas omissões, para que voltemos (?) a ser respeitados, na medida certa, pela sociedade.
E não adianta se revoltar com o estou a dizer, como seu eu fosse um insurreto, inconseqüente, desfocado da realidade, pois todos sabem que apenas constato um fato.
Haverá quem argumente que apenas exagero. Em face desse simplório exame da questão aqui albergada, respondo com um velho provérbio popular: o pior cego é o que não quer ver.
Vou repetir: é preciso perquirir, avaliar, com a necessária humildade, por que somos tão pisoteados por uma parcela significativa da sociedade. Respondida essa indagação, a partir de um diagnóstico sério, é só repensar a nossa postura, rever os nossos conceitos.
Não dá mais para esperar. Temos que sair da inércia. Não nos apraz – a absoluta maioria, pelo menos – o poder pelo poder, pelo que ele tem de bom, pelas vantagens que dele possamos eventual usufruir.
Volto a indagar, com a mesma inquietação, contristado, cabisbaixo: o que há em nós, magistrados, que tanto afronta parcela significativa da nossa sociedade? Por que, sobretudo os juízes de 2ª instância, são, muitas vezes, tão malfalados?
Nós temos que responder a essas indagações – e buscar solução. Nós não podemos fingir que isso não nos incomoda. Isso incomoda, sim. Isso aborrece, sim. Isso faz mal aos nossos filhos, aos nossos amigos, aos que nos querem bem, aos que nos admiram.
Por que se diz, com tanta frequência – e injustamente, sublinho -, com deboche e escárnio, que os magistrados do segundo grau são apenas uns privilegiados, como se vivessem apenas em razão do bônus do poder, sem compromisso e sem responsabilidade com as suas decisões?
A arrogância de uns poucos, a prepotência dos despreparados para o exercício do cargo, e o desprezo de uns poucos pela própria instituição seriam a causa de tanta zombaria?
A vaidade excessiva – e, às vezes, até doentia – de alguns poucos é que nos conduz a essa situação? Ou, nessa medida, estar-se-ia simplificando as coisas?
Os jocosamente alcunhados juízes TQQ’s seriam a razão da nossa desdita, do nosso infortúnio, do nosso pouco crédito?
A baixa produtividade, e a falta de compromisso de uns poucos, seriam relevantes a ponto de espargirem a nódoa do descrédito em toda instituição?
E os que trabalham, que se dedicam, que honram a toga, que não negociam as decisões, que se esmeram para bem decidir, devem suportar os efeitos irradiados pela inércia, pela contumácia, pela pachorra, pela incúria dos descomprometidos?
As ações do CNJ, por terem escancarado algumas das nossas mazelas, seriam a causa maior do nosso descrédito nos dias atuais?
O que fazer diante desse quadro? Calar? Fingir que não vê? Deixar-como-está-para-ver-como-é-que-fica?
E as consequências desse descrédito? Não teria chegado a hora de contabilizar as nossas perdas, sem máscaras, sem enleio, com a necessária firmeza ?
É correto fingir que não temos nada a ver com isso?
Não seria chegada a hora de, uma vez identificados, expungir, defenestrar, com sofreguidão, sem pena e sem dó, os maus profissionais, os que contaminam, que destroem, com a sua ação daninha, a nossa instituição?
Por que alguns chegam ao extremo de dizer, com tanta tenacidade – e maldade, no mesmo passo – , que somos parasitas do Estado?
O que fizemos para merecer esse tratamento, essa descortesia?
E os juízes que dedicaram – e os que dedicam – a sua vida, a sua história, a sua saúde, a sua dignidade, o seu tempo, as suas horas de lazer à magistratura, não estão a merecer um desagravo?
Se não somos todos iguais, se a absoluta maioria dos magistrados tem compromisso com a judicatura, por que, então, nos desprezam? Isso decorreria da ostentação de uns poucos?
Por que tantos reclamam, pelos corredores dos Fóruns, por exemplo, da descortesia de determinados magistrados? Isso é ficção ou realidade? Isso nos desgasta ou não? Essa seria, sinceramente, uma das muitas razões de sermos malvistos pelos comuns dos mortais?
Nós, magistrados, temos o direito de tratar com arrogância – às vezes, até deseducadamente – os nossos funcionários, as testemunhas, os réus, os advogados? Quem nos deu esse direito? O poder, apenas? O poder que temos é de julgar as demandas, o direito material, ou de julgar os litigantes?
Nós temos que encontrar respostas, urgentemente, para essas questões.
Nós não podemos mais nos mostrar indiferentes em face do desprezo e do desrespeito com que nos tratam.
A sociedade nos cobra; a nossa consciência exige uma tomada de posição.
Para não ser respeitado, para ser pisoteado, para ser apontado como um marginal (no sentido de estar à margem de) togado, em face da ação descomprometida de alguns, prefiro sair de cena; antes,porém, concito os colegas a uma profunda reflexão sobre o que acabo de expor – preocupado, muito preocupado, preocupadíssimo.