A vitória da esperteza

maradona_gol_de_mao_legoTem sido assim, desde sempre: o que importa é vencer, independentemente dos meios.

A sociedade, de tanto testemunhar a vitória da esperteza, termina por concluir que tem que ser assim mesmo.

O cidadão comum, diante de tantos exemplos negativos, fica com a clara sensação que ser correto é bobagem.

Há muitos exemplos, na história, da vitória – e comemoração – da esperteza. Os bobos que se danem, que paguem o preço por insistirem em ser corretos.

Mas os exemplos não precisam ser buscados na história. Todos os dias testemunhamos a vitória da esperteza; muitas vezes como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Faço essas afirmações, em face de várias vezes ter testemunhado a vitória da malandragem, e a vibração dos que torcem pela malandragem, dos que apoiam a malandragem,  o que, desde minha avaliação, é muito grave, pois fica-se com a impressão de que o oportunismo, no que ele tem de mais nefasto, só depende mesmo das circunstâncias.

Para recordar. Maradona fez um gol com a mão, contra a Inglaterra, em 1986, e por essa esperteza é elogiado até  os dias presentes. Dizem os torcedores argentinos,que não foi a mão de Maradona que tocou na bola; foi – pasmem! –  a mão de Deus.

Não se ouviu, vindo da nação Argentina, nenhuma crítica, muito menos condenação por essa malandragem. O toque malandro serviu, argumentam, para calar a boca dos otários, dos que, bobos, fazem e são flagrados. É como se dissessem: para tripudiar, para sobrepujar a ética, com atos de esperteza e malandragem, tem que ser vivaz e inteligente; inteligência que poucos têm comparável à de Maradona e de outros que, como ele, usam da esperteza para alcançarem as suas conquistas.

“Feio mesmo é perder”, dizem os que fazem coro à malandragem.

Na quarta-feira passada, o Corinthians foi desclassificado da Taça Libertadores, dentre outros motivos, em face de o árbitro não ter marcado um pênalti decorrente de uma jogada de mão de um jogador argentino.

Os corintianos, porque perderam, criticaram a esperteza; o torcedores do Boca, porque ganharam, enalteceram a “habilidade” do zagueiro. Para os torcedores do Boca, não há nada de mais em “roubar” o adversário, afinal, eles também fazem coro ao apotegma: feio mesmo é perder. Críticas eles mereceriam, pensam os torcedores do Boca,  é se não tivessem alcançado a classificação, ainda que pela via da malandragem.

Nesse sentido, eu já ouvi, de cronistas esportivos, incontáveis vezes, que o que importa mesmo – no futebol, pelo menos – é vencer,  ainda que seja fora do tempo normal, com um gol de mão, afinal, depois do resultado alcançado, sabe-se, nada mais pode ser feito.

Tivesse sido o Corinthians a vencer , beneficiado pelos erros da arbitragem, os argumentos dos torcedores brasileiros seriam os mesmos de que se valem hoje os torcedores do Boca: feio mesmo é perder e/ou tudo isso é choro de perdedor.

E assim vamos: acolhendo ou rejeitando a esperteza, dependendo da posição em que nos encontramos. Tudo muito espertamente, malandramente, como, afinal, tem sido, desde sempre.

Belo exemplo nos dão os que, convenientemente, aplaudem esse tipo de atitude.

São esses mesmos que não perdem uma oportunidade de condenar um político, quando, por exemplo, condiciona a aprovação de uma lei à liberação dos valores referentes às emendas parlamentares; aqueles valores que ninguém sabe – ou, pelo menos, não somos informados –  onde são empregados.

É isso.

Mau exemplo

‘Eis que a MP dos Portos é aprovada, como era de se esperar, quando prevalece a barganha toma lá-dá-cá. Enfim, os deputados estariam exauridos, pois ´trabalharam até às 5 horas e voltaram às 11 horas do mesmo dia. No plenário, alguns dormiam sem sapatos. Que imagem! No Senado, a votação foi a toque de caixa, com o maestro Renan e sua batuta. Nada analisado, a Casa se apequenou. A mídia ressalta “ter sido a mais longa sessão da Câmara” ultrapassando discussões importantes, como as da Diretas Já e da Constituição de 1988. Penso: A MP deve está aprimorada, após tanta tramitação, embates, emendas. Eis a questão: emendas parlamentares liberadas. Viva! Enfim, mais um exemplo – a não ser seguido – do parlamento que possuímos. Ainda assim, é melhor a democracia”. José Luiz Villas-Bôas.Rio.

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“O que se viu na mídia é a falência do Congresso Nacional. Deputados dormindo de boca aberta, sem pudor, para no final aprovarem uma medida duvidosa, pois focaram somente os portos. E as estradas, e os silos para armazenagem da produção? São uns galhofeiros, preocupados apenas com o toma lá dá cá, buscando suas conveniências. E o Senado? Virou apenas Casa homologatória do Executivo. Estamos caminhando para lugares cada vez mais sombrios. Deus nos ajude”. Augusto Maciel Coelho. Rio

Da Folha de São Paulo

ALEXANDRE PADILHA

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil precisa de médicos estrangeiros?

SIM

Mais médicos: o cidadão não pode esperar

Atrair médicos estrangeiros para o Brasil não pode ser um tabu. Abordagens desse tema, por vezes preconceituosas, não podem mascarar uma constatação: o Brasil precisa de mais médicos com qualidade e mais perto da população.

Temos 1,8 médico para cada 1.000 brasileiros, índice abaixo de países desenvolvidos como Reino Unido (2,7), Portugal (4) e Espanha (4) e de outros latino-americanos como Argentina (3,2) e México (2).

Se do ponto de vista nacional, a escassez desses profissionais já é latente, os desníveis regionais tornam o quadro ainda mais dramático: 22 Estados têm média inferior à nacional, como Maranhão (0,58), Amapá (0,76) e Pará (0,77). Mesmo em São Paulo, apenas cinco regiões estão acima do índice nacional, deixando o Estado com 2,49 médicos por 1.000 habitantes.

Desse modo, não surpreende que quase 60% da população, segundo o Ipea, aponte a falta de médicos como maior problema do SUS. A população, assim como os gestores, sabe que não se faz saúde sem médico.

De 2003 a 2011, surgiram 147 mil vagas de primeiro emprego formal para médicos, mas só 93 mil se formaram. Além desse deficit, os investimentos do Ministério da Saúde em novos hospitais, UPAs (unidades de pronto atendimento) e unidades básicas demandarão a contratação de mais 26 mil médicos até 2014.

Nas áreas mais carentes, seja nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, seja na periferia da Grande São Paulo, a dificuldade de por médicos à disposição da população é crônica: em alguns casos, salários acima dos pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal e planos de carreira regionais não bastam.

Foi esse nó crítico que levou prefeitos de todo o país a pressionarem o governo federal por medidas para levar mais médicos para perto da população. Para enfrentar essa realidade, os ministérios da Saúde e da Educação estão analisando modelos exitosos adotados em outros países com dificuldades semelhantes.

Em primeiro lugar, estamos trabalhando para estimular os jovens brasileiros que abraçam a missão de salvar vidas como profissão, com ações como o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), que oferece bolsa de R$ 8.000 mensais e bônus de 10% nas provas de residência a quem atua em áreas carentes, e a expansão das vagas em cursos de medicina e de residência para formar especialistas.

Mas oito anos de formação é tempo demais para quem sofre à espera de atendimento.

A experiência internacional tem apontado para duas estratégias complementares entre si: uma em que o médico se submete a exame de validação do diploma e obtém o direito de exercer a medicina em qualquer região; e outra específica para as zonas mais carentes, em que se concede autorização especial para atuação restrita àquela área, na atenção básica, por um período fixo.

Adotadas em países desenvolvidos, essas ações representaram decisivo ganho da capacidade de atendimento. Na Inglaterra, por exemplo, quase 40% dos médicos em atuação se graduaram em outros países –índice que é de 25% nos Estados Unidos, de 22% no Canadá e de 17% na Austrália–, enquanto, no Brasil, apenas 1% dos profissionais se formaram no exterior.

O debate tem sido conduzido com responsabilidade. Ainda não há uma proposta definida, mas alguns pontos já foram descartados: não haverá validação automática de diploma; não admitiremos profissionais vindos de países com menos médicos que o Brasil; e só atrairemos profissionais formados em instituições de ensino autorizadas e reconhecidas em seus países de origem.

Com isso, atrair profissionais qualificados será mais uma das medidas para levar mais médicos para onde os brasileiros mais precisam.

ALEXANDRE PADILHA, 41, é ministro da Saúde

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Da Folha de São Paulo

ROBERTO LUIZ D’AVILA

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil precisa de médicos estrangeiros?

NÃO

Não se faz boa saúde com falácias

A “importação” de médicos estrangeiros e de brasileiros portadores de diplomas de medicina obtidos no exterior esconde os reais motivos da falta de assistência nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades. Aliás, ouso dizer que interessa a setores do governo colocar toda sua energia nesse embate, como se estivesse em jogo a solução final dos problemas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Querem fazer crer que tudo seria resolvido num passe de mágica. Mas nem o grandeHoudini –o maior ilusionista de todos os tempos– daria conta do que quer o governo. A lógica é simples: instalam-se médicos (estrangeiros ou nativos) em áreas de difícil provimento e –abracadabra!– a população passa a ter a assistência dos seus sonhos.

No entanto, é fácil prever o fracasso desse estratagema. A assistência de qualidade não se faz apenas com médicos com um estetoscópio no pescoço. É preciso investimentoem infraestrutura, insumos, apoio de equipes multidisciplinares e profissionais estimulados por políticas que reconheçam seu valor e sua essencialidade dentro de um modelo de atenção, que míngua devido à incompetência gerencial.

Os defensores da importação dos médicos adoram comparar a razão brasileira de médicos por habitante (atualmente na casa de 2/1.000) com os números de outros países. Dizem que precisamos atingir os indicadores da Suécia (3,73), França (3,28), Alemanha (3,64), Espanha (3,71), Reino Unido (2,64) e Argentina (3,16), segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

É estratégico esquecerem-se de mencionar que o governo dessas nações (com sistemas de saúde semelhantes ao SUS) investem mais do que o Brasil. Na Inglaterra, a participação do Estado no gasto nacional em saúde chega a 84%. Na Suécia, França, Alemanha e Espanha, oscila de 74% a 81%. Na Argentina, é de 66%. No Brasil, é de 44%. Os números falam por si.

Outro ponto que o governo distorce em sua argumentação diz respeito à forma de acesso de médicos estrangeiros ao mercado de trabalho. É verdade que eles representam segmento importante dentre os profissionais do Canadá e da Inglaterra, por exemplo. No entanto, ao contrário do que o Ministério da Saúde diz, ninguém desembarca e sai atendendo pacientes logo de cara.

Nesses países, e na maioria das nações sérias, os médicos com diplomas obtidos no exterior só podem clinicar após passarem por criteriosos processos para avaliar suas competências. Enquanto não é aprovado, ninguém vai para hospitais treinar sua falta de conhecimentos na pele e nos ossos dos nativos de plantão. No Brasil, espera-se a mesma cautela.

Diferentemente do que tem sido dito, a grita das entidades médicas não tem nada de corporativista ou xenófoba. Serão bem-vindos todos os médicos e brasileiros formados em outros países, desde que provem em exames do nível do atual Revalida (criado pelo próprio governo, em 2010) que dão conta do recado.

No Brasil, não há meio médico. Quem faz medicina tem que resolver os desafios em todos os níveis de complexidade: de uma diarreia a um procedimento de emergência. Trazer médicos que vão apenas fazer consultas em postos de saúde é, no mínimo, um paliativo. E o que acontece se num desses rincões o Seu João tiver uma crise aguda de apendicite? O prefeito e o médico do posto o colocarão numa ambulância rumo ao município vizinho?

Esse embuste tem nome: pseudoassistência. E quem concorda em fazer parte dessa armação é um pseudomédico. Não enxergo uma nesga de arrogância nessa constatação. Aliás, me parecem portar o gene desse sentimento aqueles que tentam ludibriar os incautos transformando falácias em saúde de qualidade.

ROBERTO LUIZ D’AVILA, 60, cardiologista, é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Só teatro

DE SÃO PAULO

Barbara Gancia

Parece que Joaquim Barbosa anda irrequieto. Alega que um carro preto cheio de ho­mens deu para rondar sua casa. Hmmmm. Na minha modestíssima opinião, podem ser asseclas do Pinguim ou, quem sabe, do Coringa. Mas eu não descartaria algum estratagema terrível da Mulher Gato –nunca se sabe, daquela felina pode-se esperar qualquer coisa.

Quinzão não anda vendo espectros gratuitamente. Teme a hipótese de que o plenário do STF decida em favor de recursos que favoreçam os réus do mensalão que tiveram quatro votos a favor.

Joaquim Barbosa, super-herói da nação, salvador da pátria varonil, azul e anil, não admite hipótese que assegure os direitos dos 37 réus que ele reuniu em um só corpo e julgou simultaneamente. Batman quer jogar todos na cadeia já. Caso contrário estaríamos incorrendo em privilégio de poucos, estaríamos entrando no terreno da “impunidade”.

Mas, vem cá: foram quatro os juízes que levantaram dúvidas razoáveis acerca da culpabilidade dos réus, não foram? E, que se saiba, há mais de 800 anos a possibilidade de recurso vem sendo assegurada por lei, certo? Não será a entrada desenhada de luva de Barbosa em campo na disputadíssima contenda do Fla-Flu que irá satisfazer a sede de punibilidade a qualquer custo por parte da torcida, não?

Em 20 ou 30 anos, quando o contexto político for outro; a composição do STF for outra e, quem sabe, a temperatura for mais baixa nas áreas da banca em que ficam empilhadas as revistas semanais, as pessoas quem sabe se darão conta de que o acórdão, a sentença final do mensalão, é um documento sem pé nem cabeça, sem sustentação alguma, sem lógica interna, e que não foi a “impunidade” que o fez naufragar, mas sua falta de coerência.

QUEM SABE.

Desde o dia 1º venho martelando que a peça é capenga. Não, não entendo xongas de direito. Eu mais os milhões de fãs de Barbosa que ficaram meses com o nariz grudado na TV vendo o juiz em ação –sem revide da defesa, diga-se. Mas muito especialista que examinou a papelada reconhece que existe ali mais populismo jurídico do que competência de fato –foram 37 réus julgados de uma vez só por crimes diversos, onde já se viu uma coisa dessas?

Ora, ora, por que será que vários ministros retiraram suas considerações da versão final da sentença, não é mesmo, juiz Fux? O caro leitor já tentou ler o documento? Também não li. Mas quem teve de se debruçar sobre a obra atesta que ela não diz lé com cré.

Em sua sentença, um juiz precisa deixar claro para a sociedade os motivos que o levaram a chegar às suas conclusões. No processo do mensalão, Joaquim Barbosa fabricou um teatrinho que criou na sociedade brasileira uma série de falsas expectativas. Havia ali o papel do bandido, do mocinho, tinha a pecha de “maior julgamento da história” e havia até a certeza indiscutível de que viríamos um final feliz.

Agora, quem criou todas essas esperanças, quem usou de fígado em vez de ciência, quem deu um chute no traseiro da oportunidade histórica e será o responsável pela frustração de um país inteiro, além de reforçar uma perigosa polarização entre correntes de esquerda e direita, é o mesmo homem capaz de se dizer tão desencantado com o sistema a ponto de abandonar a toga e se candidatar a presidente. Duvida? Bem, depois não diga que não foi avisado…

Barbara Gancia

Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal. É colunista do caderno “Cotidiano” e da revista “sãopaulo”.

Divisão de poderes

STF discute controle de constitucionalidade pelo Senado
Por Rodrigo Haidar

O Supremo Tribunal Federal voltou a se dividir, nesta quinta-feira (16/5), ao discutir a amplitude das atribuições do Senado diante de decisões do tribunal que declarem a inconstitucionalidade de leis em ações de controle difuso. O debate se dá por conta de uma previsão da Constituição Federal.

Em seu artigo 52, inciso X, a Constituição prevê que compete privativamente ao Senado “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Por enquanto, por 3 votos a 2, o Supremo se inclina por decidir que a lei declarada inconstitucional em pedido de Habeas Corpus depende da chancela do Senado para ter eficácia geral. Ou seja, para vincular as decisões de instâncias inferiores e da administração pública.

Nos casos em que o Supremo declara a inconstitucionalidade de leis em ações de controle concentrado, casos da Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, as decisões surtem efeito imediato, também por conta de previsão expressa da Constituição.

Leia matéria completa no Consultor Jurídico

O que eles disseram

O deputado Bernardo Santana, do PR de Minas Gerais, durante a maratona da votação da MP do Portos na Câmara dos Deputados- provocada por eles próprios, para barganhar vantagens – disse que o submeteram a “trabalho escravo”.

Do deputado Domingos Dutra: ” Chegou a hora da CPI dos Porcos, para investigar os homens de bens que chafurdam nas  águas sujas dos portos brasileiros”.

Do deputado Ronaldo Caiado para o Deputado Garotinho: (Você) Está com catinga de porcos. Chefe de quadrilha tem que estar é na cadeia.

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Não conheço ninguém

Pasquale Cipro Neto

Comecei o texto da semana passada referindo-me a mensagens de leitores, que me pedem comentários e explicações sobre os mais diversos temas ligados à nossa língua.

Pois bem. Uma das questões “penduradas” há um bocado de tempo diz respeito ao emprego do que se costuma chamar “dupla negação”. Trata-se do emprego na mesma frase de “não” e “ninguém” (“Não conheço ninguém”), “não” e “nada” (“Não fiz nada”), “não” e “nenhum” (“Não comprei nenhum”) etc.

O argumento dos que condenam essas construções se baseia na suposta impossibilidade do emprego de duas negativas ou num falso conceito linguístico, segundo o qual “duas negações geram uma afirmação”. De acordo com essa “tese”, uma construção como “Não conheço ninguém” equivale a “Conheço alguém”. Xô, bobagem! Não é nada disso.

Em português (e não só em português), essas duplas negações nem de longe equivalem a uma afirmação. Em italiano, por exemplo, algo como “Non conosco nessuno” equivale literalmente a “Não conheço ninguém”. Ocorre exatamente o mesmo com a construção espanhola “No conozco a nadie” (“nadie” = “ninguém”).

E aí eu me ponho a pensar sobre a origem dessas “verdades”, que circulam por aí há muito tempo (bem antes da internet, por sinal). Depois da internet, então, a coisa piorou muito. Os textos em que se apresentam essas “teses” circulam “assinados”. E as pessoas acreditam.

Que fique claro, caro leitor: construções como as que aparecem no segundo parágrafo deste texto são mais do que legítimas e têm, sim, valor negativo. Quem diz que não comprou nenhum livro durante a Bienal diz que saiu do evento com zero livro debaixo do braço.

Convém lembrar que, quando o sujeito da afirmação é “ninguém”, não se emprega “não” imediatamente depois de “ninguém” (“Ninguém compareceu”, e nunca “Ninguém não compareceu”, frase dada como agramatical por inúmeros autores e obras, como o “ABC da Língua Culta”, de Celso Pedro Luft).

Convém lembrar ainda que há uma ordem padrão para os termos desse tipo de declaração: ou se diz “Ninguém compareceu” ou se diz “Não compareceu ninguém”.

Outro caso interessante é o da palavra “algum”. Há algum tempo, a Fuvest pediu aos candidatos que escrevessem uma frase em que a palavra “algum” tivesse valor negativo. Por incrível que pareça, foram muitos os que não conseguiram. Basta que se posponha “algum/a” a um substantivo para que se alcance o sentido pretendido pela Fuvest: “Professor algum tem esse direito”; “Mulher alguma deve sujeitar-se a isso”; “Não fiz coisa alguma”; “Pessoa alguma convive com isso”.

Aproveito para lembrar que, em termos de concordância, o verbo fica no singular quando o sujeito é iniciado por “nenhum”: “Nenhum dos diretores quis dar entrevista” (e não “Nenhum dos diretores quiseram…”). Tome cuidado com os casos em que o sujeito é longo e, para “piorar”, os penduricalhos da palavra “nenhum” aparecem no plural: “Nenhum dos inúmeros deputados oposicionistas presentes aceitou a proposta do líder do governo” (e não “Nenhum dos inúmeros deputados oposicionistas presentes aceitaram…”).

Vale a pena citar também os casos em que a palavra “ninguém” resume termos anteriores, como se vê neste caso: “Pais, irmãos, tios, primos: ninguém convenceu o rapaz a desistir da empreitada” (e não “Pais, irmãos, tios, primos: ninguém convenceram o rapaz a desistir da empreitada”).

Muitos dos casos que vimos aqui ainda são comuns em provas dos mais variados concursos públicos. Se você é ou será candidato, tome cuidado com essas minúcias. É isso.

pasquale cipro netoPasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa “Nossa Língua Portuguesa” e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de “Cotidiano”.