Pasquale Cipro Neto
Comecei o texto da semana passada referindo-me a mensagens de leitores, que me pedem comentários e explicações sobre os mais diversos temas ligados à nossa língua.
Pois bem. Uma das questões “penduradas” há um bocado de tempo diz respeito ao emprego do que se costuma chamar “dupla negação”. Trata-se do emprego na mesma frase de “não” e “ninguém” (“Não conheço ninguém”), “não” e “nada” (“Não fiz nada”), “não” e “nenhum” (“Não comprei nenhum”) etc.
O argumento dos que condenam essas construções se baseia na suposta impossibilidade do emprego de duas negativas ou num falso conceito linguístico, segundo o qual “duas negações geram uma afirmação”. De acordo com essa “tese”, uma construção como “Não conheço ninguém” equivale a “Conheço alguém”. Xô, bobagem! Não é nada disso.
Em português (e não só em português), essas duplas negações nem de longe equivalem a uma afirmação. Em italiano, por exemplo, algo como “Non conosco nessuno” equivale literalmente a “Não conheço ninguém”. Ocorre exatamente o mesmo com a construção espanhola “No conozco a nadie” (“nadie” = “ninguém”).
E aí eu me ponho a pensar sobre a origem dessas “verdades”, que circulam por aí há muito tempo (bem antes da internet, por sinal). Depois da internet, então, a coisa piorou muito. Os textos em que se apresentam essas “teses” circulam “assinados”. E as pessoas acreditam.
Que fique claro, caro leitor: construções como as que aparecem no segundo parágrafo deste texto são mais do que legítimas e têm, sim, valor negativo. Quem diz que não comprou nenhum livro durante a Bienal diz que saiu do evento com zero livro debaixo do braço.
Convém lembrar que, quando o sujeito da afirmação é “ninguém”, não se emprega “não” imediatamente depois de “ninguém” (“Ninguém compareceu”, e nunca “Ninguém não compareceu”, frase dada como agramatical por inúmeros autores e obras, como o “ABC da Língua Culta”, de Celso Pedro Luft).
Convém lembrar ainda que há uma ordem padrão para os termos desse tipo de declaração: ou se diz “Ninguém compareceu” ou se diz “Não compareceu ninguém”.
Outro caso interessante é o da palavra “algum”. Há algum tempo, a Fuvest pediu aos candidatos que escrevessem uma frase em que a palavra “algum” tivesse valor negativo. Por incrível que pareça, foram muitos os que não conseguiram. Basta que se posponha “algum/a” a um substantivo para que se alcance o sentido pretendido pela Fuvest: “Professor algum tem esse direito”; “Mulher alguma deve sujeitar-se a isso”; “Não fiz coisa alguma”; “Pessoa alguma convive com isso”.
Aproveito para lembrar que, em termos de concordância, o verbo fica no singular quando o sujeito é iniciado por “nenhum”: “Nenhum dos diretores quis dar entrevista” (e não “Nenhum dos diretores quiseram…”). Tome cuidado com os casos em que o sujeito é longo e, para “piorar”, os penduricalhos da palavra “nenhum” aparecem no plural: “Nenhum dos inúmeros deputados oposicionistas presentes aceitou a proposta do líder do governo” (e não “Nenhum dos inúmeros deputados oposicionistas presentes aceitaram…”).
Vale a pena citar também os casos em que a palavra “ninguém” resume termos anteriores, como se vê neste caso: “Pais, irmãos, tios, primos: ninguém convenceu o rapaz a desistir da empreitada” (e não “Pais, irmãos, tios, primos: ninguém convenceram o rapaz a desistir da empreitada”).
Muitos dos casos que vimos aqui ainda são comuns em provas dos mais variados concursos públicos. Se você é ou será candidato, tome cuidado com essas minúcias. É isso.