Assalto a coletivo
Karência de Oliveira saiu de casa no dia 15 de novembro de 2005, disposta a fazer qualquer coisa para conseguir dinheiro para gastar consigo e com sua filha.
A filha de Karência, Sonhadora de Oliveira, cansada de tanta miséria, de tanta restrição, queria ter o prazer de degustar um sandwiche no McDonald’s, local que nunca teve acesso e que, quiçá por isso, lhe despertava tanta curiosidade.
Decidida a satisfazer o desejo de sua única filha, Karência saiu de casa com uma faca na mão, disposta qualquer coisa . Lhe veio logo à mente a possibilidade de um assalto. Um assalto, sim. E por que não?
Karência não estava preocupada com as consequências de sua ação. Só pensava no quão prazeroso seria sentar, com sua filha, no Mc Donald’s do Renascença, e degustar um apetitoso Sheda.
-Daqueles mãe, que tem o queijo amarelo que sai pelas beradas.
Para filha de Karência, seria como a realização de um sonho.
Karência poderia, sim, ter procurado uma casa de família para, por exemplo, lavar roupas, passar ou fazer limpeza. Mas ela vivia cansada do dinheiro contado. Sua filha, já mocinha, queria roupas, aparelho celular, sandálias – e , mais grave, tinha um desejo que já não podia mais esperar e que, afinal, não era de difícil realização.
-Mãe, um Sheda, mãe. Isso é tão caro assim – constumava implorar.
Não dava mais pra segurar. Karência entendeu que era hora de agir. Estava decidida: um assalto resolveria os seus problemas mais urgentes. Afinal, pensou, as notícias davam contas de assaltos altamente rentáveis. É verdade que quase não se ouvia falar em mulher assaltante. Isso era que de menos importava, afinal, uma pessoa armada, pode ser um homem ou uma mulher, será sempre temida.
Com essa determinação, por volta das 08h00 do dia 15 de novembro, numa clara manhã de sol, vestiu uma roupa simples (saia e blusa) e, com uma faca na cintura, entrou no ônibus da empresa Santa Clara, prefixo 6607, que dá acesso ao Terminal da Integração do Maracanã.
No interior do coletivo, ainda hesitou. Mas, na mesma hora, decidiu que não podia recuar. Pensava na felicidade de sua filha. Isso bastava.
– O resto é resto, pensava. O que importa mesmo é realizar o desejo de minha filha – pensava, decidida.
Com essa determinação, dirigiu-se à cobradora, sacou da faca – uma faca de mesa – , colocou-a sobre o seu pescoço e anunciou o assalto. Maria dos Aflitos da Silva, com medo de morrer, limitou-se a entregar a féria à Karência.
Parecia tudo muito fácil. Mais fácil do que imaginara, inicialmente.
Alguns metros depois, ela pediu parada e desceu, certa de que tinha logrado êxito na empreitada. Em seguida, tirou o dinheiro que colocara sob o sutiã, e passou a contá-lo, ao mesmo tempo em que fazia planos mirabolantes, sem ter a menor ideia do que viria a seguir.
-Korajoso dos Santos, aquela senhora acabou de me assaltar – disse Maria dos Aflitos ao motorista do coletivo.
-Que arma ela utilizou? – indagou o motorista.
-Uma faca – respondeu Maria dos Aflitos.
Korajoso dos Santos não teve dúvidas: desceu do coletivo, se armou com pedras e passou a jogá-las contra a autora do crime.
Karência, decidida a assegurar, de qualquer forma, o resultado da empreitada criminosa, atracou-se com Korajoso dos Santos e desferiu nele uma facada, saindo em desabalada carreira. Todavia, ela não contava com a reação dos populares, os quais, em solidariedade a Korajoso dos Santos – que permanecia caido, sangrando muito – , saíram em perseguição da desditosa Karência, que só não foi linchada porque se homiziou na residência de um desconhecido
Em face do crime que praticou , Karência foi condenada a 05 (cinco) anos e 04 (quatro)meses de reclusão, vindo por esse motivo a perder a guarda da filha, que foi embora com uma família para outro Estado da Federação e de quem nunca mais teve notícia.
Refletindo sobre o desfecho de sua mal sucedida empreitada, Karência disse para suas amigas de prisão, que só praticara aquele assalto pelo fato de conhecer vários casos de pessoas que cometem crimes e nada tinha acontecido; daí, imaginou que com ela não seria diferente.
A Karência só restou mesmo lamentar diariamente a sua infelecidade, e repetir para suas colegas de infortúnios:
-Eu tenho certeza de que só fui presa e condenada porque sou pobre. Se eu tivesse dinheiro, é claro que eu não estaria mais aqui. Aliás, eu não teria sequer sido processada. Fazer o quê? Numa Justiça como a nossa, voltada apenas para os miseráveis, eu é que me enganei ao supor que nada me aconteceria.
Para outra amiga de cela, ela disse, amargurada:
– Essa foi a última vez que me envolvi com crimes. Eu vou deixar isso só pros bacanas. Com eles nada acontece. Eu não sou eles. Eu sou eu: pobre, preta, feia… Não podia mesmo escapar das mãos da Justiça.
-Além da minha liberdade – disse Karência –, perdi o meu bem mais precioso: a minha filha, cujo paradeiro desconheço.
Os personagens dessa história são fictícios, mas ela , além de verdadeira, retrata muito bem o que é a Justiça Criminal em nosso país.